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Lei Complementar nº 135/2010 (“Lei da ficha limpa”) não deve ser aplicada às eleições realizadas em 2010:

Uma decisão irresponsável; Uma decisão inconsequente; Uma decisão inconstitucional.

Agenda 05/11/2014 às 15:50

Neste modesto trabalho, pretendemos demonstrar que a LC nº 135/2010 não é só uma lei desnecessária; é uma lei inconstitucional. Também queremos fazer ver que a decisão do STF no RE 633.703 foi irresponsável, inconsequente e, também, inconstitucional.

“Todo o poder emana do povo,

 que o exerce por meio de representantes eleitos

 ou diretamente, nos termos desta Constituição”

(art. 1º, parágrafo único).

NOSSA INDIGNAÇÃO, AINDA QUE TARDIA.

            Se nos impuserem a pecha de retardados será bem imposta. E, por isto, não nos sentiremos ofendidos, pois reconhecemos que, com razão, hoje, nossa manifestação poderá ser havida como intempestiva. Mas esperamos que aqueles que desta forma entenderem sejam condescendentes com essa extemporaneidade, pelo fato de que isso decorreu do extremado estado de indignação pelo qual fomos tomados diante da esdrúxula decisão do Supremo (?) Tribunal Federal na apreciação da “Lei da Ficha Limpa”, cuja conclusão, como todos sabem, foi a de que sua aplicação não poderia ser imediata, ou seja, não se aplicaria às eleições que antecederam o seu julgamento - o pleito de 2010. Isso à época nos deixou tão indignados, que não nos sentimos em condições de comentar essa “amoralidade/imoralidade” isentos de sentimentos impublicáveis. Foi, e continua sendo, uma indignação bastante contundente, um marco indelével. A postura do STF, que razões muitas já nos deu para entendê-lo como uma instituição combalida - mas que esperanças tínhamos de ver sua dignidade soerguida - produziu em nosso íntimo uma lesão crônica, que, acreditamos, no curso de nossa presente existência, nos impedirá de vê-lo como o digno guardião da Constituição da República Federativa do Brasil, diploma esse que, diante da falta de compromisso do STF para com o múnus a si atribuído pelo Poder Constituinte, não pode ser havida como nossa Carta Magna, já que sua construção rui por força de mesquinhos interesses.

            A hipocrisia reinou; e continua reinando. A agressão sofrida pela Constituição Federal refletiu-se em nós como um golpe de um boxeador peso pesado: nocauteou-nos, deixou-nos cambaleantes, impotentes. Mas, ainda sem a firmeza necessária para enfrentarmos essa adversidade imposta goela abaixo do povo brasileiro, por um dever de lealdade para com nossa consciência – que persiste em resistir, e continuará resistindo até que a morte nos separe do convívio terreno, às amoralidades/imoralidades praticadas por quem quer que seja, especialmente quando praticadas por pessoas portadoras de mandatos do povo para representá-lo, com a dignidade que propalam ser às mesmas inerentes, na administração deste País, resolvemos externar os motivos que nos levaram a tanta indignação. Uma decisão que tomamos também em nosso próprio benefício, como uma medida terapêutica, já que o enfrentamento à essa decisão do STF agravou e continua agravando nossa saúde, pois somos portadores de psoríase (para os que não sabem, enfermidade que a ciência ainda não tem preciso conhecimento de sua causa, mas já chegou ao consenso de que é agravada pela afetação do estado emocional do portador) e este desabafo, não temos dúvida,  nos proporcionará, no mínimo, uma melhor qualidade de vida; isto é, se os inconformados com o que aqui explanaremos  resolverem isso nos permitir – “para um bom entendedor, meia palavra basta”.

Portanto, pelas circunstâncias que nos cercam, não é de se esperar que seja o que aqui externaremos uma peça perfeita, seja juridicamente, seja ortograficamente. Contudo, não vislumbramos possibilidade alguma de ser havida como invencionice, como leviandade, pois tudo quanto nela exposto está embasado na legislação pátria ou tem registro nos anais do Supremo Tribunal Federal.

A LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010

Do clamor popular surgiu o projeto de “Lei da Ficha Limpa”. Escopo do projeto: alijar do quadro político nacional, “temporariamente!(?)”, pessoas sem idoneidade moral para se fazerem representantes do povo e, em seu nome, exercerem o poder que dele, povo, emana.  

Aprovado e transformado na Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, que, por sua vez, alterou a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, fez políticos salafrários temerem por seus destinos. O pleito eleitoral de 2010 estava logo à frente. Pouquíssimos se reconheceram sem predicados para enfrentar uma candidatura. Mas grande parte dos promíscuos, incontinenti e com a peculiar falta de escrúpulos, buscou proteção de medida judicial, garantiu o registro e concorreu. Para tanto, usaram os infundados argumentos de ser a lei inconstitucional e, se assim não fosse considerada, deveria ser reconhecida como lei nova, não podendo, portanto, ser aplicada de imediato, mas tão-só depois de decorrido um ano de sua publicação.  Também indevidamente invocaram princípios aplicáveis ao Direito Penal: o da presunção de não culpabilidade e o de que a lei não pode retroagir para prejudicar

Neste momento percebemos quanto é parco nosso vocabulário. Só conseguimos nos expressar nestes termos: “falta de vergonha nas caras dos salafrários”. Perdoem nossa ingenuidade: como se poderia esperar vergonha em caras de salafrários? Como se pode ver, ainda não estamos completamente isentos dos amargos sentimentos que nos impediram de, em momento mais apropriado, tecer comentários ao posicionamento do STF. Mas enfrentaremos essa missão como uma questão de honra ou quem sabe, como antes dissemos, como busca de uma melhor qualidade de vida ou, sem exagero, até uma questão de sobrevivência.

UMA LEI DESNECESSÁRIA

A bem da verdade, a “Lei da Ficha Limpa” não é só uma lei nova; é uma lei desnecessária. O clamor nela expresso – a observância dos princípios da legalidade e da moralidade, especialmente - está consubstanciado na nossa Carta Constitucional. E só por absurdo se admitiria de forma diferente. Significaria olvidar que a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 esteve sob a presidência do “doutor” Ulysses Silveira Guimarães (“doutor”, especialmente, em política e ética).

servidor público não é só o “barnabé”. São todos aqueles que participam da administração do Estado brasileiro prestando-lhe serviços, o que, a maior das vezes, não fazem por puro altruísmo; são devidamente remunerados (em grande parte imerecidamente). O que são os parlamentares senão servidores públicos? Se até determinado momento de nossa história, por mera conveniência, houve alguma dúvida quanto a ser o parlamentar servidor público ou não, a Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, a dirimiu de uma vez por todas; e assim o fez pelo que exprime o seu art. 2º: “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior” (grifo nosso).

Portanto, para o exercício da função eletiva parlamentar, se deve exigir que o candidato atenda aos mesmos princípios constitucionais que se exige sejam atendidos pelos demais servidores e que estão cristalinamente estabelecidos no art. 37 da Constituição Federal. Eis sua letra: “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ...” (grifos nossos).

O servidor parlamentar sempre gozou de amorais/imorais privilégios inalcançáveis pelos demais servidores públicos. Pública e notoriamente portadores de qualidades descredenciadoras para se investirem  em mandato popular, sejam essas máculas pregressas ou adquiridas no curso do mandato, através de manobras perpetradas no seio da Casa a que pertencem (os tais Conselhos de Ética) – ou mesmo processos  judiciais, que de tudo fazem para não se chegar a um veredicto final – são blindados e autorizados a assumirem ou concluírem seus mandatos.

Sabe-se que em muitas nações a improbidade administrativa, cometida por servidores públicos, graduados ou não, acarreta penas inimagináveis por aqui. O apenamento pode chegar até à pena capital. E em algumas, antes do início da execução da pena, os infratores são obrigados a, publicamente, pedir perdão ao povo lesado por seus atos; isto é, se a autoridade cuidar para que eles, infratores, envergonhados, não deem cabo das próprias vidas. Ressarcem o erário e ficam, de uma forma ou de outra - vivos ou mortos - descredenciados para se fazerem funcionários públicos. Se continuarem vivos após o cumprimento das penas, vão plantar batatas, quebrar pedras, ... ; se mortos, vão ser servidores no inferno.

Aqui? Aqui os caras de concreto armado não negam nem assumem a lesão ao patrimônio público; simplesmente dizem: “acusam, mas não têm provas”. Nunca se comportam eticamente, ou seja, se afastam das funções, para que se apure o quanto lhes é imputado; pelo contrário, de tudo fazem para nelas se manterem, para mais fácil apagarem os rastros que porventura os desmascarariam. Esperar dos Conselhos de “Ética”, com seus telhados de cristal, a determinação desse afastamento nem pensar; sequer os advertem. Não têm outra saída senão isentá-los das “injustas” acusações, sob pena de terem suas falcatruas também expostas.

Já o “barnabé, antes de ingressar no serviço público, é submetido a uma sindicância que lhe obriga a entregar ao órgão público certidões que descortinem toda sua vida, para se ter a plena certeza de que ele não cometerá ato de improbidade administrativa. A simples suspeita de cometimento de um ato de improbidade o afasta de suas funções e, inicialmente, o submete a inquérito administrativo.

O povo brasileiro não é idiota; é ordeiro, o que o faz ser havido pelos espertalhões como imbecil. Poderia muito bem exigir a observância do art. 37 da Constituição, mas sabiamente se mobilizou para exigir a aprovação do projeto de “Lei da Ficha Limpa”, dando, assim, maior notoriedade ao seu anseio. O projeto de lei foi um feliz artifício popular, talvez até involuntário, para lembrar que nossa Constituição exige para o exercício da função pública, em especial o parlamentar, o preenchimento de requisitos essenciais pelo pretendente. Requisitos esses que não podem ser dispensados, pois é o que o eleitor imagina ser o postulante detentor e por isso o credencia a defender seus – “do eleitor” – direitos e interesses. Quão essencial é a faculdade visual para o pretendente obter a carteira de habilitação para dirigir é a idoneidade moral para a investidura em função pública.

Repete-se, a “Lei da Ficha Limpa” nada trouxe de novidade; foi uma chamada à atenção para a observância da Constituição Federal; foi um tardio apelo popular para que, doravante, se depure o quanto possível, o promíscuo quadro político nacional. Foi, enfim, uma tentativa de se dar “um basta” a tanta safadeza.

IRRESPONSABILIDADE DO S.T.F. EM PRECEDENTES DA “MAGISTRAL” DECISÃO

            Dissemos passo atrás que políticos desprovidos de conduta ilibada buscaram prestação jurisdicional para concorrerem ao pleito eleitoral de 2010. O último processo, com esse escopo, a ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal foi o recurso extraordinário nº 633.703, interposto por Leonídio Henrique Correa Bouças, candidato a deputado estadual pelo Estado de Minas Gerais nas eleições de 2010, que teve seu registro de candidatura negado, em razão de condenação por improbidade administrativa (alínea “l” do inciso I do art. 1º da LC n° 64/1990 – com a redação dada pela LC nº 135/2010), no qual se discutia a sua inelegibilidade. Buscava o recorrente pronunciamento do STF sobre questões constitucionais atinentes à aplicabilidade da “Lei da Ficha Limpa” à luz dos princípios constitucionais da anterioridade da lei eleitoral (art. 16), da irretroatividade dessa mesma lei (art. 5ª, inciso XL) e da presunção de não culpabilidade (art. 5ª, inciso, LVII).

            Antes do julgamento desse pleito tivera o STF sob seu crivo processos de duas “expressivas” figuras da política nacional: Joaquim Roriz e Jáder Barbalho. O primeiro, como é sabido, ficou prejudicado em razão da superveniente perda de objeto – o recorrente desistiu do registro de sua candidatura, extinguindo-se o processo sem julgamento do mérito. No segundo o Tribunal, após verificar o empate na votação (5 x 5), decidiu aplicar, por analogia, o inciso II do parágrafo único do artigo 205 do seu Regimento Interno, e manter a decisão recorrida, ou seja, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral de que a lei em nada afrontava a Constituição e que a renúncia do recorrente para escapar da cassação do mandato era motivo para se reconhecer sua inelegibilidade – uma conduta atentatória ao princípio da moralidade.

            Nos dois casos - muito especialmente no segundo, em que houve manifestação sobre o mérito da causa, a “Suprema Corte” mostrou-se para o Brasil indiligente. Limitou-se à apreciação da alínea “k” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, quando, diante da importância da matéria, sua urgência e seus previsíveis reflexos, por respeito ao múnus a si conferido pela nossa Magna Carta, deveria ter se pronunciado sobre a lei na sua inteireza. Nem mesmo se preocupou em analisar o princípio da anterioridade da lei eleitoral (art.16 da Constituição), abordagem necessária e comum na apreciação de qualquer das alíneas do inciso I do art. 1º da retro citada lei.

 Pois é, um tribunal que a toda hora se queixa da sobrecarga de serviços, olvidando os gastos que envolvem um julgamento e o desgaste físico de seus membros (nenhum com tenra idade), preferiu dividir a discussão das questões relacionadas à LC nº 64/1990, levando-se em conta os temas versados em cada alínea do inciso I do art. 1º dessa lei que lhe fosse submetida à apreciação - um desprezo à economia de tempo, ao dinheiro público e à preservação da condição física dos magistrados.

O RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 633.703

Bem, voltemos ao caso do insigne Dr. Leonídio Henrique Correa Bouças.

Antes fazemos questão de ressaltar que não nos cabe qualquer reconhecimento pela percepção das irresponsabilidades retro expostas. Os méritos, sinceramente, devem ser atribuídos ao douto relator. Nas considerações preliminares de seu voto relata (ipsis litteris):

 “Nos dois casos, a cognição do Tribunal cingiu-se à alínea “k” do inciso Ido art. 1º da LC 64/90 – com a redação dada pela LC 135/2010 –, apesar de o pronunciamento sobre aspectos relacionados ao princípio da anterioridade eleitoral (art.16 da Constituição) dizer respeito à aplicabilidade da lei como um todo. Preferiu-se dividir a discussão das questões relacionadas à LC 135/2010, levando-se em conta os temas versados em cada alínea do inciso I do art. 1º da LC 64/90. É o que ficou consignado na decisão proferida no RE 630.147/DF (caso Joaquim Roriz):

“O Tribunal, por unanimidade, manteve o reconhecimento da repercussão geral da questão constitucional concernente ao art. 1º, inciso I, alínea "k", da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/2010, e declarou extinto o processo, sem julgamento do mérito, contra os votos dos Senhores Ministros Ayres Britto (Relator), Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário,29.09.2010”.

Assim, o Tribunal reconheceu a repercussão geral da questão constitucional relacionada à alínea “k” do inciso I do art. 1º da LC 64/90, a qual dispõe sobre a inelegibilidade daqueles agentes políticos que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo de cassação do mandato.

O presente recurso diz respeito à alínea “l” do inciso I do art. 1º dessa mesma lei, que trata da inelegibilidade decorrente da condenação à suspensão dos direitos políticos em ação de improbidade administrativa.

Parece certo que, uma vez reconhecida a repercussão geral em relação à alínea “k”, esse reconhecimento também haverá de ocorrer no tocante à alínea “l”, tendo-se em vista que, apesar de suscitarem temas com nuances diferenciadas, ambas fazem parte da mesma lei, que tem contestada a sua aplicabilidade total.

Nesse aspecto, não se pode fechar os olhos para o simples fato de que, uma vez decidida a questão constitucional relativa à aplicação da totalidade da LC135/2010 em face do princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição), tal decisão terá uma óbvia incidência sobre todas as alíneas do inciso I do art. 1º da LC64/90, independentemente da diversidade de temas versados em cada uma delas.

Não se pode olvidar, igualmente, que a solução da controvérsia relativa à aplicabilidade da LC 135/2010 às eleições de 2010 não repercute sobre as questões constitucionais quanto à constitucionalidade material de diversos de seus dispositivos, que terão plena aplicabilidade já para as próximas eleições municipais de 2012.

Assim, a proposta é a de que, por meio do presente recurso extraordinário, reconheça-se a repercussão geral da questão constitucional que diz respeito à aplicabilidade da LC 135/2010 em face do princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição). A decisão definitiva de mérito quanto ao tema terá efeitos (próprios do regime da repercussão geral) imediatos sobre todas as questões idênticas versadas nos recursos nos quais se discuta a aplicação da totalidade da LC135/2010 às eleições de 2010”.

Vê-se, pois, que quando acima dissemos que os louvores quanto a essa constatação devem ser creditados ao relator não o fizemos em tom zombeteiro; fomos sinceros mesmo! Urgia, mais do que tudo, que a apreciação do princípio da anterioridade da Lei nº 135/2010 antecedesse aos pronunciamentos sobre a constitucionalidade das alíneas do inciso I do art. 1º da Lei nº 64/1990. A demora acarretou sérias consequências.   

Vamos lá. Foi o apelo submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal, ainda desfalcado de um ministro – situação que perdurava desde agosto de 2010, com a aposentadoria do ex-Juiz-Ministro Eros Grau -, para, de início, decidir sobre a inconstitucionalidade e não aplicabilidade imediata da “Lei da Ficha Limpa” arguidas pelo recorrente. O julgamento não foi concluído por inteiro, mas a constitucionalidade da alínea em apreço ficou fora de dúvidas naquela oportunidade. A alegação de inconstitucionalidade – da alínea “l” do inciso I  do art. 1º da lei nº 64/1990 - fora tecnicamente rejeitada pelo STF, uma vez que cinco (5) ministros votaram reconhecendo a constitucionalidade e quatro (4) reconheceram a inconstitucionalidade – um ministro, Dias Toffoli, se absteve por se considerar impedido (postura que, com maior razão, também deveria ter assumido quando do julgamento do “mensalão”). Inatingível, pois, se tornou o número mínimo de votos, seis (6), exigido pelo art. 23 da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, para que fosse proclamada a inconstitucionalidade. Sendo assim, por consequência, naquele instante foi reconhecida, indubitavelmente, constitucional a alínea “l” do inciso I do art. 1º da Lei nº 64/1990 (inelegibilidade pelo cometimento de ato de improbidade administrativa).

Quanto à imediata aplicação das alterações da LC nº 64/1990 – no caso a alínea “l” do inciso I do seu art. 1º - se repetiu o resultado verificado no julgamento do ilustre Jáder Barbalho – 5 x 5. Contudo, dessa vez o STF não optou por manter a decisão do TSE e seu presidente recusou usar da faculdade de proferir o voto de qualidade para desempatar. Resolveu - embora não tenha declarado explicitamente - por suspender o julgamento e aguardar a recomposição da Corte. E ficou o povo brasileiro, ansiosamente, aguardando essa recomposição.

 Enfim, em 11 de fevereiro de 2011, indicado pela Presidenta Dilma Rousseff, com os avais dos “ilustres” políticos Sérgio Cabral Filho e Antônio Palocci, é nomeado ministro do STF o jurista, e até então ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux, tomando posse como o 11º ministro da mais Alta Corte de Justiça do País em 03 de março de 2011. E o povo brasileiro vibrou. Um currículo invejável; uma história de vida da mesma forma; e, uma sabatina no Senado Federal empolgante, que a muitos deixou a impressão de que, com sua posse, o STF passaria a ser visto pela sociedade brasileira como o verdadeiro guardião de nossa Carta Magna. Seria ele o formulador do voto redentor do quadro político nacional; do voto extirpador dos maus políticos; do voto do Brasil Ficha Limpa.

