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Federalismo: uma análise sobre sua temática atual

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Agenda 01/10/2002 às 00:00

I – INTRODUÇÃO

Este artigo é o resultado de uma pesquisa realizada para o FIP, sob a orientação da professora Wilba Lúcia Maria Bernardes, cujo título do projeto é "A teoria do federalismo como pressuposto para a construção da democracia participativa: uma análise do caso da renegociação da dívida entre a união e o estado federado de minas gerais".

O objetivo do presente artigo é fazer um exame sobre os principais temas que a doutrina, na atualidade, tem analisado e refletido sobre o federalismo. Os temas eleitos para exame são: a relação entre o Poder Judiciário e o federalismo; o princípio da coordenação; o princípio da subsidiariedade e, por fim, o federalismo simétrico e assimétrico. A importância do conhecimento destes temas consubstancia em permitir ao leitor conhecer algumas inovações que poderão ocorrer tanto no ordenamento jurídico como na jurisprudência.

O primeiro tópico do artigo em questão, denominado o federalismo, busca definir o que é federalismo, diferenciar federalismo de federação e descrever uma classificação tradicional e outra moderna das formas de Estado. O tópico seguinte, intitulado o Poder Judiciário e o federalismo, tem como objetivo determinar os paradigmas do Direito ao longo dos tempos para permitir a identificação da função interpretativa do Poder Judiciário na história; precisar como deve ser realizada a função judicante no paradigma do Estado Democrático de Direito e estabelecer a importância e influência que o Poder Judiciário exerce para o federalismo. O terceiro e quarto tópicos tratam, respectivamente, dos princípios da coordenação e da subsidiariedade. Estes tópicos terão o propósito de conceituar e determinar a importância, o objetivo e a aplicação dos mencionados princípios. O quinto e último tópico, designado federalismo simétrico e assimétrico, terá o intuito de definir o federalismo simétrico e federalismo assimétrico, descrever quais são os aspectos da simetria e da assimetria que um Estado pode possuir, mencionar as normas da Constituição da República brasileira que manifestam a assimetria e realizar uma análise qualitativa sobre o tratamento da assimetria no ordenamento jurídico pátrio.


II - DESENVOLVIMENTO

A – o federalismo

O federalismo é uma forma de governo, baseada em um certo modo de distribuir e exercer o poder político numa sociedade, sobre um determinado território, que resulta da necessidade de preservar a diversidade de culturas ou da constatação das origens diferenciadas da história e das tradições políticas dos Estados-Membros, necessitando, portanto, de um estatuto que garanta a autonomia local. [1]

Não é pacífica na doutrina a classificação das formas de estado. A tradicional classificação entre as formas de Estado faz a divisão entre Estado Unitário e Estado Federal. Alexandre Moraes [2] afirma que o Estado Unitário se caracteriza pela centralização político-administrativa em um único centro de poder produtor de decisões. O Estado Federal, por sua vez, é definido pelo autor como a união de Estados, prevista na Constituição, em que estes possuem autonomia e participação política. Esta forma de Estado pressupõe a consagração de certas normas constitucionais para a sua configuração e para a manutenção de sua indissolubilidade.

Dircêo torrecillas ramos [3] faz uma moderna classificação das formas de Estado, afirmando haver quatro formas de Estado, que são: Estado Unitário; Estado Unitário Descentralizado; Estado Constitucionalmente Descentralizado e o Estado Federal. O Estado Unitário é aquele em que a descentralização administrativa, legislativa e política dependem do Poder Central. O Estado Unitário Descentralizado é aquele que possui uma descentralização política. O Estado Constitucionalmente Descentralizado ou Estado Regional é aquele em que a descentralização política está prevista na Constituição. As regiões não possuem poder constituinte próprio. São organizadas por lei nacional. Devido à acentuada autonomia que é dada às regiões, esta forma de Estado muitas vezes é confundida com o Estado Federal ou prevista constitucionalmente como tal. A Itália e a Espanha são exemplos de Estados que adotam o Estado Constitucionalmente Descentralizado como forma de Estado. O Estado Federal é aquele em que há uma participação dos Estados-Membros no Poder Central através de uma das Câmaras que compões o Poder Legislativo. Nesta forma de Estado, os Estados-Membros possuem autonomia política que é o poder de auto-organização por meio de um poder constituinte próprio.

