1. Colocação do Tema.
O art. 522 do Código de Processo Civil prescreve que "das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, retido nos autos ou por instrumento". Cuida este artigo, juntamente com os demais que lhe seguem, de instituir no direito pátrio a disciplina do recurso de agravo, o qual pode ser conceituado como a espécie recursal destinada a impugnar decisão judicial, qualificada como interlocutória [1], assim entendida aquela que decide incidente processual, sem pôr fim ao andamento da relação processual (art. 162, § 1º e 2º do Estatuto dos Ritos).
Infere-se da dicção do aludido art. 522 do Código de Processo Civil a existência de duas modalidades de agravo: o retido nos autos e o de instrumento. Com relação a este último, o legislador processual estabeleceu um rol de exigências, para efeito de sua correta interposição. Referimo-nos, dentre outras, as previsões insertas no art. 525 do Código de Processo Civil, cuja letra proclama a necessidade da petição do agravo de instrumento vir instruída: "obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado" (redação do inciso I) e "facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis" (redação do inciso II).
No tocante às exigências delineadas no inciso I do art. 525, observa-se que a prática forense e grande parte da jurisprudência pátria têm arrematado, apesar de ausência de disposição legal neste sentido, pela necessidade das cópias das peças processuais relacionadas naquele preceito normativo serem devidamente autenticadas, mediante conferência efetuada por agente dotado de fé pública.
O entendimento jurisprudencial tem sido rigoroso na análise de admissibilidade do recurso de agravo de instrumento, obstando seguimento àqueles em que as cópias das mencionadas peças processuais encontram-se desprovidas de autenticação, por vislumbrar irregularidade formal, consistente em ofensa aos artigos 384 e 386 do Código de Processo Civil [2]. Neste diapasão é a ementa do seguinte acórdão: "PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INOMINADO – DECISÃO DA RELATORIA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO. Ausência de autenticação de peça obrigatória – Desconformidade com a disposição do art. 384 do CPC – Irregularidade formal. Responsabilidade da Recorrente pela formação do instrumento. Poder-dever de agir da Relatoria – art. 557, caput, da Lei dos Ritos. Precedentes jurisprudenciais desta Câmara. Inexistência de violação aos princípios constitucionais do processo. Impossibilidade de conversão do Agravo de Instrumento em diligência, para sanação de vícios encontrados nas peças que o instruem. Recurso Conhecido. Provimento negado. Decisão Unânime." [3]. (Acórdão n.º 2.302/91, Rel. Des. Mário Casado Ramalho, 2ª Câmara Cível do TJ/AL, publicado no DOE de 01.02.2002). [4]
Os Pretórios enaltecem, dessa forma, extremas formalidades processuais, fruto ainda da civilização romana e da era medieval, as quais não encontram voga no âmbito da moderna ciência processual e nem no espírito do direito positivo pátrio, de sorte que, conforme será demonstrado no presente estudo, o entendimento pretorial em comento não encontra guarida na novel visão da instrumentalidade do processo.
2. O formalismo exacerbado que envolvia o direito processual civil.
Nos primórdios das civilizações pré-históricas, o direito era produto da magia e da religião, consistindo na revelação de normas de conduta pelo mago ou sacerdote, que possuíam o condão de assegurar o primitivo convívio social então existente. As formas surgem como mecanismos que conferiam coercibilidade aos rituais da magia e da religião, dotando-os, através da ingênua veneração do desconhecido que o ser primitivo devotava, de eficácia social, ou seja, havia, até mesmo pelo mero temor de ser amaldiçoado, a rendição incondicional aos ditames sacramentais veiculados pelas formalidades praticadas.
Predominavam nessa época como meios de prova os ordálios [5], caracterizados pelo sacrifício do acusado em demonstrar sua inocência submetendo-se a uma prova de extrema coragem, "tais como a prova pela água fogo, a prova pela água fervendo, a prova pelo cadáver, a prova pela água fria, a prova pela serpente, a que se submetia o réu, no pressuposto de que Deus, proclamando a verdade, viria em seu socorro, livrando-o incólume dos tormentos" [6]. A justiça era a dos mais fortes, mais resistentes, que persistiam diante dos cruéis sacrifícios necessários ao alcance da vitória sobre o adversário, triunfo este que possuía o significado de que Deus tinha declarado lhe assistir razão, mesmo que, na realidade dos fatos, o justo não lhe amparasse. Conforme ressalta Carlos Alberto A. de Oliveira [7]"tudo não passava de um duelo das partes, cabendo à comunidade, com base na manifestação divina, declarar o vencedor".