            Chegou o dia da decisão, do desempate: 23 de março de 2011. Neste ponto, pedimos vênia ao ex-presidente da República para, parodiando-o, fazer uso de metáforas futebolísticas. Como antes relatado, a partida fora interrompida. E, por ser um jogo altamente democrático, de regra peculiar, permitido era aos construtores do placar fazerem autocrítica dos seus gols e, percebendo alguma irregularidade, pedir sua anulação, alterando assim o placar. Mas a partida foi reiniciada sem que nenhum dos jogadores tivesse reconhecido cometimento de infração na feitura do seu gol.  Assim, manteve-se o placar inalterado, como no primeiro tempo, 5 x 5.

Ao recém-empossado Ministro Luiz Fux, a quem, euforicamente, a torcida entregara a camisa do Brasil Ficha Limpa, foi concedida a honra de, aos 45 minutos do segundo tempo, desempatar a importante partida com a cobrança de uma penalidade máxima, com a vantagem de ter à sua frente uma meta desguarnecida. Para a surpresa, desespero e infelicidade geral da torcida do Brasil Ficha Limpa, a bola chutada pelo craque, inacreditavelmente, acertou o travessão e, da mesma forma, foi morrer na rede da outra meta, pelo que, de acordo com a regra, o gol foi validado em favor do adversário - 6 x 5. E o ministro deixou de ser havido como um craque pela torcida do Brasil Ficha Limpa, que o tem, hoje, como integrante da galeria do “inacreditável futebol clube”.

            O Ministro Luiz Fux, acreditamos que num momento de rara infelicidade, pois possuidor de reconhecido saber jurídico, enveredou pelos errados caminhos trilhados por outros seus pares. O entendimento que prevaleceu foi o de que as alterações introduzidas pela Lei nº 135/2010 não deviam ser aplicadas às eleições realizadas em 2010, por desrespeito ao art. 16 da Constituição Federal, dispositivo pétreo que trata da anterioridade da lei eleitoral, que está assim redigido:A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

            Não podemos dizer que para se chegar à conclusão de que se a Lei nº 135/2010 fosse aplicada ao pleito do ano de sua publicação estaria ofendendo a Constituição Federal foi uma maquinação perpetrada pelos magistrados que votaram nesse sentido, pois nada nos autoriza a isso. Mas, diante da clareza do art. 16 da C.F. e das inverdades constantes do relato que detalharemos a seguir, estamos autorizados a entender que a infeliz conclusão a que se chegou não se trata de fruto de uma construção jurídica.

  Os caminhos a que antes nos referimos foram construídos através de interpretações jurisprudenciais pátrias impertinentes ou, por vezes, consubstanciados em ensinamentos de doutrinadores estrangeiros, que nos deixam na dúvida se foram ou não propositalmente desvirtuados.  Até onde sabemos, a Carta Constitucional vigente não teve como construtores do seu contexto alienígenas. Os constituintes que nela laboraram eram, obviamente, brasileiros e de todo esforço se valeram para que fosse seu texto – expresso na língua portuguesa, idioma oficial da República Federativa do Brasil! – o mais cristalinamente possível, alcançável, sem auxílio de hermeneuta, por qualquer do povo medianamente esclarecido (nosso caso). E é por ser tão cristalino o seu conteúdo que, quando se pretende dar sentido diverso da vontade do legislador constituinte, necessário se faz que se proceda a um verdadeiro “enchimento de linguiça” na tentativa de convencer os destinatários do acerto dessa interpretação, o que, se conseguido, não se firmará por muito tempo. Bastará um olhar mais atento e, facilmente, se perceberá a manobra nesse sentido. É, justamente, o que, constrangidos, denotamos no relatório que fundamenta a decisão com a qual, desde sua prolação, nós, modestamente, não concordamos.

O RELATÓRIO

          

            Não, não estamos sendo levianos ao denunciarmos as artimanhas por nós de logo percebidas e agora explicitadas, tardiamente (o porquê esperamos que tenhamos justificado a contento) – o que nos traz um sentimento de traição não só à nossa consciência, mas também à nossa pátria.

 Na decisão prolatada no feito ora em apreço elas, artimanhas, são, sem qualquer esforço, identificadas. Sua fundamentação evidencia-se comovente - graças a elas, sim, às artimanhas. “É de dá dó”. Não recomendamos sua leitura a pessoas que se emocionam com relativa facilidade. Faz chorar de pena dos políticos salafrários. Mas, também, pode causar náuseas àqueles que não se conformam em ver uma expressa defesa de sujeitos inidôneos por um tribunal a quem a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 delegou a guarda da Constituição da República Federativa do Brasil.

O relatório, com o qual comungou a maioria do corpo de magistrados do STF para concluir que a LC nº 135/2010 se aplicada às eleições de 2010 afrontaria o quanto disposto no art. 16 da Constituição Federal, é exemplo claro de um “bolodório”, de um “blá- blá- blá” jurídico (perdoem-nos, mil desculpas, de uma “masturbação jurídica”). Esclarecemos: estes vocábulos significam artifícios de que se valem alguns advogados para impressionar seus clientes e para justificar os honorários cobrados, escrevendo páginas e páginas em um petitório, quando poderiam vindicar seus, dos clientes, direitos com poucos e pertinentes argumentos.  O mesmo ocorre com alguns juízes que, querendo, vaidosamente, demonstrar saber jurídico, se delongam nos fundamentos de uma decisão, transcrevendo julgados em excesso e reproduzindo magistério nacional e estrangeiro, às vezes impertinentes, mas dando-lhes interpretações convenientes, terminando por desvirtuar a vontade do legislador e confundir os jurisdicionados – não só leigos, mas também pessoas de saber jurídico -, quando à luz da transparente legislação pátria poderiam proferir um julgado incensurável. Certamente, o ex-Juiz-Ministro Joaquim Barbosa classificaria o relato como “um jeitinho”.

 À vista do quanto extraímos do relatório do julgado que deu sustentação à nefasta conclusão a que chegou o STF, alternativa outra não nos resta senão deduzir que os pares que o endossaram assim o fizeram por indiligência, negligência, por confiança cega no saber jurídico de seu prolator, pelo que foram induzidos a um crasso erro, que no nosso modesto entendimento traduziu-se em um desserviço à nação brasileira.

            Nas considerações preliminares, o douto ministro relator ressaltou que o recurso extraordinário submetia à apreciação da Corte questões constitucionais atinentes à aplicabilidade da Lei Complementar 135/2010, a denominada “Lei da Ficha Limpa”, à luz dos princípios constitucionais da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição), da irretroatividade da lei e da presunção de não culpabilidade” (grifos nossos). Ressaltou ainda que o apelo dizia respeito à alínea “l” do inciso I do art. 1º da Lei nº 64/90, “que trata da inelegibilidade decorrente da condenação à suspensão dos direitos políticos em ação de improbidade administrativa” (grifo nosso), e que, a exemplo do que ocorrera em relação à alínea “k”, o quanto decidido no processado teria o efeito de repercussão geral.

            Após breve histórico do feito, abrem-se as cortinas e começa o bolodório.

          

“Sólida jurisprudência” sobre a interpretação do art. 16 da Constituição Federal.

            Para dar sustentabilidade ao seu entendimento de que a Lei nº 135/2010, em obediência ao quanto preceituado no art. 16 da Constituição Federal, não deveria ser aplicada às eleições de 2010, o ilustrado Juiz-Ministro relator, de início, invocou “sólida jurisprudência” do STF a respeito da interpretação daquele dispositivo, elencando julgados - embora reconhecendo que não há consenso de que em tais precedentes o Tribunal tratou especificamente de lei que cria novas causas de inelegibilidade.

            Como atrás consignado, a “Egrégia Corte” deveria cingir-se à apreciação da alínea “l” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, que trata da inelegibilidade decorrente de condenação por cometimento de atos caracterizadores de improbidade administrativa. Contudo, o “magnífico” Ministro relator elege como principais precedentes sobre a interpretação o art. 16 da C.F. julgados referentes a feitos em nada assemelhados ao processado no RE 633.703. Senão vejamos.

            “Didaticamente”, o ilustrado julgador divide a jurisprudência sobre o princípio da anterioridade da lei eleitoral em duas fases: a primeira marcada pelos julgamentos das ADIs 733, 718 e 354; e, a segunda pelos julgamentos das ADIs 3.345, 3.685, 3.741 e ADIMC 4.307.

            A que se referem as ADIs “eleitas”? Vamos ver – resumidamente.

            As ADIs 733 (julg. em 17.06.1992) e 718 (julg. em 05.11.1998), Rel. Min. Sepúlveda Pertence, versavam sobre criação de municípios por lei estadual em ano eleitoral. O próprio relator as reconhece “pouco relevantes”. Mas não são “pouco relevantes”; são irrelevantes mesmo! A ADI 354 (julg. em 24.09.1990), Rel. Min. Octávio Gallotti, levou à apreciação do STF controvérsia sobre a incidência do art. 16 da C.F. diante de alteração do sistema de votação e apuração de resultados. Na ADI 3.345 (julg. em 25.08.2005), Rel. Min. Celso de Mello , que, segundo o relator, dá início à segunda fase da jurisprudência sobre a interpretação do art. 16 da Constituição Federal, se buscou pronunciamento da “Egrégia Corte” a respeito da Resolução nº 21.702/2004 do Tribunal Superior Eleitoral, que definiu critérios de proporcionalidade para fixação do número de vereadores nos municípios. Na ADI 3.685 (julg. em 22.03.2006), Rel. Min. Ellen Gracie, o STF foi chamado a se pronunciar sobre a emenda constitucional 52/2006, que, revogando legislação infraconstitucional que estabelecia verticalização das coligações, deu plena autonomia aos partidos para formarem coligações partidárias nos planos federal, estadual e municipal. Na ADI 3.741 (julg. em 06.08.2006), Rel. Min. Ricardo Lewandowski, o STF foi chamado a si manifestar sobre a constitucionalidade da Lei nº 11.300/2006 (mini-reforma eleitoral), que versava basicamente sobre financiamento de campanha eleitoral. O julgamento de medida cautelar na ADI 4.307 (julg. em 11.11.2009), Rel. Min. Cármen Lúcia, suspendeu a aplicação da Emenda Constitucional 58/2009, na parte em que determinava a retroação, para atingir pleito eleitoral já realizado em 2008, dos efeitos das novas regras constitucionais sobre limites máximos de vereadores nas Câmaras Municipais.

            Desta explanação, extraída de elementos constantes do voto ora em apreço, conclui-se que a jurisprudência eleita pelo Douto Magistrado-Ministro relator não trata da inelegibilidade de que faz referência a alínea “l” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, ou seja, a inelegibilidade decorrente de condenação por cometimento de atos caracterizadores de improbidade administrativa. Portanto, não podemos fazer vista grossa; cristalina é a impertinência dos temas. Não há como deixar de reconhecer que tais temas foram engenhosamente eleitos e usados como ingredientes de uma indigesta linguiça.

E o “engenhosamente” que aqui colocamos não é de graça. O ilustrado Juiz-Ministro relator colou ao seu relato um julgado que, segundo ele, foi o único em que a Egrégia Corte se debruçou sobre a lei “que cria novas causas de inelegibilidade”. Trata-se esse julgado do RE 129.392 (julg. em 17.07.1992), Rel. Min. Sepúlveda Pertence, no qual se decidiu que o princípio da anterioridade da lei eleitoral não vedava a vigência imediata da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei de inelegibilidades), na medida em que esta define o regime constitucional de inelegibilidade exigido pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal. Com base nesse julgamento, o Tribunal Superior Eleitoral, nas Consultas 114.709 e 112.026, concluiu que a Lei Complementar nº 135/2010, modificadora da Lei Complementar nº 64/90, também não estaria ao alcance da vedação estabelecida no art. 16 da Constituição Federal.

            É de causar pasmo. O RE 129.392 foi o único julgado que tratou do tema da inelegibilidade por improbidade administrativa, à luz do que dispunha a Lei Complementar nº 64/1990. E não só não foi “eleito” para auxiliar de alguma forma na decisão do julgamento ora abordado; foi, de forma deselegante, desqualificado e considerado imprestável na sua inteireza, por ser a decisão nele sacramentada “equivocada”. E isso porque o Juiz-Ministro relator do feito ora focado (RE 633.703) comungava (e ainda deve comungar) com o entendimento do ex-Juiz-Ministro relator daquele apelo extraordinário. Entendeu, naquele momento, o ex-Juiz-Ministro Sepúlveda Pertence que a Carta Magna de 1988, desde a sua promulgação, recepcionou o regime de inelegibilidade estabelecido na Lei Complementar nº 5/70, que complementou o sistema de inelegibilidade instituído pela nova ordem constitucional e que com o advento da Lei Complementar nº 64/1990 e a revogação daquele diploma novas regras de inelegibilidade foram instituídas e, por consequência, alterado foi o processo eleitoral. Por isso, o ex-Juiz-Ministro Sepúlveda Pertence consignou no seu voto que a Lei Complementar nº 64/1990 só deveria vigorar após decorrido um (1) ano  de sua publicação. Como já deixamos transparecer, não foi um voto vencedor e nem poderia, pois, esse sim, um voto redondamente equivocado. Vencedores foram os votos dos ex-Juízes-Ministros Paulo Brossard, Célio Borja, Octávio Gallotti, Sydney Sanches, Moreira Alves e Nery da Silveira, que acertadamente entenderam que o tema da inelegibilidade por improbidade administrativa é eminentemente constitucional e, portanto, não poderia o art. 16 da Constituição Federal ser invocado para obstar a aplicação imediata de outros preceitos constitucionais, especificamente o art. 14, § 9º, e o art. 37, § 4º.

            Pois é, foi o entendimento externado pelos ex-Magistrados-Ministros da nossa Egrégia Corte Máxima de Justiça desqualificado pelo ilustrado Juiz-Ministro relator do voto ora comentado de forma deselegante, desrespeitosa, abjeta. Sim, desta forma foi, já que os votos dos ex-Juízes-Ministros Célio Borja, Octávio Gallotti e Sidney Sanches foram considerados desprezíveis por se tratarem eles de “Ministros, à época, pertencentes ao Tribunal Superior Eleitoral”, e por isso “fizeram prevalecer razões pragmáticas que tinham em vista o regular transcurso do pleito eleitoral”, o que equivale a nada mais nada menos do que considerá-los suspeitos, imparciais. O desrespeito não se limitou aos retro nomeados. Ao dizer que “o certo é que o julgamento do RE 129.392 fora realizado em um contexto muito específico, sob a égide de uma Constituição recém-promulgada - três (3) anos e dez (10) meses de vigência -, que rompia com a ordem constitucional anterior e que necessitava da legislação complementar para implementar o novo sistema de inelegibilidade a ser aplicado nas primeiras eleições democráticas após longo período ditatorial”, a agressão se propagou, atingindo também os outros três ex-Juízes-Ministros vencedores – Paulo Brossard, Moreira Alves e Nery da Silveira –, já que tal assertiva é uma clara subestimação à inteligência do grupo vencedor. A Constituição, já não era tão recém-promulgada, não foi escrita em alemão, italiano, espanhol, japonês, mandarim, ...,  mas, sim, num claro português, capaz de alcançar até seus destinatários menos esclarecidos, desde que alfabetizados. Portanto, achar que por ser nova a Constituição não estava ao alcance de inteligências integrantes da Mais Alta Corte de Justiça do País traduziu-se numa imperdoável ofensa.

            O acerto da decisão prolatada no RE 129.392 é fora de dúvida. Se crítica merece é quanto ao entendimento de que no caso particular desse apelo extraordinário – improbidade administrativa – a Lei Complementar nº 64/1990 surgiu para cumprir um mandamento constitucional, preenchendo um vazio (ex-Min. Octávio Gallotti), sem o que deixaria uma lacuna relativa a regras de inelegibilidade (ex-Min. Sidney Sanches). Esses dois ilustres ex-Magistrados-Ministros acompanharam o voto do não menos ilustre ex-Juiz-Ministro Paulo Brossard, mas consignaram nos seus votos essas desnecessárias observações. O voto acompanhado foi de uma precisão “quase cirúrgica”, carecedora, a nosso ver, de pequeno reparo: “É porque a hipótese em discussão, a hipótese da improbidade, não está na dependência da lei complementar; é constitucionalmente focalizada. A Constituição cuidou da espécie para dizer que esse era caso de inelegibilidade, gerador até da perda de direitos políticos, independente da lei complementar. A lei complementar tem de ajustar-se à norma constitucional, disciplinando, regulando, optando por tais ou quais fórmulas, mas a ideia matriz está na Constituição; segundo esta a improbidade administrativa gera inelegibilidade, razão por que parece-me que é de todo inaplicável o preceito do art. 16, até porque chegaríamos a esta curiosa situação: na eleição imediata, valia tudo em matéria de improbidade, a despeito da norma constitucional ser  imperativa, e até pleonástica”.

A clara explanação do ex-Juiz-Ministro Paulo Brossard foi extraída do claro texto constitucional pertinente, que retrata a expressa vontade do legislador constituinte brasileiro no que diz respeito ao tema improbidade administrativa como causa de inelegibilidade; mas foi rechaçada, sem ao menos ser transcrita, como imprestável no voto ora apreciado.  A nosso ver, sem maiores delongas - por economia processual, por economia de tempo e dinheiro público, pela preservação do estado físico e mental dos envolvidos no julgamento do feito (aí incluídos os espectadores) – a sucinta exposição do ex-Juiz-Ministro Paulo Brossard seria suficiente para convencer a todos, e de forma insofismável, que a improbidade administrativa é causa de inelegibilidade que não precisava vir estabelecida em lei complementar para ser declarada. Mais adiante tentaremos reforçar a sua consistência.

            Consumado o massacre ao prevalecente entendimento prolatado no RE 129.392, o Douto Relator do apelo do até então injustiçado doutor Leonídio Henrique Correa Bouças, alicerçado na impertinente jurisprudência do STF por ele eleita como parâmetro a ser seguido na sua análise, declarou-se, enfim, em condições de apreciar o art.16 da Constituição Federal, o que, em verdade, é o prosseguimento do lento processo de enchimento daquela linguiça de que antes falamos.

            Nobres eventuais leitores, perdoem-nos por sermos maçantes, mas, infelizmente, não há como comentar “bolodório” sem ser cansativo, chato, a exemplo do próprio autor do “bolodório”. Como antes dissemos, a breve explanação do ex-Juiz-Ministro Paulo Brossard era suficiente para deslindar a injustificável controvérsia estabelecida no RE 633.703 e outras tantas similares. E para que não deixemos dúvidas a respeito do desacerto da decisão que aqui nos insurgimos, imploramos vossa tolerância para conosco, pois na medida do possível iremos à exaustão, adentrando, por força da provocação ora comentada, inevitavelmente, em assuntos que em nada dizem respeito ao tema chave do apelo extraordinário do doutor Leonídio Henrique Correa Bouças, qual seja, inelegibilidade por cometimento de improbidade administrativa.

