SUMÁRIO: Introdução; As espécies tributárias; O pedágio; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
A importância de saber se a natureza jurídica de um determinado instituto é ou não tributária vai além de mera conveniência acadêmica. Há repercussões práticas a respeito. No caso do pedágio, objeto do presente trabalho, se ele for definido como tributo significa que estará adstrito a todas as limitações ao poder de tributar do Estado, tais como a legalidade, a anterioridade nonagesimal e de exercício, dentre outras.
Há muito tempo, precisamente desde a Constituição Federal de 1945, que os doutrinadores brasileiros divergem sobre a natureza jurídica do pedágio. Uns defendem seu aspecto tributário, ao elencarem como uma espécie de taxa. Outros, entretanto, consideram-no uma tarifa, sendo uma espécie de preço público.
Neste trabalho, será abordada de forma sucinta as espécies tributárias previstas na nossa Carta Magna e no Código Tributário Nacional. Além disso, será feita uma análise a natureza jurídica do pedágio, trazendo a lúmen as últimas decisões dos tribunais superiores.
AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS
De acordo com o CTN, os tributos são divididos em três espécies: impostos, taxas e contribuições de melhoria (visão tripartite do tributo). Para a Constituição Federal, os tributos são divididos em cinco espécies: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais (visão pentapartite do tributo).
O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de adotar a teoria pentapartite. Neste sentido, Ricardo Alexandre (2013, p. 17):
“Ao se deparar com o tema, o Supremo Tribunal Federal tem adotado a teoria da pentapartição. Apesar disso, é extremamente importante deixar claro que mesmo os adeptos da teoria da tripartição dos tributos entendem que as contribuições especiais e os empréstimos compulsórios são tributos, possuindo natureza jurídica de taxas ou impostos, dependendo de como a lei definiu o seu fator gerador...”.
Por tal motivo, será feita uma breve análise das cinco espécies tributárias previstas no nosso ordenamento jurídico. Os impostos são considerados os tributos por excelência, sendo as exações mais conhecidas pela nossa sociedade. São de competência da União (IPI, IE, IR, II, ITR, IOF, IGF, IEG e Imposto Residual), dos Estados (ICMS, IPVA e ITCMD), do Distrito Federal (ICMS, IPVA, ITCMD, IPTU, ITBI e ISS) e dos Municípios (IPTU, ITBI e ISS).
Os impostos são tributos não-vinculados, ou seja, o produto de sua arrecadação pode ser utilizado com quaisquer despesas previstas no orçamento. Além disso, não é necessária nenhuma contraprestação estatal específica relativa ao contribuinte para que o seu pagamento seja devido, bastando apenas que tenha ocorrido a hipótese de incidência tributária. Por exemplo, o produto da arrecadação do IPVA não estar vinculado a conservação das ruas e das avenidas, e somente será devido tal imposto àquele que é proprietário de veículo automotor.
As taxas são tributos vinculados a uma contraprestação estatal. O seu pagamento é devido quando o Estado, através do seu Poder de Polícia, impõe medidas restritivas da liberdade dos indivíduos ou medidas restritivas da disposição de seus bens. Ainda é possível a cobrança de taxas quando o Poder Público realiza serviços específicos e divisíveis, que são aqueles serviços, respectivamente, nos quais os contribuintes sabem exatamente o que está sendo prestado pelo Estado, e o Estado, por sua vez, sabe exatamente para quais contribuintes o serviço está sendo efetivamente prestado ou colocado a disposição. São de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
As contribuições de melhoria são tributos devidos quando o fato gerador se pauta na realização de obras pelo Poder Público que valorizam os imóveis de particulares que estão nas proximidades. O tributo somente será devido ao contribuinte que tiver seu imóvel efetivamente valorizado, sendo limitado, evidentemente, a esta valorização. Caberá a cobrança de tal tributo apenas após a conclusão da obra, não sendo permitida a cobrança antecipada com base em projeções de valorização, mas somente com a efetiva ocorrência desta. São de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Os tributos até aqui abordados estão constitucionalmente previstos no artigo 145:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I – impostos;
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
(...)”
O fato gerador dos empréstimos compulsórios são situações excepcionais, como guerra externa ou a sua iminência; e nos casos de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, conforme preleciona o art. 148 da CF/88. Tais tributos são vinculados à despesa que fundamentam a sua instituição. Como o próprio nome deixa claro, trata-se de um empréstimo, devendo o contribuinte ser, posteriormente, ressarcido. A sua instituição é de competência da União.
