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Princípios aplicáveis à proteção do consumidor contra a publicidade ilícita

Agenda 31/10/2014 às 12:47

Havendo dúvida acerca de eventual enganosidade e/ou abusividade de uma peça publicitária, caberá a seu anunciante provar sua conformidade com o ordenamento jurídico.

Introdução

Na busca pelo desenvolvimento em conjunto com as relações de consumo e, assim, impedir a obsolescência das normas legais, a Lei 8.078/1990 enumera diversas premissas fundamentais. São concebidas em uma diversidade de princípios para a concretização dos direitos dos consumidores nas relações de consumo.

A doutrina e a lei apontam a existência de princípios próprios aplicáveis à proteção do consumidor contra a publicidade ilícita. Como se depreende do pensamento de Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin,[1] tais premissas não podem ser confundidas com os princípios gerais da publicidade, que orientam o fenômeno publicitário sob seus diversos prismas.


 

Princípio da identificação da publicidade

Previsto no art. 36, caput, do Código do Consumidor este princípio impõe a fácil e imediata identificação da publicidade pelo consumidor. Tem como finalidade impedir que esse seja influenciado pelo teor da publicidade que, com frequência, tem o poder de influenciá-lo e confundi-lo durante a prática dos atos de consumo.

Como a identificação publicitária quase sempre não interessa aos anunciantes, na medida em que naturalmente retira sua credibilidade, muitos fornecedores burlam o imperativo legal transformando-a em dissimulada, clandestina e subliminar. Não há consenso a respeito do exato significado das expressões.

Alguns doutrinadores as tratam como sinônimos, outros fazem distinções. Adotando o posicionamento daqueles que fazem diferenciação, pode-se considerar a clandestinidade como gênero, do qual a publicidade dissimulada, o merchandising e a subliminar seriam espécies.

Nesse sentido, tem-se que a publicidade dissimulada, também chamada redacional, é aquela travestida de reportagem, mais comum no meio impresso, mas também possível nos meios eletrônicos.

Nos dizeres de Camila Noronha “a publicidade redacional está integrada em um contexto destinado à elaboração e divulgação da informação relativa a notícias”.[2]

Tal espécie ilícita tem como principal peculiaridade a apresentação de uma informação tal como se esta fosse um trabalho jornalístico, objetivo e fundamentado. Ocorre que, via de regra, a divulgação é feita mediante pagamento de incentivos financeiros, o que retira a credibilidade das informações.

A publicidade dissimulada não é vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Entretanto, por obediência ao princípio da identificação publicitária, deve haver menção expressa de que se trata apenas de um informe publicitário e não de uma peça jornalística.

Já o merchandising, em sua acepção jurídica, indica a técnica pela qual produtos ou serviços de um determinado fornecedor são inseridos em situações do cotidiano veiculadas em filmes, novelas e outros programas de televisão.

Conforme Mizuho Tahara, citado por Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, “denomina-se merchandising a aparição dos produtos no vídeo, no áudio ou nos artigos impressos, em sua situação normal de consumo, sem declaração ostensiva da marca”.[3]

A manifestação nos artigos impressos são bastante frequentes em revistas populares que apresentam celebridades utilizando determinados produtos ou serviços durante o seu cotidiano.

Tratando-se inequivocamente de espécie publicitária, é certo que sua veiculação deve adequar-se ao princípio da identificação. Questiona-se, porém, como fazê-lo.

Como alternativa viável para tal adequação, a doutrina costuma apontar a utilização de “créditos”, consistentes em mensagens inseridas no início do programa informando de antemão que durante o seu decorrer será veiculado merchandising. Tal medida evitaria a identificação posterior da mensagem comercial.

Para Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin “por cautela, o crédito, nos programas que são fragmentados, deve ser repetido tantas vezes quantos sejam os fragmentos. E para proteger os consumidores... também deve exigir que os créditos sejam repetidos ao final de cada fragmento”.[4]

De fato, essa medida nos parece a mais adequada para compatibilizar a utilização do merchandising e o direito à identificação publicitária por parte dos espectadores, especialmente aqueles que não puderem assistir ao início ou final do programa.

