I - Introdução.
O juiz cível tanto no primeiro contato com o processo, quanto ao examinar a petição inicial, como também durante todo o trâmite daquele, deve sempre está atento quanto à presença ou não dos pressupostos de admissibilidade de exame do mérito do processo que lhe for posto a julgamento.
Assim, antes de qualquer atitude a ser tomada nos autos de um processo, deve o magistrado verificar a presença dos pressupostos processuais de existência, em seguida, deve verificar a existência de algum pressuposto processual negativo e, somente após esta análise, passa o julgador a verificar a existência das condições da ação. Somente se transpostas todas estas fases, é que pode o juiz analisar o mérito da lide posta à baila.Desta forma, a espécie da sentença – processual ou de mérito – dependerá fundamentalmente da existência ou ausência, em um dado processo, destes referidos pressupostos.
O objeto do presente trabalho será exatamente procurar encontrar a natureza jurídica do DIREITO LÍQUIDO E CERTO NO MANDADO DE SEGURANÇA, seu enquadramento ou não dentre os institutos acima referidos e, por fim, aferir em qual espécie de sentença se enquadra aquela que declara a inexistência do direito líquido e certo em determinado mandamus, constatando, por conseguinte, se a conseqüente coisa julgada formada é material ou tão-somente formal.
I - Breve estudo sobre os pressupostos de admissibilidade do exame e julgamento do mérito de um processo.
Conforme já salientado na introdução deste trabalho, para se poder decidir o mérito de um processo, deve-se, antes, transpor as possibilidades de extinção do feito com uma sentença de natureza simplesmente processual, fulcrada em alguns dos incisos do art. 267 do CPC. E dentre estas possibilidades, enquadram-se os chamados pressupostos de admissibilidade do exame e julgamento do mérito.
Estes pressupostos são gênero do qual são espécies os pressupostos de existência do processo, os pressupostos de validade de um processo, os pressupostos processuais negativos e, por fim, as condições da ação.
Passemos a analisar individualmente cada um dos institutos acima referidos.
I.1. Pressupostos processuais de existência são aqueles que, uma vez ausentes em determinado processo, pode-se afirmar este (o processo) sequer existe. Dentre estes pressupostos enquadram-se a petição inicial, a jurisdição, a citação inicial e a representação do autor (capacidade postulatória).
I.1.1 Até uma simples análise lógica promovida por um leigo na Ciência Jurídica é suficiente para constatar que, sem petição inicial, não há processo. Ora, sendo a petição inicial a peça através da qual se postula judicialmente qualquer direito subjetivo, é obvio que, inexistindo a mesma, o processo judicial também não existe.
I.1.2 Outro pressuposto de existência é a jurisdição, ou seja, é indispensável que a petição inicial seja dirigida a um órgão do Estado encarregado por parcela da atividade jurisdicional.
I.1.3 A citação inicial é outro pressuposto de existência de um dado processo, pois, sem a qual, a relação jurídica processual ainda não se triangularizou, ao passo que somente após a ciência do réu de determinada demanda judicial contra si é que tal relação se constituirá efetivamente.
I.1.4 Último pressuposto de existência, a capacidade postulatória significa que para que um indivíduo possa ir a juízo pleitear um direito, ressalvado raríssimas hipóteses em lei previstas – tal como em certas demandas nos Juizados Especiais Cíveis – indispensável é que o mesmo venha representado por um advogado constituído nos autos, sendo, portanto, considerada inexistente uma petição não subscrita por um causídico.
I.2 Presentes os pressupostos de existência, passa-se ao exame da existência ou não dos pressupostos de validade, que são a petição inicial apta, juízo competente e juiz imparcial e a capacidade processual. A ausência de um destes requisitos acarretam a invalidade do processo.
I.2.1 Deixando de preencher qualquer dos itens do parágrafo único do art. 295, é considerada inepta a petição inicial, ou seja, faltando pedido ou causa de pedir, sendo confusa, havendo pedido juridicamente impossível ou contendo pedidos incompatíveis entre si, considera-se tal petição inválida.