            Reza o art. 16 da Constituição Federal: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Após descomedido exercício intelectual o Douto relator extraiu da “sólida jurisprudência” do STF as seguintes “regras parâmetro”:

“1) O vocábulo “lei” contido no texto do art. 16 da Constituição deve ser interpretado de forma ampla, para abranger a lei ordinária, a lei complementar, a emenda constitucional e qualquer espécie normativa de caráter autônomo, geral e abstrato, emanada do Congresso Nacional no exercício da competência privativa da União para legislar sobre direito eleitoral, prevista no art. 22, I, do texto constitucional;

2) A interpretação do art. 16 da Constituição deve levar em conta o significado da expressão “processo eleitoral” e a teleologia da norma constitucional.

2.1) O processo eleitoral consiste num complexo de atos que visa a receber e a transmitir a vontade do povo e que pode ser subdividido em três fases: a) a fase pré-eleitoral, que vai desde a escolha e apresentação das candidaturas até a realização da propaganda eleitoral; b) a fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação; c) a fase pós-eleitoral, que se inicia com a apuração e a contagem de votos e finaliza com a diplomação dos candidatos;

2.2) A teleologia da norma constitucional do art. 16 é a de impedir a deformação do processo eleitoral mediante alterações nele inseridas de forma casuística e que interfiram na igualdade de participação dos partidos políticos e de seus candidatos.

3) O princípio da anterioridade eleitoral, positivado no art. 16 da Constituição, constitui uma garantia fundamental do cidadão-eleitor, do cidadão-candidato e dos partidos políticos, que – qualificada como cláusula pétrea – compõe o plexo de garantias do devido processo legal eleitoral e, dessa forma, é oponível ao exercício do poder constituinte derivado”.

            Estabelecidos esses parâmetros, achou-se o douto relator em condições de analisar a Lei Complementar nº 135/2010 em face do princípio da anterioridade da lei eleitoral, concluindo de logo que A LC 135/2010 foi editada para regulamentar o art. 14, § 9º, da Constituição e, dessa forma, fixou novas causas de inelegibilidade que levam em conta fatos da vida pregressa do candidato” e “Na medida em que legislou sobre causas de inelegibilidade, a LC 135/2010 interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada na jurisprudência do STF como a fase pré-eleitoral, que se inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos políticos e vai até o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. Não há dúvida, portanto, de que a alteração de regras de elegibilidade repercute de alguma forma no processo eleitoral”.

Pergunta-se: deveria a lei fixar causas de inelegibilidade levando em conta fatos da vida futura do candidato? Até poderia se o legislador possuísse bola de cristal. Mas seria perda de tempo com relação a político salafrário. Sua vida futura é a pregressa mais suja, mais maculada. É regra costumeira pétrea.

Os tais parâmetros

Convenhamos, a extração do significado do vocábulo “lei” no contexto do artigo 16 foi uma descoberta fantástica. A partir dessa espetacular percepção ficamos sabendo que o vocábulo ali posto, “despretensiosamente”, pelos constituintes de 1988 abrange qualquer normatização infraconstitucional: um feito maravilhoso! No passo do espantoso, também se chegou à conclusão de que essa normatização deve partir do Poder Legislativo, exercendo competência privativa da União, o que, pelo visto, não deixou bem claro o Poder Constituinte no art. 22, da Constituição: admirável!  Não deixa por menos a “magnífica e tendenciosa” análise da expressão “processo eleitoral” e do sentido teleológico do conteúdo do art. 16 da Constituição Federal. Na aprofundada análise da expressão “processo eleitoral” o nobre relator deixa a entender que o Direito Eleitoral não tem regras de direito material ou substantivo; é puro processo, que se inicia com a tal fase pré-eleitoral. Por pouco não chegou a admitir que essa fase tem início com o surgimento do embrião do candidato no ventre materno, especialmente daquele candidato cuja vida pregressa esteja marcada pela improbidade administrativa.

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O Direito Eleitoral, como os outros ramos do Direito, possui normas de caráter material ou substantivo e instrumental ou processual. A expressão “processo eleitoral” constante do art. 16 da Constituição, como bem salientado pelos ex-Juízes-Ministros Paulo Brossard, Moreira Alves e Nery da Silveira no julgamento da ADI 354, diz respeito às normas eleitorais instrumentais ou processuais. O tema da inelegibilidade por improbidade administrativa é tratado por norma substantiva constitucional, como, mais adiante, tentaremos demonstrar com mais clareza.

Desse estudo teleológico do art. 16 emergiu a “surpreendente” conclusão de que nele está expressa a vontade do legislador constituinte em obstar a deformação do processo eleitoral, de forma a impedir alterações casuísticas que interfiram na “igualdade de participação” dos partidos políticos e de seus candidatos”. Fenomenal seria tal conclusão se o legislador constituinte não tivesse proclamado no art. 5º da Carta Constitucional a igualdade de todos perante a lei: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...”. Portanto, enquanto perdurar a letra desse artigo, inadmissível, ou melhor, impossível, ou melhor ainda, impensável, incogitável, se pretender essas alterações casuísticas inferidas pelo relator e, levianamente, atribuídas ao legislador. Ora, contivesse a Lei Complementar nº 135/2010 a pretensão de interferir na igualdade de participação dos partidos políticos e de seus candidatos não se veria ela envolvida no descabido imbróglio em que a envolveram. Seria incontinenti rechaçada com base no retro mencionado dispositivo constitucional, ou melhor, sequer vingaria; o projeto de lei que lhe deu origem não seria acatado pelo Congresso Nacional. Com certeza!,  Deputados e Senadores, que estão entre os principais destinatários da lei, não dariam tiros nos próprios pés.

Nobres leitores, para se chegar à teleologia, à finalidade, da norma contida no art. 16 da Constituição Federal não há necessidade de sacrificar nossos neurônios. Basta lembrarmos que até a vigência da Constituição de 1988 vivíamos sob “regime de exceção” e que nesse período não era incomum não só a alteração de dispositivos legais como também a edição de leis emergenciais, oportunistas, para atender anseios antidemocráticos dos dominantes. E nada mais interessante para essa classe do que as alterações da legislação eleitoral para legitimar a dominação. Portanto, outra dedução não se pode tirar senão a de que, para atender aos anseios democráticos, esse dispositivo foi inserido na Constituição justamente para dar um basta àquela condenável prática. Tem-se, pois, que a conclusão a que chegou o relator passa por muito longe do que pretendeu o legislador.

Analisando a teleologia do art. 16 da C.F. o ex-Juiz-Ministro Sindey Sanches deixou consignado no seu voto quando do julgamento da ADI 354: “O objetivo da norma constitucional foi evitar expedientes condenáveis que procuravam alijar candidaturas e partidos, em favor de outros. Não há de ter sido seu propósito impedir alterações louváveis na legislação eleitoral durante o ano da campanha”. Acrescentou: “... V.Exª. verá que permite até o casuísmo, se for com mais de um ano de antecedência. Então, não foi o casuísmo que a Constituição quis impedir, mas, sim, a quebra da ética do processo eleitoral”.

Interpretando o voto do ex-Juiz -Ministro Sidney Sanches na ADI 354, na parte em que diz que “o art. 16 visa impedir apenas alterações casuísticas e condenáveis do ponto de vista ético, ...”, o  relator do recurso extraordinário que ora toma nosso tempo cometeu contra ele injustificável crítica. O que são “alterações que interfiram na igualdade de participação dos políticos e de seus candidatos” senão alterações condenáveis do ponto de vista ético? Pois foi justamente contra essas alterações que se insurgiu o injustiçado ex-Juiz-Ministro.

A Lei Complementar nº 135/2010 teve, justamente, como principal escopo obstar que “a desigualdade de participação” até então injustificadamente tolerada – e que o olhar oblíquo do ilustrado relator viu como óbice à “igualdade de participação”, à qual se apegou para fazer a principal bandeira do seu relato -, continuasse sendo marca registrada nas eleições brasileiras e que na competição eleitoral imperasse uma verdadeira igualdade de participação.

Sim, existe uma grande diferença entre a teleologia da locução “igualdade de participação” apregoada pelo relator e a pretendida pela “Lei da Ficha Limpa”. Enquanto essa lei excluía da competição eleitoral – já em 2010, após sua edição - pessoas de vidas marcadas por crimes e condutas amorais, raposas velhas acostumadas a se locupletarem do erário, engenheiros de maquinações eleitorais que os levavam, a qualquer custo, à eleição ou reeleição, aquela defendia a participação desses desajustados sociais no pleito, o que, como se sabe, acabou prevalecendo.

            Convencido ficou o douto relator de que – de acordo com os eleitos parâmetros jurisprudenciais do STF (1 e 2.1) - sobejaram razões para se considerar que a Lei Complementar nº 135/2010, inequivocamente, interferia no processo eleitoral, mas que isso era de somenos importância. De relevo mesmo, para ele, era saber “se ela de alguma forma restringia direitos e garantias fundamentais do cidadão eleitor, do cidadão candidato e, desse modo, atingia a igualdade de chances (Chancengleichheit) na competição eleitoral, ...”,  e que, se positivado, “deverá ser cumprido o mandamento constitucional extraído do princípio da anterioridade (art.16) na qualidade de garantia fundamental componente do plexo de garantias do devido processo legal eleitoral” (parâmetros 2.2 e 3 da impertinente jurisprudência do STF), argumentando que Essa perspectiva de análise, que leva em conta a restrição de direitos e garantias fundamentais, é mais objetiva do que aquela que segue uma identificação subjetiva do casuísmo da alteração eleitoral”.

            Bem, que o douto relator tenha esses parâmetros como o suprassumo na análise do reflexo da Lei Complementar nº 135/2010 nos direitos e garantias fundamentais do cidadão e dos partidos políticos nada contra; é uma questão de interpretação; errônea, mas é um direito seu. Agora depreciar uma louvável alteração da lei eleitoral, classificando-a como casuística, ao ponto de deixar a entender que a Justiça Eleitoral, em face disso, é levada a fazer “apreciações subjetivas sobre a moralidade deste ou daquele candidato ou partido político” é inadmissível, é uma leviandade. Quando a Justiça Eleitoral, em sua superior instância, considera um candidato indigno de participar de um pleito eleitoral, como no caso do doutor Leonídio Henrique Correa Bouças, não é a seu bel-prazer, não é por ter o candidato olhos negros, quando sua preferência são azuis ou verdes. Precede tal decisão uma gama de procedimentos judiciais que terminam por descredenciar o pretendente e a autorizá-la  a vedar sua pretensão, o que faz com amparo legal. Reza o art. 3º da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral): Qualquer cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo, respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e incompatibilidade” (grifo nosso).

            Mais uma vez rogamos paciência. Como já dissemos, comentar “bolodório” é f...fogo.  Não fosse o erro um evento previsível e ao alcance de qualquer ser humano, outra alternativa não restaria senão admitir que o relato ora comentado foi encomendado e cuidadosamente elaborado para fazer valer uma inverdade, um absurdo.

            É verdade  que a jurisprudência do STF colecionada pelo relator identifica o princípio da anterioridade da lei eleitoral como uma garantia fundamental do processo legal eleitoral, o que não se traduz em novidade. Mas, insistimos, essa jurisprudência não era parâmetro da qual pudesse ele se utilizar para fragilizar a “Lei da Ficha Limpa”. Pois é, impertinente, não era padrão a ser seguido, mas como tal foi utilizado e acatado pela maioria dos julgadores do RE 633.703; foi o fator determinante da sucumbência do imediato anseio popular - a aplicação da lei já nas eleições de 2010. E mesmo que a jurisprudência fosse pertinente não autorizaria a conclusão a que se chegou, como mais à frente tentaremos mais bem claro demonstrar.

Princípio da anterioridade eleitoral como garantia do devido processo legal

            A linha de raciocínio adotada no relatório se inicia pela análise do “princípio da anterioridade eleitoral como garantia do devido processo legal”. Nessa análise conclui o relator que qualquer alteração de regras sobre inelegibilidade, mesmo sendo elas nitidamente substanciais, interfere no processo eleitoral. Como já sublinhamos, entende o relator que o processo eleitoral se inicia quando o candidato não sabe nem se algum dia será candidato. Nesse tópico, ressalta o relator: “Se levarmos a sério a jurisprudência,  teremos de concluir que a LC 135/2010 interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada na jurisprudência como a fase pré-eleitoral, que se inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos políticos e vai até o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral” (grifo nosso).

É!, só se levarmos a sério a imprestável jurisprudência a que se refere o relator para se admitir que escolha de candidato integra o processo eleitoral. E ele não se conforma só com isso, vai mais além: “E, frise-se, essa fase não pode ser delimitada temporalmente entre os dias 10 e 30 de junho, no qual ocorrem as convenções partidárias, pois o processo político de escolha de candidaturas é muito mais complexo e tem início com a própria filiação partidária do candidato, em outubro do ano anterior”. Filiação partidária não deve ser feita obrigatoriamente no mês de outubro do ano anterior ao da competição eleitoral. Então não vemos por que não darmos um empurrãozinho em marcha ré e admitirmos o início da fase pré-eleitoral em qualquer tempo pretérito. É brincadeira!

Por mais que nos esforcemos, não podemos fazer com que não sejamos vistos como contundentes nestes comentários. O insigne relator, para justificar suas razões acima transcritas, cola como parâmetro o julgamento da Emenda Constitucional nº 52, que tratou da apelidada “verticalização das coligações partidárias”, publicada em 08 de março de 2006, que teve sua vigência obstada naquele ano por decisão do STF. Ora, não há como negar a natureza instrumental de tal alteração. De outra forma, pois, o STF não poderia reconhecê-la.

            O magnífico relator sacramenta sua análise sobre a anterioridade da lei eleitoral como garantia do devido processo legal eleitoral com a petrificação do art. 16 da Constituição Federal: Na medida em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas regras também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a aboli-las” (grifo nosso).

Cláusulas e caras pétreas

O significado de cláusula pétrea não deve ser tomado conforme conveniências. Pétrea é um adjetivo que vem de pedra, significando "duro, sólido como pedra, ...".  No campo do Direito Constitucional, cláusula pétrea é a norma intocável, no todo ou em parte, em tempo algum; aquela que não se pode modificar, nem mesmo através de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Para sermos mais claros, dizemos que cláusula pétrea é, de conformidade com o neologismo criado - e criticado, mas perfeitamente admissível - pelo ex-ministro do governo Collor, Antônio Rogério Magri, uma norma imexível.

Cláusulas pétreas são os pilares, os fundamentos maiores e principais da construção de um ordenamento constitucional, que retirado um dos quais, ou mesmo alterada a estrutura de um deles, essa construção rui, frustrados ficando os completos anseios de um povo, externados por seus construtores, e, por consequência, provocando uma insegurança jurídica nunca pretendida.

            O Poder Constituinte Originário, elaborador da vigente Constituição brasileira, elegeu normas fixas, imutáveis, pétreas e que estão elencadas no § 4º do seu art. 60, assim redigido: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais”. São elas, pois, o sustentáculo da República Federativa do Brasil. Esse dispositivo exaure o rol de cláusulas ditas pétreas existentes na Constituição Federal.

Mas por ela, Constituição, estão espalhadas outras tantas normas rígidas respeitantes aos fundamentos da República e ao Estado Democrático de Direito instituído pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988. E dentre essas outras cláusulas rígidas existem aquelas que comportam certa maleabilidade. A vida é dinâmica; e, portanto devemos considerar que cláusulas hoje havidas como rígidas possam, em algum momento, se tornar inadequadas a uma nova realidade e necessitarem de uma reparação. Essa permissibilidade está consagrada no caput do mesmo art. 60 da Constituição Federal, quando admite Proposta de Emenda Constitucional (PEC): “A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: ...”.  Outras cláusulas rígidas existem que, diante de outra cláusula mais rígida, têm o mandamento do seu contexto contido: é o que se pode admitir que aconteça  com a disposição contida no art. 16 diante do § 2º do art. 5º da Constituição.

Mas pétreas mesmo são as caras dos políticos improbos. Essas, sim, são duras como pedra, concreto armado, quem sabe mais duras do que o diamante..

            Como já ressaltado, entendemos que as alterações procedidas pela Lei Complementar nº 135/2010 são de natureza substantiva e não processual como pretendeu o nobilíssimo relator a todos convencer. Também enfatizou ele, relator: “O art. 16 da Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral à regra da anualidade, constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício de direitos políticos”.

Nada a contestar quanto ao fato de ser o exercício de direitos políticos uma garantia fundamental. Mas, desde quando a letra do art. 16 diz ser o processo eleitoral passível de alteração, a vigorar um (1) ano após sua promulgação, não há como reconhecer no seu conteúdo uma determinação “dura como pedra”. É, realmente, uma norma rígida; mas não pétrea, já que admite certa flexibilidade; pode ser alterada.

            No caso em foco, o do doutor Leonídio, sim, ele mesmo, o condenado por cometimento de improbidade administrativa, se por absurdo cedêssemos ao descabido entendimento de que a Lei Complementar 135/2010 alterou o processo eleitoral, ferindo sua garantia fundamental de exercício do direito político, por qualquer dos motivos por ele alegados, mesmo assim não estaríamos autorizados a reconhecer a sua inconstitucionalidade. E não nos impede esse reconhecimento mero capricho. O obstáculo a isso se encontra consubstanciado no § 2º do art. 5º da Constituição. Necessariamente, teríamos que desprezar essa suposta agressão em proveito de bem maior, em obediência ao princípio da moralidade, que não está petrificado, está diamantificada  (ou seja, é duro como o diamante) no art. 37 da Carta Magna. Vale a pena transcrevê-lo novamente:

“A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ...” (grifos nossos).

E reza o § 2º do art. 5º antes mencionado:

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes  do regime e dos princípios por ela adotados, ou tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (grifo nosso).

Assim, diante do quanto exposto no art. 37, combinado com o § 2º do art. 5º da Constituição Federal, infrutífera, desprezível, é a tentativa do ilustrado relator de querer convencer a todos de que o conteúdo do art. 16 é imutável, que é dispositivo pétreo, pois os  princípios da legalidade e da moralidade administrativa se sobrepõem a esse pretenso direito político de ser improbo. Mesmo que fossem as alterações procedidas na Lei nº 64/1990 pela Lei Complementar 135/2010 de natureza processual, se tivessem como objetivo manter incólumes os princípios constantes do art. 37 da Constituição Federal não haveria como desconsiderá-las e fazer esse ilegal e amoral direito sobrepô-las. Enfim, a legalidade e a moralidade devem imperar sobre a improbidade, seja em que circunstância for. Inconcebível ser de forma diversa.

            O quanto exposto no parágrafo anterior seria suficiente o bastante para fazer ruir toda a argumentação do insigne relator do RE 633.703 em defesa de sua tese. Mas, para que não pairem quaisquer dúvidas a respeito de sua total improcedência, na medida do possível, a dissecaremos em toda sua extensão.

Irretroatividade da lei.  Direito adquirido

A lei não pode retroagir para prejudicar. Inacreditável a decisão do Supremo Tribunal Federal, invocando indevidamente a aplicação do princípio da anterioridade da lei consubstanciada no art. 16 da Constituição Federal, para reconhecer ao político improbo ou ao improbo pretendente a ser político improbo o direito adquirido a competir nas eleições de 2010.

