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O direito de resposta ou desagravo pós ab-rogação da norma penal especial

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Agenda 19/03/2015 às 12:23

Em que pese a opinião de que a revogação da Lei de imprensa criara um vácuo normativo, os códigos Civil, Penal e processuais vigentes e a própria Constituição possuem mecanismos que suprem suficientemente os da lei mencionada.

Resumo: Ao dar provimento in totum ao pedido de cassação da Lei 5.250/67, formulado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a Suprema Corte baniu do ordenamento jurídico brasileiro todos os dispositivos, civis e penais, regulamentadores da atividade jornalística que se encontravam exclusivamente na referida legislação. Subsistem, naturalmente, os tópicos relacionados à mesma matéria com previsão nos códigos Civil e Penal – e respectivos códigos processuais – e demais legislação vigente. É o caso do direito de resposta expresso na Constituição da República, no Código Eleitoral, na Lei das Eleições e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, celebrada em São José, capital da Costa Rica, e ratificada pelo Brasil. O presente estudo aponta o advento da natureza cível do direito de resposta na nova ordem constitucional-democrática e aborda aspectos processuais pós ab-rogação da referida lei federal especial.

Palavras-chave: ADPF 130/08. Comunicação social. Direito de resposta. Direitos da personalidade. Lei de Imprensa. Liberdade de informação e expressão. Responsabilidade civil.

 “Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.” (Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 8.º).


Introdução

Após as atrocidades contra civis durante a Segunda Guerra (1939-1945), que não poupou crianças, idosos, enfermos, os direitos da personalidade passaram a merecer especial atenção por parte da comunidade internacional. Não somente pelos milhões de indivíduos perseguidos e massacrados – na Itália, pelo Fascismo; na Alemanha, pelo Nacional-Socialismo – em decorrência de convicções religiosas, opiniões políticas, origem étnica ou mesmo aptidões sexuais, mas também pelos outros milhões de civis e prisioneiros das tropas do Eixo (germânicos e nipônicos, principalmente) vítimas de crimes de guerra perpetrados pelas Potências Aliadas (notadamente Estados Unidos da América, Reino Unido e a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).

Na Carta de 10 de dezembro de 1948, os estados-membros da recém-criada Organização das Nações Unidas, “considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade”, se comprometem a observar o “respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem” (Declaração Universal dos Direitos Humanos (preâmbulo). Nova Iorque: ONU, 1948).

Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (Idem, art. 2°, I)

Nas modernas civilizações em que predominam o estado de direito e o regime democrático a liberdade de comunicação e expressão e os princípios inerentes aos direitos da personalidade – intimidade, liberdade, honra e imagem – permanecem em constante tensão.

Dois leading cases do Supremo Tribunal Federal que marcaram o ano de 2009 no País dizem respeito a essa dicotomia: a polêmica decisão que declarou a desnecessidade do diploma para o exercício da atividade jornalística e a revogação total da lei federal que regulou “a liberdade de manifestação do pensamento e de informação”, sendo esta o objeto do presente estudo, mais precisamente a alteração na natureza jurídica do direito de resposta após a suspensão da eficácia da norma penal especial.


Gênese da ADPF 130

 Com fundamento na Lei 5.250/67, de 9 de fevereiro de 1967, integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus ajuízam em todo o País ações indenizatórias múltiplas contra empresas jornalísticas e profissionais que questionaram a licitude do patrimônio de pessoas ligadas à igreja, inclusive seu fundador, o bispo Edir Macedo.

  Em reportagem especial publicada em 15 de dezembro de 2007, a repórter Elvira Lobato, um dos alvos das investidas de fiéis e pastores da Universal, afirma que “a relação entre a igreja e as empresas dos bispos é obscura”, aventa a hipótese de que “os dízimos dos fiéis sejam esquentados em paraísos fiscais” e cita “o suposto uso de bispos como ‘laranjas’ da igreja na compra de emissoras”.