I.2.2 Outro requisito para a se verificar a validade de um processo refere-se à competência do juízo onde foi proposta determinada ação, trata-se, é certo, de competência de natureza absoluta, pois sendo relativa pode ocorrer a prorrogação de competência caso não seja argüida pela parte adversa.
Mas não basta a competência absoluta do juízo, também é necessário de o juiz da causa seja imparcial, mais precisamente, que não haja motivo legal que o torne impedido para julgar a demanda, sendo a mera suspeição precluível se não levantada a tempo pela parte ré.
I.2.3 Ainda em relação aos pressupostos de validade de um processo, verifica-se a capacidade processual das partes. Ou seja, não basta ter capacidade de ser parte, da qual todo ser humano é detentor. Capacidade processual é mais ampla, envolvendo inclusive alguns entes despersonalizados, como a massa falida, o espólio, etc.
I.3 Ao lado dos pressupostos de existência e de validade, cuja inexistência em determinado processo acarreta a não apreciação do mérito de uma querela; verificam-se os pressupostos processuais negativos, aqueles que, se presentes, é que prejudicam o exame de mérito de um determinado processo. São eles a litispendência, a coisa julgada e a perempção.
I.3.1 A litispendência é a situação que ocorre quando um demandante ajuíza, contra um determinado réu, uma ação idêntica à outra anteriormente interposta, com mesma causa de pedir e pedido, anteriormente interposta e não ainda decidida em definitivo pelo Judiciário.
I.3.2 Já a coisa julgada diz respeito à situação onde ação é proposta pelo mesmo autor contra mesmo réu, tendo o caso já sido decidido em definitivo pelo Judiciário em ação idêntica anteriormente ajuizada.
I.4 Por fim, após analisados todos estes requisitos, e constatando-se não haver, com base nestes, a possibilidade de se prolatar sentença terminativa; passa-se ao exame das condições da ação. Estas dividem-se em possibilidade jurídica do pedido, legitimidade e interesse de agir.
I.4.1 A possibilidade jurídica do pedido liga-se à possibilidade de se admitir juridicamente em abstrato aquilo que se está pleiteando no caso concreto. Sendo, no campo do Direito Privado, admitido se pedir tudo o que não for expressamente vedado pelo Ordenamento Jurídico; já na seara Pública, só se permite pleitear aquilo que expressamente for permitido.
I.4.2 A legitimidade diz respeito a relação existente entre o postulante, o demandado e o objeto do litígio. Quer dizer, refere-se ao aspecto relacional, diferente da capacidade, que é estática. Assim, enquanto se descobre a existência ou não da capacidade pela simples análise dos sujeitos do processo; para se auferir a presença de legitimidade necessária é a averiguação da relação processual estabelecida, bem como seu objeto.
I.4.3 Por último, o interesse resume-se ao que doutrinariamente costuma-se chamar de binômio necessidade-utilidade. Havendo interesse processual somente quando é necessário exercer o direito postulatório para se alcançar determinado resultado, e quando o que se pede seja útil para o sujeito que o requer.
II – Breve consideração sobre as sentenças no processo civil brasileiro e sobre os efeitos gerados pela coisa jugada.
Sendo a sentença uma das espécies de pronunciamentos judiciais que podem ser tomados, deve-se, de início, desvendar o traço que a distingue destas demais espécies de medidas.
Fácil é se descobrir o que seja sentença e o que não seja. Isto porque nosso Estatuto Processual Civil explicitou de forma taxativa o que seja sentença nos artigos 267 e 269. Assim, para se constatar se determinada manifestação judicial é sentença ou não basta averiguar se seu conteúdo se identifica com alguma das possibilidades previstas nestes artigos. Destarte, coadunando-se com uma das hipóteses previstas nestes, pode-se assegurar, sem qualquer margem de dúvidas, que o pronunciamento é sentença.
