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A desigualdade dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros no novo Código Civil

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Agenda 08/03/2015 às 12:23

CAPÍTULO III – DO DIREITO SUCESSÓRIO

De origem latina, a palavra sucessão significa substituir, vir após, entrar no lugar de outrem. Eis o sentido amplo do termo, o qual designa toda e qualquer espécie de transmissão, seja ela inter vivos ou causa mortis. A primeira – entre vivos – deriva de disposição contratual entre as partes interessadas em um negócio jurídico, tal qual a compra e venda ou doação. A segunda, por sua vez, provém de um fato jurídico, consistente na morte de alguém a deixar bens transmissíveis aos seus sucessores.[47]

Qualifica-se como hereditária a sucessão causa mortis, por significar a transmissão dos bens ao sucessor, o qual será denominado de herdeiro; advindo daí o termo “herança” - para significar o conjunto de bens, direitos e obrigações transmitidas dessa forma - dando-se início ao direito sucessório.

Conforme se verifica, tal direito tem como fundamento básico o direito de propriedade atrelado ao direito de família; legislando a transmissão de bens, direitos e obrigações, em razão da morte de uma pessoa, aos seus herdeiros, os quais, na maioria dos casos, compreendem seus familiares.[48]

É válido ressaltar, contudo, a existência de determinadas regras de participação da herança, uma vez que os sucessores podem ser classificados de três maneiras diferentes: herdeiro legítimo, herdeiro testamentário ou legatário. O primeiro – herdeiro legítimo – é aquele indicado por lei, segundo a ordem de vocação sucessória, com primazia para os parentes mais próximos.[49]

O herdeiro testamentário, por sua vez, é aquele instituído, nomeado ou contemplado em testamento, cabendo-lhe a totalidade dos bens, se for herdeiro único, ou parte ideal, em concurso com os outros, até que seja efetuada a partilha.

Por fim, o legatário caracteriza àquele que recebe, a título singular, coisa certa e determinada, por vontade do testador.

Ressaltamos, entretanto, que no presente trabalho apenas a sucessão legítima será fruto da nossa análise.

3.1.Da sucessão legítima

A sucessão legítima é aquela resultante da lei. Na ausência de testamento, os bens do falecido são transferidos a quem o legislador indica como herdeiro, respeitando uma ordem de vocação, a qual é formada por diferenciados grupos de herdeiros, excludentes entre si, conforme a prioridade de chamamento estabelecida na lei.

A convocação para a percepção da herança é sucessiva, mas também poderá entrelaçar-se nos casos de concorrência entre o cônjuge ou companheiro e certos parentes sucessíveis. 

Como o vínculo afetivo mais forte que existe é entre pais e filhos, a lei, atenta a tal realidade, contempla com a herança primeiro os parentes em linha reta. Assim, em seu artigo 1.829,[50] o Código Civil estabelece que, primeiro, serão convocados os descendentes, os quais encabeçam a lista dos herdeiros necessários, seguidos pelos ascendentes e cônjuge. Frise-se que, por constituírem o rol dos herdeiros necessários, todos fazem jus à legítima. Após o cônjuge, a ordem de vocação se encerra com o chamamento dos colaterais, os quais são contemplados, não como herdeiros necessários, mas apenas legítimos.

Como visto, o rol dos herdeiros sucessíveis do Código Civil não menciona o companheiro, o qual é tratado em capítulo inicial do título precedente (CC, art. 1.790), com direito à herança em determinadas condições, não sendo considerado herdeiro necessário e constituindo o quarto lugar da ordem de vocação; depois, portanto, dos parentes colaterais.

De modo absolutamente injustificável, portanto, a lei empresta tratamento desigual ao casamento e à união estável no âmbito do direito sucessório; e, ainda que assegurando o direito, tanto ao cônjuge, quanto ao companheiro, de concorrer com os descendentes e ascendentes, prevê tal privilégio em dispositivos legais diferentes e com distinção em relação ao cálculo e base de incidência.[51]

3.2.Da sucessão do cônjuge sobrevivente

Inicialmente é válido ressaltar que, no que tange acerca do direito sucessório do cônjuge e companheiro, o Código Civil de 2002 se mostra extremamente complexo e mal formulado, dispondo, em muitos casos de diversas interpretações. Nasce daí uma série de complicadores, sobretudo quando se fala da concorrência do cônjuge sobrevivente com descendentes do de cujus e do direito sucessório do companheiro como um todo. Demonstrando inconformismo com tal situação, Sílvio de Salvo Venosa afirma que:

Em matéria de direito hereditário do cônjuge e também do companheiro, o Código Civil brasileiro de 2002 representa verdadeira tragédia, um desprestígio e um desrespeito para nosso meio jurídico e para a sociedade, tamanhas são as impropriedades que desembocam em perplexidades interpretativas. Melhor seria que fosse, nesse aspecto, totalmente reescrito e que se apagasse o que foi feito, como uma mancha na cultura jurídica nacional. É incrível que pessoas presumivelmente cultas como os legisladores pudessem praticar tamanhas falhas estruturais no texto legal. Mas o mal está feito e a lei está vigente. Que a apliquem de forma mais justa possível nossos tribunais![52]

 Algumas mudanças, contudo, se mostraram positivas, sobretudo em relação ao cônjuge. Sob a égide do Código Civil anterior o cônjuge integrava a ordem de vocação hereditária, ocupando o terceiro lugar, depois dos descendentes e ascendentes, desde que não estivesse separado do de cujus, não sendo, contudo, considerado herdeiro necessário, de forma que poderia ser excluído da sucessão pela via testamentária.