            Ter conduta amoral ou ilegal é uma opção de qualquer pessoa. O que não se admite é que pessoas com tais predicados ingressem ou permaneçam no quadro político nacional, sob o pretexto de se fazerem representantes do povo, do qual usurpam mandatos, que lhes são conferidos na esperança de ver seus direitos e interesses por eles defendidos, mas que, na verdade, se prestam a autorizar o exercício de suas nefastas habilidades em benefício próprio e em prejuízo o outorgante.  Admitir o ingresso ou a permanência dessas pessoas equivale a dar continuidade à promiscuidade que até então vinha ocorrendo, o que de há muito enche a paciência do povo brasileiro e que, em 2010, acabou por transbordar, motivando o clamor externado no projeto de “Lei da Ficha Limpa”; é contrariar princípios constitucionais – moralidade e legalidade -, esses, sim, pétreos.

            Seríamos injustos se aqui não reconhecêssemos que tanto os políticos improbos como os improbos pretendentes a serem políticos improbos têm direito adquirido; mas direito adquirido a continuarem sendo ímprobos. Sim, continuarem improbos, mas não direito a de suas improbidades fazerem uso na esfera política.

A improbidade não é só direito adquirido; existem pessoas que foram “agraciadas” com esse direito desde que presentes, ainda embriões, no ventre materno; é um direito nato, congênito e hereditário - legado de várias gerações. O pior é essa amoralidade dentro da administração pública, especialmente no meio político. É altamente contagiosa; é um mal incurável e que não dá espaço para melhoras; só piora. Só pode acreditar em político ex-improbo quem já viu um ex-anão (de antemão, pedimos desculpas aos anões por, na falta de inspiração, fazermos esta alusão).

            Mas por que os improbos têm preferência pela política? Porque o campo político vem se mostrando de há muito o mais adequado para o exercício de suas habilidades. Nele exercitam-nas sem que haja o risco de sofrerem as penalidades a que, certamente, estariam expostos se as exercitassem em outro campo. Quando, por acaso, são denunciados por deslizes explícitos, afrontosos em demasia, não muito difícil é encontrar o afago da maioria de seus similares pares, que de tudo fazem para blindá-los de forma a não sofrem sequer uma censura da Casa a que pertencem.

            Por tudo quanto temos visto nas Casas Legislativas deste País, em todos os níveis, não há como deixar de reconhecê-las como faculdades, em que a disciplina improbidade é a mais concorrida. Só resiste às tentações aqueles que têm firmeza de caráter e a impõe, sob censura, aos demais pares. Não só passou da hora de encerrar matrículas; passou da hora de fechar essas faculdades.

O princípio da anterioridade eleitoral como garantia constitucional da igualdade de chances (Chancengleichheit).

Em sequência o relator analisa “o princípio da anterioridade eleitoral como garantia constitucional da igualdade de chances (Chancengleichheit)”.

            O empenho de que se valeu o ilustrado relator para fazer prevalecer seu ponto de vista foi admirável, em todos os sentidos. Sua repugnância pelo casuísmo louvável é tanta que para suplantá-lo adotou como meio de persuasão o condenável pernosticismo. Seu relato, em particular nesse tópico, parece ser dirigido ao jurisdicionado alemão (uma chuva de vocábulos no idioma), espanhol ou italiano; a qualquer outro que não o brasileiro. Faz citações a doutrinas e legislações estrangeiras que sustentam, com total procedência, a igualdade de chances na competição eleitoral, o que não difere de centenário entendimento da doutrina e legislação pátrias.

Mas a condenação que impomos a essa análise não é só em face da postura pedante adotada por seu autor. É também, e muito principalmente, pela torpeza que a envolve. Consubstancia-se em cenário que nada tem a ver com a situação submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, qual seja, a rejeição de registro de candidatura fundada em conduta  comprovada de improbidade administrativa, devidamente reconhecida pelo judiciário, que o analista desprezou por completo, adentrando em tema que não foi matéria da defesa elaborada pelos bem pagos causídicos patronos do preterido e sequer foi, por alguma circunstância, citado no decorrer das longas sessões de julgamento do RE 633.703, qual seja, a ofensa ao princípio da igualdades de oportunidades. Com isso, certamente, induziu a erro alguns de seus pares, aqueles que, porventura, não endossaram seu voto por subserviência, mas, sim, acreditando no acerto de suas maquinadas ponderações, sem se dar ao trabalho de investigar a procedência de seus fundamentos.

            Inicia sua análise comentando pensamento do jurista espanhol Oscar Sánchez Muñoz, exposto em sua tese de doutorado, por ele, relator, traduzido: “toda limitação legal ao direito de sufrágio passivo, isto é, qualquer restrição legal à elegibilidade do cidadão constitui uma limitação de igualdade de oportunidades na competição eleitoral”. E faz o endosso desse entendimento asseverando: “De fato, não há como conceber causa de inelegibilidade que não restrinja a liberdade de acesso aos cargos públicos, por parte dos candidatos, assim como a liberdade para escolher e apresentar candidaturas por parte dos partidos políticos”.

            É constrangedor dizer: uma tradução fraudulenta e uma interpretação flagrantemente desencaminhada para atender seu desejo. Eis o texto (ipsis litters) traduzido: “En principio, la igualdad de oportunidades entre los competidores electorales parece jugar siempre en contra de las limitaciones del derecho de sufragio pasivo. En este sentido, cualquier limitación del derecho a ser elegible, al significar una limitación potencial del acceso a la competición electoral, constituiría al mismo tiempo una limitación de la igualdad de oportunidades, y es cierto que no puede concebirse uma limitación mayor de la igualdad de oportunidades en la competición electoral que impedir el acceso a dicha competición de alguna de las alternativas políticas que lo pretenden.” (SÁNCHEZ MUÑOZ, Óscar. La igualdad de oportunidades en las competiciones electorales. electorales. Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales; 2007, p. 92).

            Mal sabemos lidar com nosso idioma, mas, não estando o espanhol tão distante do português – têm a mesma origem –, dentro de nossas limitações, traduzimos por inteiro o texto acima transcrito: Em princípio, a igualdade de oportunidades entre os competidores eleitorais parece ir sempre contra as limitações do direito de sufrágio passivo. E neste sentido, qualquer limitação do direito a ser elegível, pode significar uma limitação potencial do acesso à competição eleitoral, o que constituiria ao mesmo tempo uma limitação da igualdade de oportunidades, e é certo que não se pode conceber uma limitação maior da igualdade de oportunidades na competição eleitoral do que impedir o acesso a essa competição de alguma das alternativas políticas que a pretendem.

            Como vêm, grifamos as expressões “Em princípio” e “qualquer limitação” e o vocábulo “pode”. Assim procedemos porque, analisando-as, nestas palavras identificamos a fraude na tradução procedida pelo relator. O “Em princípio (En principio”) e o pode (“parece jugar siempre”) constantes do texto excluem a rigidez que o relator quis dar à expressão “qualquer limitação” (“cualquier limitación”). Propositalmente!, percebe-se, o mui digno relator traduziu na medida do que lhe era conveniente.

            A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece no parágrafo único do seu artigo 1º:

“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos

ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Não temos conhecimento de legislações, democráticas ou não, que não estabeleçam limitações ao direito de elegibilidade. A ausência de limites a esse direito numa democracia a descaracteriza. É uma porta aberta à anarquia; e não qualquer anarquia; “uma anarquia extremamente anárquica”; até então jamais vista. A nossa Constituição Federal, fruto de sentimentos democráticos, não poderia deixar de contemplá-las; e assim o fez. no § 4º do art. 14, que assim está redigido:

“São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos”.

 Esclarecemos que dentre os inalistáveis encontram-se os incompatibilizados e, com muito mais razão para inelegíveis serem considerados, os impedidos. E o art. 3º do Código Eleitoral brasileiro, atendendo ao comando do retro citado parágrafo único do art. 1º da Constituição consigna:

Qualquer cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo, respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e incompatibilidade”.

Não há como deixar de reconhecer o acerto do quanto proclamado nesse dispositivo. Ele franquia a pretensão à investidura em cargo eletivo a qualquer cidadão, mas não perde de vista o resguardo que reclama o mandato popular. No resguardo desse mandato se incluem a vedação à pretensão daqueles que, por alguma circunstância, podem enfrentar a competição eleitoral com vantagens sobre os outros – os incompatibilizados, e daqueles que carreguem consigo predicados que os fazem indignos de se fazerem representantes do povo – os impedidos.

Neste passo pedimos venia ao douto relator para fazer uso de sua conclusão, em sentido oposto, é claro: há como conceber causa de inelegibilidade que restrinja a liberdade de acesso aos cargos públicos, por parte dos candidatos, assim como a liberdade para escolher e apresentar candidaturas por parte dos partidos políticos”.

            O trecho por ele citado não foi pescado.  É o relator conhecedor da tese de doutorado de Oscar Sánchez Muñoz. Seríamos levianos se admitíssemos o contrário; é reconhecidamente um estudioso do Direito em todos os seus ramos, mui especialmente no constitucional. Sabe muito bem o direcionamento do magistério de Oscar Sánchez Muñoz.  Mas foi extremamente habilidoso, como se nota no relatório ora em comento, para aplicar seus conhecimentos da maneira que melhor lhe conviesse. Suas colocações parecem mágicas; nos menos atentos provocam efeitos hipnóticos, fazendo com que creiam em absurdo como se verdade fosse.

Nessa obra o autor espanhol focaliza o princípio da igualdade de oportunidades diante das mudanças sociais e debate sobre a utilização das novas tecnologias da informação e comunicação, dentre elas a internet, nas campanhas eleitorais, evidenciando a necessidade de adaptação do Direito Eleitoral a essa revolução, para que possa continuar a cumprir sua primordial função de legitimação do sistema democrático. Esse foco motivou a seguinte observação do relator-analista: “O princípio da Chancengleicheit parece ter encontrado sua formulação inicial na República de Weimar, com as obras de Herman Heller. Na concepção de Heller, “o Estado de Direito Democrático atual encontra seu fundamento, principalmente, na liberdade e igualdade da propaganda política, devendo assegurar-se a todas as agremiações e partidos igual possibilidade jurídica de lutar pela prevalência de suas ideias e interesses”” (grifo nosso).

Vê-se, pois, que o relator-analista tinha pleno domínio do assunto abordado pelo doutrinador espanhol. Com a desfocalização do tema, para os desinformados, deixou a entender que a Justiça Eleitoral brasileira, com a negação do registro do recorrente, cometeu um ato ilegal que feriu o princípio da igualdade de oportunidades; que, “pelo menos”, usurpou-lhe a chance de competir com os concorrentes com igualdade de chances; e, “pelo mais”, retirou-lhe o direito de participar da competição eleitoral.

Nesse mesmo tópico, prossegue o analista-relator enchendo a linguiça com menções a doutrinas e legislações que abordam o mesmo impertinente tema. Por isto, caros eventuais leitores, ficam vossas senhorias poupados do enchimento de saco, por nossa parte, com comentários a essa impertinência.

Mas não podemos nos furtar de ressaltar que a estratégia é a mesma: desencaminhamento das ideias. O insigne relator continuou silenciando quanto aos fatos concretos objeto da desigualdade de chances numa competição eleitoral abordados pela doutrina alienígena, e tampouco explicita as vedações legais referentes a esses fatos.   Constata-se, com facilidade, que, intencionalmente, desencaminha o magistério e legislação por ele citadas. Deixa transparecer que esses posicionamentos foram tomados em defesa de pessoas improbas; que a doutrina e a legislação estrangeiras se insurgem contra a preterição de pessoas que se locupletaram do erário. O desvirtuamento é óbvio. Os pensadores por ele mencionados eram aficionados pela democracia; seus ensinamentos não só inspiraram legislações democráticas no continente europeu; influenciaram, nesse sentido, as conquistas de outros povos. As aspirações democráticas por eles propugnadas no campo eleitoral vão de encontro ao quanto defendido pelo relator do RE interposto pelo doutor Leonídio. Enquanto eles propunham igualdade de chances num sufrágio passivo, o relator, na contramão,  propõe a desigualdade. Ele elegeu o princípio da anterioridade da lei eleitoral, consagrado no art. 16 da C.F., como cláusula pétrea e defendeu a tese de que o mandamento contido na “Lei da Ficha Limpa” atentava contra o direito fundamental do promíscuo cidadão-candidato de competir, em visível desleal vantagem com pessoas de condutas ilibadas, escrupulosas, que tinham como meio de convencimento dos eleitores tão-só suas propostas altruístas.

Caros leitores, permitam-nos a reprodução - preferimos repetição a pernosticismo: Mas existe uma grande diferença entre a teleologia da locução “igualdade de participação” apregoada pelo relator e a pretendida pela “Lei da Ficha Limpa”. Enquanto essa lei excluía da competição eleitoral – já em 2010, após sua edição - pessoas marcadas por condutas amorais, raposas velhas acostumadas a se locupletarem do erário, engenheiros de maquinações eleitorais que os levavam, a qualquer custo, à eleição ou reeleição, aquela se insurgiu contra o banimento desses desajustados sociais.

Se alguma coisa temos a elogiar quanto à conclusão a que chegou o relator na análise do “princípio da anterioridade eleitoral como garantia constitucional da igualdade de chances” é a fidelidade ao seu estilo. Não foge à regra do adotado na análise do “princípio da anterioridade eleitoral como garantia do devido processo legal”: o desvirtuamento das posições doutrinárias e das legislações a que faz menções.

Princípio da anterioridade eleitoral como garantia constitucional das minorias e o papel da Jurisdição Constitucional na democracia

Antes do fechamento das cortinas, ou melhor, do invólucro da linguiça, o multicitado  Juiz-Ministro relator observa “o princípio da anterioridade eleitoral como garantia constitucional das minorias e o papel da Jurisdição Constitucional na democracia”.

Se não se lembram, para que não se voltem ao início, repetiremos o que ressaltou o digno relator como preliminar do seu relato quanto ao RE 633.703: “que trata da inelegibilidade decorrente da condenação à suspensão dos direitos políticos em ação de improbidade administrativa”.

 Não, caros eventuais leitores, não me digam que esperavam outra coisa que não o completo enchimento da linguiça e um nó bem apertado no invólucro, assegurando assim que nada do seu conteúdo se perdesse. O estilo se mantém inconfundível. O magistério de Hans Kelsen é deturpado pelo estilista para tentar convencer a todos de que a lei nº 135/2010, em prejuízo da minoria, introduziu modificações na legislação eleitoral até então vigente; que essas alterações são perigosas; e, que é dever da Jurisdição Constitucional atuar na defesa ou proteção das minorias representativas.

A argumentação é incrível. Mas é verdade! Transcrevemos alguns “pedaços”.

“Se hoje admitirmos que a uma nova lei pode ser publicada dentro do prazo de um ano que antecede a eleição para aumentar os prazos de inelegibilidade e atingir candidaturas em curso, amanhã teremos que também admitir que essa mesma lei possa ser novamente alterada para modificar os mesmos prazos de inelegibilidade com efeitos retroativos. E assim a cada pleito eleitoral os requisitos de elegibilidade ficariam a mercê das vontades políticas majoritárias.

 Nesse caminho que pode seguir ao infinito, os direitos de participação política invariavelmente serão atingidos em seu núcleo essencial, que funciona como limite dos limites (Schranken-Schranken) aos direitos fundamentais.

E não se utilize o argumento de que a lei tem fundamentos éticos evidentes, porque amanhã essas bases morais poderão camuflar perigosos interesses políticos. A aplicação do princípio da anterioridade não depende de considerações sobre a moralidade da legislação. O art. 16 é uma barreira objetiva contra abusos e desvios da maioria, e dessa forma deve ser aplicada por esta Corte”.

“Essa colocação tem a virtude de ressaltar que a jurisdição constitucional não se mostra incompatível com um sistema democrático, que imponha limites aos ímpetos da maioria e discipline o exercício da vontade majoritária. Ao revés, esse órgão de controle cumpre uma função importante no sentido de reforçar as condições normativas da democracia.

A Jurisdição Constitucional cumpre a sua função quando aplica rigorosamente, sem subterfúgios calcados em considerações subjetivas de moralidade, o princípio da anterioridade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição, pois essa norma constitui uma garantia da minoria, portanto, uma barreira contra a atuação sempre ameaçadora da maioria.

 O argumento de que a lei é de iniciativa popular não tem aqui peso suficiente para minimizar ou restringir o papel contra-majoritário da Jurisdição Constitucional.

É compreensível a ação das várias associações e das várias organizações sociais tendo em vista a repercussão que esse tema tem na opinião pública. Sabemos que, para temas complexos em geral, há sempre uma solução simples e em geral errada. E para esse caso a população passa a acreditar que a solução para a improbidade administrativa, para as mazelas da vida política, é a Lei do Ficha Limpa. A partir daí há, na verdade, a tentativa de aprisionar, o que nos dificulta enormemente a missão nesta Corte, como em outros casos, porque acabamos tendo de nos pronunciar de forma contra-majoritária, claro, tendo em vista a opinião pública, segundo as pesquisas manifestadas de opinião. Mas esta é a missão desta Corte: aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária. Esse é o ethos de uma Corte Constitucional. É fundamental que tenhamos essa visão” (grifos nossos).

Cumpre-nos aqui ressaltar esses dois trechos:

“E não se utilize o argumento de que a lei tem fundamentos éticos evidentes, porque amanhã essas bases morais poderão camuflar perigosos interesses políticos”.

“A Jurisdição Constitucional cumpre a sua função quando aplica rigorosamente, sem subterfúgios calcados em considerações subjetivas de moralidade, ...”

Viu-se que essas profecias do insigne relator não foram confirmadas quando julgada a Lei Complementar 135/2010 na sua inteireza. O STF reconheceu que as bases morais e legais implementadas pela lei não “camuflavam” perigosos interesses políticos e tampouco eram embasados em considerações subjetivas de moralidade. Pelo contrário, reconheceram que seus fundamentos éticos tinham como escopo proteger os legítimos interesses políticos e, também, se embasaram em valores legais e morais que não se admite sejam desprezados em quaisquer circunstâncias.

 No compasso desse tópico se encontram até “pedaços” do momento da crucificação de Jesus Cristo. Não, não é brincadeira não. Vejam, ipsis litteris:

“Ao concluir essa reconstrução, queremos dizer que o amigo da democracia – da democracia crítica – é Jesus: aquele que, calado, convida, até o final, ao diálogo e à reflexão retrospectiva. Jesus que cala, esperando até o final, é um modelo. Lamentavelmente para nós, sem embargo, nós, diferentemente dele, não estamos tão seguros de ressuscitar ao terceiro dia, e não podemos nos permitir aguardar em silêncio até o final.

Por isso, a democracia da possibilidade e da busca, a democracia crítica, tem que se mobilizar contra quem rechaça o diálogo, nega a tolerância, busca somente o poder e crê ter sempre razão. A mansidão – como atitude do espírito aberto ao diálogo, que não aspira a vencer, senão a convencer, e está disposto a deixar-se convencer - é certamente a virtude capital da democracia crítica. Porém só o filho de Deus pôde ser manso como o cordeiro. A mansidão, na política, a fim de não se expor à irrisão, como imbecilidade, há de ser uma virtude recíproca. Se não é, em determinado momento, antes do final, haverá de romper o silêncio e deixar de aguentar.