Em 30 anos de existência, completados em julho, a Igreja Universal do Reino de Deus construiu não apenas um império de radiodifusão, mas um conglomerado de [sic] empresarial em torno dela. Além das 23 emissoras de TV e 40 de rádio, o levantamento da Folha identificou 19 empresas registradas em nome de 32 membros da igreja, na maioria bispos[1]. [...] A legislação em vigor não permite que igrejas explorem, diretamente, o serviço de radiodifusão. A Igreja Católica tem a maioria de suas emissoras (12 TVs e 215 rádios) em nome de fundações. A Iurd ultrapassou as Organizações Globo em número de concessões próprias de televisão.[2]

Em 12 de fevereiro do ano seguinte, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ingressa com Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra a Lei 5.250/67 e endossa editorial de O Globo segundo o qual o verdadeiro e inconfessável objetivo dos evangélicos era “intimidar jornalistas e empresas de comunicação”. Ressalta que “o diploma legal impugnado é produto de um Estado Autoritário, que restringiu as liberdades civis em geral, e as de comunicação em particular” e formula pedido de medida liminar de suspensão de todos os processos e decisões com base no “autoritarismo congênito” da lei especial, e, no mérito, a ab-rogação dos 77 artigos, pedido este provido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 30 de abril de 2009.

A tentativa de censura por meio de múltiplas ações indenizatórias não é novidade. No processo “The New York Times x Sullivan”, já mencionado[3], a Suprema Corte americana deliberou essencialmente sobre o alcance das 1ª e 14ª Emendas, no que se tornou o leading case das liberdades de expressão e de imprensa. Mas está apontada, com ênfase, nos autos, pelo Relator, o juiz Brennam, como “prova dramática” da ameaça à liberdade de imprensa e estratagema punitivo e inibidor da liberdade de manifestação, a diversidade de indenizações requeridas judicialmente pelos servidores aliados do comissário Sullivan, ele mesmo contemplado com uma indenização de 500 mil dólares, dos cinco milhões e seiscentos mil já requeridos judicialmente, pelo mesmo fato, contra o Times. Todos os processos foram soterrados pelo alcance maior da decisão, como se busca nesta ADPF.[4]

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“O pensamento e sua manifestação, assim como a informação”, defende o partido arguente, “são naturalmente livres, sendo que a Constituição em vigor estabelece que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço a essa liberdade, que é ‘plena’ (art. 220, §1.°)”[5].


 As razões do Supremo

A declaração de procedência do pedido do autor na ADPF 130/08 baniu do ordenamento jurídico brasileiro todos os dispositivos regulamentadores da atividade jornalística que se encontravam, exclusivamente, na legislação especial, doravante denominada Lei de Imprensa (embora mais técnica a designação genérica “Lei dos Meios de Comunicação Social” ou “Lei da Atividade Jornalística”, por abarcar outras mídias, como rádio, televisão e, atualmente, a internet[6]).

Como a ação penal se refere à prática de delitos previstos na Lei de Imprensa, e, tendo sido reconhecida pela Corte Suprema a inconstitucionalidade [sic] da referida lei, decisão proferida com eficácia contra todos e efeito vinculante, impossível o prosseguimento no julgamento dos recursos. [...] Nesse sentido: “EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - LEI DE IMPRENSA – REVOGAÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - NECESSIDADE. Julga-se extinto o feito quando revogada a lei em cujo dispositivo se ampara a ação proposta”. (TJMG, Ap. Crim nº 1.0024.05.730890-0/006, 4ª Câmara Criminal, Rel. Des. Herbert Carneiro, j. em 26/08/2009, p. em 18/09/2009). Pelo exposto, julgo extinto o processo, com fulcro no art. 3º, do CPP, c/c art. 267, VI, do CPC, em face da impossibilidade jurídica do pedido contido em lei revogada pelo Supremo Tribunal Federal” (APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0027.06.091847-4/001 - COMARCA DE BETIM).