No atual Código Civil, porém, apesar de permanecer em terceiro lugar na ordem de vocação, o cônjuge foi elevado à condição de herdeiro necessário (CC, art. 1.845), sendo-lhe, portanto, assegurado a legítima. Sua posição foi ainda sensivelmente reforçada por ter participação concorrente com os herdeiros de primeira classe – descendentes - dependendo do regime de bens adotado no casamento, e também com os herdeiros de segunda classe – ascendentes - independente do regime de bens.

Acerca de tal mudança, dispõe Euclides de Oliveira:

Esse melhor tratamento dispensado ao cônjuge no atual Código Civil constitui o ápice de uma séria de mudanças observadas em nossa legislação. Basta lembrar que anteriormente ao Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivo era o quarto na ordem sucessória, vindo depois dos colaterais. E como estes sucediam, à época, até o décimo grau, imagine-se a raridade de vir sobrar algum bem da herança ao infortunado cônjuge.[53]

Frise-se, no entanto, que ainda permanece a regra de que o direito sucessório do cônjuge só é reconhecido, nos termos do art. 1.830 do Código Civil, se, ao tempo da morte do outro, as partes não estavam separadas judicialmente, ou separadas de fato há mais de dois anos, salvo, neste caso, se o cônjuge comprovar que a convivência se tornou impossível sem sua culpa.

3.2.1.Concorrência do cônjuge com os descendentes

Ao analisar a concorrência do cônjuge supérstite com os descendentes é necessária a observância de dois aspectos inerentes ao texto legal: a) a condição de concorrência do cônjuge com os descendentes, de acordo com o regime de bens do casamento; b) o cálculo do quinhão do cônjuge, segundo a origem dos descendentes com os quais esteja concorrendo.[54]

Assim, o regime de bens adotado no casamento caracteriza-se como condição para a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes (CC, art. 1.829, I); não existindo concorrência se o regime de bens for o da comunhão universal, da separação obrigatória ou se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança não deixou bens particulares. Frise-se, contudo, que a regra é a concorrência; sendo a não concorrência a exceção.

Acerca dessa questão, é válido ressaltar que o Código Civil de 1916, seguindo o princípio da imutabilidade do regime de bens, defendia, em seu art. 230, que o este começava a vigorar desde a data do casamento e era irrevogável. No atual Código Civil, contudo, a situação foi contornada, estando mais condizente com a realidade, passando a ser admissível a alteração de regime, desde que mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges (CC, art. 1.639, §2º).[55] Em virtude de tal fato, o que determinará se o cônjuge concorre ou não com os descendentes é o regime de bens que vigorar na época da morte do autor da sucessão.

Conforme supracitado, inexiste o direito de concorrência ao cônjuge casado sob o regime de comunhão universal de bens, uma vez que este já tem direito à meação sobre todo o acervo patrimonial. Em tal situação, até se consegue vislumbrar a intenção do legislador: a meação garante que o viúvo receba metade dos bens do de cujus, de forma que, deferir-lhe mais o direito de concorrência seria excessivo.[56]

Porém, mesmo no regime de comunhão universal podem existir bens que não se comunicam, porque são exclusivos, particulares do outro cônjuge. É o caso, por exemplo, de bens herdados ou doados com cláusula de incomunicabilidade. Assim sendo, caso o de cujus possuísse apenas bens particulares, o cônjuge supérstite nada receberia. Daí o alerta de que retirar do cônjuge sobrevivente o direito de concorrência seria solução de demasiado rigor. Em virtude de tal fato, a doutrina passou a defender o direito de concorrência sobre os bens particulares do falecido, uma vez que a estes não cabe meação. Tal solução, contudo, apesar de parecer justa, ainda não tem respaldo legal.

Da mesma forma, também não haveria concorrência quando se tratasse do regime de separação obrigatória, reforçando a intenção do legislador, ao eliminar as conseqüências patrimoniais do casamento de quem tem mais de setenta anos. No entanto, uma vez que, em tal hipótese, o cônjuge não será meeiro, grande parte dos doutrinadores entende que os bens adquiridos onerosamente no curso da sociedade conjugal devem se comunicar.[57] Corroborando com tal pensamento, o STF já se manifestou, por meio da Súmula 377, admitindo a comunicação dos bens adquiridos durante o casamento.

