Introdução
A redemocratização da política brasileira trouxe consigo pós-1988 um grande número de partidos programáticos, muitas vezes, suas agendas são dificílimas de serem estudadas e verificadas empiricamente, ou por esses partidos não atingirem o poder de governar ou pelo pragmatismo executado de acordo com as circunstâncias momentâneas.
Dito isto, os cientistas políticos se debruçam mais nos estudos dos sujeitos que chegam ao poder e conseguem cumprir a sua agenda, ou parte dela, diante do mundo objetivo dos acordos e conflitos políticos do que nos estudos de agendas possivelmente praticáveis. Agendas praticáveis para um futuro defendidas por atores coadjuvantes no jogo do poder atual. Essa reflexão é uma referência aos partidos que existem institucionalmente que repetidamente apresentam um percentual de votos irrisórios para a conquista do poder.
A Constituição de 1988 garantiu ao poder executivo uma série atribuições que o coloca como o grande protagonista do sistema político brasileiro, sendo o condutor, através dos poderes e do controle de que dispõe da agenda legislativa do país. Dessa forma, as questões mais sensíveis da administração pública, pertencem a sua esfera de influência e de monopólio de iniciativa. Isto, de certa forma, define o tipo de modelo institucional que o Brasil possui.
Apesar disso, uma dúvida persiste, até que ponto o executivo consegue impor suas pautas e avançar em seu programa, sem que o legislativo seja uma barreira, ou um freio, na realização dos objetivos do primeiro?
Os termos da discussão
Para responder a indagação é preciso evidenciar duas coisas: primeiro, o executivo não costuma sofrer derrotas nas matérias que submete ao congresso e, segundo, a grande maioria das leis brasileiras, foram originadas de projetos do executivo. Então, esses dois elementos servem para mostrar a alta capacidade do executivo de obter sucesso em suas iniciativas e, isso dá pistas sobre que resposta deve se encontrar para a indagação inicial.
O “presidencialismo de coalização” tem ocorrido em nosso país, como uma forma de duas matrizes ideológicas que exercem a cooptação sobre os demais partidos que não têm apresentado força suficiente para conquistarem o poder executivo nacional.
É surpreendente para alguns estudiosos da ciência política que o Brasil com sua história de opressões e enormes diferenças sociais consiga no século XXI possuir uma democracia consolidada, considerando que os “jogadores” da política esperam as próximas rodadas eleitorais para conquistarem o poder sempre que sofrem derrotas eleitorais.
Para Neto (ano) “o Brasil é claramente um caso de democracia consensual”, ou seja, os atores da política estão jogando dentro dos acordos pré-estabelecidos mesmo no modelo presidencialista. (p.113).
O funcionamento do presidencialismo existente no Brasil é empiricamente possível de ser comprovado, já que o poder executivo consegue implementar sua agenda política construindo uma maioria de cadeiras no congresso,através de sua coligação de partidos inicial ou através de uma cooptação de partidos para a base governista posterior ao processo eleitoral ou também por enviar ao congresso apenas medidas consensuais.
Segundo Octavio Amorim Neto
A razão pela qual a freqüência de projetos de lei patrocinados por mais de um partido é um indicador de um estilo decisório consensual é facilmente percebida: se os projetos de lei tendem a ser patrocinados por vários partidos, então a partilha do poder está acontecendo na fase inicial do processo legislativo (p.116).
Entretanto, apesar dos sinais evidentes de que o executivo costuma ter sucesso em suas proposições, ainda há uma dúvida quanto ao número de matérias que não são enviadas ao Congresso, em razão da alta probabilidade de em lá chegando, aquelas não serem aprovadas. Porém, esse dado ainda foi materializado para que a ciência política brasileira tenha conseguido interpretar de maneira mais consistente, portanto é uma variável que não pertence ao universo explicativo da qualidade do presidencialismo de coalizão, ora estudado.