Nesse sentido, acreditamos ser conveniente que menção aos créditos seja feita simultaneamente à realização do merchandising no alto ou embaixo do vídeo, em referências textuais do tipo “merchandising”, “ação publicitária”, “publicidade”, “informação publicitária” ou outras expressões que indicam tratar-se de uma ação comercial.

Por fim, existem ainda mensagens publicitárias imperceptíveis, denominadas subliminares. Segundo Adalberto Pasqualotto “subliminar é a mensagem que não é propriamente comunicação, é manipulação (são estímulos de curtíssima duração que têm como finalidade induzir psicologicamente o telespectador ou ouvinte)”.[5]

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Na escorreita lição de Fábio Ulhoa Coelho, subliminar é a publicidade que consiste na  “inserção de mensagens publicitárias, de duração equivalente a milionésimos de segundo, no transcorrer da exibição de filmes. Em razão da extraordinária rapidez do contato mantido entre o consumidor e a mensagem, ela se torna perceptível apenas ao seu inconsciente. Embora a eficácia dessa técnica seja altamente questionável pelos especialistas da área, o fato é que, para o direito brasileiro, ela é indiscutivelmente proibida, por caracterizar publicidade simulada”.[6]

Conclui-se, portanto, que essa espécie publicitária não pode ser admitida como um simples meio de informação, mas sim um instrumento de persuasão e manipulação desleal, em total desconformidade com o princípio da identificação estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor.


Princípio da veracidade ou da não-enganosidade

Tratado nos arts. 31 e 37, §§ 1.º e 3.º, do Código consumerista, tal princípio defende que a publicidade deve sempre veicular informações verdadeiras acerca dos produtos oferecidos, mantendo o consumidor protegido e corretamente informado para efetuar suas escolhas de forma livre e consciente.

Sua relevância está atrelada à necessidade da observância de um limite ético pelos anunciantes na divulgação de seus produtos e serviços, bem como do respeito ao princípio da boa-fé que sempre deve pautar o relacionamento entre fornecedores e consumidores.

Novamente utilizando as palavras de Suzana Maria Catta Preta Federighi “consiste em evitar a captação da vontade do consumidor baseado na falsidade da informação”.[7]


Princípio da lealdade publicitária

Mencionado no art. 4.º, inciso VI, do Código de Proteção ao Consumidor, como princípio norteador da Política Nacional das Relações de Consumo, consiste no dever objetivo imposto aos competidores do mercado de não adotarem condutas escusas, desonestas e desleais contra seus adversários.

Nos termos do mencionado dispositivo legal, corresponde “à coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores”.

Como se verá adiante, referido princípio deve ser utilizado como parâmetro e limite para veiculação da publicidade comparativa que, embora admitida pelo ordenamento jurídico, não pode voltar-se ao propósito de depreciar a imagem de seus concorrentes de mercado, por configurar-se prática de concorrência desleal.


Princípio da transparência

Para que sejam consideradas lícitas e aptas à propagação regular de ideias, as mensagens publicitárias devem ser integralmente embasadas por dados técnicos, científicos, empiricamente comprovados, para, caso necessário, haja comprovação acerca de sua veracidade.

Tratada no art. 36, parágrafo único, do Código, busca garantir que as informações divulgadas a respeito do produto sejam precisas e exprimam o máximo de fidelidade possível em relação às suas características essenciais e às expectativas legitimamente geradas para o consumidor.


Princípio da não-abusividade da publicidade

Estabelecido nos arts. 31 e 37, §§ 1.º e 2.º, o princípio da não-abusividade dispõe que a publicidade deve preservar os valores éticos e legais da sociedade de modo a não induzir o consumidor a um comportamento que lhe seja prejudicial.

Como se verá adiante, o combate à publicidade abusiva busca coibir diretamente a agressão de valores relevantes, porém intangíveis ao ser humano, tais como, honra, moral, imagem, respeito, autoestima. A proteção contra danos patrimoniais por meio da vedação das peças abusivas é apenas um efeito reflexo dessa tutela, não verificável necessariamente quando constatada a abusividade.


Princípio da correção do desvio publicitário

Segundo este princípio, uma vez comprovado o desvio publicitário por parte do anunciante, acompanhará a reparação civil e as sanções penais, a contrapropaganda, como já dito, “contrapublicidade”.