Em recentes julgados, inclusive, o STJ já se manifestou, aplicando a súmula do STF e alegando que:

É verdade que existem opiniões divergentes sobre o alcance desse dispositivo, no entanto, os iterativos julgados dos nossos Tribunais são no sentido de que os bens adquiridos na constância do casamento, pelo mútuo esforço do casal, se comunicam, pois não existe razão plausível que esses bens pertençam exclusivamente a um deles, desde que representem trabalho e economia de ambos.

(...)

Desse modo, as opiniões de doutrinados, a despeito do seu peso, não podem modificar a orientação norteadora da lei. Nesses casos é o conservadorismo a pedra basilar que se apóia o direito de família, a despeito de estar sendo modificado, e é interessante observar que, mesmo na relação "more uxorio", acompanham os julgados, e agora a Constituição Federal, em seu art. 226, § 3o, preceitua sobre o reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher, já regulamentado pela Lei 8.971 de 29 de dezembro de 1994, no que diz respeito ao direito dos companheiros a alimentos, a sucessão, a partilha dos bens, que deve obedecer idêntico tratamento do regime da comunhão parcial, quanto aos "aquestos".[58]

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No que diz respeito ao regime de separação convencional, contudo, é que se encontra maior incongruência na lei, uma vez que, entre as exceções ao direito de concorrência, a lei esqueceu de citar tal regime. Em virtude de tal situação, surgiram duas correntes doutrinárias. A primeira defende que, caso fosse permitida a concorrência, o cônjuge sobrevivente acabaria brindado com parte dos bens do falecido, ainda que este não tenha sido o direito do casal. Segundo esta doutrina, quando o casal firmou pacto antenupcial estabelecendo o respectivo regime de bens é porque queria afastar qualquer efeito patrimonial do casamento, de forma que, permitir a concorrência, nesse caso, feriria o princípio de respeito à autonomia da vontade.

A segunda corrente, por sua vez, sustenta a comunicação dos aquestos, mesmo em se tratando de regime livremente estabelecido pelos nubentes, caso fique provado que o supérstite tenha efetivamente colaborado para aquisição de alguns bens.

Segundo Zeno Veloso, um dos integrantes de tal corrente:

Essa tese não viola o princípio da autonomia da vontade, consagrada no pacto antenupcial porque não está sendo sustentada pelas normas atinentes ao regime patrimonial de bens, decorrente do casamento, mas pelos preceitos que informam a sociedade de fato.[59]

A jurisprudência, contudo, ainda não é pacífica, existindo decisões no STJ em ambos os sentidos. (REsp 1.111.095/RJ e REsp 471958)

Outra grande dificuldade interpretativa reside quando tratamos acerca do regime de comunhão parcial de bens. Neste, a concorrência, em princípio, não ocorre, mas se dará se o autor da herança houver deixado bens particulares, uma vez que, dos bens comuns, em virtude do cônjuge já ser meeiro, não há razão para que concorra com os descendentes.

Frise-se aqui que, apesar do péssimo tratamento que nosso Código Civil emprestou à sucessão dos companheiros, quando se trata do regime de bens sob análise, e exclusivamente este, o companheiro pode ter alguma vantagem em relação ao cônjuge. Tal fato se justifica, uma vez que o companheiro sobrevivente participa da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável e, se concorrer com os filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; de forma que, além de meeiro, o companheiro sobrevivente também será herdeiro.[60]

Nessa situação, caso o autor da herança, por exemplo, não tenha deixado nenhum bem particular, mas apenas bens adquiridos onerosamente, em se tratando do cônjuge, este nada receberá; enquanto que o companheiro concorrerá com os descendentes sobre todos os bens adquiridos.

Contudo, ressaltamos que o STJ atualmente já aplica ao casamento a mesma lógica que existe na união estável, assegurando ao cônjuge supérstite o direito à meação e à concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares.

Por fim, em relação ao regime de participação final dos aquestos, havendo ou não bens particulares, o cônjuge sobrevivente participa da sucessão com os descendentes, sendo, pois, assegurada-lha a concorrência.

Conforme se verifica, diversos complicadores surgem da transmissão sucessória aos descendentes em concorrência com o cônjuge viúvo, em todo e qualquer regime, trazendo perplexidades mesmo aos especialistas da matéria, principalmente quando se fala nos casos de regime híbridos. Demonstrando inconformismo com tal situação, Maria Berenice Dias afirma que:

Certamente, o primeiro pecado do legislador foi socorrer-se do regime de bens para excluir o direito de concorrência. Ao depois, em confuso dispositivo legal (1.829, I), elege os descendentes como sucessores; consagra o direito concorrente do cônjuge; e traz algumas exceções. Na primeira parte, assegura o direito de concorrência. Em seguida, o afasta quanto aos dois regimes de bens: comunhão universal e separação obrigatória, por meio da expressão “salvo se”.[61]

Admitida, contudo, a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do de cujus, caberá a ele quinhão igual ao dos descendentes que herdam por cabeça. A lei, contudo, faz distinção se essa concorrência é com filhos comuns ou com filhos só do cônjuge falecido; sendo-lhe assegurado, no primeiro caso, no mínimo a quarta parte da herança. Se, porém, o cônjuge supérstite concorrer com descendentes do de cujus, dos quais não seja ascendente, não há reserva da quarta parte, sendo a herança dividida em partes iguais aos que recebem por cabeça.[62]

A conta se mostra fácil quando o número de filhos não é superior a três, uma vez que nesse caso independerá se os filhos são comuns ou não, sendo, em qualquer dessas hipóteses, garantida a parcela do cônjuge. A partir de tal número, contudo, necessário se faz verificar a natureza da filiação para calcular o quinhão de cada qual.