De maneira a suprir essa lacuna, Figueiredo e Limongi (2009) apresentam um recurso explicativo que denominam de agenda de maioria, e não usam agenda do executivo. Eles apontam, que o executivo antes de ter uma agenda pronta e, a partir daí busca formar sua rede de apoio, ele em composição com uma maioria parlamentar produz o que os autores mencionados chamam de agenda de maioria. E, é essa agenda, ou agenda da maioria, conformada a partir de uma fusão de poderes, aponta a direção do governo, chamado de presidencialismo de coalizão.
A partir desse modelo explicativo é possível entender o baixo índice de derrotas que o executivo sofre em suas iniciativas legislativas, quando as submete à aprovação do Congresso. Quando a agenda da maioria não se consolida ela não segue adiante, não sendo levada a uma possível derrota e, os casos em que isso ocorre, servem como ilustração da validade do modelo explicativo. Por exemplo, a derrota do governo em razão da prorrogação da CPMF.
O poder de agenda é uma vantagem obtida pelo governo que consegue consolidar uma maioria governamental, ou seja, uma coalizão que lhe garanta conquistar a dita vantagem. É de fundamental importância, portanto, que para obtenha sucesso e avance com sua agenda o governo o tempo inteiro mantenha sua base de sustentação articulada e isso acontece com negociação permanente, não apenas com os recursos institucionais que a Constituição de 1988 lhe garantiu.
Ainda, outro ponto importante é a pactuação dos interesses dos diversos partidos componentes da coalizão: “a agenda proposta pelo Executivo deve expressar o programa e os interesses eleitorais dos diferentes partidos para a formação do governo. A distribuição de pastas ministeriais por partidos para a formação de um governo de coalizão envolve concessões políticas por parte do partido do presidente.” (Limongi e Figueiredo, p.87)
Conforme Inácio (2009) a capacidade do governo coordenar a aliança multipartidária, vai ser ponto decisivo na governabilidade da coalizão. Além disso, a escolhas do governo na distribuição dos papéis que cada ator desempenhará na coalizão, terá repercussão estratégica, para o bem ou para o mal do futuro da aliança.
A face das coalizões governamentais vai mudar de acordo com a importância, a força, o número, dos partidos que a componham. A capacidade de coordenação vai influenciar diretamente no rumo do governo, que poderá ou não, ser bem sucedido em suas iniciativas.
Logo, o simples fato da Constituição de 1988 garantir uma série de recursos institucionais não quer dizer que os agentes políticos do governo saberão utilizá-los a contento e de maneira eficaz para aprovar a agenda. Isso ocorrerá com a formação da maioria.
Por outro lado, a Constituição, também garantiu as oposições e minorias, recursos para tentar combater as ações do governo. Elas, permanentemente testam a solidez da coalizão e, faz parte da estratégia buscar trincar a unidade da base. Ainda dispõe de alguns dispositivos procedimentais para ter êxito. Dois exemplos, a) verificação de votação, que altera a votação de simbólica para nominal, o que retarda a votação e causa prejuízo uma base grande e rebelde; b) Voto em separado, que aumenta as votações de uma mesma matéria, realçando os pontos de divergência, inclusive dentro da própria base;
As ponderações feitas anteriormente demonstram que apesar da Constituição de 1988 garantir uma série de recursos institucionais, não é necessário o sucesso de uma coalizão governamental sem o incessante e incansável trabalho de coordenação de quem dirige o governo. Um pouco dessa tarefa é indicada nas palavras de Inácio “o processo de formação da agenda que a coalizão aprova tem recaído sobre os movimentos do presidente e dos partidos aliados na arena parlamentar, particularmente no que diz respeito ao controle e ao ritmo da agenda legislativa” (2009, p. 361)
Considerações Finais
O “presidencialismo de coalizão” se configura como um “pressuposto explicativo” em nosso país pós-1988 devido ao fato do poder de barganha dos vitoriosos em uma eleição executiva. É possível que a falta de clareza nos programas partidários, favoreça a participação dos derrotados eleitoralmente nos governos dos “vencedores”.
Apesar de Figueiredo e Limongi (2009) mostrarem uma preocupação inicial com a indisciplina do pluripartidarismo, os autores verificam que quando ocorre indisciplina partidária não acontece com força suficiente para paralisar o congresso nacional, esse fato nos leva a insinuação de que as instituições funcionam de acordo com as regras da democracia vigentes.