É importante diferenciar federalismo de federação. José alfredo de oliveira baracho [4] assim faz a distinção:

"O termo federalismo, em uma primeira perspectiva, vincula-se às idéias, valores e concepções do mundo, que exprimem uma filosofia compreensiva da adversidade na unidade. Quanto à federação, é entendida como forma de aplicação concreta do federalismo, objetivando incorporar as unidades autônomas ao exercício de um governo central, sob bases constitucionais rigorosas".

Concordamos com o doutrinador acima mencionado, pois o princípio federativo pode existir sem a estrutura federal e vice-versa. Destarte, pode-se citar Estados que não adotam a estrutura federal, como a Espanha e a Itália, por exemplo, mas que possuem extremadas práticas federativas.

B - O Poder Judiciário e o Federalismo

O presente tópico tem como objetivo determinar a importância e influência que o Poder Judiciário exerce para o federalismo, por meio da interpretação que o Supremo Tribunal Federal dá a Constituição da República. Antes, será importante determinar como deve ser realizada a função judicante no paradigma do constitucional do Estado Democrático de Direito. Para isso, deveremos determinar os paradigmas do Direito ao longo dos tempos, o que nos permitirá identificar a função interpretativa do poder judiciário na história.

Segundo Menelick de Carvalho Netto [5], há dois paradigmas do Direito: o pré-moderno e o da modernidade. O primeiro paradigma envolve a antiguidade e a idade média. Neste, o Direito era um conjunto normativo indiferenciado de religião, direito, moral, tradição e costumes transcendentalmente justificados, que consagra os privilégios de cada uma das castas e suas facções. O juiz tinha a função de realizar a justiça, aplicando as normas concretas e individuais casuisticamente, pela ausência de normas gerais e abstratas válidas para todos.

O paradigma da modernidade se divide em três grandes paradigmas constitucionais: o do Estado de Direito, o do Estado de Bem-Estar Social e o do Estado Democrático de Direito.

No paradigma constitucional do Estado de Direito, o Direito deixou de ter uma justificativa transcendental que se baseava na hierarquia sociedade de castas, para se tornar um conjunto de leis elaboradas de forma racional e impostas universalmente a observância de todos.

As leis passaram a conter idéias abstratas tomadas como Direito Natural pelo jusracionalismo. São exemplos destas idéias abstratas a igualdade perante a lei e a liberdade individual de se fazer tudo o que a lei não proíbe.

O ordenamento jurídico era baseado nas idéias liberais, que tinham o homem como o centro do mundo e capaz de ordená-lo através de sua razão e vontade. O Estado tornou-se limitado à legalidade, com um ordenamento jurídico que estabelece limites negativos, delimitando uso das liberdades pelos indivíduos, para, com isso, assegurar aos mesmos o livre exercício da autonomia da vontade. Assim, surgem os direitos individuais ou direitos de 1ª geração, que são direitos contra o Estado.

No paradigma do Estado de Direito, a lei deveria ser universal, geral, clara, precisa e, tanto o quanto possível, completa. A função do juiz se limitava à tarefa mecânica de interpretação gramatical. O juiz era um autômato. O juiz, na linguagem de Montesquieu, era chamado de juiz "boca de lei".

No paradigma constitucional de Estado de Bem-Estar Social surgem os direitos sociais e coletivos ou direitos de 2ª geração, havendo também a preocupação da materialização dos direitos individuais, que anteriormente eram apenas formais. As leis sociais e coletivas objetivavam o tratamento privilegiado do indivíduo social ou economicamente mais fraco. É o abandono da ótica individualista dos liberais. Com as exigências de materialização do Direito, houve uma grande ampliação das funções do Estado, este se torna intervencionista.