Por fim, as contribuições especiais são tributos previstos no art. 149 da Constituição Federal:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas...”.
Pela leitura do artigo acima se verifica que as contribuições especiais possuem variadas hipóteses de incidência tributária. Além disso, o destino da arrecadação é bem heterogêneo, sendo parte dos recursos voltados para a seguridade social, para os serviços sociais autônomos, dentre outras. O art. 149-A da CF/88 traz uma exceção à regra de que somente a União é competente para instituir contribuições sociais, permitindo que os Municípios e o Distrito Federal instituam as chamadas contribuições para o custeio do serviço de iluminação pública – COSIP.
O PEDÁGIO
Como dito anteriormente, há muito tempo que a doutrina brasileira se debruça sobre o estudo do pedágio para inclui-lo ou não nas espécies tributária. O presente trabalho não se propõe a apresentar os principais argumentos invocados pelos defensores do pedágio como uma espécie tributária, assim como os argumentos levantados por outra parte da doutrina no sentido de considerar o pedágio como uma tarifa. Ao final, será apresentada a mais recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.
Para doutrinadores da lavra de Luciano Amaro e de Leandro Paulsen, o pedágio irá apresentar a feição de taxa quando for um serviço público específico e divisível prestado pelo Poder Público, conforme previsão constitucional das limitações do poder de tributar, estatuída no art. 150, inciso V:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;
(...)
Nesse caso, o fato gerador do pedágio não é a construção de vias ou de estradas, mas sim a sua utilização. O tributo devido pela construção de vias e de estradas, por ser uma realização de obra pública, é a contribuição de melhoria. Assim, se o responsável pela conservação e pela administração de rodovias for o Poder Público, o pedágio seguirá o regime jurídico dos tributos, devendo obedecer todas as limitações ao poder de tributar presentes na nossa Carta Magna.
Para Eduardo Sabbag (2012, p. 260), em algumas situações é inegável o entendimento de que o pedágio é uma taxa:
“Não havendo a existência de via alternativa – rodovia de tráfego gratuito, localizada paralelamente àquela por cujo uso se cobra pedágio – a exação se torna compulsória, sem liberdade de escolha, o que tornaria a feição tributária, própria da taxa”.
Entretanto, ainda que houvesse uma via gratuita, o pagamento do pedágio somente seria devido pela efetiva utilização da via não-gratuita. Portanto, o pedágio somente pode ser cobrado pela utilização efetiva da via. Nesse sentido, assevera Luciano Amaro (2008, p. 49):
“Posto isto, o fato jurídico-tributário que enseja o pedágio haverá de ser a utilização da via pública, e não a sua construção em si, ou mesmo a sua conservação. Ademais, a mencionada utilização deve ser efetiva, e não simplesmente potencial”.(grifos nossos)
Em suma, os principais argumentos daqueles que consideram o pedágio uma espécie tributária são: o fato de a ressalva da parte final do art. 150, V, CF/88, a qual permite a instituição do pedágio, está presente nas limitações ao poder de tributar; o fato de o pedágio ser a contraprestação pela utilização de um serviço específico ou divisível; e o fato de serviços públicos somente poderem ser remunerados por taxas.
Quando as vias ou estradas forem conservadas e/ou administradas pelo setor privado, seja por concessionárias ou por permissionárias de serviços públicos, o pedágio apresentará feição de tarifa. Assim, quem utilizar tais serviços, não será contribuinte, mas sim usuário. Para distinção entre os serviços que ensejam o pagamento de tarifas e aqueles que provocam o recolhimento de taxas, cabe transcrever os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles (1998, p. 152):
“Presta-se a tarifa a remunerar os serviços pró-cidadãos, isto é, aqueles que visam a dar comodidade aos usuários ou a satisfazê-los em suas necessidades pessoais (telefone, energia elétrica, transportes etc.), ao passo que a taxa é adequada para o custeio dos serviços pró-comunidade, ou seja, aqueles que se destinam a atender as exigências específicas da coletividade (água potável, esgoto, segurança publica etc.) e, por isso mesmo, devem ser prestados em caráter compulsório e independentemente de solicitação do contribuinte”.
