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As invalidades no Direito Civil e sua caracterização no Código de Defesa do Consumidor

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Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Plano da validade. I. Considerações gerais. II. A invalidade. III. Graus de invalidade. a) A nulidade. b) A anulabilidade. IV. Espécies de invalidade. V. O ato inexistente. 3. A invalidade nas relações de consumo. I. O Código de Defesa do Consumidor. II. Os princípios norteadores do CDC. III. A Natureza da Invalidade estabelecida pelo artigo 51 do CDC. 4. Considerações finais. 5. Referências bibliográficas.


1. Considerações iniciais.

A vida é uma sucessão de fatos. O nascimento e a morte, o nascer e o pôr do sol, o ritmo das marés – tudo que nos cerca, são fatos. Porém, há fatos que têm valor para a vida humana e outros que são irrelevantes.

Se o fato interfere direta ou indiretamente nas relações humanas, afetando seu equilíbrio, são editadas normas jurídicas. É uma necessidade social. Diz-se, então, que a norma jurídica atua sobre os fatos que compõem o mundo.

Assim, é de fundamental importância a distinção entre o que é jurídico e o que não se inclui no mundo jurídico. Somente o fato que esteja regulado pela norma jurídica é um fato jurídico. "Sem as proposições normativas do Direito Positivo, nenhum fato do mundo pertence ao universo jurídico", esclarece Vilanova (1977:118). Como nem todo fato é fato jurídico, nem todo fato pode gerar efeitos jurídicos.

Delimita-se assim o mundo do Direito pelas normas jurídicas e sua eficácia. Sem a realização dos fatos previstos pela norma jurídica não há qualquer conseqüência prática e nenhuma repercussão jurídica. Mesmo abstratamente, não se pode falar em Direito, sem a existência da norma jurídica. E somente depois de promulgada e vigente, pode a norma jurídica incidir e vincular as condutas a que se destina.

Pontes de Miranda divide o mundo jurídico em três planos: o da existência, o da validade e o da eficácia. Distinção esta, segundo a qual – diz o autor – evita-se que se confunda o "ser", o "valer" e o "ter efeito" (Miranda, 1977:22).

O plano da existência se constitui no pórtico de entrada dos fatos no mundo do Direito. Não importa se os fatos jurídicos são válidos ou eficazes. Basta saber da sua existência, a qual, esclarece Mello (2001:83), se constitui em premissa "de que decorrem todas as demais situações que podem acontecer no mundo jurídico".

No da validade, o fato jurídico existente passa a ser lícito, e a vontade relevante seu elemento nuclear (Mello, 2001: 84).

O da eficácia pressupõe a passagem do fato jurídico pelo plano da existência, mas não essencialmente pelo plano da validade. No plano da eficácia os fatos jurídicos produzem os seus efeitos, criando as situações e relações jurídicas – direitos e deveres, pretensões e obrigações, ações e exceções, ou, ainda, sua extinção (Mello, 2001:85). Não se podem confundir, portanto, de acordo com a teoria ponteana, as três situações, já que se situam em planos diferentes.

O fato jurídico existe como resultado da incidência de uma norma num fato.

Não há uma relação essencial entre validade e eficácia do ato jurídico. Normalmente, o ato jurídico precisa ser válido para ser eficaz. Porém, o ato jurídico inválido, quando anulável, produz todos os seus efeitos até que seja desconstituído por sentença judicial. Há também circunstâncias em que o ato jurídico válido é ineficaz. As normas jurídicas atribuem qualificações distintas ao fato jurídico. O existir constitui pressuposto essencial da validade ou invalidade, da eficácia ou ineficácia do fato jurídico. Somente aquilo que existe pode ser qualificado.

Resumindo, no plano da existência entram todos os fatos jurídicos, sejam eles lícitos ou ilícitos, válidos, anuláveis ou nulos, e ineficazes. No plano da validade somente se incluem os atos jurídicos stricto sensu e os negócios jurídicos, pois são eles os únicos sujeitos à apreciação da validade. No plano da eficácia se incluem todos os fatos jurídicos lato sensu, incluindo os anuláveis e ilícitos; e os nulos quando a lei lhes atribuir algum efeito.

Assim, ser (existência), valer (validade) e ser eficaz (eficácia) se constituem em categorias diferenciadas no mundo jurídico.


