A Suprema Corte (Federal Supreme Court) dos Estados Unidos da América decidiu recentemente (18/05/98), por maioria de votos, que é lícita a exclusão de candidatos minoritários em debates televisionados.
No caso em foco, um candidato independente acionou a televisão educativa pertencente ao Estado de Arkansas alegando, principalmente, que sua exclusão de debates patrocinados pela emissora feria a liberdade de expressão garantida expressamente pela Primeira Emenda Original (15/12/1791) da Constituição Norte Americana. O Relator, Justice Kennedy, determinou, com base na maioria dos votos, que a emissora poderia excluir o candidato baseada no exercício de seu razoável critério jornalístico. A liberdade de imprensa nos EUA é igualmente garantida pela mesma Primeira Emenda Original da Constituição Norte Americana.
Ao examinar o processo deixou clara a Suprema Corte que a exclusão deste determinado candidato não fora e não poderia ser determinada por pressão política ou por desacordo com suas idéias, tendo sido baseada principalmente na falta de expressão política do candidato.
Deixou ainda claro a Suprema Corte que sua autoridade nesta decisão se limita expressamente a debates eleitorais, não podendo ser automaticamente estendida para outros tipos de programas de debates, eis que na maioria dos casos a própria liberdade de imprensa de que goza a emissora não a obriga a aceitar, indiscriminadamente, participantes em seus programas. Isto também evita que as emissoras, para não gerar controvérsias, decidam simplesmente não transmitir pontos de vista de quaisquer candidatos, diminuindo o fluxo de idéias e informações, o que resultaria em reprimir a liberdade de expressão.
O voto vencido, de três Ministros, relatado pelo Justice Stevens, concorda que a Suprema Corte decidiu corretamente que uma estação de televisão estatal não tem obrigação constitucional de permitir o acesso de todos os candidatos aos seus debates eleitorais. Entretanto, o voto vencido discute os critérios usados para exclusão deste determinado candidato, entendendo que estes não ficaram bastante claros. Acrescenta ainda o voto vencido que por se tratar de televisão estatal, qualquer restrição à livre expressão, poderia ser entendida como inaceitável censura pelo Estado.
Interessante ainda notar que tanto no voto vencedor como no vencido, fica bastante claro que as emissoras particulares não estão sujeitas a qualquer restrição constitucional pelo Judiciário, estando suas ações meramente reguladas pela lei eleitoral.
No Brasil, no entanto, o Código Eleitoral e a Constituição Federal, nada dispõem a respeito da matéria, referindo-se apenas ao direito dos partidos e coligações políticas ao acesso gratuito ao rádio e à televisão de qualquer potência, inclusive nas de propriedade da União, dos Estados e Municípios, sempre sob a égide da Justiça Eleitoral. Observa-se, entretanto, que leis esparsas são promulgadas para disciplinar e estabelecer normas para a realização de determinada eleição a exemplo da Lei nº 7.332 de 1º de julho de 1985 que regulamentou as eleições daquele ano. Lei essa que, em seu artigo 10, § 5º, dispôs expressamente sobre a obrigatoriedade por parte das emissoras de rádio e televisão ao realizar e transmitir debates entre candidatos a cargos eletivos de resguardar a participação de todos os partidos ou coligações que concorressem ao pleito.
Uma nova lei foi promulgada com o fulcro de disciplinar as eleições de 1998. Trata-se da Lei nº 9.504 de 30 de setembro de 1997 que expressamente estabeleceu os limites da propaganda eleitoral no rádio e na televisão, bem como nos sítios mantidos pelas empresas de comunicação social na INTERNET e demais redes destinadas à prestação de serviços de telecomunicações. Vejamos a redação do dispositivo legal:
"Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritárias ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte:
I — nas eleições majoritárias, a apresentação dos debates poderá ser feita:
a) em conjunto, estando presentes todos os candidatos a um mesmo cargo eletivo;
b) em grupos, estando presentes, no mínimo, três candidatos".
A redação do artigo gera dúvidas, pois à primeira vista deixa transparecer que o canon legal permitiu que os debates sejam realizados apenas entre os três candidatos com maior expressão política e conseqüentemente com maiores chances de vitória. Mas a exegese gramatical do texto com certeza conduzirá a entendimentos diversos como, aliás, tem conduzido.
Discute-se se é constitucional a obrigatoriedade de se convidar os candidatos de todos os partidos e coligações a um mesmo cargo eletivo para participarem dos debates organizados por emissoras independentes, mesmo que esses candidatos não tenham nenhuma ou quase nenhuma expressão no cenário político nacional. Se a própria Lei estabelece diferenciação de espaço e tempo destinado a cada postulante o que, aliás, tem se mostrado proporcional às taxas de intenção de votos, não parece justo que as emissoras de televisão, de propriedade de particulares, se vejam coagidas a abrir espaço a todos igualitariamente. Essa obrigatoriedade fere o direito constitucional de livre manifestação de pensamento e de comunicação e informação, resguardado, também pela Lei de Imprensa.