Tal sanção administrativa presta-se à tentativa de atenuar a má influência e os efeitos negativos exercidos sobre os consumidores atingidos pela mensagem enganosa e/ou abusiva. Acerca do tema, estabelece o art. 38, do Código de Defesa do Consumidor, que “o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”.

Logo, é certo que havendo alegação de eventual enganosidade e/ou abusividade de uma peça publicitária, caberia ao anunciante prontamente provar sua adequação e conformidade com o ordenamento jurídico vigente, sob pena de se sujeitar à contrapublicidade e outras sanções previstas pelo ordenamento.

Contudo, em que pese a bem intencionada iniciativa do legislador, notamos que na prática, a concretização do princípio da correção do desvio publicitário ainda está muito aquém do necessário para ser considerada efetiva.

Isso porque a falta (ou pouca) iniciativa dos órgãos competentes em impor a imediata correção das mensagens, associada à lentidão no procedimento de aplicação das sanções, cria entre os anunciantes e profissionais do mercado publicitário o costume de insistir na divulgação da publicidade indevida até que haja algum questionamento por parte das autoridades.

Nessa ocasião, antes que o inquérito para apurar a ilicitude possa ser levado adiante, os anunciantes retiram a peça de circulação enfraquecendo o argumento da potencialidade lesiva.

Além disso, como na maior parte das vezes, a contrapublicidade é realizada apenas vários meses e até anos depois da divulgação da peça – a mensagem corretiva pode revelar-se totalmente inadequada, pois não condizente com o novo contexto social, político e econômico do público espectador.

Por tudo isso, acaba imperando e se tornando aceitável a prática de tais condutas que deveriam ser repreendidas pela própria sociedade e profissionais do mercado publicitário.

Particularmente, acreditamos que, não obstante o controle da ilicitude publicitária seja tarefa árdua, já que a simples divulgação da mensagem é suficiente para exercer a influência equivocada, os consumidores e autoridades responsáveis por tal intento não devem se resignar e continuar aceitando esta demonstração inequívoca de desrespeito aos direitos consumeristas.

Para tanto, devem ser facilitados os canais que levam as reclamações e opiniões dos consumidores aos órgãos competentes para realizar a análise da ilicitude. Essa verificação precisa ser feita de modo mais simplificado e ágil, uma vez que as peças publicitárias são substituídas muito rapidamente.

Constatada a irregularidade, é preciso que sejam avaliados quais os melhores meios para reverter os danos que potencial e concretamente podem ser causados àqueles que foram expostos ao teor enganoso.

Essa escolha deve considerar essencialmente o quê, como, a quem e quando será dito, além da frequência com que deve ser transmitida a mensagem corretiva. Muito importante é também que a imposição leve em consideração as reais condições que o fornecedor tem de cumprir a sanção.

Caso se constate a impossibilidade total do anunciante fazer a correção do desvio satisfatoriamente e os bens jurídicos envolvidos sejam direitos fundamentais indisponíveis como vida, saúde e segurança, entendemos que o próprio Poder Público deverá intervir de modo a prevenir e remediar danos.

Para tanto, em casos extremos, considerando a gravidade do caso concreto, o Estado não poderá alegar o princípio da reserva do possível[8] e deverá fazer uso de recursos provenientes dos diversos fundos destinados à tutela dos direitos difusos e coletivos e dos direitos dos consumidores especificamente. Por óbvio que para esta última hipótese será necessária previsão legislativa.

Por fim, mais importante do que estabelecer um procedimento corretivo mais célere, é indispensável fomentar entre anunciantes, publicitários e veículos de comunicação o dever social que estes possuem perante a sociedade no sentido de respeitar parâmetros éticos mínimos, pois sua atividade não pode ser exercida e seus lucros obtidos às custas da lesão dos consumidores.

Referida conscientização, além de ser feita por meios educativos como palestras, cursos e troca de experiências entre tais sujeitos, associações de consumidores e entidades públicas, deve ser reforçada pelo endurecimento na aplicação de penalidades pecuniárias e restrição de direitos, além da intensificação da solidariedade civil e penal.