2. O plano da validade.

I. Considerações gerais.

O ato jurídico em si (negócio jurídico e ato jurídico stricto sensu) pode ter seus dados relativos à validade e à eficácia alterados; entretanto, no que tange ao aspecto existência, este dado não se altera nunca, eis que não se pode considerar inválido ou ineficaz aquilo que não existe. A existência do fato jurídico é, sempre, um prius lógico em relação aos seus demais atributos (validade e eficácia).

A validade é uma questão que diz respeito, tão-só, aos atos jurídicos lícitos, isto é, àqueles cujo "suporte fático tem como cerne uma exteriorização consciente de vontade, dirigida a obter um resultado juridicamente protegido ou não proibido e possível", segundo Mello (1991:76).

E é exatamente no plano da validade, por onde apenas transitam os atos jurídicos lato sensu, que o Direito fará a triagem entre o que não está eivado de quaisquer vícios invalidantes, ou seja, do que é perfeito, do que está carregado de qualquer espécie de defeitos capazes de tornar o ato jurídico inválido.

Pontes de Miranda insere, portanto, a nulidade e a anulabilidade dos atos jurídicos no plano da validade. É importante notar que mesmo no âmbito da doutrina alemã – de onde Pontes de Miranda sorveu grande parte de sua influência –, a confusão sempre foi reinante, no que se refere ao plano no qual as nulidades no Direito Civil poderiam ser localizadas. Para Enneccerus (1950, p. 366), o negócio jurídico nulo inexiste juridicamente (confunde-se validade com existência). Larenz (1978, p. 623), a seu turno, insere a nulidade no plano da eficácia (confunde-se validade com eficácia).

II. A Invalidade.

A doutrina pandectista elaborou os primeiros elementos da teoria da invalidade, os quais vêm conquistando sempre maior rigor lógico e perfeição científica no curso dos anos, por intermédio de um trabalho de análise aguda e meditada síntese conceitual, sobretudo pelos juristas de formação privatística e romanística (Azara et al., 1962:963).

O estudo da invalidade pode ser iniciado a partir da definição do que seja o seu oposto e, para tanto, pode-se recorrer à lição de Pereira (1997:111), para quem "a validade do negócio jurídico é uma decorrência da emissão volitiva e de sua submissão às determinações legais".

A contrario sensu, pois, inválido será o ato jurídico que for de encontro à norma, prescindindo dos requisitos indispensáveis à produção de efeitos, ou porque o agente afrontou a lei ou porque o ato não reúne condições legais de uma emissão útil de vontade.

A invalidade nada mais é do que uma sanção adotada pelo ordenamento jurídico para punir determinadas condutas que sejam contrárias às normas de direito vigentes. Pode-se afirmar que a questão da invalidade dos atos jurídicos está diretamente relacionada com a violação das normas jurídicas: onde houver violação de preceitos jurídicos pré-estabelecidos, estar-se-á diante de um ato jurídico inválido. A não ser que a própria norma cogente preveja, especificamente, outro tipo de sanção, que não a invalidade.

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III. Graus de invalidade.

Partindo-se, pois, da premissa de que a invalidade é uma sanção que o ordenamento jurídico adota para punir certa espécie de ato contrário a direito, destacamos que ela, a invalidade, é um gênero do qual são espécies a nulidade e a anulabilidade. Isto quer dizer então que nulidade e anulabilidade são os dois graus de invalidade considerados no direito brasileiro, embora haja certa discrepância na terminologia doutrinária, preferindo, alguns autores (Rodrigues, 1988:307 e ss.; Monteiro, 1988:265 e ss.), o emprego das expressões "nulidade absoluta", quando se tratar de nulidade, e "nulidade relativa", quando se referir à anulabilidade. O mesmo se diga dos tribunais, que ora utilizam uma, ora outra expressão. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, p. ex., em alguns acórdãos, opta-se pela utilização da expressão nulidade relativa: "DIREITO CIVIL. HIPOTECA. AUSÊNCIA DE OUTORGA DO CÔNJUGE. ANULAÇÃO. ART. 235, CC. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO. - Tal como ocorre com a fiança, inquina-se de nulidade relativa a hipoteca realizada sem outorga do cônjuge, nos termos do art. 235-I do Código Civil" (4ª Turma, Recurso Especial n.º 278.101/PA); noutros, prefere-se a utilização da terminologia constante no Código Civil: "A "falta do registro a que se refere o art. 32 da Lei nº 4.591/64, por si só, ´não implica a nulidade nem a anulabilidade do compromisso de compra e venda´, como assentado em precedente da Corte" (3ª Turma, Recurso Especial n.º 260.563/SP).

a) A nulidade.