Os debates na televisão foram introduzidos em 1982, inspirados no modelo americano. A grande diferença, no entanto, é que no Brasil, após a chamada "abertura política", ocorreu uma proliferação de pequenos partidos políticos tumultuando o já tão conturbado cenário político nacional e levando o eleitor a total alienação pela impossibilidade de acompanhar as mudanças ocorridas e pelas inúmeras siglas que passaram a povoar as páginas dos jornais, "outdoors" e telas da televisão. Sem contar o surgimento de candidatos sem qualquer preparo para vir a público e pleitear a outorga de mandato eletivo, e que reclamam a falta de espaço na mídia, com o qual, acreditam, seria possível expor as suas idéias e com isso concorrerem, em igualdade de condições, com os grandes partidos e, possivelmente, superá-los. Ao ser definida a participação de cada partido no horário político gratuito, houve veementes protestos publicados nos principais jornais e que demonstram a ineficiência do sistema eleitoral brasileiro que permitiu, ao longo dos anos, que inúmeros pequenos partidos se formassem, dividindo e enfraquecendo a oposição e prejudicando a tão ansiada democracia que se acreditava estar fortalecendo.
A preocupação exagerada da Lei em garantir certa equidade na distribuição do espaço na mídia pouco se traduz em discussão política que possa influir na formação da convicção do eleitor. Isso ocorre, invariavelmente, devido à fragilidade das propostas apresentadas, quando não de sua inexistência.
Haja vista que, à proximidade das eleições, os candidatos têm, na sua grande maioria, abusado do direito de vir a público, invadir a privacidade dos lares brasileiros em horário nobre, para proferir inúmeras ofensas aos seus concorrentes. A nosso ver, não foi para isso que a Lei nº 9.504, de 19 de setembro de 1997 foi criada. Pelo contrário, tinha-se em mente estabelecer normas para as eleições, limitando o que seria ou não permitido em termos de propaganda eleitoral, inclusive no que se refere ao horário gratuito no rádio e na televisão. O que se vê, no entanto, é a degradação dos valores democráticos, com insistentes apelos apenas com fins eleitoreiros, sem qualquer preocupação em apresentar um plano de governo sério e possível, sem utopias, com maior transparência à gestão da coisa pública, que fosse capaz de devolver ao eleitor a crença na existência desses mencionados valores democráticos.
Urge que se faça uma grande reforma no sistema eleitoral brasileiro, a começar pela facultatividade do voto. Como bem mencionou Dr. Rui Castaldi, MM. Juiz de Direito em São Paulo, em artigo veiculado na Tribuna do Direito de Janeiro/1999: "Obrigatório continua sendo o comparecimento à seção de votação e não o voto. Então, por que já não deixá-lo, de direito, também facultativo?" Segundo ele, as pessoas são obrigadas a comparecer às seções de votação e a colocar o voto na urna ou a digitá-lo, mas tal não significa que estejam exercendo o direito do voto, porque votar, segundo o nosso vernáculo, é escolher, é eleger, o que só se alcança exercendo uma opção válida entre os vários candidatos existentes. Não fosse assim, não existiriam os votos brancos e nulos. O sistema representativo, a continuar sendo encarado displicentemente e sem consciência política pelos partidos de oposição ou situação, corre o risco de desaparecer e com ele a sobrevivência da própria democracia, como sistema político de representação da vontade popular. Democracia essa que já está sendo espoliada pela própria legislação eleitoral brasileira que proíbe os meios de comunicação, principalmente o rádio e a televisão, a difundir, em sua programação normal e noticiários, pronunciamento favorável ou não a este ou aquele candidato, partido ou coligação, em flagrante desrespeito aos direitos e garantias individuais prescritos no artigo 5º, inciso IV, da Constituição do Brasil ou seja: "é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato". Complementando, poderemos citar também o artigo 220 e § 1º, do mesmo diploma legal que prescreve: "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição". "...nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, X, XIII e XIV". A continuar o desrespeito aos dispositivos constitucionais supra-citados pela própria legislação infra-constitucional, como se tem observado, dificilmente chegaremos a um bom termo com referência a preservação dos chamados direitos e garantias fundamentais, onde se inserem os conceitos básicos de liberdade de expressão do pensamento. Comungamos com o entendimento de que impedir as emissoras independentes de rádio e televisão de transmitir a partir de 1º de julho do ano da eleição, "ainda que sob a forma de entrevista jornalística, imagens de realização de pesquisa ou qualquer tipo de consulta popular de natureza eleitoral em que seja possível identificar o entrevistado" ou mesmo "difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes" de acordo como expresso na lei que ora contestamos (Lei nº 9.504/1997, art. 45 e incisos), traduz-se em claro cerceamento da liberdade de expressão.
Diante de tantas flagrantes inconstitucionalidades, certamente os debates eleitorais de nível, aqueles que realmente são de interesse de todo o eleitorado, capazes de formar uma verdadeira convicção de valores e certeza da utilidade do voto depositado na urna, desaparecerão e, em seu lugar, continuarão a prosperar os insípidos programas eleitorais recheados de desnecessários palavrórios com os quais os candidatos costumam vir a público, afastando o eleitor que, invariavelmente, desliga o aparelho de rádio ou muda o canal da televisão. Atitude que demonstra a insatisfação e descrença com a classe política. Razão por que insistimos na necessidade de transformar o cenário político brasileiro desde as raízes para que se possa ter esperanças na recuperação dos verdadeiros valores democráticos.
"A mais fácil de todas as armas na luta política, entre contendores apaixonados, é o sarcasmo; mas essa espécie de esgrima, que pode revelar preciosos tesouros de espírito, torna-se, convertida em meio regular de discussão, uma grave origem de incapacidade para o exame dos problemas constitucionais."
Rui Barbosa