Diferente do paradigma do Estado de Direito, neste paradigma a lei deveria ter conceitos jurídicos indeterminados, permitindo ao juiz maior liberdade de decisão, ampliando a atividade hermenêutica do juiz, que passou a ter outros métodos de interpretação além do gramatical, como o teológico, sistemático, histórico, etc.

Finalmente, no paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito surgem os direitos difusos ou direitos de 3ª geração, que têm como exemplo o direito da criança e do adolescente, o biodireito, o direito ambiental, o direito do consumidor, etc. O Estado deixa de ser intervencionista para se posicionar como uma empresa acima de outras empresas.

Neste paradigma o Poder Judiciário tem que cumprir simultaneamente duas funções: a de reforçar o princípio da legalidade e a de realizar a justiça. O reforço ao princípio da legalidade deve ser entendido como a busca pela ampliação da certeza jurídica. Já a realização da justiça será a adequação da decisão às singularidades do caso concreto.

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Menelick de Carvalho Netto, citando Ronald Dworkin, afirma que cada caso concreto é único, não se repete, pois além da norma, os elementos fáticos do caso concreto também devem ser interpretados. O juiz deve fazer a reconstrução da situação fática, após analisar a situação descrita segundo o ponto de vista de cada um dos envolvidos, buscando ver a questão de todos os ângulos possíveis. Após a reconstrução da situação fática, o juiz deve analisar o ordenamento jurídico como um todo, buscando as normas que concorrem entre si para reger o caso concreto, para na sua decisão aplicar a norma que mais se adequou às particularidades do caso concreto, que será aquela que mais promova a justiça para as partes.

Após a determinação de qual é a tutela constitucionalmente adequada ao Estado Democrático de Direito, passamos a análise da importância e influencia do Poder Judiciário para o federalismo.

O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição da República. Portanto, surgindo um conflito de competências constitucionais entre os entes da federação, cabe ao Supremo Tribunal Federal dirimir este conflito. Ao proferir a sua decisão, poderá tornar o federalismo centrípeto ou centrífugo ou criar um federalismo de equilíbrio.

O federalismo centrípeto é aquele que se dirige para o centro, ou seja, em que há uma predominância de atribuições para União, uma centralização. O federalismo centrífugo é aquele que procura se afastar do centro, isto é, permite com que os Estados-Membros tenham maior autonomia financeira, administrativa, política e jurídica. Segundo Maurice Croisat [6], o federalismo de equilíbrio prioriza a conciliação entre integração e autonomia, entre a unidade e a diversidade, como uma resposta às aspirações de independência e solidariedade dos homens.

Sobre a grande influência que o Poder Judiciário exerce sobre federalismo, bem leciona o professor de Direito da Faculdade da Universidade de Nova York Bernard Shwartz [7] que "(...), é o traço mais característico do sistema americano – isto é, a imposição dos princípios do federalismo pelo Judiciário. Um estado federal é, necessariamente um estado legal par excellence".

Shwartz [8] segue afirmando, com a maestria que lhe é peculiar, que a Suprema Corte dos Estados Unidos, por meio do seu poder de revisão, exerce o papel de árbitro do sistema federal, estabelecendo os limites entre os poderes federais e estaduais.

O autor demonstra claramente, em sua mencionada obra, a flexibilidade que a Suprema Corte confere ao regime federalista, permitindo que se adapte as novas situações de ordem econômica, social e política que surgem ao passar dos tempos. A Suprema Corte permitiu que o federalismo dual e centrífugo se transformasse em um federalismo cooperativo e centralizador.