A nulidade é o grau mais enérgico de invalidade, acarretando, em geral, a ineficácia erga omnes do ato jurídico quanto a seus efeitos próprios, além da insanabilidade do vício. É, na lição de Santos (1991:225), "o vício que retira todo ou parte de seu valor a um ato jurídico, ou o torna ineficaz apenas para certas pessoas". É também chamada de nulidade absoluta, como visto logo acima: o defeito que atinge o ato jurídico nessas condições é tão grave que ele não pode produzir o efeito almejado. Em casos assim, considera-se nulo o ato jurídico quando praticado por agente absolutamente incapaz, quando for ilícito ou impossível o seu objeto, quando não revestir a forma prescrita ou não defesa em lei ou for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial à sua validade e, ainda, quando a lei taxativamente lhe declare nulo ou negue-lhe efeito (Código Civil Brasileiro, art. 145).

A nulidade é insanável e imprescritível, não podendo ser suprida pelo juiz, quer de ofício, quer a requerimento de qualquer das partes. A maioria dos autores, entretanto, entendem ser possível que o negócio jurídico nulo possa ser confirmado, ou seja, repetido, escoimando-se a falha letal que o mesmo se revestia (Pereira, op. cit.). Na verdade, celebrar-se-ia novo negócio jurídico, afastando-se o vício nulificante até então existente.

Esquematicamente, acerca das nulidades, pode-se dizer que: a) operam ipso iure ou ipsa vi legis; b) são invocáveis por qualquer pessoa interessada; c) são insanáveis pelo decurso do tempo; d) não podem ser convalidadas (Pinto, 1996:611)

b)A Anulabilidade.

Já na anulabilidade, os efeitos se dão inter partes, isto é, apenas entre os sujeitos envolvidos na relação jurídica onde se tem o ato jurídico anulável; isto porque a anulabilidade é o grau mais leve de invalidade dos atos jurídicos e nela não se vislumbra o interesse público, mas tão só a mera conveniência das partes; só entre esses sujeitos é que o ato jurídico produzirá, na sua totalidade, sua eficácia específica até que ele (ato) e seus efeitos sejam integralmente desconstituídos, através de impugnação em ação própria.

Os atos anuláveis podem ser convalidados pela confirmação ou pelo decurso do tempo, como destaca Mello (1999:53). Prende-se a anulabilidade à incapacidade relativa do agente ou a algum defeito que inquina o negócio (Código Civil Brasileiro, art. 147). O negócio jurídico anulável pode convalescer-se em duas situações: pelo decurso do tempo ou pela ratificação, de forma expressa ou tácita.

Em resumo, as anulabilidades possuem as seguintes características: a) têm de ser invocadas pela pessoa dotada de legitimidade; b) só podem ser invocadas por determinadas pessoas e não por quaisquer interessados; c) são sanáveis pelo decurso do tempo; d) são sanáveis mediante confirmação (Pinto, op. cit.:612-614).

IV. Espécies de invalidade.

Quanto à abrangência, a invalidade pode ser total, alcançando todo o ato jurídico, ou parcial, quando apenas uma parte do ato jurídico é considerada inválida, permanecendo todo o resto válido. Nesta hipótese, só se considerará a invalidade parcial se a exclusão daquela parte considerada inválida não afetar a essência do ato em si, sem descaracterizar o seu suporte fático; se houver a desconfiguração, o ato não será inválido parcialmente, mas na sua totalidade. Veja-se, a respeito, a primeira parte do art. 153 do Código Civil Brasileiro, in verbis: "a nulidade parcial de um ato não o prejudicará na parte válida, se esta for separável". Este ditame é, segundo Santos (op. cit.:284), "a aplicação do conhecido preceito de Direito: utile per inutili non vitiatur".

A invalidade pode ser ainda, substancial e formal. Tem-se a invalidade substancial, também dita material, quando esta resulta de violação de norma de direito material, ou seja, quando a invalidade toca o ato jurídico em seu conteúdo, a matéria de que trata o ato jurídico. Formal é a invalidade decorrente de violação de normas jurídicas sobre a forma.

