RESUMO: O objetivo do presente estudo é abordar as principais mudanças introduzidas por meio da EC 62/2009, bem com a declaração da inconstitucionalidade de seus dispositivos à luz da jurisprudência doo Supremo Tribunal Federal, apontando as violações contidas na emenda constitucional e o posicionamento do excelso acerca do tema. Igualmente, analisamos as formas de pagamento dos precatórios, instituto de compensação de crédito com a fazenda pública.
Palavras-chave: Emenda Constitucional. Devido Processo Legal. Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência. Decisões. Princípios Constitucionais. Precatório. Pagamento.
Abstract: The aim of this study is to address the major changes introduced by EC 62/2009 , as well as the declaration of unconstitutionality of their devices in the light of Supreme Court jurisprudence doo , pointing out the violations contained in the constitutional amendment and the positioning of the sublime about theme . Also , we analyze the forms of payment of writ , institute compensation credit to the Exchequer.
Keywords: Constitutional amendment . Due Process of Law . Federal Supreme Court . Jurisprudence. Decisions . Constitutional principles. Precatory . Payment .
1) INTRODUÇÃO
O trabalho, ora proposto, visa abordar a temática do processo de execução à luz da Emenda Constitucional nº 62/2009, em especial quando envolve a atuação da Fazenda Pública em Juízo e dos julgados do Supremo Tribunal Federal – STF, que declaram a inconstitucionalidade das alterações propostas. Busca-se fazer uma análise crítica acerca da realidade proposta pelo regime (in) constitucional dos precatórios, como forma de adimplemento do pagamento de créditos devidos pelas fazendas públicas (Municipal, Distrital, Estadual e Federal).
Para uma melhor abordagem acerca do tema, será feita uma análise das principais mudanças ofertadas pela Emenda Constitucional nº62/2009, buscando confrontar as alterações com as decisões oriundas do Supremo Tribunal Federal – STF.
Objetiva-se despertar a atenção para os efeitos trazidos pela declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 62/2009, em especial por modificar de forma considerável o andamento original do pagamento dos precatórios .
2) EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
A função precípua do Estado lato sensu, é a de garantir a proteção jurisdicional aos direitos assegurados a todos que nele se encontrem. O sistema jurídico brasileiro engendrou uma série de mecanismos que objetivavam garantir direitos e obrigações, dentre eles, o direito do credor de receber o adimplemento de seu de seu crédito e a obrigação do devedor de pagar. Assim, entendemos por tutela jurisdicional a proteção que o Judiciário presta às partes no processo, em favor daquele a quem é reconhecido o direito quando findada a prestação da jurisdição.
Analisando o tema em discussão, valiosas são as palavras de Candido Rangel Dinamarco, observa-se:
Tutela jurisdicional é o amparo que, por obra dos juízes, o Estado ministra a quem tem razão num litígio deduzido num processo. Ela consiste na melhoria da situação de uma pessoa, pessoas ou grupos de pessoas, em relação ao bem pretendido ou à situação imaterial desejada ou indesejada. Receber tutela jurisdiciona significa obter sensações felizes e favoráveis, propiciadas pelo Estado mediante o exercício da jurisdição[1]
A execução de quantia contra a Fazenda Pública, seja ela municipal, distrital, estadual ou federal, possui um regime especial por causa da impenhorabilidade dos bens públicos e do regime constitucional dos precatórios como forma de adimplemento de suas obrigações o que impede a execução fundada em penhora que normalmente é utilizada para a satisfação de execuções de quantia. Trata-se, pois, de procedimento especial.