Bernard Shwartz [9] explica em que consiste a doutrina do federalismo dualista:

"De acordo com ela, tanto o Governo Federal quanto os governos estaduais tinham destinado a eles uma área de poder rigidamente definida. Nesta visão, o equilíbrio apropriado necessário ao funcionamento do sistema federal é assegurado e mantido pela estrita demarcação da autoridade federal e estadual. Os estados e a Nação são concebidos como rivais iguais e, a menos que haja uma delimitação rígida de suas respectivas competências, teme-se que a própria União sofra uma ruptura em decorrência de sua rivalidade. Isto é verdadeiro especialmente no que se refere à expansão da autoridade federal. Os poderes reservados aos estados precisam ser preservados zelosamente para não serem tragados pelo governo de Wachington. (...). O governo central é investido de certos governos expressos e toda a autoridade restante é reservada aos estados".

A doutrina do federalismo dualista foi útil no tempo em que imperava o pensamento liberal. Este defendia que para funcionar de forma eficiente, o Estado não deveria intervir no sistema econômico. Logo, havia uma grande limitação de competências legislativas para a "Nação" - que na doutrina nacional é conhecida como União.

Com a depressão da economia dos Estados Unidos em decorrência da crise de 1929, houve a necessidade de intervenção do Estado na economia para que a crise fosse superada. A intervenção do Estado na economia ocorreu no governo Roosevelt e ficou conhecida como a política do New Deal. Esta política demandou uma grande atuação do governo federal. Foi quando a Suprema Corte alterou o federalismo dual e centrífugo que até então vigorava nos Estados Unidos, para o federalismo cooperativo e centrípeto, adequando a Constituição americana às demandas de ordem social e econômica.

O federalismo cooperativo será analisado infra. Já sobre o fato do federalismo norte-americano ter se tornado centrípeto Shwartz [10] enuncia:

"Na primeira parte da história americana, a Corte Suprema podia esforçar-se para manter uma posição igual entre a autoridade federal e a autoridade estadual. Mais recentemente, tendeu a colocar um peso maior no lado federal da balança".

Analisando agora o federalismo que vigora no Brasil, verifica-se que é o federalismo centrípeto. Fernanda Dias Meneses de Almeida [11] após analisar o sistema federativo no Brasil conclui que houve uma tendência centralizadora, com uma intensidade muito maior do que a verificada em Estados em que o pacto federativo está estabilizado por uma duradoura tradição, como ocorre nos Estados Unidos ou Suíça.

O grande doutrinador Dalmo de Abreu Dalari [12] bem ressalta que a supremacia do poder federal é estabelecida de forma indireta, pois a Constituição brasileira, embora mantenha a equivalência formal entre União e Estados-Membros, a distribuição de competências demonstra de forma incontestável a supremacia do poder federal. Segundo ele esta supremacia é decorrente de duas causas. A primeira é que a enumeração de competências federais é ampla, abrangendo quase tudo o que é essencial em termos de direitos e deveres fundamentais, economia e finanças, bem como sobre a organização e ação política. A segunda causa é o fato da União ter competência para fixar regras gerais em matérias de competências estaduais.

Apesar da distribuição de competências presente na Constituição resultar em uma supremacia do poder federal, ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal, como árbitro do federalismo no Brasil, ao julgar um conflito de competências entre União e Estado(s)-Membro(s), pode criar um equilíbrio entre o governo federal e governos estaduais, rompendo a tradição de federalismo centrípeto que vigora no Brasil.

Cumprindo com o seu papel no Estado Democrático de Direito, que é de realizar simultaneamente as funções de reforçar o princípio da legalidade e a de realizar a justiça no caso concreto, o Supremo Tribunal Federal poderá aplicar o principio da subsidiariedade e da coordenação, decidindo a favor da descentralização. Assim, permitindo que os Estados-Membros tenham uma verdadeira autonomia financeira, administrativa, política e jurídica, estará garantido uma das principais funções do federalismo na modernidade, que segundo Fernanda Dias Meneses de Almeida [13] é "função de garantia da democracia participativa, com a multiplicação de círculos de decisões políticas em que o cidadão fica mais próximo do poder". Outra importante função do federalismo que estará assegurada é a convivência harmônica com as diferenças culturais, sociais e econômicas existentes entre os Estados. Nesta perspectiva, o federalismo é um meio para que o povo de um Estado possa viver em conjunto de forma harmônica, apesar das diferenças existentes.