Subsistem, naturalmente, os tópicos relacionados à mesma matéria com previsão na Constituição da República, nos códigos Civil, Penal e respectivos diplomas processuais, dentre outras normas vigentes, como a Lei das Eleições, o Código Eleitoral e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Ao deferir medida liminar determinando a suspensão da aplicação de artigos da Lei de Imprensa, medida esta referendada pelo Plenário do Supremo, o ministro-relator Carlos Ayres Britto destacou o nítido “viés político-ideológico” da Lei de Imprensa, cujo “projeto de poder [...] remetia às calendas gregas a devolução do governo ao poder civil”.[7]

Mesmo antes de ser levada ao banco de réus, a Lei de Imprensa já não era totalmente aplicada pelo Judiciário. A crítica maior que se fazia, principalmente pela parte interessada – os meios de comunicação –, era o fato de a 5.250/67 ter nascido durante o regime militar, e por isso teria inspiração ditatorial.

Julgados já haviam declarado a incompatibilidade com o atual sistema de alguns dispositivos da Lei de Imprensa, como a tarifação do valor da indenização, limitadas a tetos que variam de dois a duzentos salários mínimos (arts. 51, I-IV, e 52), bem como o prazo decadencial de três meses para o ofendido prestar queixa-crime (57, parte final), incompatível com o art. 103 do Código Penal[8], que estabelece o prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa ou representação.

Outro dispositivo bastante criticado era o que criava a responsabilidade criminal sucessiva:

 Art. 37. São responsáveis pelos crimes cometidos através da imprensa e das emissoras de radiodifusão, sucessivamente: I – o autor do escrito ou transmissão incriminada (art. 28 e § 1.º), sendo pessoa idônea e residente no País, salvo tratando-se de reprodução feita sem o seu consentimento, caso em que responderá como seu autor quem a tiver reproduzido; II – quando o autor estiver ausente do País, ou não tiver idoneidade para responder pelo crime: a) o diretor ou redator-chefe do jornal ou periódico; ou b) o diretor ou redator registrado de acordo com o art. 9.º, inciso III, letra b, no caso de programa de notícias, reportagens, comentários, debates ou entrevistas, transmitidos por emissoras de radiodifusão; III – se o responsável, nos termos do inciso anterior, estiver ausente do País ou não tiver idoneidade para responder pelo crime: a) o gerente ou proprietário das oficinas impressoras no caso de jornais ou periódicos; ou b) o diretor ou o proprietário da estação emissora de serviços de radiodifusão; IV – os distribuidores ou vendedores da publicação ilícita ou clandestina, ou da qual não constar a indicação do autor, editor, ou oficina onde tiver sido feita a impressão.[9]

Ainda, o comando que veda a cumulação da ação de desagravo com o “exercício de ação penal ou civil contra o jornal, periódico, emissora ou agência de notícias, com fundamento na publicação ou transmissão incriminada” (art. 29, § 3) afronta o princípio da Inafastabilidade da Prestação Jurisdicional previsto no art. 5°, XXXV, da Constituição da República: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Diferentemente do que apregoa a doutrina, tampouco a instância administrativa de curso forçado é exceção a tal princípio, ficando o direito de ação apenas prejudicado pela falta de uma das condições da ação, a saber, o interesse de agir, daí o outro nome: jurisdição condicionada.

Também agride a norma constitucional do livre acesso à Justiça a regra contida no art. 57, §, 6.º, condicionando o conhecimento da apelação ao depósito judicial do valor integral da indenização.

Da sentença do juiz caberá apelação, a qual somente será admitida mediante comprovação do depósito, pelo apelante, de quantia igual à importância total da condenação. Com a petição de interposição do recurso, o apelante pedirá expedição de guia para o depósito, sendo a apelação julgada deserta se, no prazo de sua interposição, não for comprovado o depósito. (NR)[10]

A exigência de depósito prévio no valor da condenação para interposição de recurso vai de encontro ao inciso LV do art. 5.º da Constituição vigente (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes), ao inciso XXXIV, alínea “a” (“são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”), dentre outros que versam sobre “o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo” (art. 107, II, §3.º, 115, II, §2.º e 125, §6.º).

O amplo acesso à Justiça já era garantido pela Constituição de 1967, cujo art. 150, § 4.º, asseverava que “a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”.