A Fazenda Pública possui tratamento especial, pois age na conservação dos interesses da coletividade, entretanto, estes privilégios é o que tornam o processo mais demorado, burocrático e penoso, para satisfação do crédito, impondo ao credor um longo calvário. Neste sentido, afirma Maurício Santos Gusmão Júnior:
A res publica a todos pertence e disso resulta a indisponibilidade dos seus interesses. A Fazenda, ao ser demandada em juízo, deverá perseguir o interesse público. Por isso, as normas processuais que a outorgam prazos dilatados e outras prerrogativas compatibilizam-se com os preceitos constitucionais. A Carta Magna, a começar pela exigência do precatório para pagamento de dívidas pecuniárias, deixou expresso a premência em tutelar o interesse público discutido no âmbito processual. O resultado da lide, a negligência daqueles que representam a Fazenda em juízo afetam a todos. É prejuízo de toda a sociedade. Não bastasse o respaldo do tratamento desigual na supremacia do interesse público sobre o particular, impende salientar que a Fazenda Pública responde a uma quantidade cada vez maior de ações, acrescentando-se a isso os entraves burocráticos que dificultam muito a atuação expedita, principalmente no que tange à prestação de informações por órgãos da estrutura administrativa, para subsidiar a defesa do Poder Público em juízo.[2]
O procedimento especial das execuções contra às Fazendas Públicas estão previstos nos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil - CPC . A atividade judicial de juízos de primeiro instância é encerrada com a expedição do precatório no valor da condenação. Tal procedimento é comumente utilizado nos caso de obrigação de pagar por parte das Fazendas Públicas (União, Estados, Municípios, Autarquias e Fundações Autárquicas). Em síntese, a Fazenda Pública deverá ser citada para a oposição de embargos no prazo de 10 (dez) dias. Ultrapassado esse prazo legal e não havendo a manifestação da Fazenda Pública acerca do crédito objeto da execução ou julgados improcedentes os embargos, o juízo da execução requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente e o pagamento deverá se dar por meio da expedição de precatório.
A atuação da Presidência do Tribunal em relação aos precatórios não tem natureza jurisdicional e sim natureza de atividade administrativa (não pode ser revisto o conteúdo da sentença, sendo possível rever apenas eventuais erros de cálculo ou erros materiais). Como não está a Presidência no desempenho de atividade jurisdicional nesses casos, não cabe à interposição de recurso extraordinário – a decisão proferida pela Presidência do Tribunal no processamento de precatórios não desafia recurso extraordinário (nesse sentido a Súmula 733 do STF).
3) A EMENDA CONSTITUCIONAL 62/2009 E SUA DECLARAÇÃO DE INSCONTITUCIONALIDADE.
Com a alteração do texto constitucional, por intermédio da Emenda Constitucional n. 62/2009, o § 2º do artigo 100 da Constituição Federal passou a imputar uma prioridade para o pagamento dos débitos de natureza alimentícia daqueles que contassem com mais de 60 (sessenta) anos de idade ou fossem portadores de doença grave, vejamos:
§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
De acordo com a alteração legislativa, restavam estabelecido no dispositivo em apreço, débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado (CF, art. 100, § 1º).
Inovou-se, ainda, em uma prioridade que se põe acima dos próprios créditos alimentares. A maior prioridade é a de créditos alimentares de idosos ou de portadores de doença grave, ou seja, passou a haver 03 (três) ordens “especiais” de filas de pagamento, a saber: a dos créditos alimentares de idosos ou portadores de doença grave; a dos créditos alimentares; a dos créditos não alimentares.
Oportuno é destacar que a prioridade dos créditos de natureza alimentar dos portadores de doença grave depende de regulamentação, somente se enquadrando como doença grave aquela assim definida expressamente em lei. Não sendo este o objeto deste trabalho.
Inicialmente, a alteração legislativa, apresentava como fundamentação para a criação de novas ordens cronológicas, o devido respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e razoabilidade, contudo a dicção do texto legislativo criou uma série de incongruências como serão melhor abordadas em linhas abaixo.
De início podemos verificar que, ao limitar a prioridade para aqueles que tivessem 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, o referido dispositivo criou injustificável distinção para aqueles titulares de créditos que, em que pesem não contassem com os 60 (sessenta) anos de idade naquela data, o teriam logo em seguida e durante toda a pendência do pagamento.
Assim, considerando que a redação do § 2º do artigo 100 importaria transgressão ao princípio da igualdade, porquanto a preferência deveria ser estendida a todos os credores que completassem 60 anos de idade na pendência de pagamento de precatório de natureza alimentícia, o STF, mediante o julgamento das ADI’s 4425 e 4357, declarou a inconstitucionalidade da expressão “na data de expedição do precatório”, por legítima ofensa ao princípio da igualdade.