São espécies de invalidade, ainda, no que diz respeito à necessidade de ser alegada, as invalidades de pleno iure e aquelas dependentes de alegação. As primeiras, de relevante interesse público, podem ser alegadas pelos interessados e pelo Ministério Público sendo, ainda, decretáveis ex officio, conforme já decidiu, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Agravo Regimental em Embargos de Declaração interpostos em Agravo de Instrumento n.º 151.689/RS. Nas invalidades dependentes de alegação, a predominância é de interesses patrimoniais particulares e somente o interessado tem legitimidade para alegá-la, não sendo decretável, de ofício, pelo juiz, a não ser que haja provocação.

Destaque-se, finalmente, que, no direito pátrio, toda invalidade é originária, nada havendo que se falar em invalidades supervenientes ou suspensas.

V. O Ato inexistente.

Ainda é bastante controvertida a aceitação, pela Doutrina, do ato inexistente e sequer o Código Civil Brasileiro o menciona. Coube ao direito moderno introduzir este conceito, já que decisões judiciais autorizam a afirmação de que a jurisprudência tem acolhido a teoria do ato inexistente. Encontra-se referência a tal teoria, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 115.966/SP, proferido pela 4ª Turma.

Na França, onde a teoria do ato inexistente floresceu, sua aceitação, pelos tratadistas clássicos (Planiol y Ripert, 1946:395 e ss.; Josserand, 1952:135; Colin y Capitant, 1952:199), é indiscutível.

Pode-se defini-lo como "uma mera aparência de ato, insuscetível de quaisquer efeitos, plenamente afastável com a demonstração de sua não realização", como o quer Pereira (1997:52), em obra já citada, referindo-se a Capitant.

O ato inexistente não produz qualquer efeito, independentemente da declaração de inexistência. Falta-lhe algum elemento essencial, indispensável à sua completa perfeição. É também chamado de ato incompleto ou inacabado, como o diz Monteiro (1988:65), numa definição certeira, que o "ato inexistente é o nada".


3. A invalidade nas relações de consumo.

I. O Código de Defesa do Consumidor.

A Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, embora com alguns meses de atraso (cf. art. 48, dos Atos Constitucionais de Disposições Transitórias, da Constituição Federal de 1988), instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Norma de ordem pública e interesse social, consoante expressa previsão na Carta Magna (arts. 5.º, inciso XXXII e 170, inciso V), o CDC inaugurou um novo capítulo nas relações intersubjetivas de parte considerável da sociedade, ao prescrever princípios e regras de proteção e defesa do consumidor.

Desde que em dada relação jurídica apresentem-se, num dos pólos, um fornecedor, nos termos do art. 3.º, da Lei 8.078/90, e no outro, um consumidor, definido como tal em seu art. 2.º (ou equiparado, cf. art. 2.º, par. único, 17 e 29), as normas do CDC podem vir a incidir, presentes os demais elementos integrantes dos suportes fáticos ali descritos.

Os fatos jurídicos originários da incidência das normas da Lei 8.078/90 ingressam (obrigatoriamente) no plano da existência, e, posteriormente, no da validade e eficácia (não necessariamente).

II. Os Princípios norteadores do CDC.

Além de prescrever normas de ordem pública e interesse social (art. 1.º) – o que, por si só, já apresenta notável relevância, de acordo com Filomeno (1999:224) –, o Código de Defesa do Consumidor estrutura-se sobre princípios os quais repercutem diretamente sobre suas posteriores prescrições.

Dentro deste contexto, reza o art. 4.º, da Lei n.º 8.078/90, que o respeito à dignidade, saúde e segurança dos consumidores, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo deve se constituir no objetivo da Política Nacional de Relações de Consumo, a ser implementada pelo Poder Público, obedecidos os princípios relacionados nos oito incisos do artigo.

Alguns escritores (Mukai, 1991:12) vêm, no citado dispositivo, um exemplo de norma programática, sem qualquer cogência, desprovida de eficácia e, portanto, de eficácia prática. Para outros, todavia, a prescrição do art. 4.º não se apresenta gratuita. Nesta linha de raciocínio, Nunes (2000:104), sustenta: "O art. 4.º, que trata da política nacional das relações de consumo, apresenta os princípios nos quais todo o sistema se fundamenta".

Marques (2000:45 e ss.), com base nas disposições contidas no art. 4.º, do CDC, extrai três princípios básicos do sistema contratual das relações de consumo, os quais possuem, ainda, reflexo no combate às cláusulas abusivas. São eles: a) princípio da vulnerabilidade do consumidor; b) princípio da boa-fé objetiva; e c) princípio do equilíbrio ou eqüidade contratual.