Tenho a impressão de que este é um caso exemplar que nós temos de tensão entre jurisdição constitucional e democracia. Evidente que a expectativa dessa chamada opinião pública era no sentido de que nós nos pronunciássemos pela aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa, até que descobrissem que essa solução seria um atentado contra a própria democracia.

A Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) resultou de projeto de iniciativa popular, subscrito por mais de um milhão e seiscentos mil cidadãos brasileiros. O fato é apresentado pelos diversos meios de comunicação como representativo de uma pujante vontade popular de retirar do processo eleitoral cidadãos que tenham vida pregressa não condizente com a probidade e a moralidade necessárias para o exercício dos cargos políticos. Dessa forma, acabou-se construindo e estimulando um sentimento popular extremamente negativo em torno do julgamento da constitucionalidade dessa lei no Supremo Tribunal Federal. Toda a população passa a acreditar que se esta Corte, ao se aprofundar no exame da Lei da Ficha Limpa, decide pela não aplicação dessa lei às eleições de 2010 ou encontra em um ou outro dispositivo específico da lei problemas de constitucionalidade, é porque ela é a favor ou pelo menos compactua com a corrupção na política. O fato de a lei estar sob o crivo da Suprema Corte do Brasil é levado ao público em geral como uma ameaça à Lei da Ficha Limpa e à moralidade nas eleições.

É dever desta Corte esclarecer, por meio deste julgamento, o papel que cumpre na defesa da Constituição.

Por isso, acredito que nós estamos, hoje, cumprindo bem a missão, o ethos para o qual esta Corte se destina. O catálogo de direitos fundamentais não está à disposição; ao contrário, cabe a esta Corte fazer esse trabalho diuturno, exatamente porque ela não julga cada caso individualmente, mas, quando julga o caso, ela o faz nessa perspectiva de estar definindo temas. Cabe a esta Corte fazer, diuturnamente, essa pedagogia dos direitos fundamentais, contribuindo para um processo civilizatório elevado” (grifos nossos).

Não há como deixar de reconhecer a habilidade, aliada ao extremo esforço intelectual, do nobilíssimo relator na defesa de sua tese cristalinamente indefensável. Repetimos: nas considerações preliminares ele ressaltou que o apelo dizia respeito à alínea “l” do inciso I do art. 1º da Lei nº 64/1990, “que trata da inelegibilidade decorrente da condenação à suspensão dos direitos políticos em ação de improbidade administrativa”. Mas, como também se percebe nessa parte, fugiu do tema improbidade administrativa como o diabo foge da cruz.

Tece severas críticas às aspirações da “Lei da Ficha Limpa”. Vê-las como expressão de um falso moralismo, que “amanhã” poderão se revelar a serviço de perigosos interesses políticos. Entendeu que a expectativa da opinião pública em ver a aplicação imediata da lei provocou uma tensão entre a democracia e a Jurisdição Constitucional e que essa animosidade só perduraria até que a maioria se convencesse de que a decisão pela aplicação imediata da lei iria de encontro aos anseios democráticos. Chegou a deixar transparecer que a Jurisdição Constitucional deveria ser truculenta em defesa da “minoria” a que se refere – os improbos, e que, nesse mister, estaria obrigada a se impor perante considerações subjetivas de moralidade, mesmo que a decisão a ser proferida no feito submetido à apreciação do Judiciário contrariasse a opinião majoritária – os defensores da moralidade pública, os probos, que entende não ser legítima e “sempre ameaçadora”.

A “Lei da Ficha Limpa”, em especial as alterações procedidas no inciso I do art. 1º da Lei nº 64/1990, reclama comportamentos de conteúdo quando não legal, moral. São vindicações que nem num regime anárquico se admite a inobservância. Recrimina crimes e condutas amorais que nem o mais leigo do povo admite que estejam ao alcance de um servidor público, muito principalmente de um servidor a quem ele outorga um mandato para fazer sua voz na defesa de seus direitos e interesses na administração da Nação brasileira. Atire a primeira pedra aquele que admite ter de si subtraído furtivamente um bem, especialmente por abuso de confiança. O que faz o parlamentar quando comete ato de improbidade administrativa senão trair a confiança que em si foi depositada pelos eleitores?

No caso do Recurso Extraordinário nº 633.703, ora em apreço, se trata de crime de improbidade administrativa cometido por um parlamentar. Não existe crime de subtração patrimonial mais grave do que o decorrente de improbidade administrativa. O meliante comum quando furta ou rouba um do povo só contra essa vítima está cometendo a infração penal. Já o parlamentar quando subtrai do patrimônio público está furtando de um universo muito maior, da população, seja de um município, de uma unidade federativa ou do Estado brasileiro. Sua conduta cria óbice a que o Poder Público ponha à disposição do povo serviços básicos a que, por lei, está obrigado, tais como de saúde, segurança, educação, saneamento básico ...

A “Lei da Ficha Limpa” se insurgiu contra pessoas marcadas por condutas censuráveis que descredenciam para o exercício de mandatos eletivos os que delas estão contaminados. São comportamentos que até perante facções criminosas não são admitidos. Não temos qualquer dúvida de que ao servidor público, parlamentar ou não, que tenha praticado crime de improbidade administrativa seja negado o ingresso no PCC ou no CV para administrar sequer um dos seus menos rentáveis pontos de venda de drogas. Se admitido a ingressar no empreendimento criminoso será, com muita reserva, como simples “vapor”, “soldado”. Mas mais certeza temos que esse improbo, se admitido, não se comportará como se comportava na administração pública: o crime organizado não admite “desonestidade” dos que dele fazem parte, principalmente quando afete seus bens, especialmente suas finanças. A alegação de ter perdido uma arma da organização ou o dinheiro produto da venda do tóxico causa tamanha desconfiança na cúpula, que, normalmente, leva o responsável a ser executado sumariamente. Por que a sociedade brasileira deve, a contragosto, ter no seu quadro político, como seu representante, pessoas com predicados não aceitos por organizações criminosas? Por que a sociedade se disporia a nomear seus representantes pessoas predispostas a subtrair seu patrimônio?

Presunção de não culpabilidade

O próprio ilustrado relator reconhece que a “Lei da Ficha Limpa” “... resultou de projeto de iniciativa popular, subscrito por mais de um milhão e seiscentos mil cidadãos brasileiros”, visando não só impedir o ingresso, mas também retirar do quadro político nacional cidadãos cuja vida pregressa se apresentasse em desconformidade com os princípios constitucionais exigidos para o exercício das funções políticas. E é óbvio que esse povo não fez essa vindicação aleatoriamente. Voltamos a repetir: a letra de nossa Constituição está ao alcance de todos medianamente alfabetizados. Não bastasse isso, estavam envolvidos no movimento que elaborou o projeto pessoas de saber jurídico considerável. Mais de um milhão e seiscentos cidadãos brasileiros não é pouca coisa. Num país despolitizado e contando com um número exorbitante de analfabetos é bastante representativo da vontade popular. Com certeza, quem subscreveu o projeto de lei sabia o que estava pleiteando. E muitos que o mesmo desejavam não tiveram oportunidade de subscrevê-lo, por se encontrarem distantes do ponto de eclosão do projeto ou por desconhecê-lo. Essa, pois, foi a maioria, cujo pecado que a tornou desprezível, ameaçadora da democracia, foi pleitear a limpeza do quadro político nacional, pretendo que tão-só pessoas de conduta ilibada – atendendo, pois, à uma exigência constitucional para o exercício da nobre função pública inerente ao mandato parlamentar -  participassem do cenário político nacional, o que, segundo o ilustre relator provocou uma tensão entre a Jurisdição Constitucional e a Democracia.

É claro que a Suprema Corte nacional não poderia se furtar a oferecer a prestação jurisdicional que lhe compete. Deveria, pois, dar um desfecho à tensão denunciada, e para isso o relator se valeu do mencionado episódio bíblico. Mas no caso se deu de modo inverso àquela passagem do Novo Testamento. Pilatos não viu razão para executar Jesus (mas, no fundo, tinha suas razões para vê-lo executado, pois Jesus, por suas virtudes, era uma franca ameaça ao poder reinante) e por isso entregou sua sorte a uma maioria manipulada que vociferava por sua crucificação. Como se sabe, foi atendida a voz da maioria: a soltura do ladrão e criminoso Barrabás e a crucificação do Mestre. Mas aquela maioria, manipulada, não sabia o que fazia.  Tanto é que a todos - julgadores e executores – Jesus perdoou: “Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem”.

No RE 633.703, para oferecer a prestação jurisdicional, em detrimento da “perigosa maioria”, os probos, resolveu o nobre relator prestigiar a “desprotegida minoria”, os improbos.  Aquela “perigosa maioria”, tendo a Constituição em suas mãos, sabia o que fazia. Vindicava tão-só a observância de princípios por ela acolhidos; pretendia tão somente o saneamento do quadro político nacional. Mas como se viu, na dúvida por si conjecturada, o relator fez prevalecer o mal sobre o bem; preferiu o reconhecido improbo por duas instâncias judiciais colegiadas e preteriu a vontade popular.

À vista do quanto retro exposto, permissa vênia, entendemos que o nobre relator se prevaleceu de princípio do Direito Penal – in dubio pro reo, inaplicável ao Direito Eleitoral. A denegação de registro de candidatura por não preencher requisito constitucional exigido não é pena; é uma justa negativa a uma pretensão que se tornou inconcebível por vontade do próprio pretendente. O interesse público – o voto popular - reclama maior zelo, maior proteção, do que o interesse do improbo postulante ao mandato parlamentar. A outorga de mandato parlamentar não credencia o exercente a representar só a si, familiares e apaniguados, mas a uma grande fatia da sociedade. O eleitor não pode votar em dúvida sobre a idoneidade do candidato, que, no mínimo, espera ser idôneo quanto ele próprio, e por isso ao mesmo confere poderes para se fazer representar. O Direito Eleitoral, portanto, nesse particular, não comporta a presunção de não culpabilidade.

O fato que põe em cheque a candidatura de um pretendente ao exercício de mandato eletivo, mas que tem a si imputado o cometimento de improbidade administrativa, não é por “ouvi dizer”, “pela aparência”; não é aquela informação que deixa uma dona de casa “de orelhas em pé” quanto a contratar ou não uma empregada doméstica, por ter obtido de sua ex-empregadora notícia de ter suspeita de que a pretendente ao emprego subtraiu de seu lar uma joia, ao tempo em que sonega do relato o fato de ter um filho drogado e que não exerce atividade laboral. Não, o obstáculo que o candidato encontra diante de si e que o impede de efetivar seu registro é fruto de convencimento formado no seio da administração pública, através de criteriosa apuração, ou por via judicial, como foi o caso do ilustrado Dr. Leonídio Henrique Correa Bouças, cuja inidoneidade por improbidade administrativa foi, por provocação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, “sobejamente” reconhecida por dois (2) órgãos judiciais colegiados. Dizemos sobejamente porque não era necessário o duplo pronunciamento colegiado para havê-lo como inelegível. Bastaria o veredicto da instância de competência originária. É o que claramente diz o § 4 do art. 37 da Constituição: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, SEM PREJUÍZO DA AÇÃO PENAL CABÍVEL”.

É o que de ordinário ocorre com o “barnabé”. O servidor público sob suspeita de cometimento de ato caracterizador de improbidade administrativa, de início, é submetido a criterioso inquérito administrativo, no qual ao mesmo é assegurado direito de defesa em toda sua extensão. Concluído o inquérito,  convencendo-se a Administração Pública de que o ato a ele imputado caracterizou-se como ato de improbidade administrativa, não lhe resta outra alternativa senão declarar perdida a função pública que o mermo exercia. Isso, consequente e inevitavelmente, de acordo com o art. 15 da Constituição Federal, implica em, de pronto, perda do direito político passivo, ou seja, do direito de ser votado. Por esse mesmo dispositivo, pressentindo que a lesão ao erário corra o risco de não ser reparada, também está autorizada a Administração Pública, mesmo que ainda no curso do procedimento administrativo, a adotar as medidas judiciais cabíveis para tornar indisponíveis os bens do até então suspeito. Confirmada a suspeita, deverá a Administração Pública adotar as devidas providências para que ao crime reconhecido sejam cominadas as penas ao mesmo correspondente, o que, obviamente, fará com a propositura da competente ação penal cabível. Ao “barnabé” que se considere injustiçado com a decisão da Administração restará tão somente buscar remédio judicial para ver-se desonerado da responsabilidade a si imputada e, obtendo êxito em sua pretensão, também ver reparados todos os direitos que lhe foram retirados.

Houve época em que o político acusado de cometimento de ato caracterizador de improbidade administrativa, para se ver livre de uma eventual condenação, tinha como forte argumento inserido em sua defesa o fato de que, por não ser funcionário público e sim agente político, o crime de improbidade administrativa não poderia a si ser imputado. Essa aberração era serenamente acolhida pelo judiciário. Não é que, cinicamente, o doutor Leonídio Henrique Correa Bouças, em sua defesa, pretendeu ressuscitar esse famigerado entendimento, arguindo que a Lei nº 8.429/1992 (lei da improbidade) não era aplicável aos agentes políticos. Assim sendo, essa lei não poderia ao seu caso ser aplicada, já que ele na época dos fatos era Secretário Municipal de Uberlândia.

Que o político, por razões que a si dizem respeito, se considere “agente político” é problema único e exclusivo dele. Mas enquanto prestando serviços à Administração Pública, seja como Presidente da República, Senador, Deputado, “agente político”, ... ou barnabé, como servidor público deve ser havido e às regras da Administração Pública deve ser submetido.

Temos plena certeza de que o nobre relator não entregaria seu riquíssimo patrimônio aos cuidados de uma pessoa reconhecida improba nas que circunstâncias em que foi reconhecido o doutor Leonídio Henrique Correa Bouças. Vamos extrapolar: acreditamos que nem se ele fosse muito seu amigo, “unha e cutícula”, e “favores mil” lhe devesse.

Com a conclusão a que chegou, que poderia o insigne relator esperar do povo senão o entendimento de que a “Suprema Corte” é conivente com a improbidade, com a corrupção na política, e que, em razão de justificada recusa (alto risco de contaminação) da Associação Brasileira de Proteção aos Animais, a nossa “Suprema Corte de Justiça” está transformada  na sociedade brasileira de proteção aos felinos rejeitados pela nossa sociedade brasileira, quais sejam, os gatos das mãos peladas?

Cremos que deixamos claro, mas fazemos questão de enfatizar: com todo respeito e reconhecimento à habilidade e saber jurídico do ilustrado relator, rejeitamos, terminantemente, veementemente, a pedagogia, o magistério, dos direitos fundamentais que acredita ele ter ministrado no seu relato.

A DECISÃO

            Linguiça pronta, o relator a embala e a despacha para consumo da “minoria desprotegida”, não sem antes apor o rótulo na embalagem:

“Com essas considerações, conheço do recurso extraordinário para:

a) reconhecer a repercussão geral da questão constitucional atinente à aplicabilidade da LC 135/2010 às eleições de 2010, em face do princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição), de modo a permitir aos Tribunais e Turmas Recursais do país a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada.

b) dar provimento ao presente recurso, fixando a não aplicabilidade da Lei Complementar n° 135/2010 às eleições gerais de 2010”.

            Diante dessa beleza de decisão, vê-se que nada mais justo é bem - cada vez melhor, remunerar os ilustrados Ministros-Juízes do “Egrégio Supremo Tribunal Federal”.

          

Significado da decisão

Significado da conclusão? Uma contemplação à improbidade administrativa. Contemplação essa que é inimaginável estar inserida em ordenamento jurídico de qualquer nação deste planeta - ou de quaisquer outros que porventura possam existir no universo e que tenham sociedades organizadas -, adotem elas o regime ou sistema de governo que se possa imaginar. Um absurdo que se completa quando se busca amparo em invencionice. Em tempo algum nossas Constituições agasalharam o princípio da anterioridade da lei eleitoral para dar guarida à improbidade administrativa. Por que a vigente Constituição, elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988, sob a presidência do imaculado Dr. Ulysses Silveira Guimarães, iria destinar o princípio da anterioridade da lei eleitoral à proteção desse “câncer”?

Causa-nos admiração o silêncio da comunidade jurídica nacional e, especialmente, de muitos políticos que ainda ostentam mandatos parlamentares, que com ele subscreveram a Carta Constitucional vigente e que sabemos serem pessoas honestas. Assistem passivos ao vilipêndio dos princípios sacramentados no art. 37 da Constituição. Não, não pretendíamos nem pretendemos que tenham eles a firmeza de caráter e a integridade moral e cívica características do Doutor Ulysses. Mas esperávamos ouvir ao menos uma só voz sair em defesa daqueles princípios. A inação dos juristas é injustificável; a tolerância dos políticos só podemos admitir  por temor a represálias físicas, talvez até com a morte.

É por essas e outras que cada vez mais nos convencemos de que a morte do Doutor Ulysses Silveira Guimarães foi providencial; não uma providência divina; mas uma providência arquitetada por muitos que estavam ao seu redor. Acreditamos até que ele não estava naquela aeronave. Por que só o seu corpo não foi encontrado? Ele, certamente, não permitiria essa avacalhação com os princípios consagrados no art. 37 da Constituição Federal, quais sejam, a   moralidade, a legalidade, a impessoalidade e a publicidade, que têm por fim tornar a administração pública imune à improbidade.

Mais um significado? Uma humilhação para os juízos que, acertadamente, reconheceram inelegíveis os pretendentes cujas vidas pregressas contrariavam os princípios constitucionais para se fazerem representantes do povo e se viram na obrigação de exercerem o juízo de retratação e, também, para aqueles que estavam com processos similares sob análise e com juízos de convencimento já formado, mas que tiveram de reformá-los diante do quanto lhes impôs a decisão proferida no RE 633.703.

UMA DECISÃO IRRESPONSÁVEL

            No início destes comentários, alertados que fomos pelo sábio relator nas suas considerações preliminares exaradas no RE 633.703, denunciamos a indiligência em que incorreu o STF quando dos julgamentos dos “notáveis” políticos Joaquim Roriz e Jáder Barbalho. Mas essa irresponsabilidade não nasceu naquelas ocasiões. Nasceu juntamente com a sanção da Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010. Desde o início da mobilização popular para a elaboração do projeto de “Lei da Ficha Limpa” foram registradas controvérsias sobre a constitucionalidade dos anseios nele contidos. Como antes dito, transformado o projeto em lei, o que muitos não acreditavam, começou a chover ações judiciais de políticos improbos buscando prestação jurisdicional no sentido de assegurar-lhes o direito de competir no pleito de 2010.

Um Poder sem noção do seu poder

            Aqui pedimos permissão ao saudoso fanfarrão ex-presidente da República Federativa do Brasil - a quem devotamos “especial admiração” e em quem votamos no seu primeiro mandato, e que, decorridos dois (2) dias da posse, fez nossa consciência desdenhar da opção que fizéramos naquela ocasião: “se arrependimento matasse ...” - para fazer nosso um dos seus muitos bordões. “Nunca antes na história desde País” se viu um Supremo Tribunal Federal com o poder que lhe foi outorgado pela Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988. Estabelece o art. 102 da nossa Magna Carta:

“Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, ...” (grifos nossos).   