O maior problema, contudo, surge no caso da existência de filiação híbrida, ou seja, composta por descendentes comuns e apenas de cujus. Nesse caso, três teorias tentam resolver o problema, o qual, frise-se, se mostra mais e mais presente em nosso cotidiano. A primeira teoria defende que, em tal situação, deve ser assegurada a garantia mínima em favor do cônjuge. Segundo Venosa - defensor de tal corrente, “o legislador não foi expresso nessa concorrência híbrida, mas parece ser este o espírito da lei”.[63]

A segunda teoria, por sua vez, defende que a herança deverá ser dividia em partes iguais, não sendo assegurada a quarta parte ao cônjuge sobrevivente. A terceira e última teoria utiliza-se de fórmulas matemáticas complexas, na tentativa de se alcançar uma média entre os possíveis quinhões.

A solução, contudo, está longe de ser alcançada, seja na doutrina ou jurisprudência, de forma que apenas o desenrolar do direito poderá resolver tal situação.

3.2.2.Concorrência do cônjuge com os ascendentes

Na falta de descendentes, serão chamados para suceder os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Nesse caso, a concorrência independerá do regime de bens do casamento, de forma que o direito do cônjuge supérstite sempre existirá, mesmo no regime de separação obrigatória ou convencional, uma vez que tal regime afeta apenas a meação.

A quota hereditária, no entanto será variável de acordo com o grau de parentesco e o número de ascendentes que liga o cônjuge supérstite ao falecido. Assim, o cônjuge terá direito a um terço da herança, caso concorra com os ascendentes em primeiro grau (sogro e sogra). Caber-lhe-á metade desta, contudo, se houver apenas um genitor do de cujus (pai ou mãe), mesmo que sobrevivam os avós do genitor falecido, ou quando os ascendentes não forem parentes em primeiro grau do de cujus. Ou seja, se o cônjuge, ao falecer, não possui ascendentes em primeiro grau, mas apenas em segundo (avós), o viúvo receberá metade, enquanto a outra será dividida entre os avôs ainda vivos quando da morte do neto.[64]

3.2.3.Totalidade da herança ao cônjuge

Na falta de descendentes e ascendentes o cônjuge sobrevivente receberá a totalidade da herança. Aqui também independerá o regime de bens do casamento, sendo o cônjuge chamado como herdeiro único, e não mais como concorrente.

É válido ressaltar, entretanto, que, conforme supracitado, tal direito sucessório deve ser interpretado em consonância com o art. 1.830 do Código Civil, somente admitindo-se a transmissão da herança ao cônjuge se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente ou de fato há mais de dois anos.

Ademais, lembramos aqui a curiosa e rara possibilidade de subsistência de um casamento nulo, porém putativo, gerando efeitos ao cônjuge de boa-fé, conforme previsão do art. 1.561 do Código Civil. Nesse caso, uma vez apurada a nulidade depois do óbito de um dos cônjuges, ao sobrevivente de boa-fé seria assegurado os direito civis, incluindo-se os sucessórios, até o dia da sentença anulatória, de forma que poderia concorrer na herança com eventuais co-herdeiros, ou, não havendo outros interessados, receber a totalidade da herança.[65]

3.2.4.Direito de usufruto

O usufruto era previsto no Código Civil de 1916 em favor do cônjuge viúvo, desde que o regime de bens do casamento não fosse o de comunhão universal. Neste caso, o cônjuge supérstite era brindado com o direito real de habitação. O respectivo direito, contudo, incidia apenas sobre a quarta parte dos bens do falecido, se houvesse filhos deste ou do casal, e sobre a metade, se não houvesse filho, mas só ascendentes sobrevivos. Era o chamado usufruto legal sucessório. Sua duração era vitalícia, porém limitada ao tempo da viuvez, motivo pelo qual recebeu também o nome de vidual.

Pela instituição legal do usufruto, intentava-se assegurar ao viúvo, por não lhe caber meação, o direito de fruição sobre parte de todos os bens inventariados, alcançando até mesmo a legítima dos herdeiros necessários.[66]

O Código civil atual, contudo, sob o pretexto de ter elevado o cônjuge a categoria de herdeiro necessário e conceder-lhe o direito de concorrência, deixou de conceder tal direito. Frise-se, inclusive, que a posição doutrinária amplamente majoritária concorda com a posição do legislador, sustentando que esse direito foi banido do sistema jurídico em face do advento da concorrência sucessória.