Princípio da vinculação contratual da publicidade

Preconiza o art. 30 do CDC que a publicidade integra o contrato que vier a ser celebrado com o consumidor, na medida em que todas as características e qualidades apresentadas no anúncio devem estar presentes no momento da entrega do produto e/ou serviço.

Sobre este princípio, Amaral Junior ensina que: “a ausência da força vinculante da mensagem publicitária comportaria a possibilidade da prática de incontáveis abusos. O fornecedor poderia lançar mão de quaisquer artifícios para seduzir os consumidores sem qualquer responsabilidade em relação ao que anunciou”.[9]

Para que haja a vinculação das condições da publicidade aos termos do contrato é preciso que a mensagem seja exposta ao público, não bastando sua simples elaboração.

Igualmente indispensável é a precisão das informações veiculadas. É necessário que sejam objetivas o suficiente para criar expectativas legítimas nos espectadores.

Pode haver a incidência deste princípio tanto nas situações em que há recusa do fornecedor em cumprir o prometido, como naquelas em que este quer, mas não tem meios para fazê-lo.

Como solução para tais hipóteses de recusa ou impossibilidade, o art. 35 do Código prevê três alternativas possíveis que permitem ao consumidor alcançar resultados práticos semelhantes ao adimplemento das condições prometidas.

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin cita exemplo interessante analisado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na Apelação Cível 596.008.997 (5ª Câmara Cível) envolvendo a recusa do Esporte Clube Guarani em entregar um automóvel à consumidora ganhadora de um bingo organizado por aquele.[10]

O anunciante recusava-se a entregar o bem sob o argumento de que o regulamento do sorteio previa a realização de uma rodada adicional caso houvesse mais de um ganhador.

Todavia, como não havia qualquer ressalva a tal limitação na publicidade, que foi fundamental para atrair os participantes ao evento, entendeu o Tribunal ser dever do anunciante honrar forçosamente o teor da informação anunciada.

Importante notar que, havendo dúvida acerca de eventual enganosidade e/ou abusividade de uma peça publicitária, caberá a seu anunciante provar sua adequação e conformidade com o ordenamento jurídico vigente, isso em consonância com o princípio da inversão do ônus da prova, previsto no art. 6.º, inciso VIII, do Código do Consumidor.

Tecidas estas considerações quanto os princípios que regem o tema no Código de Defesa do Consumidor, em próximo artigo trataremos do conceito e principais elementos envolvendo a publicidade e seu controle.


Notas

[1]       BENJAMIN, Antônio Herman de V. et alii. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 327.

[2]       NORONHA, Camila. Publicidade Clandestina. Disponível em http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:cE006qVrzxPwJ:academico.direito-rio.fgv.br/ccmw/Publicidade_clandestina+publicidade+clandestina+publicidade+subliminar&cd=1&hl=en&ct=cInk&client=firefox-a. Acesso realizado em 01.11.2010, às 22h05.

[3]       TAHARA, Mizuo. Contato imediato com a mídia. São Paulo: Global Editora, 1987, p. 43, apud BENJAMIN, Antônio Herman de V., Ada Pellegrini et alii. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 332.

[4]        BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos, op. cit., p. 333.

[5]       PASQUALOTTO, Adalberto, op. cit., p. 89.

[6]       COELHO, Fábio U., op. cit., p. 319.

[7]      FEDERIGHI, Suzana Maria P.C.P. et alii, op. cit., p. 231.

[8]       Em síntese, o princípio da reserva do possível é uma construção da doutrina alemã consistente na possibilidade de o Poder Público condicionar a efetivação de certos direitos fundamentais à existência de recursos financeiros.

[9]       AMARAL, Júnior. O princípio da veiculação da mensagem publicitária. Revista de Direito do Consumidor vol. 14, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 14/41-51.

[10]      BENJAMIN, Antônio Herman de V., op. cit., p. 296.

Sobre o autor
Jorge Arbex Bueno

Advogado, especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito e pós-graduado em Direito Coletivo pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Autor do livro Teoria da ação de improbidade administrativa, pela Editora Lumen Juris.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUENO, Jorge Arbex. Princípios aplicáveis à proteção do consumidor contra a publicidade ilícita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4139, 31 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33341. Acesso em: 22 dez. 2024.

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