C - Princípio da Coordenação

Maurice Croisat [14] relaciona três princípios que são inerentes a uma federação. São eles o princípio da separação, o da autonomia e, por fim, o da participação.

Segundo o princípio da separação, a Constituição da República deve ter normas precisas sobre a repartição de competências legislativas entre os níveis de governo. Em geral, a divisão de competência resulta de dois critérios: o da distinção entre as matérias de interesse nacional e local e das atividades de interesse inter e intra local.

Conforme o princípio da autonomia, cada nível de governo é autônomo no seu âmbito de competência. Em conseqüência, um nível de governo não pode exercer sobre o outro nenhum controle hierárquico ou direito de tutela.

De acordo com o princípio da participação, os Estados-Membros devem estar representados e participar das decisões federais. Em geral, esta representação se faz pelo bicameralismo federal, em que a segunda câmara representa todos os entes federados, de forma mais ou menos igualitária.

O princípio da coordenação resulta da necessidade de coordenação entre as autoridades políticas para sejam aplicados simultaneamente os princípios da separação e da autonomia.

"Este principio no está inscrito en las Constituciones, excepto bajo el ángulo de la participación de las unidades federadas en el ejercicio del poder federal. En la historia del federalismo pronto surgió el imperativo de una coordinación más extensa. Ésta se corresponde con la necesidad de un reparto en el ejercicio de las mismas funciones políticas a pesar de la separación de competencias definidas a partir de materias legislativas". [15]

A necessidade de coordenação se deriva principalmente da separação de competências entre os entes da federação. No entanto, há outros fatores que transformam em obrigatória a necessidade de coordenação.

O primeiro dos fatores consiste no fato da repartição de competências ter como critério a distinção, implícita ou explícita, das matérias de interesse nacional ou local. O problema surge pelo fato destas matérias de interesse nacional e local se modificarem, conforme se altera o contexto história e a conjuntura do momento. O segundo fator é um consectário da repercussão direta ou indireta das decisões que cada ente da federação toma nos demais governos. O último fator consubstancia da necessidade de ação coordenada de todos os entes da federação no combate contra os problemas que são comuns a todos, como a inflação, recessão econômica, etc.

Croisat [16] menciona três formas de coordenação. A primeira delas é uma coordenação autoritária devida às imperativas prescrições impostas aos Estados-Membros pelo governo federal. Esta prática deve ser considerada como excepcional e provisória, exceto em caso de medidas de urgência como em caso de guerra.

A segunda delas consiste na revisão constitucional que permite tanto a transferência de competência, como a adoção de competências comuns para as matérias que sofreram modificação no contexto histórico. No Brasil, a modificação pode ser feita pela emenda constitucional ou pela revisão, sendo que esta estava prevista para ser realizada apenas uma vez, o que ocorreu em 1993.

A terceira e última forma de coordenação resulta da realização de acordos intergovernamentais para a aplicação de programas e financiamentos conjuntos. Esta prática se consubstancializa no denominado federalismo cooperativo [17]. No federalismo cooperativo, há uma mudança dos poderes de decisão nos níveis de governo - federal e federado - em benefício de um mecanismo, mais ou menos complexo e formalizado, de negociação e acordo intergovernamental. Com isso, há uma tendência de redução das políticas que sejam conduzias por um só governo, havendo uma interdependência e coordenação das atividades governamentais. Esta interdependência e coordenação têm como base uma decisão voluntária de todos os entes da federação, não se fundamentando em uma pressão hierárquica.