Maria Berenice, contudo, apresenta pensamento diferenciado sobre tal questão; segundo a doutrinadora:

De qualquer modo, não foi revogada a lei que regulou a união estável, que de forma expressa, garante o direito de usufruto ao companheiro sobrevivente (Lei 8.971/1994 2º I e II). Não havendo incompatibilidade desta lei com o Código Civil, nada justifica se ter por excluído o direito de usufruto na união estável. E, em face do princípio da igualdade das entidades familiares consagrado na Constituição Federal (CF 226), como não dá para atribuir tratamento mais gravoso ao cônjuge, é de se manter o direito de usufruto também no casamento. Ao menos quando o cônjuge sobrevivente não concorre com a herança.[67]

3.2.5.Direito de habitação

Em relação ao direito real de habitação, por sua vez, o Código Civil atual garante-o ao cônjuge sobrevivente, seja qual for o regime de bens e independente de sua participação na herança.

O legislador, pois, quer manter o status, as condições de vida do viúvo, garantir-lhe o teto, a morada, de forma que, nem sequer assiste direito aos demais herdeiros e condôminos de cobrar aluguel da viúva ou viúvo pelo exercício do direito de habitação. Tal direito, é válido ressaltar, é ainda personalíssimo e tem destinação única e exclusiva de servir de morada ao titular, o qual não pode alugar nem emprestar o imóvel, devendo ocupá-lo direta e efetivamente.[68]

Frise-se aqui que o Código Civil de 1916, bem mais restritivo, condicionava o direito de habitação ao casamento sob o regime de comunhão universal de bens e limitava seu exercício ao tempo da viuvez do beneficiário.

O Código atual, contudo, conforme supracitado, garante tal direito ao cônjuge sobrevivente independente do regime de bens e passou a não limitar seu gozo apenas ao período da viuvez, de forma o exercício do direito persiste ainda que o viúvo venha a casar novamente ou passe a viver em união estável. Acerca de tal ampliação, contudo, grande parte da doutrina defende que o legislador se excedeu, nas palavras de Zeno Veloso:    

Porém, não há razão para que esse favor legal seja mantido se o cônjuge sobrevivente constituir nova família. O cônjuge já aparece bastante beneficiado no Código Civil. Não é justo que ainda continue exercendo o direito real de habitação sobre o imóvel que residia com o falecido se veio a fundar nova família, mormente se o referido bem era o único daquela natureza existente no espólio. O interesse dos parentes do de cujus deve, também, ser observado.[69]

Outro aspecto a merecer crítica diz respeito à limitação imposta pelo Código Civil, no sentido de restringir o direito real de habitação ao fato de o imóvel residencial ser o único daquela natureza a inventariar. Trata-se de restrição incompreensível, na medida em que, se o casal possuía duas ou mais residências, evidente que deveria caber o direito de habitação, deixando à livre escolha do viúvo a permanência em qualquer delas.[70]

Ressaltamos ainda que o cônjuge sobrevivente pode, a qualquer momento, nos autos do inventário ou por escritura pública, renunciar ao direito real de habitação, sem prejuízo de sua participação na herança.

3.3.Da sucessão do companheiro sobrevivente

Ainda que a sucessão ocorra prioritariamente entre parentes, conforme supracitado, não só eles integram a ordem de vocação hereditária. Também o cônjuge e o companheiro desfrutam da qualidade de herdeiro. No âmbito do direito sucessório, contudo, de modo absolutamente injustificável, a lei empresta tratamento desigual ao casamento e à união estável. Tanto o cônjuge quanto o companheiro tem direito a parte da herança, mesmo que existam herdeiros que os anteceda - eis que concorrem com os descendentes e ascendentes - porém, quase sempre a fração destinada ao cônjuge é maior que a do companheiro.

Dessa forma, pode-se concluir que, apesar do legislador, ter definido o direito sucessório do companheiro à imagem e semelhança do direito sucessório do cônjuge, diversas diferenças, de diversas ordens, existem, sobretudo no que diz respeito ao cálculo e a base de incidência.

Essa diferença, vale ressaltar, é fruto de uma história marcada por uma postura discriminatória em relação às demais entidades familiares não constituídas pelo casamento, motivo pelo qual se faz necessário uma análise do direito sucessório dos companheiros antes do Código Civil atual.

3.3.1.Direito sucessório do companheiro antes do Código Civil de 2002

Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, dúvidas não haviam de que o companheiro ou companheira não eram herdeiros. Longo e penoso foi o calvário imposto às uniões extramatrimoniais para alcançarem a proteção jurídica.