Salienta Moacyr Amaral Santos [8] que no direito romano, o qual foi berço do direito pátrio, o procedimento era "nitidamente formalista, obedecendo a solenidades rigorosíssimas, em que as fórmulas verbais, cada uma das palavras e os gestos deveriam ser escrupulosamente obedecidos. Qualquer desvio ou quebra de solenidade, por mínimos que fossem, um gesto que fosse olvidado, uma palavra omitida ou substituída davam lugar à anulação do processo, com vedação de propositura de outro sobre o mesmo objeto: quidquid fit contra legem nullum est.".
Mesmo após o Estado assumir o exercício da função jurisdicional, o formalismo processual continuava a marcar acentuada presença, constituindo o seu alicerce visceral a desconfiança generalizada existente no seio social a respeito do Poder Judiciário [9], o qual necessitava ser moldado, controlado, para que suas decisões não encontrassem como único e arbitrário limite a consciência dos seus magistrados. As formas, as solenidades passaram, então, a representar precioso instrumento de delimitação do arbítrio judicial, pois "cuida-se, aliás, de fato recorrente na história do formalismo processual: à medida que cresce e se intensifica o poder e o arbítrio do juiz, enfraquece-se também o formalismo, correlativo elemento de contenção" [10]. Era o princípio da segurança jurídica, consubstanciado nas formalidades, impondo freios à atividade jurisdicional.
O direito processual, em sua gênese, era visto como apodo do direito material [11], ou seja, um mero apêndice desprovido de autonomia, confundido-se ambos os hemisférios: direito material e processual, como se tratassem de uma face da mesma moeda. O processualista Cândido Rangel Dinamarco [12] apresenta relevante síntese dessa visão processual: "Dizia-se, então, que o escopo do processo era a tutela dos direitos, naquela visão pandectista que colocava a ação como centro do sistema e a descrevia como o próprio direito subjetivo em atitude de repulsa à lesão sofrida". Envolto nessa perspectiva, ao direito processual era vedado o desenvolvimento de princípios próprios, de institutos autônomos ao direito material a que estava xipofagamente relacionado.
Campeava, por outro lado, nessa fase da história do direito "adjetivo", a rudimentar influência de uma sociedade marcada por valores nobiliárquicos, em que se consagrava o peso da ascendência, da estirpe, do privilégio de ser nobre. Os costumes formais eram inúmeros e intensos. Em reflexo a tal contexto, nada restou ao direito, como produto da valoração dos fatos sociais [13], que senão instituir no regramento das relações intersubjetivas acentuado caráter formalista, onde todos deviam irrestrita sujeição às formas, como único meio hábil a permitir a desenvoltura do relacionamento inter-humano. Assim sendo, o direito processual, trilhando a sorte do direito material, era impregnado de formas, as quais, por outro lado, alicerçavam-se, conforme percebeu com nitidez Carlos Alberto A. de Oliveira [14], em "razões práticas, pois não apenas serve para amenizar a paixão dos litigantes, prevenindo condutas tumultuosas e arengas desnecessárias, como também para compelir as partes a olhar os fatos calmamente e realizar suas declarações com cuidado".
Após ser ultrapassada esta fase sincretista do direito processual, surgiu um enfoque introspectivo do processo. Houve, com efeito, uma extrema oscilação: o processo, que era encarado como um mero adjetivo do direito material passou a ser concebido com foros de autonomia. Tal conotação, todavia, foi tão exasperada que ele passou a ser visualizado como um fim em si mesmo, onde não se cogitavam de suas interações com a ordem jurídica substancial [15], aludindo-se apenas para sua destinação mecanicista de externar decisões judiciais. O processo era desprovido de conceitos ideológicos, sua função de ordenação social, mediante o alcance da justiça, era desprezada, renegada, somente sendo centro das atenções o debate introspectivo acerca dos institutos processuais, com total abstração das influências exercidas sobre estes pelo direito material e pelas concepções políticas. Neste cenário, as formalidades continuavam sempre presentes envolvendo todos os ritos processuais, sendo obstada às atitudes tendentes a admoestá-las, pois eram justificadas por razões próprias, consubstanciadas na finalidade intrínseca que possuíam, qual seja, a apologia demasiada do princípio da segurança jurídica.