Pois é, em nenhum momento de nossa história o Poder Constituinte brasileiro delegou ao Supremo Tribunal Federal a nobre atribuição de velar, de salvaguardar, nossa Lei Maior. Facultou-lhe para tal fim, se necessário, o emprego das Forças Armadas nacionais (Marinha, Exército e Aeronáutica) – art. 142.

E não lhe delegou só a guarda; determinou-lhe como função precípua essa guarda. Isso nada mais nada menos significa do que atribuir-lhe a primazia para o controle de constitucionalidade de nossas leis. Tem, pois, o Supremo Tribunal Federal como função primeira reconhecer a constitucionalidade ou não de nossos diplomas legais. Dir-se-á: mas como pode o STF fazer esse controle num país de dimensão continental? Não passou despercebido pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988 esse detalhe. Assim é que no art. 103 estabeleceu:

 “Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional” (grifo nosso).

            São, pois, esses entes auxiliares de controle de constitucionalidade de nossas leis. Eles “podem” - não devem - propor ações. O Supremo Tribunal Federal recebeu a incumbência de, de ofício, reconhecer a constitucionalidade ou não de determinada legislação. Mas é o que não se vê desde que esse múnus lhe foi outorgado. Só se manifesta se provocado. Perguntamos: no silêncio dos prejudicados por uma lei inconstitucional e não usando os entes alinhados no art. 103 da C.F do quanto lhes é facultado, teríamos que conviver com uma lei inconstitucional?

            Não é por estabelecer a Constituição que a segurança pública é dever do Estado que, estando nosso lar na iminência de ser assaltado, cruzaremos os braços e ficaremos no aguardo da prestimosa e eficaz segurança que o Estado nos proporciona. A lei nos autoriza a patrocinar nossa própria defesa.

A mobilização para a elaboração do projeto de “Lei da Ficha”, os reclamos dos improbos inconformados com o movimento, a conversão do projeto em lei, a chuva de ações pedindo o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, a proximidade das eleições e as previsíveis consequências da demora na apreciação da lei reclamavam uma especial atenção, uma intervenção mesmo!; não uma avocação do S.T.F., pois diante de uma controvérsia de tamanha importância e urgência, e com reflexos significativos na sociedade brasileira, a  atribuição para sobre ela se manifestar, em primeiro lugar, era dele, Supremo. Não há por que se cogitar da competência concorrente facultativa estabelecida no retro transcrito art. 103. Mas ele assim não procedeu. Só se pronunciou quando instado a tanto e de forma displicente, com uma falta de cuidado não admitida a um órgão que tem a seu encargo a guarda da Constituição Federal.

Mas essa inconsciência do múnus que sobre seus ombros recai e do poder que ostenta sem dele saber fazer o devido uso não é novidade alguma. Daremos só dois exemplos recentes onde mais explícito e gravemente isso o STF demonstrou. Não, perdoem-nos, foi pior, uma vez que não só essa inconsciência demonstrou; mostrou-se o Supremo Tribunal Federal covarde, submisso aos dois outros Poderes.

 Primeiro foi o processo extradicional do criminoso italiano Cesare Battisti, que após por si processado e julgado, competência exclusiva a si atribuída pela Constituição, tendo decido pela extradição do reclamado, delegou – indevidamente, pois não está autorizado a tanto pela Constituição - ao Presidente da República a faculdade de entregá-lo ou não ao estado requerente, a República Italiana, com quem o Brasil mantém Tratado de Extradição. Um precedente altamente perigoso, que não só evidenciou a subserviência do STF ao Executivo, mas, e principalmente, porque desacreditou o Brasil perante a comunidade internacional.

O segundo caso foi a condenação do deputado federal Natan Donadon, a quem ele próprio, STF, impôs o cumprimento de pena privativa de liberdade por treze (13) anos, quatro    (4) meses e dez (10) dias em regime fechado, concomitantemente, de acordo com o art. 15 da Constituição, com a cassação de seu mandato. Pois bem, condenado o parlamentar por sentença transitada em julgado, o presidente da Câmara, com o endosso de seus asseclas, entendeu que o STF também deveria ser submisso ao Legislativo e por isso a cassação do mandato do deputado só poderia advir por decisão do colegiado da Casa. Sem razão? Não! Achou-se o Legislativo com o mesmo direito do Executivo, qual seja, o de submeter o STF aos seus caprichos.

Nos dois casos não usou o Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil o poder coercitivo do qual poderia se valer para fazer cumprir as decisões por si prolatadas.

“Pra não dizerem que não falamos de flores”, a título ilustrativo (para encher linguiça), demonstrando a injustificável impotência da nossa “Máxima Corte” até para cuidar de sua própria estrutura, como Casa que abriga, supõe-se, a “elite da cultura jurídica nacional”, citamos a graciosa nomeação do hoje Juiz-Ministro Dias Toffoli. É pública e notoriamente pessoa de parco saber jurídico – o que contraria exigência da Constituição para exercer tal encargo (art. 101) -, mas que o ex-presidente da República, empurrou goela abaixo do STF, o que fez, é óbvio, só para fazer lastro político na Corte, sem que nenhum de seus membros “regurgitasse”, numa demonstração de subserviência ao Executivo, ou melhor, ao ex-presidente e seu partido político – a banda podre do PT. Dir-se-á: mas o Congresso aprovou. E daí? O guardião da Constituição é o Supremo Tribunal Federal. “Enguiar”, vomitar, a ofensa, cabia, precipuamente, a ele, STF. Como já ressaltamos, esse senhor Juiz-Ministro, ex-advogado do PT, participou do Julgamento dos mensaleiros. Agora, mais uma vez, dá prova que, “no mínimo”, falta-lhe sensatez. Hoje, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral não declinou da competência e comandou o pleito deste ano (2014). Toda razão assistirá ao candidato derrotado se vier a pedir uma auditoria para verificação na lisura da apuração dos votos. Antecipamo-nos: de pronto ele, Presidente de TSE, rejeitará, o pleito.

O mesmo podemos dizer da nomeação do também hoje Juiz-Ministro Roberto Barroso – não com relação à falta de saber jurídico. Mas a sua nomeação, preterindo juristas de mais elevado saber jurídico, só se justifica por reconhecimento aos seus serviços prestados no processo extradicional do criminoso italiano Cesare Battisti, cuja defesa foi patrocinada pela mesma banda podre do poder dominante. A cada dia, ou melhor, a cada nomeação de ministro do STF, mais razão temos para que deixemos de conceber que ali residem pessoas de elevado saber jurídico. Evidencia-se, hoje, um tribunal senão político, marcantemente a serviço da política.

“Pelo andar da carruagem”, doravante a composição do Supremo Tribunal Federal sairá sempre “ao gosto do freguês”, ao gosto do poder dominante, o Partido dos Trabalhadores. Não se desvinculado a presidenta eleita da banda podre desse poder paralelo, vislumbra-se uma inevitável mudança de cor das togas dos Juízes-Ministros da Corte Máxima de Justiça do País de preta para vermelha. Sinalize-se que o art. 101 da Constituição Federal não exige que o concorrente ao assento tenha formação jurídica acadêmica, mas tão somente “notável saber jurídico” e reputação ilibada. Como visto no caso do Juiz-Ministro Dias Toffoli, o poder dominante convencer o Senado Federal de que seu indicado tem notável saber jurídico não é nenhum “bicho de sete cabeças”; e, o Senado se insurgir contra a reputação desse alguém é inimaginável.

Se a Presidenta Dilma Rousseff não se desvencilhar do “encosto” da banda podre do PT – este é o momento, ela não poderá ser reeleita, não tem, pois, nada a temer e não é petista; está PT. Ela é originalmente PDT, e, pois, da linhagem de Olívio Dutra e Leonel Brizola, homens de orientações políticas nada condizentes com as postas em prática pelo fantoche ex-presidente Lula, a mando da banda podre do PT. Preparemo-nos para ver ter assento no STF Vicentinho, João Paulo Cunha, Delúbio Soares e companhia; até o Zé Dirceu – por pouco tempo, pois ele quer mesmo é ser Presidente da República. Como isso pode acontecer? Só o diabo sabe! Eles têm conseguido tudo que querem. Duvidam que consigam uma anistia para os mensaleiros? Nós não!

Queremos salientar que a preocupação acima exposta não tem qualquer conotação política. Se a fizemos foi pelo fato de sermos operadores do Direito e não nos contentarmos com uma eventual esculhambação da nossa Magna Corte de Justiça, a quem a Constituição confiou sua guarda e, por consequência, o destino de nossa Nação.

UMA DECISÃO INCONSEQUENTE

            Acreditamos que nem mesmo aqueles que pretendiam ver a Lei Complementar nº 135/2010 aplicada já nas eleições de 2010 ficaram tão decepcionados com a decisão do S.T.F. como ficaram os políticos improbos que desistiram de suas candidaturas. Eles tinham plena certeza de que o Supremo Tribunal Federal, finalmente, iria observar os preceitos constitucionais com mais afinco e, certamente, determinar a aplicação de seus princípios já naquela competição. Foi, justamente, essa convicção que os levou a desistirem de suas candidaturas. Devem ter dito: “Ah se nós soubéssemos ...”.

            A indiligência do S.T.F. causou prejuízo aos cofres públicos. Com sua inércia não puderam assumir os mandatos os parlamentares que se registraram sob a proteção de medida judicial e que tiveram votos suficientes para se elegerem, mas tiveram que ficar no aguardo do pronunciamento do “Supremo”. Reconhecida a não aplicabilidade da “Lei da Ficha Limpa” às eleições de 2010 os parlamentares improbos foram diplomados e desalojaram aqueles que tomaram seus lugares enquanto impossibilitados. Aí foram reformas de gabinetes e tudo mais. Foi um prejuízo nacionalizado, pois nessa mesma espera ficaram os deputados estaduais que concorreram sob proteção de medida judicial. E poderia ainda ser maior, pois muitos cogitaram receber os vencimentos correspondentes ao período em que ficaram impedidos de assumir os mandatos. “Caras pétreas” ou não?

O RE 633.703 merecia uma maior reflexão. O argumento de que a lei só deveria ser observada depois de decorrido um ano de sua publicação, ou seja, a partir das eleições de 2012, fez cair por terra a máxima de que “quem pode o mais pode o menos”. Senão vejamos. Imaginemos, por absurda hipótese, que a Presidenta Dilma Rousseff tivesse ficha suja e se valido do mesmo expediente do recorrente Leonídio para competir no pleito de 2010. Sabemos, foi eleita. Também no campo do absurdo, conjecturemos que, por não se compatibilizar com o poder inerente ao cargo, após cumprido um ano de mandato, resolvesse ela renunciar, pois pretendia coisa mais condizente com sua simplicidade, como ser vereadora de Porto Alegre – onde tem domicílio eleitoral -, o que pretendia realizar nas eleições de 2012. Pois é, a pessoa que ostentou a faixa de Presidenta da República Federativa do Brasil e que poderia ostentá-la até 2014, por ter ficha suja, estaria impossibilitada de obter registro para concorrer a uma vaga de vereadora, pois a lei já se encontrava em vigor. Seria ou não uma inconcebível incoerência?

Outra inconsequência que se atribui à decisão proferida no RE 633.703 é o fato de, após aberta a portinhola do gatil, já em julho de 2012 quase duzentos (200), um recorde, deputados e senadores se encontrarem respondendo a inquéritos e ações penais no STF predominando crimes eleitorais e contra a administração pública – nesses, é claro, incluído o doutor Leonídio Henrique Correa Bouças -, mas também presentes significativamente homicídios, sequestros e tráfico de drogas, foi o que noticiou àquela época o periódico Revista Congresso em Foco. Em maio do corrente ano a Procuradoria Geral da República revelara ao site Congresso em foco que em setembro de 2013 esse recorde fora batido: mais da metade dos congressistas tinham contas a acertar com o STF. Ressalve-se que muitos deles não estão só legislando com abrangência limitada às municipalidades ou às suas respectivas unidades federativas, mas legislando em nome do povo brasileiro, já que investidos em mandatos de Deputados Federais e Senadores.

A irresponsabilidade do “Supremo Tribunal Federal” deu margem a uma gama de afrontosas “cretinices”. Elegemos como a mais escandalosa a ADIn proposta pela Confederação Nacional dos Profissionais Liberais. Com essa ação a entidade teve a ousadia de pretender ver declarada ilegal a inelegibilidade por perda de registro profissional. Ora, se o sujeito tem seu registro cassado por não se adequar às normas de conduta ética de uma categoria profissional, que para o exercício da profissão foi devidamente qualificado e cientificado das responsabilidades a ela inerentes, por que admiti-lo a pretender ser representante do povo, um universo muito maior do que o abrangido por uma categoria profissional? Foi uma imensurável falta de vergonha!

Foi cretinice por esse Brasil afora pra ninguém botar defeito. Viu-se uma avalanche de demagógicos projetos de lei propondo a aplicação da “Lei da Ficha Limpa” a tais e quais servidores públicos, como se algum pudesse ficar fora do alcance da lei.

Depuração do quadro político nacional

Em 2010 as alterações procedidas pela “Lei da Ficha Limpa” não poderiam ser aplicadas ao pleito daquele ano e, por isso, indevidamente, foi permitido o ingresso de mais pessoas inidôneas para compor o quadro político nacional. Irremediável essa promiscuidade? Não! Veementemente, entendemos que não. Sabe-se, a mácula de que padece o quadro politico nacional não é recente; é centenária. Mas nunca foi indelével; assim a viam por pura conveniência. Esse quadro sempre foi passível de polimento. A mais clara possibilidade de vê-lo polido e para, enfim, dessa sujeira nos livrarmos foi concedida com a edição da Carta Constitucional de 1988 - precisamente o art. 37 e seu § 4º -, mas que desde sua promulgação vem sendo vilipendiada; ressalve-se, não só nesse particular. Para tal fim, alie-se a esses dispositivos a nobre função outorgada ao Supremo Tribunal Federal de guardião da Carta Magna.  Esses dispositivos autorizam essa higienização nos seguintes termos:

Art. 37 - “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ...”

§ 4º - “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Do quanto se pode extrair dos dispositivos supra transcritos, vê-se que para alijar do cenário político nacional os improbos desnecessário era a edição de uma lei complementar. Neles claramente se denota que na Administração Pública não há espaço para agasalhar a improbidade. Portanto, bastaria que o Supremo Tribunal Federal se conscientizasse do poder que ostenta e promovesse a limpeza por que as pessoas honestas tanto clamam. A invocação dos princípios da legalidade e da moralidade seria suficiente o bastante para essa depuração. Esses princípios são óbices ao ingresso e permanência de pessoas improbas na administração pública.

O Supremo Tribunal Federal, é óbvio, não é onipresente. Num País de dimensões continentais não era e não é de se esperar que ele sozinho de desincumba da tarefa de fazer a assepsia da podridão instalada nos mais diversos cenários da política nacional. Portanto, imprescindível é que o Ministério Público assuma, como auxiliar do STF, o encargo a si atribuído pelo art. 127 da Constituição Federal: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Portanto, nada impede que, a qualquer tempo, o denegrido quadro político brasileiro seja polido. Pode-se até invocar a Lei Complementar nº 64/1990, já que as alterações nela procedidas pela Lei Complementar nº 135/2010, estão em vigor desde 04 de junho de 2011. Não é o fato de as alterações procedidas na Lei nº 64/1990 não terem sido aplicadas às eleições de 2010 que impede que os improbos sejam retirados do cenário político nacional. A mancha impregnada no autor de ato de improbidade é inapagável. Ele está no quadro político nacional carregando esse asqueroso sinal. Não é o seu indevido ingresso na Administração Legislativa Pública impediente para que a aquarela politica brasileira seja restaurada.

O Supremo Tribunal Federal, com sua nesfasta decisão no RE 633.703, permitiu que pessoas inidôneas se fizessem representantes do povo. Soubessem os eleitores dos decepcionantes predicados das pessoas que foram guindadas às funções de parlamentares, certamente, nelas não votariam. Amealhou, pois, para si o STF a total responsabilidade de retirar do cenário político nacional os políticos improbos que hoje têm assento nos parlamentos brasileiros – estaduais e federal.

Sabemos que é “malhar em ferro frio”; seria muita pretensão nossa imaginar que o “Supremo Tribunal Federal”, à vista dos modestos argumentos aqui expendidos viesse a extirpar do quadro político nacional, da administração legislativa pública, as pessoas sem qualificação para exercer função parlamentar. Poder para tanto já deixamos claro que possui: tem como competência precípua a guarda da Constituição e de todo o empenho deve se valer para manter incólumes os princípios nela consagrados. Meios para exercer essa competência, com a autoridade a si deferida pela Constituição Federal, os tem. Retificamos aqui o que atrás dissemos: sabe, sim, usar esse poder. Não usa por motivos que não a ignorância de tê-lo e saber usá-lo.

O povo está cansado de saber que no Congresso Nacional impera a “ficha suja”. Disso decorreu a elaboração do projeto de “Lei da Ficha Limpa”. Constrangidos - pois, queiramos ou não, fazemos parte da administração da justiça do País – dizemos que não concebemos o “Supremo Tribunal Federal” plenamente “ficha limpa”. Talvez seja essa a razão que o impede de exercer o múnus a si conferido pela nossa Constituição na sua plenitude. Essa concepção não é de nossa exclusividade. Compartilha dela hoje grande parte da população. Relembremos aqui o episódio ocorrido entre o Ministro Gilmar Mendes e o, hoje, ex-Ministro Joaquim Barbosa por ocasião da apreciação da constitucionalidade da lei que beneficiava servidores com cargo de confiança em Minas Gerais.

"Ministro Gilmar, me perdoe a palavra, mas isso é jeitinho. Nós temos que acabar com isso", criticou. Em resposta ao ministro, Mendes disse que Barbosa não poderia "dar lição de moral" no plenário da Casa. O relator da matéria disse que não queria dar “lição de moral” ao plenário, mas Mendes retrucou o colega. “Vossa Excelência não tem condições", disse Mendes. "E Vossa Excelência tem?", questionou Barbosa. (Gabriela Guerreiro, da “Folha Online”, em Brasília – 27-09-2007 – 20h02).

Podemos de sã consciência admitir que seja o Supremo Tribunal Federal “ficha limpa”? Nem nós e nem grande parte da população brasileira. Esse bate-boca não foi assistido só por quem estava presente no plenário do STF. Ele foi transmitido ao vivo pela TV Justiça – canal administrado pelo STF –, reproduzido pelos demais canais de TV e emissoras de rádio do País e, pior, caiu nas redes sociais da internet.