Mesmo com o advento da Carta Magna de 1988, que reconheceu a união estável como entidade familiar, a jurisprudência resistiu em conceder o direito sucessório aos companheiros. Continuaram a ser divididos apenas os bens comuns, conferindo ao sobrevivente apenas a meação, de forma que a herança do de cujus acabava sempre nas mãos exclusiva dos parentes. Foi somente com o advento da legislação que regulou a norma constitucional – Leis nº 8.971/94 e 9.278/96 - que a união estável foi admitida como família, com direitos sucessórios similares aos do casamento.

De forma retraída, a Lei nº 8.971/94 inseriu o companheiro na ordem de vocação hereditária, pretendendo atribuir aos companheiros com mais de cinco anos ou com prole direito a alimentos, herança e meação.

Frise-se que, o legislador, desde essa época, poderia ter optado em fazer a união estável equivalente ao casamento em matéria sucessória, mas não o fez. Preferiu, na realidade, estabelecer um sistema sucessório isolado, no qual o companheiro supérstite nem é equiparado ao cônjuge, nem se estabelecem regras claras para sua sucessão. Erro este que perdura até os dias de hoje.[71]

Posteriormente, por força da Lei nº 9.278/96, o legislador poderia ainda ter aclarado a questão, porém, mais ainda confundiu, uma vez que se limitou, laconicamente, a garantir o direito real de habitação ao companheiro.

Porém, apesar das supracitadas leis não terem igualado a posição sucessória do companheiro e cônjuge, nítida se mostrou sua intenção de equiparar a situação de ambos, de forma que, aos poucos, o companheiro sobrevivente passou a dispor de diversos direitos similares aos do cônjuge supérstite.

3.3.2.Direito sucessório do companheiro no Código Civil de 2002

Quando a situação já estava se consolidando, com geral e pacífica aceitação da sociedade e objeções apenas pontuais e secundárias na doutrina, surgiu o novo Código Civil e alterou, de forma perfeitamente inadequada, toda a situação com relação à sucessão dos companheiros.

O menor dos problemas, mas que já demonstra o descaso do legislador em relação a tal matéria, reside no fato de que o Código Civil dedica ao tema o art. 1.790, que está no capítulo denominado “Disposições Gerais”. Por óbvio que a sucessão dos companheiros não deveria estar aí, mas sim no capítulo que regula a ordem de sucessão hereditária. Está-se diante, pois, de uma topografia ilógica.

Ademais, em, pelo menos cinco aspectos, o Código Civil atual trouxe inegável prejuízo ao companheiro: a) não o reconheceu com herdeiro necessário; b) não lhe assegurou quota mínima; c) o inseriu em quarto lugar na ordem de vocação hereditária, depois dos colaterais; d) limitou o direito concorrente aos bens adquiridos onerosamente durante a união; e e) não lhe conferiu direito real de habitação.[72]

A sucessão do companheiro, portanto, se limita e restringe aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, não compreendendo os bens de que o de cujus já era dono antes do início da convivência, nem os bens adquiridos durante ela, por título gratuito.

É nítida, portanto, a afronta cometida pela lei civil ao princípio da igualdade; apresentando, sem dúvida alguma, grande retrocesso para a união estável, uma vez que colocou o companheiro em posição muito inferior a do cônjuge. Ao que parece, na visão do legislador, retomou-se a mentalidade de que a união estável é uma família inferior ao casamento, e não uma outra espécie de família, nem melhor, nem pior que o casamento, mas apenas diferente.

Zeno Veloso, corroborando com tal pensamento, afirma que:

Se a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado; se a união estável é reconhecida como entidade familiar; se estão praticamente equiparadas as famílias matrimonializadas e as famílias que se criaram informalmente, com a convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, a discrepância entre a posição sucessória do cônjuge supérstite e a do companheiro sobrevivente, além de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, fere e maltrata, na letra e no espírito, os fundamentos constitucionais.[73]

Entretanto, nem todas as mudanças desprivilegiaram o companheiro. A grande novidade trazida pelo Código Civil atual foi garantir, não só ao cônjuge, mas também ao companheiro, o direito à concorrência sucessória, porém de formas diferentes. Em virtude de tal fato, apesar do mesmo não ser incluído no rol dos herdeiros necessários, é importante reconhecer que, ao ser contemplado com fração da herança a título de herdeiro concorrente, ao menos em parte, tornou-se também um herdeiro necessário.[74]

3.3.2.1.Concorrência do companheiro com descendentes

Enquanto que na sucessão do cônjuge a concorrência do viúvo ou viúva com descendentes do de cujus só ocorrerá – observado o regime de bens – quando existirem bens particulares; na sucessão do companheiro, a concorrência com os descendentes, e com relação aos outros parentes do falecido, ocorrerá com relação aos bens comuns adquiridos onerosamente na constância da união estável, independente do regime de bens.

É válido ressaltar, desde o início, que o Código Civil na sucessão do cônjuge fala em descendentes, enquanto que na sucessão do companheiro, fala em filhos. Tal imprecisão, contudo, não altera o direito de concorrência do companheiro supérstite com os demais descendentes (netos, bisnetos...).