Resta distinguir se esta sentença é processual ou de mérito. Em síntese, pode-se afirmar que as fundamentadas no artigo 267 do CPC são sentença processuais, enquanto as fulcradas no art. 269 são meritórias.
Dentre as processuais enquadram-se as sentenças de extinção, ou terminativas, fundamentadas em uma das hipóteses por nós comentadas no presente trabalho. Ou seja, aquelas que determinam a extinção do processo por este não conter os pressupostos de existência, de validade, as condições da ação ou por conter pressuposto processual negativo. São as chamadas sentenças processuais típicas.
Ao lado das típicas, que são as fulcradas nos incisos IV, V e VI do art. 267 do CPC; existem as atípicas. Estas são aquelas fundamentadas nos demais incisos deste mesmo artigo.
Porém, tanto as típicas como as atípicas acarretam a mesma conseqüência, que é a impossibilidade de o juiz apreciar o mérito de um processo posto à decisão. Desta forma, ocorrendo qualquer hipótese do art. 267, o artigo 269 não é utilizado.
E a distinção das sentenças não é simplesmente nominal, o fato de ser processual ou de mérito reflete em outro aspecto de notável importância em nossa sistemática processual, que é a coisa julgada.
É que a coisa julgada pode-se configurar em: simplesmente formal ou material. A coisa julgada formal diz respeito simplesmente ao final de um processo, também chamada de preclusão máxima, ela significa, em suma, que em determinado processo contra uma sentença não cabe mais recurso algum, não impedindo, de uma forma geral, que idêntica ação seja ajuizada após suprida a deficiência que deu causa à extinção do processo anterior. Já a coisa julgada material atinge definitivamente o próprio direito colocado em juízo, não podendo este direito ser mais questionado em nenhum outro processo, ressalvada a ação rescisória.
Ocorre que as sentenças processuais enquadram-se dentre aquelas que fazem coisa julgada simplesmente processual, podendo, por conseguinte, intentar-se nova ação pleiteando o mesmo direito contra mesmo réu após suprida a deficiência que maculou a ação anterior extinta sem exame de mérito.
Tentativa de descobrimento da natureza jurídica do direito líquido e certo – efeitos da coisa julgada da sentença que entende inexistente tal requisito do mandado de segurança.
Foi na obra Mandado de Segurança ( Individual e Coletivo) – Aspectos Polêmicos, do autor Sérgio Ferraz [1], que retirei o conceito dado por vários autores à expressão Direito líquido e certo.
Começa o autor afirmando que, não obstante a prática cinqüentenária do mandado de segurança, a verdade é que ainda não se pacificou, em doutrina e jurisprudência, o conceito de direito líquido e certo. Continua o processualista sustentando que tal expressão, por exigência constitucional, é uma especial condição da ação de segurança, ou seja, para que se obtenha o mandamus, não basta que o direito invocado exista: tem ele, ademais, de ser líquido e certo; de forma que, numa primeira linha conceitual, líquido e certo seria o direito evidente de imediato, insuscetível de controvérsia, reconhecível sem demora.
Ainda consoante esta primeira linha conceitual, o autor Carlos Maximiliano entende líquido e certo o direito contra o qual se não podem opor motivos ponderáveis, e, sim, meras e vagas alegações, cuja improcedência o magistrado logra reconhecer imediatamente sem necessidade de exame demorado ou pesquisa difíceis.
Refuta, então, Sérgio Ferraz o conceito formulado por Carlos Maximiliano por entender que a maior ou menor complexidade do tema litigioso não é e jamais foi condição da ação de segurança. E continua o eminente professor, afirmando que a aproximação adequada ao veraz sentido da expressão "direito líquido e certo" foi engendrada pelo ex-Ministro do STF Costa Manso, segundo o qual seria absurdo admitir se declare o juiz incapaz o juiz de resolver de plano um litígio, sob o pretexto de haver preceitos legais esparsos, complexos ou de inteligência difícil ou duvidosa. Desde que o fato seja certo e incontestável resolverá o juiz a questão de direito, por mais intrincada e difícil que se apresente, para conceder ou denegar o mandado de segurança.