Da ordem constitucional-democrática

Nas ações movidas pelo então presidente Fernando Collor de Mello e seu secretário particular, Cláudio Francisco Vieira, contra o jornal Folha de S. Paulo e quatro jornalistas – o diretor de Redação, Otavio Frias Filho, o diretor executivo da Sucursal de Brasília, Josias de Souza, e os repórteres Gustavo Krieger e Nelson Blecher[11] – a defesa arguiu a “inconstitucionalidade” do dispositivo (a rigor, trata-se de arguição da não recepção do dispositivo, haja vista ser este anterior à Constituição)[12] que não admite a exceção da verdade[13] contra, dentre outras autoridades, o presidente da República.

É verdade que o veto existe há muito na legislação brasileira e que o Código Penal agasalha regra semelhante[14]. Coincidência ou não, tanto a Lei n.º 5.250/67, quanto o Código Penal (Decreto Lei n.° 2.848/40) foram editados por governos ditatoriais e a lei de imprensa anterior (Lei n.° 2.083/53), originária de um intervalo histórico de democracia liberal, não adotava a proibição (autos 900102736-9 e 900100141-6).

A carta aberta de Frias Filho, estampada na primeira página segue nessa linha: “Eu defendo para cada um a possibilidade de expressar o que pensa sem ir para a cadeia por isso, enquanto o sr. se agarra à lei de imprensa do regime militar; eu procuro alcançar o exemplo dos grandes jornalistas do passado, o sr. desce à mesquinharia dos tiranetes”[15].

Em seu voto, reiterando o entendimento prolatado por ocasião da medida acautelatória, o ministro Menezes Direito expressa opinião semelhante, asseverando “que não é possível legislar com conteúdo punitivo, impeditivo do exercício da liberdade de imprensa, isto é, que criem condições de intimidação”.

É inegável que em 1967 viviam-se tempos de exceção, que a liberdade de expressão foi o primeiro alvo do regime antidemocrático ora instalado e que alguns artigos da Lei de Imprensa conflitariam com os preceitos da “Constituição Cidadã” de 1988. Mas também há de se reconhecer que sua grande parte se harmoniza com o atual sistema, servindo de garantia para o exercício da liberdade de imprensa, motivo pelo qual os ministros Eros Grau, Menezes Direito e Celso de Mello ficaram vencidos quando votaram pela ab-rogação cautelar do diploma.

A Lei de Imprensa vedava inclusive a censura prévia, assegurando a “manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer” (art. 1º, caput)[16] e, malgrado menos condescendente em relação aos abusos[17], trazia diversas garantias à liberdade de informação, como o sigilo da fonte (art. 71), e prerrogativas, como a prisão especial (art. 66, caput e parágrafo único), nos moldes da reservada às autoridades públicas civis e militares (magistrados e governadores, inclusive).

Já os exíguos lapsos decadenciais para o ofendido notificar a empresa jornalística[18] e ajuizar ação de reparação civil[19] (de sessenta dias e de três meses, respectivamente) eram, indiscutivelmente, benéficos para os órgãos de comunicação social. A Lei de Imprensa vigorou por quarenta e dois anos, metade dos quais sob o regime democrático, tendo dela se servido o próprio fundador do partido arguente.[20]

É na famigerada legislação que os veículos de comunicação se socorrem, notadamente o art. 27 e incisos, in verbis:

Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação: I – a opinião desfavorável da crítica, literária, artística, científica ou desportiva, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; II – a reprodução, integral ou resumida, desde que não constitua matéria reservada ou sigilosa, de relatórios, pareceres, decisões ou atos proferidos pelos órgãos competentes das Casas legislativas; III – noticiar ou comentar, resumida ou amplamente, projetos e atos do Poder Legislativo, bem como debates e críticas a seu respeito; IV – a reprodução integral, parcial ou abreviada, a notícia, crônica ou resenha dos debates escritos ou orais, perante juízes e tribunais, bem como a divulgação de despachos e sentenças e de tudo quanto fôr ordenado ou comunicado por autoridades judiciais; V – a divulgação de articulados, quotas ou alegações produzidas em juízo pelas partes ou seus procuradores; VI – a divulgação, a discussão e a crítica de atos e decisões do Poder Executivo e seus agentes, desde que não se trate de matéria de natureza reservada ou sigilosa; VII – a crítica às leis e a demonstração de sua inconveniência ou inoportunidade; VIII – a crítica inspirada pelo interêsse público; IX – a exposição de doutrina ou idéia. Parágrafo único. Nos casos dos incisos II a VI dêste artigo, a reprodução ou noticiário que contenha injúria, calúnia ou difamação deixará de constituir abuso no exercício da liberdade de informação, se forem fiéis e feitas de modo que não demonstrem má-fé.