Devemos ainda registrar que de maneira acertada agiu o Pode Judiciário, pois a manutenção do dispositivo em sua redação originária, não possuía a mínima razão de ser, uma vez que o bem jurídico que estava sendo objeto de proteção com a alteração constitucional era a garantia de que todos viessem a receber os seus créditos, sendo que as pessoas de idade elevadas e portadores de doenças graves deveriam ser contemplados de maneira mais célere.
Outra novidade trazida por meio da Emenda Constitucional n. 62/2009 foi à possibilidade assegurada à Fazenda Pública devedora de compensar, do montante por ela devido, o valor correspondente a débitos líquidos e certos constituídos contra o credor original.
Vejamos o que dispunha os parágrafos §§ 9º e 10 do artigo 100 da Constituição Federal, cuja redação colaciona-se abaixo:
§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
Em que pese apresentar-se como importante ferramenta posta à disposição da Fazenda Pública para ver satisfeito seu crédito constituído em face daqueles devedores que, ao mesmo tempo, se apresentam como seus credores, bem como, a princípio, observar os contornos básicos do instituto da compensação previsto no Código Civil (artigos 368 a 380), o STF entendeu existente a violação a princípios constitucionais.
O entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal mostra-se piamente acertado, uma vez que as Fazendas Públicas dispõe de mecanismos próprios para a satisfação de seus créditos, sendo desarrazoada a imposição da compensação nos moldes estabelecidos.
Deve-se ainda destacar que por ocasião das ADI’s interpostas, o Excelso reputou violada a garantia do devido processo legal e de seus principais desdobramentos, quais sejam, o contraditório e ampla defesa, uma vez que as compensações iriam ocorrer de maneira automática, sem que fosse resguardados os princípios constitucionais outrora referidos.
Na mesma linha de raciocínio, o STF ela violação do princípio constitucional da isonomia, uma vez que o ente público, ao cobrar crédito, de que era titular não estaria obrigado a compensá-lo com eventual débito seu em face do credor contribuinte. Pelo contrário, a própria Lei 6.830/80, no § 3º de seu artigo 16, vedaria a compensação.
Sobre o tema, imperioso se mostra transcrever os argumentos lançados pelo Ministro Luiz Fuz, vejamos:
Não haveria razoabilidade na diferenciação das hipóteses. Prestigiar apenas o credor fazendário oprimiria o particular. Consignou que a igualdade seria agredida quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guardasse relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arrendamento do gravame imposto. O fator de discrímen não teria relação com o tratamento jurídico dispensado às partes. Se o custo do ajuizamento de execuções fiscais pela Fazenda seria elevado e poderia ser evitado pela compensação, também seria elevado para o indivíduo litigante e para a sociedade em geral, que arcaria com os custos da multiplicidade de demandas judiciais. A medida deveria valer para credores e devedores públicos e privados, sob pena de se tornar privilégio odioso.
Novamente, analisando o tema em discussão o Supremo Tribunal Federal – STF, entendeu pela inconstitucionalidade dos §§ 9º e 10º do artigo 100 da Constituição Federal.
Outro aspecto que merece salutar análise reside no regime especial para pagamento dos precatórios por parte dos estados, distrito federal e municípios, conforme a previsão estabelecida nos parágrafos artigos §15 e 16 do artigo 100 da CF.
O objetivo desse regime especial seria viabilizar o pagamento de precatórios que estão vencidos há anos e que ainda não foram pagos por Estados, pelo Distrito Federal e por Municípios. Funcionaria como uma espécie de “moratória”, ou “concordata”, tentando criar condições para pagamento de valores que, atualmente, são vultuosos.
José dos Santos Carvalho Filho, manifestando-se contrariamente à instituição de tal regime especial, leciona que:
Em nosso entender, poucos institutos ofendem tão gravosamente o direito de cidadania quanto o sistema de precatórios judiciais disciplinado na Constituição. Reflete, na verdade, um total desrespeito aos credores dos entes públicos, que, depois de intermináveis demandas judiciais, ainda têm que sujeitar-se à inadimplência do Estado para pagamento de seus débitos[3].