Dessa forma, o eminente autor entende que os serviços essenciais à coletividade devem ser remunerados por meio de taxas, não podendo, portanto, serem delegados para o setor privado. Já aqueles serviços que não possuem caráter essencial, mas que servem para proporcional uma maior comodidade à coletividade devem ser remunerados por tarifa. Assim, defende que via ou estrada mantida por pedágio é serviço não essencial, visto a sua possibilidade de ser delegado ao setor privado – concessionária ou permissionária de serviço público. Portanto, neste caso, não resta dúvidas de que o pedágio seria equiparado à tarifa.
Pode-se sintetizar os argumento levantados por aqueles que defendem a natureza de tarifa do pedágio, nas palavras de Ricardo Lobo Torres (2005, p. 486):
”Já os que sustentam tratar-se de preço público, com natureza contratual, o fazem com base nas seguintes considerações: (a) a inclusão no texto constitucional apenas esclarece que, apesar de não incidir tributo sobre o tráfego de pessoas ou bens, pode, excepcionalmente, ser cobrado o pedágio, espécie jurídica diferenciada; (b) não existir compulsoriedade na utilização de rodovias; e (c) a cobrança se dá em virtude da utilização efetiva do serviço, não sendo devida com base no seu oferecimento potencial”.
Por fim, no caso de a via ou a estrada ser mantida/administrada pelo setor privado, e não havendo a existência de via alternativa, estaremos diante de um pedágio com feição de taxa ou de tarifa? Para o STF (Informativo 750), o pedágio terá sempre natureza jurídica de tarifa, conforme dispõe o voto do Min. Relator Teori Zavascki:
”E, a despeito dos debates na doutrina e na jurisprudência, é irrelevante também, para a definição da natureza jurídica do pedágio, a existência ou não de via alternativa gratuita para o usuário trafegar. Essa condição não está estabelecida na Constituição. É certo que a cobrança de pedágio pode importar, indiretamente, em forma de limitar o tráfego de pessoas. Todavia, essa mesma restrição, e em grau ainda mais severo, se verifica quando, por insuficiência de recursos, o Estado não constrói rodovias ou não conserva adequadamente as que existem. Consciente dessa realidade, a Constituição Federal autorizou a cobrança de pedágio em rodovias conservadas pelo Poder Público, inobstante a limitação de tráfego que tal cobrança possa eventualmente acarretar. Assim, a contrapartida de oferecimento de via alternativa gratuita como condição para a cobrança de pedágio não é uma exigência constitucional. Ela, ademais, não está sequer prevista em lei ordinária. A Lei 8.987/95, que regulamenta a concessão e permissão de serviços públicos, nunca impôs tal exigência. Pelo contrário, nos termos do seu art. 9º, § 1º (alterado pela Lei 9.648/98), “a tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário”. (STF, Plenário. ADI 800/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 11/6/2014).
Portanto, em recente decisão da lavra do STF, o pedágio terá sempre natureza jurídica de tarifa. Pois, segundo entendimento da Suprema Corte, a diferença primordial entre taxa e tarifa é a característica da compulsoriedade presente somente naquela, e o pedágio jamais possuirá tal característica.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, percebe-se que a problemática da natureza jurídica do pedágio vem sendo discutida há bastante tempo. Argumentos interessantes são propugnados de ambos os lados, tanto por aqueles que defendem sua natureza tributária quanto por aqueles que defendem sua natureza contratual.
A questão está afeta aos princípios que regem o Direito Tributário, além das limitações ao poder de tributar. Para o contribuinte/usuário das vias ou estradas conservadas pelo Poder Público, seria mais interessante que a contraprestação pela utilização de tal serviço estivesse revestida pela natureza jurídica da taxa, pois, dentre outros motivos, qualquer majoração do quantum devido deverá obedecer ao princípio da legalidade, da anterioridade de exercício e da anterioridade nonagesimal.
Muito embora em recente decisão o STF tenha decidido no sentido de sempre considerar o pedágio uma espécie de preço público-tarifa, a problemática está longe de chegar ao fim. Isso porque ainda há muita divergência doutrinária. Além disso, em um outro momento, o STF já havia decidido pela natureza tributária do extinto selo-pedágio; portanto, nada obsta que haja mudança de entendimento, por tratar-se de questão meramente interpretativa.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Editora Método, 2013.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Direito Tributário e Financeiro. 6ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais Julgados do STF e STJ comentados – 2013. 1ª ed. Manaus: Editora Dizer o Direito, 2014.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12ª ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005.