Nas palavras da prestigiada escritora (op. cit.:45):

"O primeiro tem reflexo direto no campo de aplicação do CDC, isto é, determina quais relações contratuais estarão sob a égide desta lei tutelar e de seu sistema de combate ao abuso. O segundo princípio é basilar de toda a conduta contratual, mas aqui deve ser destacada sua função limitadora da liberdade contratual. O terceiro princípio tem maiores reflexos no combate à lesão ou à quebra da base do negócio, mas pode ser aqui destacada sua função de manutenção da relação no tempo."

Importa notar, de outro lado, que o próprio Poder Público, em face do disposto no art. 4.º, do CDC: a) fez editar o Decreto n.º 2.181, de 20 de março de 1997, o qual dispõe acerca da organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, bem como estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no CDC; b) vem, reiteradamente, por intermédio da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, baixando portarias as quais relacionam diversas cláusulas contratuais consideradas abusivas. Embora ato administrativo sem força vinculante de lei, Nery Junior (1999:537), aduz que a iniciativa:

"... será norte seguro para futuras decisões do Poder Judiciário e servirá, também, como parâmetro para o Ministério Público, órgãos de defesa do consumidor e, por fim e principalmente, para os fornecedores de produtos e serviços, para que retirem de seus contratos referidas cláusulas abusivas e/ou não façam incluí-las em formulários e contratos futuros."

Portanto, o texto do art. 4.º, da Lei n.º 8.078/90, apresenta relevância prática, influindo na configuração das invalidades estabelecidas pelo art. 51.

III. A natureza da invalidade estabelecida pelo artigo 51 do CDC.

O CDC dedica, na Seção II, do Capítulo VI, do Título I, espaço à regulação das denominadas cláusulas abusivas.

Diferentemente do que ocorre em relação às invalidades constantes do Código Civil, porém, a Lei n.º 8.078/90 só reconhece um tipo de invalidade: a nulidade, de pleno direito, tal como indicado pelo caput do art. 51.

Como esclarece Nery Júnior:

"Abandonou-se, no sistema do CDC, a dicotomia existente entre as nulidades do Direito Civil (nulidades absolutas e relativas), pois o Código só reconhece as nulidades de pleno direito quando enumera as cláusulas abusivas, porque ofendem a ordem pública de proteção ao consumidor, base normativa de todo o Código, como se vê no art. 1.º do CDC: ‘O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social...’".

Ao optar pelo regime da nulidade para as cláusulas abusivas, relacionadas no art. 51 do CDC, o legislador brasileiro fez uma opção legislativa diferente da que fez, por exemplo, o legislador alemão, ao editar a lei sobre as condições gerais do negócio jurídico, a AGB-GESETZ. 9.12.1976. Neste país, ensina Marques (op. cit.:410), optou-se por estabelecer duas listas de cláusulas; uma delas, sempre consideradas ineficazes (a denominada lista negra do § 11); a outra, com estipulações que podem, a critério do juiz, ser consideradas ineficazes (lista cinza do §10).

Na Itália, o Código Civil sofreu alteração em face da edição da Lei n.º 52, de 6 de fevereiro de 1996, cujo art. 25 acrescentou diversos dispositivos concernentes aos contratos de consumo. O art. 1.469bis do CC Italiano, assim, passou a estabelecer que naqueles instrumentos jurídicos serão consideradas vexatórias as cláusulas que, apesar da boa-fé dos contratantes, determinem, a cargo do consumidor um significativo desequilíbrio dos direitos e obrigações decorrentes do contrato (Geri et al., 1999:81 e ss.). Caso em que, de acordo com o art. 1.469quinquies do Código Civil Italiano, tais estipulações serão consideradas ineficazes, enquanto o contrato continua eficaz quanto ao resto (Nuzzo et al., 1999:841 e ss.).

No caso da legislação brasileira, qualquer negócio jurídico submetido às normas do CDC reputar-se-á nulo (e não anulável), caso mostre-se contrário aos ditames contidos em seu art. 51.