O desenrolar histórico do formalismo processual agudo ainda deita raízes na contemporaneidade do direito processual, visto que a interpretação do art. 525, inciso I do Código de Processo Civil, que considera exigível a autenticação das reproduções fotográficas das peças processuais que integram o recurso de agravo de instrumento, fundamenta-se nessa visão eminentemente formal do direito processual civil, observado como um instrumento dotado de fins próprios, os quais reclamam a realização de extremos rituais sacramentais, a fim de que a segurança das relações jurídicas seja acima de tudo garantida, nem que para tanto sucumba a finalidade capital da jurisdição, consistente no alcance da soberana justiça.
3. A moderna visão do processo como um instrumento da jurisdição.
Com bem informou o jurista Pontes de Miranda [16] o apogeu das formas, predominante na era medieval, entrou em decadência com o soterramento do Estado Absolutista, e surgimento do Estado Capitalista, onde a riqueza imobiliária foi suplantada pelo fulgor das relações jurídicas mobiliárias, as quais são marcadas, ao reverso dos nexos imobiliários, primordialmente pela simploriedade das formas, posto que a fugacidade inerente à transmissão dos bens móveis não se coaduna com as sacramentalidades do direito medieval, que constituíam um extremo e desproporcional óbice a livre fluência do capital no mercantilismo impessoal, embrião do mundo globalizado contemporâneo. Aduz, ainda, Pontes de Miranda [17] que "A forma solene e pomposa entrou em declínio. Isso não quer dizer que não persistam, empencendo, ou, pelo menos, dificultando o ritmo da vida, as formalidades anacrônicas, não raro subpostas às formas novas de negociabilidade e de ‘mobilização’".
A mitigação do formalismo, influenciada por inspirações nitidamente ideológicas e econômicas, não somente se refletiu no plano do direito material privado, mas também fincou sólidas raízes nos rincões do direito processual civil, eliminando fórmulas tabulares rigorosas a que estavam adstritos inexoravelmente os atos processuais, buscando, assim, satisfazer "a duas outras necessidades básicas do Estado Liberal, a certeza do direito e a maior simplicidade e celeridade procedimentais" [18].
O formalismo sacramental que envolvia o direito processual nos tempos pretéritos restou, portanto, na contemporaneidade cibernética afastado, pois nesta conjuntura as informações são repassadas na agilidade de frações de segundos, cogita-se da possibilidade da clonagem humana, não podendo as modernas e instantâneas relações sociais ficarem adstritas a rituais formais injustificáveis. Reduzida estão, com efeito, as formalidades a raras ocasiões, de molde que a regra é a liberdade das formas e simplificação das exigências. Estar-se diante de "uma tendência (...) universal, quanto aos escopos do processo e do exercício da jurisdição: o abandono das fórmulas exclusivamente jurídicas" [19].
Cumpre ressaltar, ainda, que a simplificação das formas acompanha a moderna visão do processo, não mais visto como um fim em si mesmo, mas verdadeiramente como um instrumento de composição de conflitos de interesses, sendo vedada toda e qualquer concepção tendente a considerá-lo um instituto desvirtuado desse soberano escopo, e que tenha por suporte a ultrapassada idéia de ser o processo uma espécie de duelo entre as partes, onde estas se cercam de extremos rituais pré-estabelecidos a fim de vencer o adversário. Neste sentido é o magistério brilhante de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinarmarco [20]: "Fala-se da instrumentalidade do processo, ainda, pelo seu aspecto negativo. Tal é a tradicional postura (legítima também) consistente em alertar para o fato de que ele não é um fim em si mesmo e não deve, na prática cotidiana, ser guindado à condição de fonte geradora de direitos. (...). Uma projeção desse aspecto negativo da instrumentalidade do processo é o princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual as exigências formais do processo só merecem ser cumpridas a risco, sob pena de invalidade dos atos, na medida em que isso seja indispensável para a consecução dos objetivos desejados (...)".