Com o federalismo cooperativo há uma alteração no conceito de autonomia, que passa a se medir menos pelas disposições jurídicas e pela defesa das barreiras constitucionais e mais pela capacidade de influência tanto no âmbito das negociações entre todos os entes da federação, como nas comissões freqüentemente consuetudinárias e segundo procedimentos que devem assegurar a igualdade entre os entes representados. Para um governo federado, a defesa da autonomia passa a depender de sua capacidade de negociação nos âmbitos que considera prioritários. Os atores mais influentes serão aqueles que possuírem a maior variedade de informação e que puderem se comunicar de forma simples com os demais atores.

Não há dúvida que no federalismo cooperativo os entes federados perdem uma parte de sua autonomia originária. No entanto, esta autonomia perdida não é confiscada pelo governo federal, porque, na realidade, as matérias de competência exclusiva ou privativa de competência do ente federal também são afetadas.

O federalismo cooperativo não exclui os conflitos de competência, as concorrências ou as duplicações de atividades entre os entes da federação, mas tenta reduzir o alcance destes problemas através de acordos políticos negociados. Não constitui uma etapa definitiva da história do federalismo, pois é suscetível de conhecer fases de centralização e descentralização.

D - Princípio da subsidiariedade

Há um debate sobre a possibilidade do princípio em análise ter um caráter supletivo ou subsidiário. José alfredo de oliveira baracho [18] declara que o princípio da subsidiariedade é um princípio que se basta por si próprio, não procede e nem comanda outro princípio. Na realidade, o termo subsidiariedade, que faz parte da nomenclatura do princípio, refere-se a subsidiariedade ou função supletiva da esfera pública em relação à esfera privada.

O renomado autor, em sua análise detalhada e reflexiva sobre o princípio da subsidiariedade, afirma que o princípio tem o propósito de limitar a intervenção do Estado, em respeito às liberdades, aos indivíduos e aos grupos. No que se refere ao Estado, o princípio da subsidiariedade leva em consideração a relação existente entre o Estado e as outras sociedades, não levando em conta apenas no que toca a natureza do próprio Estado.

Silvia faber torres [19] assevera que o princípio da subsidiariedade tem três objetivos: o de fundamentar a função subsidiária do Estado em relação à sociedade; o de indicar parâmetros de repartição de competência entre as autoridades públicas ou privadas de diversos níveis e, por fim, o de nortear o âmbito de atuação estatal.

Segundo o princípio da subsidiariedade, o Estado deve desempenhar uma função subsidiária em relação aos particulares. Na sua função subsidiária o Estado tem duas atribuições essenciais. Uma delas é criar as condições necessárias para possibilitar a atuação do particular; a outra função seria a de suprir as atividades dos particulares, quando estas se tornam insuficientes ou inadequadas. Assim, o Estado não deve realizar as atividades que a iniciativa privada pode, com eficácia, desenvolver sozinha. Com isso, conclui-se que o princípio da subsidiariedade impede o intervencionismo estatal, preservando a liberdade e o pluralismo social. [20]

O ilustre doutrinador José alfredo de oliveira baracho [21] descreve a importância do pluralismo social:

"O pluralismo conduz ao reconhecimento da necessidade de um processo de equilíbrio entre as múltiplas tensões na ordem social. (...) O poder do Estado não deve estar assentado em base unitária e homogênea, mas no equilíbrio plural das forças que compõe a sociedade, muitas vezes, elas próprias rivais e cúmplices".

Sobre o papel subsidiário do Estado em relação à sociedade, torres [22] atesta que este papel subsidiário se justifica na medida que o homem goza de competências que lhe são naturalmente pertencentes e inerentes ao desenvolvimento de sua personalidade, portanto ele deve realizá-las por sua própria iniciativa, sob pena de esvaziar-se a própria natureza humana.

Assim, percebe-se que o objetivo do princípio da subsidiariedade de redimensionar o âmbito de atuação estatal tem como consectário a recuperação gradual da capacidade de iniciativa, liberdade, confiança e responsabilidade dos membros da sociedade civil, conferindo primazia a esta.