Lobo (1991:177), esclarece que quanto às cláusulas abusivas, relacionadas pelo art. 51, da Lei 8.078/90, o regime definido é o da nulidade, e não outro qualquer. O regime de proteção, reforça o prestigiado autor, opera em qualquer hipótese, em relação ao aderente. Tivesse o Código reputado anuláveis tais disposições e a proteção efetiva ao consumidor estaria irremediavelmente comprometida, porquanto ter-se-ia, de um lado, uma eventual "inércia do lesado e seu temor aos riscos da demanda, comuns nas relações de consumo"; de outro "o estímulo ao abuso do predisponente, que contaria com a omissão dos aderentes e com a ausência de proibição legal absoluta às condições gerais abusivas".

Uma das características do regime das nulidades, estabelecida pela legislação material civil, ensina Trabucchi (1967:203) é, justamente, não se apresentarem taxativamente determinados os casos inquinados de tal vício. A nulidade como conseqüência lógica de uma substancial deficiência, pode ser também virtualmente compreendida no sistema, esclarece o civilista. Já a anulabilidade, continua o jurista italiano, encontra seu fundamento na disposição da lei, e, conseqüentemente, o intérprete não pode criar casos novos além dos já previstos.

O Código de Defesa do Consumidor, neste passo, além de relacionar diversas estipulações tidas como nulas pelo caput, do art. 51 – entre outras, consoante expressamente dito –, prescreve tal invalidade para aquelas que "estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor" (inciso XV).

Trata-se de norma de encerramento, que concede ao julgador ampla margem para efetivar a integração de conceito jurídico indeterminado – dizendo o que significa estar "em desacordo com o sistema de proteção do consumidor", permitindo, ainda, a consideração de outras hipóteses de cláusulas abusivas, a par daquelas enumeradas na lei (Nery Junior, op. cit.:519).

Da relação (meramente exemplificativa) das cláusulas tidas como nulas, pelo regime do art. 51 do CDC, sobreleva notar que a boa-fé e a eqüidade, como referido por Marques (op. cit., p. 45 e ss.), aparecem expressamente relacionadas na hipótese traçada pelo inciso IV do citado dispositivo. Assim, serão nulas as estipulações contratuais que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade".

Iniqüidade é o oposto de eqüidade, assinala Nunes (2000:577), o que revela, de acordo com este autor, redundância na proposição, já que a norma termina falando em eqüidade.

O Código presume excessiva a vantagem que o fornecedor de produtos e serviços auferirá, em detrimento do consumidor, se ela: a) ofender os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence (art. 51, § 1.º, inciso I); b) restringir direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual (inciso II); ou c) se mostrar excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (inciso III).

Ao prescrever, expressamente, que os contratos de consumo devem estar de acordo com a cláusula geral de boa-fé, o CDC representou, neste ponto em particular, um grande avanço. Porque, até então, somente o Código Comercial (art. 131, item 1) trazia estipulação expressa acerca daquele instituto, inexistindo qualquer artigo do Código Civil que o regulasse.

A boa-fé, cuja contrariedade, no contrato de consumo, sujeitará o ajuste ao vício invalidante da nulidade, é a boa-fé objetiva, concordam os autores (Marques, 1999:106 e ss.; Nunes, 2000:107 e ss.).

Para Marques (op. cit.:106), a boa-fé objetiva é: "um standard, um parâmetro objetivo, genérico, que não está a depender da má-fé subjetiva do fornecedor A ou B, mas de um patamar geral de atuação, do homem médio, do bom pai de família que agiria de maneira normal e razoável naquela situação analisada".

Configura-se a boa-fé objetiva, de acordo com a citada autora (op. cit.:107), quando se faça presente, no caso:

"... uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes."

Já a eqüidade, de que trata o inciso IV, do art. 51, do CDC, resgata a idéia de sinalagma contratual, enquanto elemento imanente estrutural do contrato, significando, não apenas bilateralidade, mas um modelo de organização das relações privadas (Marques, 2000:51).

Sobre os autores
Eduardo Messias Gonçalves de Lyra Júnior

advogado, pós-graduando em Direito Privado pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC)

Henrique Monteiro Figueiredo

advogado, pós-graduando em Direito Privado pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC)

Pollyana Maria Farias de Gouveia

servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (Alagoas), pós-graduanda em Direito Privado pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LYRA JÚNIOR, Eduardo Messias Gonçalves; FIGUEIREDO, Henrique Monteiro et al. As invalidades no Direito Civil e sua caracterização no Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3303. Acesso em: 19 dez. 2024.

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