CONCLUSÕES
É inegável a capacidade técnica e o bom propósito da Comissão encarregada de propor as reformas do Código de Processo Civil, mas como registrou o Prof. Egas Muniz de Aragão, na palestra de abertura deste Congresso, há um certo grau de empirismo nos projetos de reformulação, principalmente pela falta de diagnóstico científico do que seja efetivamente necessário reformular e pela ausência de aferição do êxito ou do fracasso das reformas já implementadas.
Apesar de tudo que já se fez, percebe-se que o processo ainda não é tratado como um mecanismo de instrumentalidade operacional; ao contrário, tem se revelado como uma espécie de vampiro do direito material, que suga as atenções da verdadeira estrela da atividade jurisdicional, que é o conflito de interesses.
É certo que essa visão não decorre de mero atavismo comportamental, mas também é fruto do próprio sistema legal disponível.
As reformas têm sido extremamente pontuais e mesmo quando se modifica todo um procedimento, como se deu com o comum sumário, são mantidas idéias que não libertam a máquina judiciária para dar vazão ao enorme volume de demandas que se atulham nos Fóruns.
O processo de que precisamos é aquele que atenda ao perfil do mercado, que hoje é de atacado, não de varejo.
Não é mais possível conviver com uma postura processual de artesanato, cheia de detalhes e filigranas, muitas vezes com contornos inúteis.
Atingir uma produção de massa bem qualificada é certamente nosso maior desafio, porque o consumidor dos serviços judiciários quer resultados.
Apesar de sua boa concepção, o CPC é pródigo em incidentes perfeitamente dispensáveis.
O apensamento é um destaque permanente e há formalidades que algemam a lógica. Essa cultura infelizmente perdura. Veja-se, a propósito, que por esta última reforma do CPC, o relator poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido (art. 527, II). Ao invés de simplesmente comunicar tal decisão ao juiz da causa, o Código determina que o Agravo seja remetido à origem e que fique apensado aos autos principais. Qual o sentido jurídico e prático de tal providência? Todas as peças que formaram o Instrumento já estão no processo principal. Para que apensar?
Vejamos outras incoerências verificadas, por exemplo, no procedimento comum ordinário:
1)a incompetência absoluta é alegada como preliminar da contestação, mas a relativa gera um incidente apensado, com suspensão do processo;
2) a impugnação ao valor da causa é deduzida em peça própria e é autuada em apenso;
3) a assistência, quando impugnada, é desentranhada do processo e forma um incidente (art. 51);
4)a oposição, oferecida antes da audiência de instrução e julgamento, será apensada aos autos principais (art. 59);
5)a reconvenção deve ser manejada em petição distinta da contestação; a denunciação à lide e outras intervenções de terceiro também.
6)Os requisitos estruturais da sentença, com relatório, fundamento e dispositivo têm bolor originário e assim por diante.
Isso demonstra como o processo, de modo geral, poderia ser simplificado, sem qualquer risco à ampla defesa e ao contraditório.
O princípio da concentração, presente no procedimento sumário e no Juizado Especial, poderia inspirar uma reforma ampla do procedimento ordinário, extirpando vários atos e formalidades perfeitamente dispensáveis.
Hoje, no âmbito do Juizado Especial, v.g., não há relatório para a sentença e é dispensável o acórdão quando a decisão de primeiro grau é confirmada por seus próprios fundamentos. Por que não exportar tal objetividade para o juízo comum, liberando o Magistrado para decidir a lide e enfrentar o mérito da causa, sem desperdício de tempo e de energia jurisdicional?
Fala-se na Súmula Vinculante, mas não se pensa em oportunizar ao Magistrado a edição de uma decisão sumária quando vier a adotar a Súmula, sem necessidade de fundamentação aditiva.
Na verdade, ainda estamos muito distantes de um procedimento comum mais singelo, compacto e concentrado.
Outra questão nuclear é a inversão da fase conciliatória, que hoje se dá no saneamento, quando já há relação processual instalada.
Antes de formar litígios e acirrar ainda mais os ânimos, dever-se-ia tentar a conciliação numa fase embrionária do procedimento, não pelo improviso de conciliadores leigos, mas por Magistrados Conciliadores, especialmente adestrados com técnicas de mediação.
A composição é arma importante não só para solucionar um processo, mas para resolver uma relação litigiosa. Pouco adianta conceder uma reintegração de posse, fazer cumprir a decisão e as partes continuarem a nutrir ódio recíproco. Se conseguirem transacionar seus direitos, o fato social é atingido na origem e não volta a se reproduzir.
Enquanto não se instala entre nós o espírito da mediação e da conciliação, temos que buscar soluções mais inteligentes para resolver pelo menos aquelas lides que estão postas.
O desafio é árduo, mas para conseguir superar a demanda de pleitos que crescem em progressão geométrica nas distribuições dos foros é indispensável uma reforma ampla dos procedimentos cognitivos e da estrutura formal das decisões judiciais.
Sem concentração de atos, unificação de prazos e simplificação de rotinas, continuaremos prisioneiros de um formalismo que nasceu ilógico e que está ultrapassado há muito tempo.