Analisando o controle do Estado sobre as comunidades menores e os organismos privados, baracho [23] afirma que para este controle se conciliar com o princípio da subsidiariedade, deve propiciar uma colaboração entre todos os envolvidos. Isso teria a importante função de permitir a compreensão das atividades de controle do Estado pelos particulares.

No princípio da subsidiariedade deve-se priorizar a norma de natureza regulamentadora em detrimento da norma de natureza de controle, pois aquela prima mais pela determinação dos limites da atividade econômica. A norma de natureza de controle existe no Estado intervencionista, que é aquele que conduz a atividade econômica. Já a norma de natureza regulamentadora provém de um Estado regulador, que ao invés de intervir na economia, apenas a fiscaliza. Enquanto aquele Estado tem como função precípua promover a ordem econômica, este tem como função essencial à promoção da ordem positiva.

Silvia faber torres [24] afirma que o princípio da subsidiariedade possui dois fundamentos que são a liberdade e a justiça. A subsidiariedade visa concretizar a liberdade de iniciativa e de escolha. Para isso, determina a limitação da autoridade central às atividades de direção, controle e supervisão e confere às autoridades inferiores a realização do interesse público. O princípio da subsidiariedade é um princípio de justiça, sendo esta é realizada quando os indivíduos e grupos sociais menores exercem suas competências e poderes que lhes são naturalmente pertencentes, impedindo que sua liberdade de iniciativa seja sacrificada pela iniciativa pública.

O princípio da subsidiariedade tem como pressuposto básico para a sua efetivação a cidadania ativa. Esta não se exerce apenas através de participação política, mas por meio de uma intensa participação na vida comum. A iniciativa privada deverá trabalhar para a coletividade, realizando tarefas de interesse geral. [25]

Conclui-se afirmando que o princípio da subsidiariedade é, na atualidade, o meio mais eficaz de promoção da democracia, por ter como pressuposto a cidadania ativa, a participação na vida coletiva. Cada um do povo passa a ter a possibilidade de realizar o interesse público, isto porque, a iniciativa privada também terá de realizar tarefas de interesse da coletividade. Este fato gera duas importantes conseqüências. A primeira delas é que o povo passa a se tornar parte do Estado, da res publica, evitando que o Estado fosse visto como um corpo estranho, de forma apartada da sociedade.

A outra importante conseqüência é que o povo também terá responsabilidade sobre a realização do serviço público e passará incumbir a todos a otimização deste. Portanto, diante do mau funcionamento do serviço público, não adiantará mais culpar o Estado; cada um será responsável pelo problema; se o povo quiser que ele seja eficiente, terá que contribuir para que isso ocorra. A responsabilidade pela realização de tarefas públicas gerará a participação, isto contribuirá concretamente para a formação da cidadania ativa.

torres [26] relaciona o princípio da subsidiariedade com o federalismo:

"No plano político, traduz-se no princípio federativo, empregando-se quer como critério de repartição de competência entre as diversas esferas federativas, quer como regra para a solução de conflitos de atribuições que surjam entre elas, de modo a fortalecer sempre, afinal, o poder local, e manter a gestão administrativa o mais próximo possível do cidadão. Implica, pois, em definir que tarefas cumprem às instâncias menores e quais, por dedução, devem ser realizadas pelos entes maiores e central".

E – federalismo simétrico e assimétrico

Segundo Dircêo torrecillas ramos, [27] as designações simetria e assimetria são empregadas para os relacionamentos dentro de um sistema federal. Conceitua a simetria como o grau de conformidade e do que possui de comum de cada unidade política separada do sistema para o sistema como um todo e para as outras unidades membros.