Nesse formato institucional, é muito improvável que a coalizão majoritária se desarticule, a não ser que houvesse uma ruptura no acordo democrático, caso as regras do “jogo” atual sejam respeitadas o executivo possui o poder de cooptação, medidas provisórias e ainda o poder de veto.
Limongi e Figueiredo (2009) apontaram que “as taxas de aprovação das medidas apresentadas pelo executivo são altas. O Executivo raramente é derrotado. E que o Executivoé responsável pela maioria das iniciativas que se tornam lei” (p.78).
O presidencialismo brasileiro garante o andamento institucional da política, muitoembora ele não garanta a política como ferramenta para execução das transformações sociais. Essas transformações sociais, nada mais são que a garantia dos direitos a vida, a alimentação, a saúde, a moradia, ao emprego e a educação. A construção dessas transformações, possível no sistema político de nosso país, é essencial para a diminuição da brutal diferença socioeconômica entre a população.
Quando a luta dos atores for em prol da coletividade, independentemente do sistema político, valerá a pena esperar a próxima rodada do jogo.
A questão dos direitos sociais já faz parte de uma consolidação da democracia merece uma pesquisa exclusiva e com muitas variáveis possíveis, observando essa questão Limongi analisa que “a consolidação da democracia provou ser um processo sem fim” (p.22).
Afinal, quais conseqüências políticas podem ser geradas no presidencialismo de coalizão, se esta não existir ou deixar de existir? Pela leitura realizada e possível depreender que o governo ficaria, no mínimo, imobilizado sem uma coalizão que lhe permita produzir e apresentar uma agenda de ação. Se o governo não consolida uma maioria, ele fica impedido de se movimentar, não consegue se utilizar dos recursos institucionais garantidos constitucionalmente.
No que se refere às Medidas Provisórias, que tem eficácia imediata, elas poderiam ser derrubadas pela oposição parlamentar, assim como todos os seus projetos de lei. Além disso, a oposição trancaria a pauta das votações, tornaria mais lento o processo legislativo, nos projetos de interesse do governo. Quando não derrotasse sistematicamente o governo nas votações. O governo sem coalizão não produziria uma agenda de maioria, como apresentada no modelo proposto por Figueiredo e Limongi.
O governo Collor foi o caso clássico de governo minoritário e, Inácio registra as dificuldades que o presidente teve na arena legislativa:
“o uso das MPs pelo Governo Collor é ilustrativo desse ponto: com uma coalizão de Governo minoritária, o presidente se defrontou com obstáculos claros quanto ao uso de MPs para assegurar uma base de apoio legislativo vitoriosa, na medida em que enfrentou a oposição do PMDB, partido pivotal para a formação de maioria legislativa” (2009, p. 363)
Ainda no caso do Governo Collor, certamente, o final político com a cassação do mandato do presidente, deriva da falta de uma coalizão que o mantivesse no poder. Portanto, no caso de uma coalizão deixar de existir é forte a possibilidade de o governo ser derrubado, por uma maioria oposicionista.
Em razão dessa linha de raciocínio desdobrada anteriormente, é possível concluir que a estabilidade e a sustentabilidade do presidencialismo de coalizão brasileiro tornam-se provisórios e contingentes, sendo determinados pela capacidade do governante construir, coordenar e manter a base de sustentação da coalizão, sendo o insucesso uma possibilidade permanente do governo.
Referências
AMORIM NETO, Octavio. O Brasil, Lijphart e o Modelo Consensual de Democracia.
INÁCIO, Magna. Mudança Procedimental, Oposições e Obstrução na Câmara dos Deputados. In.: INÁCIO, Magna e RENNÓ, Lúcio. Legislativo Brasileiro em Perspectiva Comparada. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2009. p.p. 353-379
LIMONGI, Fernando e FIGUEIREDO, Argelina. Poder de Agenda e Políticas Substantivas. In.: INÁCIO, Magna e RENNÓ, Lúcio. Legislativo Brasileiro em Perspectiva Comparada. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2009. p.p. 77-104