A própria interpretação sistemática do Código de Processo Civil vigente conduz o operador do direito a observar o fim do império das formas, pois se inscreve entre os mais relevantes princípios do moderno processo civil a liberdade das formas, dotado de positivação expressa no seu art. 154, cuja letra assevera: "Os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial". Tal princípio, por sua vez, desdobra-se em outro, o vetor da instrumentalidade das formas, assentado no seu art. 244, exarado no seguinte enunciado: "Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considera válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade".
São insofismáveis exemplos dessa tendência de vanguarda, de atenuar o rigor da forma processual, a Lei n.º 9.800/99, a qual introduziu a faculdade do causídico militante interpor petições através de meios eletrônicos como o fax e o e-mail [21], bem como a constantemente aplicada Lei n.º 9.099/95, disciplinadora dos Juizados Especiais, que declinou em sua letra a relevância dos princípios da celeridade e economia processual, permitindo, inclusive, a realização de atos processuais sem sua antes rígida e obrigatória redução a termo escrito [22].
Esta moderna visão do processo civil fundamenta-se, conforme sabiamente ministra Francisco Wildo Lacerda Dantas [23], em que "a idéia do processo (...) é teleológica. Está presa a um fim a que se destina o processo, como instrumento da jurisdição". Ora, se o processo se reveste da natureza de um instrumento da jurisdição, evidentemente, a finalidade que o norteia deverá ser o desiderato almejado pela própria atividade estatal de judicar. Como é ressabido, o escopo maior da jurisdição é a realização, no plano material das relações humanas intersubjetivas, do valor justiça, destinado a conformar os antagônicos e imprescindíveis interesses individuais tocados pelo convívio social, de sorte que seja alcançada a paz social. [24] Cândido Rangel Dinarmarco [25], nesta linha de argumentação, preleciona, com maestria, que "Como escopo-síntese da jurisdição no plano social, pode-se então indicar a justiça, que é afinal expressão do próprio bem comum, no sentido de que não se concebe o desenvolvimento integral da personalidade humana, senão em clima de liberdade e igualdade". Desta sorte, desvenda-se que a finalidade do processo entrelaça-se à realização do princípio da justiça no caso concreto posto sob julgamento do Poder Estatal Judiciário. Percebe-se, assim, que a focalização teleológica do processo é tendente a fortalecer o princípio da justiça em detrimento de um outro vetor capital do ordenamento jurídico: o princípio da segurança jurídica.
Esse maior dimensionamento do princípio da justiça, em face do princípio da segurança jurídica, decorre da percepção solar de que este último vetor constitui um instrumento eficaz para a realização da plena justiça. Melhor dizendo, o princípio da segurança jurídica, dentro dessa nova concepção de mitigação do formalismo processual, não assume a posição de um vetor dotado de racionalidade própria, de finalidade intrínseca, explicável por si mesmo, cuidando-se, ao reverso, de um princípio de caráter instrumentário, destinado a facilitar e a assegurar a vivência no tecido social do valor justiça, sendo, portanto, um meio necessário para a realização das finalidades do ordenamento jurídico. Vislumbra-se, por conseguinte, que esta índole secundária do princípio da segurança jurídica impõe como corolário inexorável a sua sucumbência diante do conflito entre o justo e o seguro, de maneira que o primeiro – o justo – adquire foros de prevalência, informando toda a estrutura do direito processual civil, a qual não se coaduna com exigências formais não correlacionadas a este norte capital. [26]
Importa registrar que o abrandamento das formas adotado no seio do processo civil moderno não se traduz em um discurso inócuo e insano de se pregar à abolição destas. Não. Ao reverso, apenas se está combatendo o fenômeno batizado por Liebman [27] como formalismo processual, consistente no apego a formas processuais despropositadas e intricadas, as quais somente se prestam a retardar irracionalmente o desenrolar da marcha processual, contribuindo para a descrença na Justiça e para o encalhe dos feitos dentro dos órgãos judiciários. Leciona Cândido Rangel Dinamarco [28] que "as formas dos atos processuais são uma necessidade, para segurança das partes e correto exercício da jurisdição, mas o formalismo processual, como apego fetichista às formas, é fator de distorção do sistema".