Assim, no federalismo simétrico seria ideal que cada Estado-Membro mantenha o mesmo relacionamento com a autoridade central, que a divisão de poderes entre os governos central e estaduais seja a mesma, que a representação no governo central esteja na mesma base para cada ente federado e que, finalmente, o suporte das atividades do ente federal sejam igualmente distribuídos.

O mencionado autor segue afirmando que na assimetria cada unidade política separada do sistema teria "uma única característica ou um conjunto de características que distingue seu relacionamento para o sistema como um todo, para com a autoridade federal e para com outro Estado". [28]

ramos, [29] descreve quais os aspectos da simetria e da assimetria que devem ser considerados. São eles:

a)a população, o território e a riqueza de cada ente federado afeta o seu poder, sua influência e a necessidade de atenção a lhe ser dada;

b)o grau de autonomia e de poderes conferidos ou exercidos na prática por cada Estado-Membro;

c)a representação nas instituições federais;

d)a representação relativa e a influência de cada ente federado, onde há acordos ou processos para a conduta das relações intergovernamentais;

e)o grau de uniformidade na aplicação de uma Declaração de Direitos;

f)a existência de uniformidade ou variação no peso relativo ou no papel do Estado-Membro o processo de Emenda Constitucional;

g)o grau de uniformidade imposto sobre os entes federados nos dispositivos relativos a suas próprias Constituições.

Percebe-se que, em regra, era simétrico o relacionamento constitucional ou de direito dos entes federados. A assimetria existente no plano fático foi capaz de causar impacto sobre a coesão federal. Esta assimetria fática decorre de três fatores: do impacto cultural, econômico e social; dos fatores políticos afetando o poder relativo e da influência e relações dos entes federados no sistema federal. No entanto, deve-se ressaltar que não é só a assimetria no plano fático que causa impacto no pacto federativo, pois a assimetria de direito pode ser tão desestabilizadora quanto a fática.

São várias as normas da Constituição da República brasileira, que manifestam a assimetria: art. 23, parágrafo único; art. 43, §1º, I, II, §2º, I, II, III, IV, §3º; art. 151, I e art. 155, I, b, §2º, VI, XII, g. Estas normas estabelecem uma cooperação entre os entes da federação e têm como objetivos: a diminuição de desigualdades; o desenvolvimento equilibrado; a criação de regiões e o estabelecimento de distribuição de receitas e outras formas de incentivos como os juros favorecidos, isenções, reduções e adiamento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas. [30]

Dircêo torrecillas ramos [31] concluiu que na Constituição da República de 1988 e nas leis infra-constitucionais houve excessos e abusos no tratamento assimétrico de direito. O excesso no tratamento assimétrico de direito leva ao acomodamento e à perda de responsabilidade do beneficiário dos recursos destinados ao desenvolvimento, pois quando os recursos são concentrados e distribuídos há sempre um grau de sujeição de quem os recebe. Este grau de sujeição será maior se o ente federado estiver recebendo do ente federal.

Já o abuso no tratamento assimétrico de direito causa uma ampliação da boa situação financeira do ente federado que já a possui e complica ainda mais a situação do outro que está em dificuldade. Estes abusos estão presentes na legislação que divide os benefícios: nos desvios de aplicação, no orçamento e na inclusão desenvolvimentista de Estados-Membros e Municípios.

A solução encontrada é a busca do equilíbrio, que ocorre quando os Estados-Membros mais ricos cooperam com os mais pobres, mas sem ultrapassar as necessidades destes e sem ser desconsideradas as necessidades daqueles.

A forma ideal de controle desta cooperação entre os entes da federação é feita por órgãos interestaduais do ente que, direta ou indiretamente, concede os recursos e pelo ente que os recebe.

Sobre a autora
Viviane Machado Caffarate

Graduada pelaa Faculdade Mineira de Direito (PUC/MG), em Belo Horizonte (MG). Analista Tributária da Receita Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAFFARATE, Viviane Machado. Federalismo: uma análise sobre sua temática atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3249. Acesso em: 22 dez. 2024.

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