Mais adiante vê-se o conceito do grande Celso Barbi: "Como se vê, o conceito de direito líquido e certo é tipicamente processual, pois atende ao modo de ser de um direito subjetivo no processo: a circunstância de um determinado direito subjetivo realmente existir não lhe dar a característica de liquidez e certeza; esta só lhe é atribuível se os fatos em que se fundar puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo. E isto normalmente só se dá quando a prova for documental, pois esta é adequada a uma demonstração imediata e segura dos fatos".
Buzaid, não obstante concorde com Barbi quanto ao conceito de direito líquido, dele diverge de que seja um conceito tipicamente processual. Ao contrário, entende situar na ordem jurídica material. Continua, afirmando que direito líquido e certo é o que se apresenta revestido de incontestabilidade.
Já Othon Sidou rejeita a incontestabilidade como traço característico definitório do conceito em debate, alertando que "se o direito é incontestável, não há lugar para qualquer ação, por inexistir incerteza ou dúvida". Concluindo que o direito subjetivo do titular não surge certo nem líquido; certo e líquido é apenas o direito objetivo à ação específica – o mandado de segurança. [2]
Coqueijo Costa entende que líquido e certo é direito vinculado a fatos e situações comprovadas de plano, e não a posteriori. A prova é preconstituída; não importando que a questão de direito seja difícil e intricada.
Em sua obra Mandado de Segurança – Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Hábeas Data", Hely Lopes Meireles; conceitua Direito Líquido e Certo da seguinte forma: "É o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda não indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais".
Sérgio Ferraz, na sua obra já citada neste trabalho, após enxertar a opinião de diversos doutrinadores consagrados, manifesta sua opinião particular da seguinte forma:
"Como ponto de partida, pois, o juiz terá de perquirir das condições da ação, temática que adquire, no mandado de segurança, foros de originalidade, ampliando-se a cogitação da matéria, aqui. Surge, no mandado de segurança, uma condição da ação específica: o direito líquido e certo".
Continua: "o direito líquido e certo é, a um só tempo, condição da ação e seu fim último. Assim, a sentença que negue ou afirme o direito líquido e certo realiza o próprio fim da ação; trata-se de uma decisão de mérito. Cuida-se de condição da ação não-ortodoxa, amalgamada com a própria finalidade da ação, condição não afinada integralmente ao cânones da lei processual. Por tudo isso, a sentença que nega a existência do direito líquido e certo é verdadeira decisão de mérito, e não, apenas, declaratória de inexistência de uma condição da ação. Deve ela, por conseqüência, concluir pela denegação do writ, e não pela extinção do processo sem julgamento do mérito".
Mais adiante o mesmo autor insere o seguinte julgado do TRF da 4ª Região, que se coaduna com seu entendimento:
"AMS 89.04.18601-3 PR, DJU 7/2/90 – Não há falar-se em carência da ação quando a base da alegação reside na ausência de direito líquido e certo a amparar, posto que isso constitui o mérito do próprio mandamus".
Entendendo, então, este autor que a sentença denegatória do writ adquire a força de coisa julgada, à cristalização de insuportável injustiça. Por fim, entende inexistir óbice, lógico ou jurídico, a que o direito líquido e certo seja, a um só tempo, pressuposto de admissibilidade e condição de julgamento favorável de mérito.
Mais adiante em sua obra, no capítulo referente à sentença em mandado de segurança e sobre a questão da coisa julgada no writ; Sérgio Ferraz assevera que, "em razão de expressa dicção legal, se o mérito não for apreciado ou for obstado pela só circunstância de não patenteado, no rito escolhido, sua liquidez e certeza (que exigiriam, para afirmação, dilação probatória), poderá ele ser renovado em ação própria (inclusive em novo mandado de segurança, se a denegação se der pelo segundo dos fundamentos trazidos como exemplo).