Assim como em relação ao casamento, também haverá distinção no direito de concorrência do companheiro sobrevivente com os descendentes, se essa concorrência for com filhos comuns ou só do companheiro falecido. No primeiro caso, o companheiro terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. Frise-se, porém, que não há, na sucessão do companheiro, regra similar à do art. 1.832 do Código Civil, que assegura ao cônjuge a quota mínima de um quarto da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Ou seja, concorrendo o companheiro com filhos comuns, a sucessão dar-se-á por cabeça, repartindo-se a herança em tantas partes quantos forem os herdeiros, filhos do companheiro e do de cujus.[75]

Quando, porém, concorrer com os descendentes só do autor da herança, o companheiro terá direito a apenas metade do que couber a cada um dos descendentes, enquanto que o cônjuge receberá igual aos descendentes, não lhe sendo assegurada apenas a quarta parte. Ademais, é válido lembrar que a herança do companheiro é representada exclusivamente pelos bens adquiridos onerosamente durante a constância da união estável, de forma que na concorrência com os descendentes do falecido, a quota do companheiro incide apenas sobre o que os descendentes receberam dos bens comuns. Os bens particulares caberão exclusivamente aos descendentes.

Contudo, assim como em relação ao cônjuge, a lei, também é omissa quanto à chamada filiação híbrida. Em sede doutrinária, diversas propostas e soluções já foram apresentadas, havendo, porém, três teorias mais aceitas. A primeira defende que a herança deve ser dividida igualitariamente entre todos, incluindo o companheiro, aplicando-se o inciso I do art. 1.790 do Código Civil.[76] A segunda, por sua vez, entende que os filhos devem ser tratados como se todos fossem exclusivos do autor da herança, aplicando-se, por conseguinte, regra do inciso II do referido dispositivo. E a última teoria propõe uma composição entre as duas disposições legais, de modo a preservar o direito do sobrevivente, sem desrespeitar a norma constitucional que impede a discriminação entre filhos. Assim como em relação ao casamento, contudo, o tema ainda é fruto de debates e a sua solução está longe de ser alcançada.

Conforme se pode concluir, na concorrência sucessória com os descendentes, o Código Civil favorece o cônjuge supérstite, em detrimento do companheiro sobrevivente. A única forma de, percentualmente, a fração a ser recebida por cônjuges e companheiros ser igual é quando todos os herdeiros são filhos do casal, e isso se o número deles não for superior a três. Nesse caso, tanto o cônjuge como o companheiro herdam como se filhos fossem, sendo a herança divida por cabeça entre o sobrevivente e o herdeiro. O tratamento igualitário, contudo, termina aí.[77]

3.3.2.2.Concorrência do companheiro com ascendentes

Ao concorrer com os ascendentes, o companheiro supérstite terá direito a apenas um terço da herança, independente do número de ascendentes. Assim, tendo sobrevivido ambos os genitores do de cujus, caberá um terço da herança para cada e deles e terço para o companheiro; se o falecido deixou somente um genitor, este terá direito a dois terços da herança e o companheiro a um terço. Da mesma forma, se o de cujus deixou ascendentes acima do primeiro grau, a estes caberá dois terços, enquanto que ao companheiro, apenas um terço da herança.

Em total desvantagem, portanto, se mostra o companheiro em relação ao cônjuge, o qual terá direito a um terço da herança, caso existam ascendentes de primeiro grau, e metade desta se houver um só ascendente ou se maior for aquele grau. Lembrando ainda que o companheiro só concorrerá em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável.

3.3.2.3.Concorrência do companheiro com colaterais

No direito sucessório brasileiro já estava consolidado o entendimento de que, na falta de parentes em linha reta do falecido, o companheiro sobrevivente seria o herdeiro, afastando os colaterais e o Estado. O atual Código Civil, contudo, não se sabe o porquê, inseriu o companheiro em último lugar da ordem de vocação hereditária, de forma que, agora, o mesmo concorre até mesmo com os parentes colaterais até o quarto grau (irmãos, sobrinhos, tios...).

Para piorar ainda mais a situação, ressalte-se que o companheiro só terá direito a um terço da herança, independente de quem são e quantos são os herdeiros, os quais sempre ficarão com o dobro dos bens da herança.

Tal situação demonstra o absurdo cometido pelo legislador, retirando direitos e vantagens anteriormente existentes em favor do companheiro. Em relação a tal matéria, portanto, o atual Código Civil, além de dispor de forma retrógrada e preconceituosa, nitidamente prestigia os vínculos biológicos, ainda que remotos, em prejuízo dos laços de amor e afetividade, formadores da família moderna.