Queremos aqui registrar que não temos nada contra o doutor Leonídio Henrique Correa Bouças. Não o conhecemos; jamais o vimos. E isto dizemos para que não se entenda como revanchismo as referências que ao mesmo fazemos. Mas o que acontece com esse senhor é de despertar não só curiosidade; causa-nos perplexidade. Embora condenado por improbidade administrativa por dois (2) órgãos colegiados, sob proteção de medida judicial, concorreu ao pleito de 2010, obtendo votação que lhe garantia a suplência do mandato. Tendo o STF reconhecido que a Lei Complementar nº 135/2010 não seria admitida a ter vigência para aquele pleito, mas, sim, após decorrido um (1) ano de sua publicação, ou seja, a partir de 04 de junho de 2011, seus votos foram considerados válidos e a suplência foi efetivamente garantida. Em 01/02/2013, com a “Lei da Ficha Limpa” já em plena vigência, ele, na contramão do quanto prescrevem os arts. 15, 37 e seu § 4º  da Constituição Federal, foi efetivado  deputado estadual na Assembleia Legislativa de Minas Gerais em substituição ao titular ocupante do assento. E continua no exercício do mandato. É pouco? Então vai mais: está ele às vésperas de  exercer o mandato por mais uma legislatura, já que foi eleito -  por média mas foi -  nas eleições deste ano (2014), às quais concorreu, mais uma vez, sob proteção de medida judicial. É de causar perplexidade ou não? E, ressalve-se, o caso do doutor Leonídio não é singular.

UMA DECISÃO INCONSTITUCIONAL

            A Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, é, acima de tudo, INCONSTITUCIONAL e a decisão do Supremo Tribunal Federal que a reconheceu constitucional segue a mesma sorte: uma decisão INCONSTITUCIONAL.

            Caros eventuais leitores, lembram que, quando falamos do RE 129.392 (único julgado mencionado pelo douto relator do recurso extraordinário ora comentado que tratou da inelegibilidade por improbidade administrativa), dissemos que tentaríamos reforçar a consistência do voto (vencedor) do ex-Juiz-Ministro Paulo Brossard? Chegou a hora.

            Asseveramos naquela oportunidade que a fundamentação do voto do ex-Juiz-Ministro Paulo Brossard foi de precisão “quase” cirúrgica. O “quase" deve-se ao fato de o prolator do invejável voto ter no mesmo consignado que “A Constituição cuidou da espécie para dizer que esse era caso de inelegibilidade, gerador até da perda de direitos políticos, independente da lei complementar”.

Na oportunidade também ressaltamos que os ex-Magistrados-Ministros Otávio Gallotti e Sidney Sanches, embora tenham acompanhado o voto que até hoje estamos a aplaudir, fizeram constar de seus votos errôneas observações, mas que não influíram na essência de seus convencimentos. Ambos acrescentaram que a LC 64/1990 emergiu para cumprir um mandamento da Constituição, sem o que permaneceria lacunosa. Continuamos endossando o quase irreparável voto do ex-Juiz-Ministro Paulo Brossard. O Constituinte de 1988 não deixou lacuna na Carta Magna no que diz respeito à inelegibilidade por improbidade administrativa pública.

Os princípios constitucionais que regem a administração pública - art. 37: “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: ...” (grifos  nossos) - não necessitam de leis complementares para se fazerem impor; são imperativos. Esses princípios basilares se prestam a obstar o ingresso na administração pública de pessoas possuidoras de predicados contrários aos mesmos. Já o § 4º desse dispositivo visa excluir pessoas que embora possuidoras de qualidades desabonadoras, de um modo ou de outro, conseguiram ser investidas em funções públicas e daquelas que, embora sendo idôneas quando da admissão no serviço público, no exercício da função vierem a cometer atos de improbidade administrativa. Eis o que diz ele: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (grifo nosso).

Reza o art. 15 da Constituição Federal:

“É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

            I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

            II – incapacidade civil absoluta;

            III – condenação criminal transitada em julgado; enquanto durarem seus efeitos;

            IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º (grifos nossos).

Por isso, aqui e humildemente, pedimos permissão ao ilustre prolator do admirável voto para dizer que a improbidade administrativa não é um caso que até pode gerar perda de direitos políticos. Gera sempre perda de direito político, tanto ativo - se o ato caracterizar crime -, que só se concebe ser temporário e que se define como suspensão do direito político de votar e que perdura pelo tempo em que o transgressor estiver cumprindo a pena a si imposta em face de condenação criminal (art. 15, nº III), quanto passivo, o que definimos como impedimento para o exercício do direito político de ser votado; perda essa que, a nosso ver, só se admite definitiva; um direito irrecuperável (art. 37 da C.F.), que, ressalve-se, assim se torna por livre escolha do servidor público..

Entendemos, pois, que não há como se admitir o comprovado cometimento de improbidade administrativa sem que importe em imediata perda de função pública, o que, por sua vez, inevitavelmente, acarreta a suspensão do direito político ativo por tempo limitado e a perda definitiva do direito político passivo, ou seja, o impedimento vitalício para ser votado. É conclusão lógica; conclusão outra é simplesmente indecente conveniência.

Dir-se-á: mas esse cerceio ao direito de ser votado pelo resto da vida não vai de encontro aos princípios democráticos? Respondemos: não! À primeira vista pode até deixar transparecer que sim, mas a imparcial análise dessa consequência redunda em se concluir que a sua não aplicação é que vai de encontro aos princípios democráticos. Equivale a afrontar o princípio de que todos são iguais perante a lei. Aos iguais a lei deve dispensar o mesmo tratamento. Não é de se admitir que ao desigual, ao improbo, a lei dê o mesmo tratamento dispensado aos que primam por ter uma vida pautada pela honestidade. Probidade é o mínimo que o povo espera do seu servidor.  Não é qualidade excepcional do homem; pelo contrário, é o que de ordinário se espera do homem. A improbidade, sim, é a excepcionalidade; é a anomalia que a Administração Pública, com justa razão, não tolera. Se o servidor optou por ser desonesto que assuma as consequências decorrentes dessa opção, o que, certamente, era do seu conhecimento.

A improbidade tratada no RE 633.703, motivadora destes comentários, é a cometida pelo servidor público parlamentar, que, atendendo ao quanto disposto no art. 5º da Constituição Federal, deve receber o mesmo tratamento dispensado à cometida por qualquer outro servidor público - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...”. Pois a ele - parlamentar improbo -, especificamente, nos reportaremos. Primeiro, para demonstrar a inconstitucionalidade da Lei nº 135/2010 e, segundo, para justificar as justas consequências acarretadas pelo reconhecimento do cometimento de improbidade administrativa pelo servidor público parlamentar.

Inconstitucionalidade da Lei nº 135/2010 – O imbróglio

Não nos cansa fazer elogios ao voto proferido pelo ex-Juiz-Ministro Paulo Brossard no RE 129.392. Uma perfeição por completo não fosse o ousado e pequeno reparo que atrás consignamos. Quanto às críticas que fizemos às observações dos também ilustres ex-Juízes-Ministros Otávio Gallotti e Sidney Saches esperamos que neste passo as justifiquemos de forma convincente.

De início, entendemos que necessário se faz demonstrar que não há qualquer vinculação entre o que proclama o art. 37 com o que estabelece o § 9º do art. 14 da Constituição Federal. No art. 37 estão contemplados “petreamente” os princípios que regem a administração pública. Não reclama qualquer regulamentação para se ver observado. Os princípios nele consagrados são cristalinos e de observância imperativa. A desconformidade de conduta com os mesmos - legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade - implica em improbidade administrativa. Para o ingresso na Administração Pública a Constituição exige que o indivíduo tenha pautado sua vida pela obediência aos ditâmes legais e pela observância as normas de conduta moral. Investido na função pública, passará a dever, também, obediência,  aos princípios da impessoalidade e da publicidade.

As leis que regem a navegação marítima, o tráfego aéreo ou o trânsito terrestre não necessitam de lei complementar para deixar claro que o deficiente visual não pode conduzir navios, aeronaves e automóveis. A condução desses meios de transporte por pessoas que não gozam do sentido da visão é certamente temerária.  Da admissão na administração pública de pessoas desprovidas dos predicados exigidos pelo art. 37 se pode inferir a mesma temeridade. O legislador constituinte com relação ao mesmo não deixou lacuna, vazio, a ser suprido por legislação complementar. Esse dispositivo é cristalinamente lógico. Estabelece que na administração pública não se admite contrariedade aos princípios nele contidos. O legislador constituinte foi bastante prudente ao estabelecer a obediência a esses princípios como modo de proteção à Administração Pública. Afasta dela pessoas que não se adequam às determinações legais; que não observam nossos valores morais; que se prestam a utilizar a administração pública em benefício próprio;  e,  que sonegam ardilosamente do seu patrão, o povo, atos dos quais deveria ele ter conhecimento. Em suma, estabelece da forma mais clara possível, como de forma geral é o texto constitucional - voltamos a enfatizar, escrito em um português acessível aos seus destinatários -, os motivos impedientes para o exercício de função pública.

Por mais esforço que façamos, não conseguimos vislumbrar autorização para edição de lei complementar que contemple a improbidade administrativa como causa de inelegibilidade temporária. Em nenhum dispositivo constitucional se ventila essa consequência.  

Com relação ao § 9º do art. 14, que, repetimos, ligação alguma tem com o quanto estabelecido no art. 37, se pode dizer o mesmo: o legislador constituinte não deixou lacunas a serem supridas por legislação complementar. Como já salientamos, a vida social é dinâmica e, em vista disso, o legislador deixou, no § 9º do art. 14, margem para que sejam acrescidos, através de lei complementar, outros fatores que venham a se mostrar influentes no equilíbrio que deve prevalecer nas competições eleitorais. Nada tem a ver com inelegibilidade por improbidade administrativa, com a agressão aos princípios erigidos pelo art. 37 da C.F.

Não sabemos por que “cargas d’água” a improbidade administrativa, ou a ocorrente fora da Administração Pública, vem sendo vista como tão-só à subtração de um bem material, especialmente, pecuniário. Não, não é só esse o motivo pelo que improbidade significa falta de probidade. Caracteriza-se a improbidade pela ocorrência de variados fatores: falta de honestidade, de honradez, de integridade, de lisura, de  comprometimento com valores legais e morais.

Acreditamos que já deixamos bastante claro, mas vale a pena ser repetitivo: o art. 37 da Constituição Federal deixa evidente que as condutas que contrariem os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da publicidade devem ser havidas como improbas. Mas houve por bem o legislador ordinário esmiuçar o conceito de improbidade administrativa, o que o fez com a edição da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Nesse diploma encontram-se pormenorizadas condutas que o legislador entendeu considerar improbas – e que nós entendemos até desnecessárias, tanto pelo quanto dispõe o art. 37 da C.F. como também por entendermos que o bom senso e a boa formação familial são suficientemente hábeis para assim considerá-las. Vê-se na lei “ene” condutas que não envolvem subtração do erário. Caracterizam-se, por exemplos, improbidade administrativa os seguintes fatos: um parlamentar, presidente do Senado Federal, permitir (na verdade solicitar e receber) que uma empresa pague pensão alimentícia a um seu dependente havido fora do casamento; o recebimento de auxílio-moradia por um senador, campeão de assento na presidência do Senado, possuidor de residência no Distrito Federal e que, flagrado, diz não ter percebido que a quantia correspondente vinha constando no seu holerite; um deputado federal (comunista (?)) abdicar do uso da moradia funcional para receber auxílio-moradia e deixar sua sogra residindo no imóvel (isso, sim, é comunismo mesmo!); um Presidente da República ver divulgado um escândalo como o “mensalão e, em vez de estimular a apuração dos fatos, sair em defesa dos acusados, como também ver noticiado aos quatro ventos que seu filho, um ex-empregado de um jardim zoológico, que percebia como contraprestação de seu trabalho um salário mínimo, ou pouco mais, e, de uma hora para outra, se tornar milionário e – nem como pai zeloso e, portanto, preocupado em preservar o nome da família – fazê-lo demonstrar a inverdade da notícia ou comprovar a origem lícita de sua repentina fortuna (isso bem  caracteriza  atos de improbidade administrativa prevaricativa).

É o que se depreende da leitura dos dispositivos abaixo:

Art. 9ºConstitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por  ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; ...”

Art. 10. “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: ...;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; ...”

        Art. 11. “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: ...;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; ...”.

À vista do que dispõe o art. 37 da C.F., também não há como deixar de considerar improba, pois flagrantemente amoral, decepcionante, verdadeiro acinte, uma frustração à expectativa do eleitor, a renúncia ao mandato para evitar que venha a ser instaurado na Casa a que pertence processo que possa concluir pela cassação do mandato parlamentar.

Portanto, a inobservância a quaisquer dos princípios enfatizados pelo art. 37 da C.F, quais sejam, legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade, resulta, inevitavelmente, em impedimento para o exercício de funções públicas, dentre as quais se inclui a de parlamentar.

Analisemos agora § 9º do art. 14:

“Lei complementar estabelecerá OUTROS CASOS de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições

CONTRA

A INFLUÊNCIA DO PODER ECONÔMICO

OU

O ABUSO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO, CARGO OU EMPREGO

na administração direta ou indireta”.

Pois é, o parágrafo § 9º do art. 14, não diz carecer de lei complementar que conceitue e imponha punições aos autores de atos caracterizados como improbos. Disso se encarregaram o art. 15 e o § 4º do art.37.  Esse parágrafo abre espaço para que circunstâncias que se mostrem assemelhadas às descritas nos parágrafos que lhe antecedem (5º a 8º) sejam também havidas como fatores de desequilíbrio da competição eleitoral e, assim sendo, inseridas em legislação complementar como causas de inelegibilidade enquanto com essas características permanecerem, ou seja, capazes de afetar a normalidade e legitimidade das eleições em face do poderio econômico ou por pressão do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública. A vontade do legislador constituinte não poderia ser expressa de forma mais clara. Cremos que só aqueles que não veem esse dispositivo com imparcialidade, com inconveniência, podem interpretá-lo de forma inadequada. Mas é o que, sem qualquer protesto, ordinariamente vem ocorrendo.

Uma verdadeira insurreição foi vista aqui contra a ingerência da Igreja Católica na administração do Estado brasileiro. Essa influência, como se sabe, hoje não mais existe. Mas hodiernamente exercem autoridade imprópria, como era a da Igreja Católica, e bastante significativa na administração do País, outros segmentos.

Nada contra os evangélicos - ou qualquer outra manifestação de religiosidade. Mas tudo contra os que se travestem de religiosos para, abusando da fé do próximo, realizarem suas ambições políticas. Vê-se hoje o quadro político nacional tomado em grande porção por pessoas que se dizem evangélicas, mas que na verdade são verdadeiros, aproveitadores, extorquidores. Os seguidores das seitas das quais eles se fazem “bispos” e “pastores” – apesar de muitos deles se confessarem ex-delinquentes (autores das mais variadas espécies de crimes) - são extorquidos, não só em dinheiro, que deles é surrupiado em percentual incidente sobre seus ganhos mensais e devidamente comprovados mediante apresentação de holerites – sacrificando a subsistência de suas famílias -, mas também, e principalmente, em sua fé. E dessas extorsões têm se valido para se fazerem parlamentares. Não duvidem! Na hora que bem quiserem fazem, com facilidade, sem segundo turno de votação, um presidente da República.

Marcante também, hoje, é a presença de sindicalistas no cenário político brasileiro.  Pseudos trabalhadores, na verdade preguiçosos, buscam o mercado de trabalho visando tão-só o sindicato representativo da categoria profissional, para dele fazerem trampolim para a carreira política. Sustentam-se, enquanto sindicalistas, das contribuições dos companheiros de profissão, gozando de estabilidade da qual não gozam os que ficam “no chão da fábrica”.

Que os fiéis evangélicos, na maioria ignorantes, tementes aos castigos de Deus que lhes são apresentados, transformem em parlamentares “bispos” e “pastores” é até tolerável, mas trabalhador de verdade sacrificar o próprio sustento para eleger preguiçosos não se admite. Esses lídimos trabalhadores estão abandonados – aqueles que permanecem “no chão das fábricas” - sujeitos a demissões e servindo de base para o trampolim de que se servem os espertos para ascensão política. Antes, os sindicatos vindicavam não só melhorias salariais e benefícios sociais, mas também melhores condições de trabalho, no que eram atendidos. Hoje, quando muito, o patronato, também em seu benefício, é claro, os contempla com melhores condições de trabalho; concedem-lhes parcos reajustes salariais e, a cada dia, retiram-lhes benefícios sociais.

Estão aí situações que bem caracterizam “a influência do poder econômico” no equilíbrio da competição eleitoral de que faz menção o § 9º do art. 14 da C.F., e que poderiam, sem maiores críticas, ser incluídas em lei complementar para atendimento ao quanto preceituado no retro mencionado parágrafo. Nem todo político “convencional” tem, ou se dispõe a por em risco, o poder econômico de que pode dispor o “bispo”, o “pastor” ou o sindicalista pretendente a um assento no parlamento (sem comprometimento de seu patrimônio particular). Para se afastar, em tese, a influência desse poder econômico que, temos certeza, se valem as pessoas a que nos referimos, far-se-ia necessário que a lei só as admitisse elegíveis após decorrido determinado lapso de tempo após deixarem as funções de liderança dos credos (sejam quais forem; não só evangélicos) e de direção de entidades sindicais. Aí, sim, também em tese, comprovar-se-ia que a eleição do candidato se deu por seu carisma, por  sua confiabilidade e às suas custas, e não por influência do poder econômico da entidade a que estava ligado.

A Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, tem o seguinte preâmbulo: “Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências”

A Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, tem seu preâmbulo nos seguintes termos: “Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. E proclama no seu art. 1º: “Esta Lei Complementar altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências”.

A emenda saiu pior do que o soneto.

A Lei Complementar nº 64/1990, já na sua primitiva redação, se revelava inconstitucional. Editada, sob o pretexto de atender ao quanto expressado no § 9º do art. 14 da Constituição, adentrou seara fora do alcance do dispositivo invocado. Assim é que, quando estava tão somente autorizada a estabelecer “outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” – portanto, em situações que propiciassem o desequilíbrio, a desigualdade de chances, na competição eleitoral -, introduziu no seu texto situações que, claramente, configuravam, e ainda configuram, crimes os mais diversos e condutas amorais que se caracterizam como causas impedientes para o exercício do direito político passivo, como causas de perda definitiva do direito de ser elegível, e as tratou como se fossem casos de inelegibilidades temporárias, de suspensão de direito passivo, ou seja, estabeleceu prazos para cessação do cerceio do direito de ser votado.

Uma estupidez! Daremos um só exemplo. A letra “e” do inciso I do seu art. 1º dizia que são inelegíveis para qualquer cargoos que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena” (grifos nossos).

De início se vê que o dispositivo afronta o art. 37 da Constituição, quando estabelece prazo para o autor readquirir direito político passivo após cometer crime contra a administração pública (entendemos que a fé pública aí está incluída), ou seja, violadores dos princípios nesse dispositivo estabelecidos, o que é inadmissível.

A Constituição – lembremos, promulgada em 05 de outubro 1988 - no inciso XLIII do seu art. 5º, estabelece: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo, e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;” (grifo nosso). Crimes reconhecidos gravíssimos pelo legislador constituinte, tanto que cuidou para que a seus praticantes – direta ou indiretamente - não fossem concedidos benefícios como graça ou anistia.