Comenta ainda que, sendo o mandado de segurança uma ação sujeita a pressupostos e condições especiais, o fechamento do processo, sem pronunciamento de mérito, não pode ter por efeito frustrar a garantia, mais ampla de acesso à proteção jurisdicional, enunciada no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal. Entretanto, salienta o professor, sendo os fatos tidos por provados, mas proclamado descabido o direito subjetivo com fulcro neles invocado pelo impetrante, formar-se-á coisa julgada, impeditiva de renovação do litígio.
Nosso ponto de vista sobre o tema trazido à debate.
De todos os conceitos trazidos, dos mais renomados juristas brasileiros, não se extrai, de nenhum sequer, a possibilidade de ser o direito líquido e certo um pressuposto processual, seja de existência, seja de validade. De forma que achamos que o mais recomendável é seguir esta linha de entendimento, descartando-se qualquer possibilidade de se tentar inserir o direito líquido e certo dentre tais pressupostos.
De todos os autores mencionados, apenas Sérgio Ferraz elencou o direito líquido e certo como condição da ação e ao mesmo tempo um pressuposto de admissibilidade. No entanto, este autor afirma que não seria uma condição da ação ortodoxa, mas sim uma condição da ação específica do mandado de segurança, diz que esta condição confunde-se com o próprio mérito, de forma que, não se vislumbrando o direito líquido e certo em uma determinada ação de mandado de segurança, deve o mesmo ser denegado e não extinto sem julgamento de mérito. Afirma ainda o mesmo autor que, sendo denegatória a sentença, faz coisa julgada, à cristalização de insuportável injustiça.
Vê-se, assim, que o processualista em comento, apesar de enquadrar o direito líquido e certo como sendo uma condição da ação e/ou pressuposto de admissibilidade, na verdade não tratou como se assim o fosse, pois afirma que a ausência do liquidez e certeza acarreta denegação do writ e não a extinção sem julgamento do mérito. E, ao afirmar que tal denegação faz coisa julgada à cristalização de insuportável injustiça, tal autor implicitamente expressou que esta coisa julgada é formal e material e não meramente formal, pois se assim o entendesse não teria mencionado que a eventual injustiça ficaria cristalizada.
Vê-se, assim, que não se trata o direito líquido e certo verdadeiramente nem de uma condição da ação nem de pressuposto de admissibilidade, pois se o fosse, a sua falta redundaria em extinção do processo sem julgamento de mérito. Portanto, data vênia, a meu ver, não se pode afirmar ser a liquidez e certeza do direito uma condição da ação ou um pressuposto de admissibilidade se, afinal, não é tratado processualmente como se o fosse, até porque o próprio art. 16 da Lei do Mandado de Segurança, dar a entender, nas suas entrelinhas, que o writ deve ser denegado mesmo quando não apreciado o seu mérito, de forma que se deve entender que a liquidez e certeza do direito pode ser encarada também do ponto de vista processual e não só material. Porém, enquadrá-lo como sendo condição da ação ou pressuposto processual seria fazer confusão com nossa sistemática processual.
Dos conceitos citados neste trabalho, pode-se fazer uma síntese geral para enquadrar o direito líquido e certo em dois grandes grupos:
a) aquele que toma por referência as provas presentes ou não em um dado mandamus; considerando-o ausente a liquidez e a certeza se das provas trazidas pelo impetrante não der para se constatar a verdadeira existência do direito alegado, ou ainda por ser necessária a dilação probatória, o que é impróprio no writ;
b) a outra corrente afere a liquidez e certeza do direito levando em consideração a existência ou não deste direito, mesmo tendo o impetrante posto à disposição do juiz todos as provas possíveis para defender seu direito. Ou seja, nesta vertente conceitual, quando se afirma inexistir direito líquido e certo, está-se declarando definitivamente que tal direito inexiste realmente, e não simplesmente pelo fato de ter o impetrante deixado de fornecer provas ou porque caberia dilação probatória.