Na mesma linha de raciocínio, o professor Fredie Didier, já pregava a inconstitucionalidade do referido dispositivo, observa-s:
Primeiro, porque prioriza o pagamento para quem oferece maior deságio no valor de seu crédito, ofendendo o princípio da efetividade da jurisdição. (...)
Ademais, elimina o dever de alocação de verbas orçamentárias para a liquidação integral das dívidas, atentando contra o próprio Estado Democrático de Direito, estimulando o descumprimento de decisões judiciais transitadas em julgado, em manifesta afronta à garantia da coisa julgada. (...)
Não há, portanto, garantia de satisfação integral dos créditos, porquanto o regime especial aplica-se a precatórios vencidos e a vencer, sendo provável que haja multiplicação do passivo da Fazenda Pública. Não se atende, como se vê, ao princípio constitucional da eficiência, inscrito no caput do art. 37 da Constituição Federal. (...)
Faculta-se, enfim, a federalização da dívida, apenas em virtude de uma escolha privativa da União, o que arrosta o princípio constitucional da impessoalidade previsto no art. 37 da Constituição Federal, estimulando a iniciativa de “facilitadores” e de adeptos ao tráfico de influência, atentando contra a própria essência do precatório, que consiste em evitar privilégios ou vantagem indevidas para o pagamento de precatórios, fazendo respeitar a ordem cronológica de inscrição.
A instituição do regime especial para pagamento de precatórios viola, em verdade, o princípio constitucional da moralidade administrativa[4]
Diante dos pensamentos acima delineados, o STF, entendendo que os preceitos impugnados subverteriam os valores do Estado de Direito, do devido processo legal, do livre e eficaz acesso ao Poder Judiciário, da razoável duração do processo, bem como malfeririam os princípios da moralidade, da impessoalidade e da igualdade, declarou a inconstitucionalidade do § 15 do artigo 100 da Constituição Federal e de todo o artigo 97 do ADCT.
No ponto, o próprio STF reputou adequada a referência à Emenda Constitucional n. 62/2009 como “emenda do calote”, haja vista o inadimplemento, por parte do Estado, de duas própria dívidas. Isso porque, para a maioria dos entes federados, não faltaria dinheiro para o adimplemento dos precatórios, mas sim compromisso dos governantes quanto ao cumprimento de decisões judiciais.
4) CONCLUSÃO
Do exposto no presente estudo, percebe-se que a Emenda Constitucional n. 62/2009 trouxe grandes inovações no que diz respeito ao regime jurídico dos precatórios e respectivas regras a ele subjacentes, bem como trazia em sua dicção diversos dispositivos que apenas possuíam a finalidade de institucionalizar e legalizar o ente público como devedor contumaz e reconhecido.
Assim, digno de nota é ressaltar que as adequações realizadas pelo Supremo Tribunal Federal nos dispositivos constitucionais inseridos pela referida Emenda Constitucional, com a declaração de inconstitucionalidade de vários deles, mostrou-se acertada e urgente, sob pena de termos aviltados devido os princípios do devido processo legal, do livre e eficaz acesso ao Poder Judiciário, da razoável duração do processo, bem como malfeririam os princípios da moralidade, da impessoalidade e da igualdade.
Aliás, interessante consignar que, no julgamento em exame, deliberou-se apreciar questão relativa a eventual modulação de efeitos da decisão oportunamente, de modo que a declaração de nulidade das mencionadas regras jurídicas pode produzir efeitos desde o início de sua vigência ou de outro momento futuro, a depender do que ficar decidido.
REFERÊNCIAS:
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 1129.
DIDIER JR., Fredie. Obra citada. p. 765.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Volume III. São Paulo. Malheiros Editores, 2002. 2ª Ed. Revisada e Atualizada, p. 104-105.
GUSMÃO JÚNIOR, Maurício Santos. Aspectos relevantes da Fazenda Pública em Juízo. Revista do Tribunal Federal da 1ª Região, Brasília, v. 14, n. 7, p. 18-30, jul. 2002. Disponível em: <http://www.trf1.gov.br>. Acessado em: 17 de Julho de 2012. 6 LEITE, Ezequias da Silva. O cidadão e a Fazenda Pública . Themis: Revista da ESMEC, Fortaleza, v. 3, n. 2, p. 163-191, 2003.