Assiste-se, nos dias atuais, ao fenômeno da deformalização do processo, consectário lógico da visão teleológica deste, cuja missão é a "reestruturação das garantias formais, quando inadequadas para os casos que exigem, antes de mais nada, uma intervenção rápida" [29]. Noutro dizer, a imperiosidade hodierna de se imprimir celeridade às demandas processuais, advinda da moldura industrial delineada pelo liberalismo econômico, triunfante a partir dos séculos XVIII e XIX, atribuiu ao legislador processual a obrigação de rever a postura formalista de outrora, sopesando a real necessidade das formas, diante da finalidade que se almeja galgar com a sua adoção. Enfim, passa a vigorar o primado da otimização do iter processual, eis que "para o empresário moderno, sempre que ele tenha de sujeitar-se a uma controvérsia judicial, é mil vezes preferível uma rápida derrota do que uma vitória demorada ou parcial, que ainda deixe pontos litigiosos capazes de alimentar novas demanda posteriores" [30]. Desprezam-se, com efeito, as fórmulas inúteis, e prestigiam-se, por outro turno, somente as formas realmente indispensáveis à obtenção da soberana justiça, bem como igualmente hábeis a assegurar sumariamente a contingente necessidade de se documentar o processo, em atenção ao princípio da certeza do direito.
Doutra banda, visualiza-se que, ao se prescrever para o alcance da tutela jurisdicional inúmeras e desrazoáveis exigências formais, advém um cerceamento à pretensão à tutela jurídica, ofendendo, desta feita, o princípio constitucional da inafastabilidade ou universalidade da jurisdição, cristalizado no art. 5º, inciso XXXV da Carta Magna de 1988, é dizer: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". A jurisprudência pátria tem reconhecido que o excesso de formalismo não condiz com a garantia constitucional do amplo acesso ao Judiciário, conforme resulta nítido de trecho da ementa de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp 2721/MG [31], aqui reproduzido: "(...) Por outro lado, exigir do autor da rescisória intentada na véspera da consumação do prazo (no regular exercício do direito), que logo requeira a dilação do prazo para citação (Cod. de Proc. Civil, art. 219, parágrafos 2., 3. e 4.) constitui requinte de formalismo, desnecessário e incompatível com o princípio da instrumentalidade do processo, que a garantia de acesso a jurisdição tanto encarece e recomenda".
O Constitucionalismo instaurado pelo Estado Democrático de Direito vigente na maioria dos povos, nos últimos séculos, traz como premissa elementar a submissão do Poder Público à lei, assim compreendida como a regra de direito legitimamente produzida pelos órgãos introdutores habilitados para tanto, mediante estrita obediência ao procedimento formal assinalado na Carta Constitucional, sendo oportuno acrescentar que o próprio Poder Legislativo, encarregado primordialmente da tarefa de legislar, está jugulado ao império da lei, não desfrutando o legislador infraconstitucional do talante de elaborar a lei como melhor lhe aprouver, devendo, portanto, respeitar os ditames assentados na Constituição Federal [32]. Tal subsunção de todos os poderes estatais ao princípio da legalidade contribui decisivamente para afastar a desconfiança e ausência de previsibilidade da atividade estatal, pois esta passa ser regulada, controlada, delimitada explicitamente, possuindo, dessa forma, o administrado plena ciência das conseqüências do agir do Estado, o qual é discriminado na lei, de maneira que o tão encarecido princípio da segurança jurídica, mesmo na sua feição instrumental, resta assegurado. Não assim por intermédio das formas sacramentais do passado, que se destinavam a conter o arbítrio judicial, freando o absolutismo predominante no seio do Judiciário [33], mas através do instrumento democrático e eficaz da lei, entidade emanada dos representantes do povo.