Importantes textos outorgados em períodos ditatoriais permanecem em vigor, convivendo com o atual panorama constitucional: o Código Tributário Nacional (1966), o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar (1969), o Estatuto do Estrangeiro (1980), o Código de Processo Civil (1973), a Lei das Contravenções Penais e o Código de Processo Penal (1941), o Código Penal (1940), o qual teria inspirações fascistas, a Lei de Execução Fiscal (1980), a Lei da Anistia (1979) e a Consolidação das Leis do Trabalho (1943), para citar alguns, carecendo, data venia, de razoabilidade a cassação da Lei de Imprensa pelo fundamento de que esta conflitava com as normas democráticas.

Também a Lei de Ação Popular[21], ainda vigente, nasceu no período crítico, sendo sancionada pelo marechal-presidente Castelo Branco[22] em 29 de junho de 1965. Por sua vez, o projeto do Novo Código Civil, em vigor desde 2003, é da lavra do governo Geisel[23], tendo sido encaminhado ao Congresso Nacional em 10 de junho de 1975.

Mesmo o atual Código Eleitoral, que disciplina o direito de voto, ápice do exercício da cidadania, é de 1965. Por isso não prevê, por exemplo, Recurso Contra Expedição de Diploma em face do presidente da República. Mas não houve necessidade de banimento do código. Apenas não são aplicados integralmente todos os seus dispositivos.

Foram, ainda, recepcionados como leis federais decretos-leis editados, tanto quanto a Lei de Imprensa, no período de recesso compulsório do Congresso Nacional (27 de janeiro de 1966 a 28 de fevereiro de 1967), como o decreto lei n. 201, norma penal incriminadora reminiscente de Ato Institucional – portanto sem limitações quanto à matéria a ser tratada – dispondo sobre responsabilidade criminal de prefeitos e vereadores.

Significa dizer que a Lei de Imprensa, quod erat demonstrandum, fora revogada pelo novo ordenamento constitucional tão somente naquilo em que com este era incompatível. Caberia ao Supremo declarar a derrogação (revogação parcial) e não a ab-rogação (revogação total) do diploma, cujo fundamento de validade e eficácia está no art. 220, caput e §§ 1.º e 2.º (Constituição da República, Capítulo V, Da comunicação social).

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1.º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2.º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística [sem os destaques no original].

Em outros termos, os direitos e as garantias fundamentais não são absolutos, de modo que não constitui “embaraço à plena liberdade de informação jornalística [...] o disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII e XIV”, podendo ser objeto de regulamentação a livre “manifestação do pensamento” (5.º, IV), “o direito a indenização pelo dano material ou moral” decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (5.º, X), “o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão” (5.º, XIII) – atividade jornalística inclusa – e “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (5º, V), sem que isso caracterize, assim como a vedação ao anonimato, censura de natureza política, ideológica ou artística.

Sobre o autor
Manoel de Jesus Pereira Almeida

Advogado, pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil. manoelalmeida.adv@gmail.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Manoel Jesus Pereira. O direito de resposta ou desagravo pós ab-rogação da norma penal especial . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4278, 19 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31448. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Publicado originalmente em: JURISVOX: Revista da Faculdade de Direito de Patos de Minas / Centro Universitário de Patos de Minas. -- Ano 12, n. 12 (dez. 2012). -- Patos de Minas: UNIPAM, 2012. pp. 169-188.

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