Nas palavras de Euclides de Oliveira:

Parece injustificável, com efeito, tamanha discrepância no tratamento dispensado ao companheiro, no concurso minoritário com parentes colaterais. Melhor seria manter o sistema da legislação revogada para, em similitude ao disposto com relação ao cônjuge, reservar ao companheiro a totalidade dos bens da herança como efetivo terceiro na ordem de vocação hereditária.[78]

De forma semelhante, demonstrado também inconformismo com tal situação, Maria Berenice afirma que:

Diante de todas as situações hipoteticamente figuradas, o que mais surpreende é ter a lei tratado de forma desigual situações idênticas, ensejando resultados que se afastam do desejo de quem só quer ter o direito de ser feliz. Ora, se existe o direito de escolher, mister que a vontade manifestada pelo par seja respeitada. Como a Constituição Federal assegura tratamento isonômico ao casamento e à união estável, e a lei confere o direito a eleição do regime de bens, nada absolutamente nada, justifica impor a divisão do patrimônio de forma diversa do que foi eleito pelo casal.[79]

3.3.2.4.Totalidade da herança ao companheiro

Não havendo herdeiros sucessíveis, a totalidade da herança será reconhecida em favor do companheiro sobrevivente. O maior problema, contudo, corresponde ao que, no presente caso, se entende por herança: se o patrimônio inteiro deixado pelo de cujus, ou somente os bens adquiridos onerosamente durante a convivência.

Nesse caso, contudo, pode-se entender por herança todo o patrimônio deixado, uma vez que o art. 1.844 do Código Civil diz que a herança só fica vacante e é devolvida ao Poder Público se não sobreviverem cônjuge ou companheiro.[80] Ademais, quando o companheiro não concorre com parente sucessível, a lei se apressa em mencionar que o companheiro terá direito à totalidade da herança (CC, 1.790, IV), fugindo do comando do caput, ainda que sem muita técnica legislativa.

É imprescindível, pois, que não se faça uma interpretação tão literal do referido dispositivo, analisando-o, sobretudo, em conformidade com os demais artigos do Código Civil e, obviamente, com a própria realidade social.

Sobre esse aspecto, o Ilustríssimo Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar Agrave de Instrumento nº 70020389284, sobre a matéria, decidiu:

Não se pode perder de vista, ademais, que a própria Constituição Federal, ao dispor no § 3º do artigo 226 que, para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, não confere tratamento iníquo aos cônjuges e companheiros. Tampouco o faziam as Leis que regulamentavam a união estável antes do advento do novo Código Civil (Lei n.º 8.971/94 e Lei n.º 9.278/96). Não é aceitável, assim, que prevaleça a interpretação literal do artigo 1.790 do CC 2002, cuja sucessão do companheiro na totalidade dos bens é relegada à remotíssima hipótese de, na falta de descendentes e ascendentes, inexistirem, também, “parentes sucessíveis”, o que implicaria em verdadeiro retrocesso social frente à evolução doutrinária e jurisprudencial do instituto da união estável havida até então.[81]

Não há como negar, pois, a absoluta imprecisão de linguagem do legislador na disposição sob exame. Bastaria que, a favorecer o companheiro, deslocasse a disposição do inciso IV do art. 1.790 para um parágrafo distinto, fazendo ressalva às condições do caput, para deixar claro que seria efetivamente toda a herança a caber ao companheiro sobrevivente, na falta de parentes sucessíveis.[82]

3.3.2.5.Direito de usufruto

Conforme supracitado, tanto o companheiro, quanto o cônjuge, faziam jus ao usufruto legal sucessório. As leis da união estável – Leis nº 8.971/94 e 9.278/96 – asseguravam ao companheiro sobrevivente, em concurso com descendentes ou ascendentes do autor da herança, o usufruto de um quarto ou metade dos bens do de cujus, respectivamente.

O atual Código Civil, porém, não repetiu a mesma previsão, sob a justificativa de que o direito de concorrência tornou desnecessária a concessão de usufruto. Frise-se, contudo, que tal direito não foi expressamente revogado pelo Código, o qual apenas se limitou a não repeti-lo. Por tal motivo, nada justifica se ter por extinto o direito de usufruto na união estável, o qual, apesar de não ter mais tanta relevância, ainda existe.  

3.3.2.6.Direito real de habitação

O Código Civil de 2002, apesar de garantir o direito real de habitação ao cônjuge, se mostra silente em relação ao companheiro. Trata-se de benefício patrimonial de manifesto cunho social e humanitário, por garantir moradia a quem eventualmente não disponha de recursos para estabelecer-se em outro local, motivo pelo qual se revela inaceitável a omissão do atual Código Civil.

Dita omissão legal, contudo, não afasta o respectivo direito do companheiro supérstite, haja vista que a lei que regulou a união estável – Lei nº 9.278/96 – em seu art. 7º, parágrafo único, assegura expressamente o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente; e, uma vez que o Código Civil não revogou expressamente a referida lei, nem existe incompatibilidade de normas, de forma que o dispositivo não foi revogado.

Ademais, ressaltamos que, reconhecidos o casamento e a união estável como entidades familiares merecedoras da especial proteção do Estado, não se justifica tratamento diferenciado em sede infraconstitucional.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Hugo Vinícius Oliveira. A desigualdade dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4267, 8 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31766. Acesso em: 23 dez. 2024.

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