A sentença denegatória por ausência de liquidez e certeza do direito e a formação da coisa julgada.
A problemática da coisa julgada – se material ou se formal por ausência de direito líquido e certo – resolve-se pela dicção do art. 16 da Lei 1.533/51, verbis:
O pedido do mandado de segurança poderá ser renovado se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito.
Assim sendo, o mandamus pode ser denegado tanto sem apreciação como com apreciação de seu mérito, de forma que inexiste extinção sem ou com julgamento do mérito por estar ausente a liquidez e certeza do direito, pois, ausente este requisito, a ação mandamental é sempre resolvida por denegação, nunca por extinção. Entretanto, como se vê, a denegação pode ser com ou sem o julgamento do mérito.
Destarte, quando se afirmar está ausente direito líquido e certo por precariedade de provas ou por necessidade de dilação probatória, ou por ser o writ a via inadequada; sua denegação faz coisa julgada exclusivamente processual. Desta forma, é plenamente possível ao impetrante vencido, demandar novo writ, trazendo neste provas outras não trazidas no mandamus onde fora sucumbente, ou ainda ajuizar ação ordinária se necessário for a dilação probatória.
Já quando a denegação é baseada na convicção do juiz de que, realmente, diante de todas as provas possíveis para um determinado caso, não existe liquidez e certeza do direito do impetrante; a sentença faz coisa julgada formal e material, não sendo mais permitido em quaisquer outros processos buscar o impetrante o mesmo intento contra a mesma autoridade, sob pena de ofensa à coisa julgada.
Conclusão.
O direito líquido e certo no mandado de segurança não se enquadra dentre os pressupostos de admissibilidade do exame do mérito do processo.
A sua ausência, por conseguinte, não dá ensejo à extinção do feito sem julgamento do mérito.. Inexistindo a liquidez e certeza do direito, o mandamus of writ deve ser denegado.
A denegação por ausência de direito líquido e certo se dá tanto por insuficiência de provas, como por realmente o impetrante não possuir direito algum. Porém, por ambos os motivos a segurança deve ser denegada.
No entanto, pela análise do art. 16 da Lei 1.533/51, denegação pode fazer coisa julgada material ou simplesmente formal.
Sendo denegado o "writ" por deficiência de provas ou por necessidade de dilação probatória, a coisa julgada formada é meramente processual; dando ensejo à impetração de novo mandamus ou ajuizamento de ação ordinária para discutir o mesmo assunto.
Dando-se a denegação por realmente inexistir o direito do impetrante, estando os fatos suficientemente provados, a sentença fará coisa julgada material, fazendo lei entre as partes, não sendo mais possível ajuizamento de qualquer outra ação para discutir os mesmos fatos.
Notas bibliográficas.
Wambier, Luiz Rodrigues. Flávio Renato C. de Almeida e Eduardo Talamini. Curso de Direito Processual Civil Avançado. Vol. 1. Teoria Geral do Processo de Conhecimento. 3ª ed. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2001.
Pinto, Teresa Arruda Alvim. Nulidades da Sentença. 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 1990.
Meireles, Hely Lopes. Mandado de Segurança. Ação Popular. Ação Civil Pública. Mandado de Injunção. "Habeas Data". 13ª ed. São Paulo, 1989.
Ferraz, Sérgio. Mandado de Segurança (Individual e Coletivo) – Aspectos Polêmicos. Malheiros Editores. São Paulo, 1992.
Notas
1. Ferraz, Sérgio. Mandado de Segurança (Individual e Coletivo) – Aspectos Polêmicos. Malheiros Editores. São Paulo. 1992.
2. Meireles, Hely Lopes. Mandado de Segurança – Ação Popular, Ação Civil P Pública, Mandado de Injunção, "Hábeas Data". Editora Revista dos Tribunais. 13ª Edição. São Paulo. 1989.