Sinceramente, para nós, é inacreditável, não dá para entrar em nossa cabeça – e, reparem, nossa cabeça é significativamente grande - o fato de ter sido a Lei nº 64/1990 decretada nos termos em que foi. Não só por extrapolar o comando do § 9º do art. 14 da Constituição, estabelecendo prazos de inelegibilidade para casos que se configuravam impedimentos vitalícios para o exercício do direito político passivo, mas, e principalmente, por admitir entre esses casos crime que a constituição reconheceu de nocividade gravíssima.

O tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, como antes dissemos, foi tratado pelo constituinte brasileiro de 1988, por um clamor universal, como um crime gravíssimo, mais grave do que determinados crimes hediondos; e com razão. Não temos por que não equipará-lo a um lento genocídio. Ele destrói o indivíduo – especialmente os jovens -, famílias, gerações. Mas a Lei Complementar nº 64/1990, entendeu que o traficante de drogas, após cumprir a pena a si imposta, mesmo que a consiguisse mínima, decorridos três (3) anos do seu cumprimento estava habilitado a se fazer representante parlamentar de suas vítimas.

A Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, além de desnecessária, como esperamos já ter sobejamente demonstrado, é marcantemente inconstitucional. Mas não é por ser inconstitucional que não tem seu mérito. Emergiu do clamor popular; foi um grito de “chega de tanta promiscuidade no quadro político nacional”.

Dissemos linhas atrás que a Lei Complementar nº 64/1990 nasceu marcada por inconstitucionalidade, por ultrapassar os limites que a Constituição lhe permitia. A Lei Complementar nº 135/2010 a tornou mais inconstitucional. Inseriu em seu contexto casos-crimes que em certos países seus praticantes não só perdem suas funções públicas; são condenados à pena privativa de liberdade pelo resto da vida e obrigados a se exporem nos meios de comunicação para pedirem desculpas ao povo.  Em alguns justificam a aplicação da pena capital - a perda do mais sagrado dos direitos: o direito à vida. -, isto é, quando eles próprios, envergonhados pela traição às consciências daqueles que lhes confiaram a administração pública, não dão cabo às próprias existências.

Com extrema facilidade e absoluta certeza, denota-se que quase todas, senão todas, condutas contempladas nas alíneas acrescidas ao inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990 são atentatórias aos princípios constitucionais consignados no art. 37, pelo que não se justifica que  a infringência a qualquer delas deixe de implicar em inabilitação, em impedimento, do infrator a se fazer representante do povo. É de tão fácil constatação que não nos delongaremos na análise de todas.

Para não sermos considerados mais maçantes do que fomos até agora, chamaremos à atenção para algumas alíneas que achamos de estupidez inconcebível e que foram objeto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) proposta pela Magnífica, Democrática e Imparcial Ordem dos Advogados do Brasil no imbróglio a que estamos a nos referir. Perdeu essa instituição a oportunidade de reestabelecer a altivez que outrora ostentava. Não desempenhou a contento a nobre função que lhe foi delegada pelo art. 103 da C.F. como auxiliar do STF no controle da constitucionalidade das leis.

A ação a ser proposta deveria ter sido a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIn), já que a LC nº 135/2010, a exemplo da lei complementada, não atende aos reclamos do § 9º do art. 14 da Constituição (cremos que deixamos claro a vindicação que reclama esse parágrafo) e, acintosamente, adentrou em terreno para o que não tem amparo constitucional para fazê-lo, ou seja, que lhe desse margem para que consignasse limite temporal de reestabelecimento de direito político passivo cassado dos que contra os princípios consagrados no art. 37  se comportarem. Percebe-se, com extrema facilidade, que nelas, alíneas, são retratadas situações que ora se configuram crimes, ora se configuram condutas amorais e, pois, rechaçadas pelo retro citado dispositivo constitucional..

A alínea “e” estabelece que são inelegíveis “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 

3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 

4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;

5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 

7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;

8. de redução à condição análoga à de escravo;

9. contra a vida e a dignidade sexual; e 

           10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.

            Diante desse elenco de crimes nos cabe fazer a seguinte indagação: Por que o povo tolerar na administração pública como seus representantes, em qualquer tempo – e muito menos após decorridos tão-só oito (8) anos do cumprimento das penas que lhes foram impostas -, pessoas que subtraíram seu patrimônio; que atentaram não só contra sua saúde, mas também contra a salubridade do ambiente em que vivem com suas famílias; que se mostraram desonestas na competição eleitoral; que desvirtuaram a autoridade por si concedida; que destruíram as vidas de seus filhos e de suas famílias com a disseminação das drogas; que lhes retiraram a autoestima pelo preconceito racial; que lhes usurparam o equilíbrio psíquico pela tortura; que atentaram contra vidas de pessoas inocentes pela prática do terrorismo ou de crimes hediondos; que  usaram sua força de trabalho sem contraprestação para tão-só se beneficiarem; que ceifaram as vidas de seus parentes e amigos; que deixaram marcas indeléveis em familiares e amigos pela prática de sexo à força; e, que se associaram  a outros de sua iguala para tirar a paz do seu ambiente social?

            Só para ilustrar: quem – seja um membro da comissão elaboradora do projeto de “Lei da Ficha Limpa” ou do Congresso Nacional – se aventuraria a entregar ao encargo de um “estuprador” a condução de sua filhinha ao colégio, especialmente se o estupro tiver sido perpetrado contra um seu parente – tenha decorrido qualquer tempo? Se pedirmos a alguém que já foi torturado para definir tortura, certamente, ele se confessará incapaz de encontrar palavras para defini-la e, certamente, dirá que prefere a morte a passar por nova experiência; dirá que o trauma físico desapareceu, mas o trauma psíquico, o sobressalto, é uma constante em sua vida e que, sem sombra de dúvida, o acompanhará para sempre. Portanto, não é concebível que uma lei imponha, seja a que tempo for, que sejam essas pessoas representadas por seus algozes.

            Fazemos aqui uma ressalva: quase que concomitantemente com a Lei Complementar nº 64/1990, em 25 de julho de 1990 foi editada a Lei nº 8.072, dispondo, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição, sobre os crimes hediondos, pelo que se supõe tramitou no Congresso Nacional em paralelo àquela lei complementar. Tinham, assim, os parlamentares conhecimento do seu texto. Essa lei também tornou o indulto inacessível aos autores de crimes hediondos. Mas mesmo assim, a Lei 64/1990, de 18 de maio de 1990, foi condescendente com os autores de crimes hediondos.

Voltemos à LC nº 64/1990. Vejamos o que expressam as alíneas a seguir, parcialmente transcritas:

g) “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, ...

k) “o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, ...

l) “os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, ...”

Nelas o legislador ordinário, ao decretar a Lei nº 135/2010, em ofensa ao quanto preceituado no art. 37 da Constituição Federal, contempla também os autores infratores com a suspensão do direito político passivo, quando são casos de impedimento definitivo do exercício desse direito. O sujeito detém mandato parlamentar por outorga fiduciária. Por que deve o povo ser representado por quem lhe traiu a confiança dolosamente? Por que conceder novo mandado a quem, em nome do outorgante, infringiu mandamentos da Lei Maior do País, da sua Unidade Federativa, do Distrito Federal ou do seu Município? Ora, se o sujeito descumpre esses diplomas, o que se esperar dele com relação às normas derivadas?

Ocorre-nos no momento uma outra situação, menos infeliz do que a que nos utilizamos anteriormente, para comparar com a inviabilidade de se admitir na administração pública pessoas improbas após decorrido certo espaço temporal:  ver político ex-desonesto equivale a ver ex-homossexual . Impossível! Uma vez homossexual, para sempre homossexual. Uma vez desonesto, para o resto da vida desonesto. São máculas indeléveis; estigmas que não mais se separam daqueles que por esses sinais foram impregnados. Pode-se, sim, apontar diferença entre ambos: o homossexual nem sempre é homossexual por vontade própria - a homossexualidade pode ser decorrente de uma alteração congênita, não podendo, pois, esse vício ser evitado; já o desonesto é desonesto por opção. A recaída está para o homosssexual assim como a reincidência está para o desonesto. Possibilidades reais, pois; mas imprevisíveis.  O eleitor não pode ser submetido a imprevisibilidade. Ele quer votar na certeza de que está nomeando seu procurador uma pessoa, no mínimo, honesta como ele.

Por também ser infeliz, pedimos aos homossexuais que aceitem nossas desculpas – assumir a homossexualidade, queiram ou não, é ter firmeza de caráter; desonestidade é carência desse atributo.

Neste passo entendemos também caber comentários à Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992 (Lei de improbidades), pelo fato de que foi decretada maculada pela inconstitucionalidade, já que incorreu na mesma incongruência em que incidiram a LC 64/1990 e seu complemento, qual seja, atribuir aos crimes de improbidade administrativa prazos de suspensão dos direitos políticos, quando a tais crimes não deveria impor outras sanções que não a suspensão do direito político ativo e a perda do direito político passivo.

Outrossim, só podemos entender que essa lei emergiu com o claro propósito de burlar a Constituição Federal. Quando o legislador constituinte achou por bem que lei complementar viesse a conceituar condutas e cominar sanções assim o fez claramente, como, por exemplo, vemos no inciso XLIII do art. 5º e no § 9º do art. 14.  O vocábulo improbidade não carece de hermeneuta para defini-lo. Não há como fugir aos conceitos que lhe são atribuídos pelos dicionários de nossa língua. A “corja” estava cônscio de seu significado e, diante disso, sabendo que estava propensa a cometer atos que a caracterizasse, quis garantir o seu retorno ao cenário político, após cumprida a sanção que eles acharam por bem aplicar ao caso.

Essa lei classificou improbidade – “Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito”; “Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário”; e, “Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública” -, e deu ênfase à subjetividade do ato (doloso ou culposo), como se para a Administração Pública esses pormenores importassem em cominações diversificadas com relação ao direito político passivo do autor do ato.

Não vemos o porquê da classificação. Todo ato de improbidade cometido pelo servidor público atenta contra os princípios da Administração Pública. A subjetividade - o dolo ou a culpa - não inviabiliza a perda do direito político passivo. A Administração Pública não comporta deslizes decorrentes de improbidade, seja de natureza for, do servidor público. Ela cuida de direitos e interesses públicos e, para isso, sua integridade há que se manter íntegra, incólume. Por isso, a exemplo do dolo, é inadmissível a indiligência, a culpa – a negligência, a imprudência e a imperícia – no trato com a Administração Pública. A culpa poderá servir de atenuante para o autor de ato improbo na esfera judicial criminal ou civil.

Ora, constatado o desfalque de uma instituição financeira, por dolo ou culpa do gerente, o preço que o autor paga, em princípio, é a demissão e a certeza de que não mais voltará a ser empregado daquela instituição – nem como “office boy”.  A Administração Pública, com maior razão, deve dispensar ao servidor público improbo similar tratamento.

Saliente-se que essa lei estabelece prazos de “suspensão de direitos políticos”, ou seja, direito político ativo (direito de votar) e passivo (direito de ser votado). Essas suspensões variam: na hipótese do art. 9º de oito (8) a dez (10) anos; na hipótese de art. 10 de cinco (5) a oito (8) anos; e, na hipótese do art. 11 de três (3) a cinco (5) anos. Ocorre que a Constituição Federal no seu art. 5º, inciso III, só permite que a suspensão de direito político ativo perdure enquanto durarem os efeitos da condenação criminal. Nela, nos artigos retro citados, estão elencados crimes aos quais a lei penal comina penas correspondentes a fração de ano. Conflita, pois, essa lei com a Constituição Federal e com o Código Penal.

Consequências do cometimento de improbidade administrativa

Neste Brasil de meu Deus (e ai se não fosse Dele) tem-se feito o parlamentar servidor diferenciado dos demais servidores públicos. Não bastasse os privilégios de que goza, a ele não se aplica o princípio consagrado no art. 5º da Constituição Federal, qual seja, o de que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...”.

Voltamos às “cargas d’água”. Por que “cargas d’água” a apuração de cometimento de ato de improbidade por parte de parlamentar tem ficado a cargo dos promíscuos “conselhos de ética” (com minúsculas mesmo!) da “categoria”?

Quando, no passo “Um Poder sem noção do seu poder”, discorrermos sobre controle de constitucionalidade e tentamos fazer ver que o STF não pode se furtar a exercer o múnus de guardião da Constituição e, para isso, conjecturamos situação de virmos a ter que conviver sob a égide de lei inconstitucional, em caso de os diretamente interessados e os auxiliares do STF no controle de constitucionalidade das leis silenciarem a esse respeito. Neste passo cabe a mesma observação. Mas neste caso trata-se de realidade, não conjectura. O povo brasileiro tem tolerado até hoje ser representado por pessoas inidôneas para fazer essa representação. E ocorre isso por quê?  Por que de há muito vem se admitindo um tratamento diferenciado ao improbo servidor público parlamentar. A aferição da improbidade por ele cometida vem sendo indevidamente feita por seu “órgão de classe”, o famigerado “conselho de ética”, cujas reuniões mais se assemelham àquelas em que os mafiosos italianos faziam para comedir a deslealdade e selar o destino de um “capo” supostamente traidor aos princípios da máfia. Só que com uma grande diferença: comprovada a infringência, o castigo, a execução (morte), era inevitável. A conclusão a que chega o tal “conselho de ética”? Já dissemos; não vale a pena repetir, causa náuseas.

Por que não é dispensado ao parlamentar o mesmo tratamento que se dispensa aos demais servidores públicos, ou seja, ao sinal de cometimento de ato caracterizador de improbidade administrativa, impor-lhe o afastamento imediato (o que não é de se esperar que seja feito pelo “conselho da classe”, mas, sim, por iniciativa do Ministério Público, por força de determinação do Poder Judiciário) da função para a devida apuração e, comprovado o cometimento, decretar a perda da função concomitantemente com a perda do direito político passivo. Sim, perda sim, impedimento definitivo. Repetimos, a improbidade administrativa gera sempre perda, impedimento definitivo do direito político passivo. A outorga de mandato eletivo é dada em confiança, e confiança traída é confiança perdida.

Uma instituição financeira jamais admitirá como seu empregado aquele que desfalcou uma de suas agências. Por que o povo admitir como seu representante aquele que traiu sua confiança?

Com maior razão esse tratamento que estamos a vindicar deveria ser conferido ao servidor parlamentar. Ele é servidor público por outorga de mandato popular; o povo não pode e não deve ser representado por quem não tem as qualidades que se supunha ter ele quando lhe foi dado assento no parlamento. Outrossim, o parlamento é o único órgão da Administração Pública que tem “peça de reposição” imediata; os titulares podem ser imediatamente substituídos por seus suplentes, não ensejando, assim, solução de continuidade nos “trabalhos” das “Casas” a que pertencem.

Nada justifica tratar o servidor parlamentar como um servidor diferenciado. Ele não é diferente de um juiz de um promotor. Reconhecido o cometimento de ato de improbidade administrativa por qualquer deles, perdem não só suas funções para o resto da vida, perdem o direito de se fazerem servidores públicos – ressalvada a figura do magistrado, para quem pedimos atenção para o que adiante detalharemos. Se um oficial cinco (5) estrelas das Forças Armadas for reconhecido improbo, ele não poderá, jamais, voltar a ser servidor público; e servidor público militar inimaginável, nem como soldado raso. Perdem, assim, esses servidores o direito de se verem parlamentares, inclusive. E por que não perder esse direito o parlamentar improbo?

É em face dessa dura realidade, que fez eco no clamor externado no projeto de “Lei da Ficha Limpa”, que imperativo se torna o guardião de nossa Constituição fazer valer  o poder que lhe foi outorgado.

Queremos aqui registrar a felicidade da alínea “i” do inciso I do art. 1º da Lei nº 64/1990, e nela não foi incluído pela Lei Complementar nº135/2010. Essa alínea considera inelegíveis os que, em estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro, que tenham sido ou estejam sendo objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial, hajam exercido, nos 12 (doze) meses anteriores à respectiva decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade.”

De todo esforço mental nos valemos para tentar entender por que o legislador, tanto na decretação da LC nº 64/1990, como nas alterações que sofreu pela decretação da LC 135/2010, condicionou a legibilidade do parlamentar acusado de improbidade ao transcurso de lapso temporal e não à prova irrefutável de sua inocência, à exoneração  de sua responsabilidade, como assim procedeu na alínea supra transcrita. Isso seria bastante salutar. Contribuiria em muito para a higienização do cenário político brasileiro. Afastado de suas funções, de tudo faria o parlamentar para provar sua inocência. Conseguindo prová-la, como todo servidor, buscaria através do Judiciário a reparação dos danos a si causados pela injusta imputação.

                                                                                                                                                                   

Por uma questão de justiça

            Dissemos atrás que, por estarmos focalizados no RE 633.703, nos ateríamos à figura do parlamentar. Mas somos terminantemente contra injustiça. E por uma questão de justiça vamos quebrar a promessa. Não podemos deixar a falsa impressão de que só o Parlamento brasileiro padece do mal da apologia à improbidade. É predicado dos outros dois Poderes.

Diante dos públicos, notórios, numerosos e escandalosos casos de improbidade administrativa no Poder Executivo, impunes, vamos poupar o eventual leitor da repetição.

Também não encheremos vossos sacos com variados casos de cometimento de improbidade administrativa, sem a merecida reprimenda de quem de direito, no Majestoso, Poder Judiciário. Para sermos breves, vamos discorrer sobre um asqueroso e corriqueiro. Antes, permitam-nos reproduzir o quanto expressa o art. 56 da Lei  Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN): “O Conselho Nacional da Magistratura poderá determinar a aposentadoria, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, do magistrado: I - manifestadamente negligente no cumprimento dos deveres do cargo; Il - de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; III - de escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou cujo proceder funcional seja incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário”.

Pra início de conversa, nós, modestamente, entendemos que esse indecente dispositivo, inserto numa lei editada sob os auspícios de uma Constituição condizente com o regime excepcional em que vivíamos, desde a edição da Carta Constitucional de 1988, se encontra revogado. Mas os nossos magistrados assim não o percebem – na verdade, a LC nº 35/1979 merece ser revogada na sua inteireza e editada uma nova adequada aos novos tempos. Para eles, os doutos magistrados, cidadãos brasileiros diferenciados dos demais, a Constituição vigente e muito menos a lei de improbidades - Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, não se lhes aplicam. Devem eles tão somente obediência à LC 35/1979, que, a partir de 1988, não é mais havida como Lei Orgânica da Magistratura Nacional, mas como “Lei Onipotente da Magistratura Nacional”, e, pois, hierarquicamente superior à Constituição Federal em vigor.       

Esses incisos são cristalinamente afrontosos aos princípios da Administração Pública  consagrados no art. 37 da Constituição. Mas é coisa raríssima se ver um magistrado rigorosamente punido por cometimento de ato de improbidade administrativa. Perguntar-se-á: Mas se punido, mesmo que não rigorosamente, qual é a pena imposta ao juiz improbo? Responde o portal do Conselho Nacional de Justiça: CNJ aplica pena de aposentadoria compulsória a juiz de Santa Catarina (03/06/2014 - 17h27) - grifo nosso.

É com amparo no retro transcrito artigo da LOMAN que o CNJ aplica ao magistrado improbo a merecida e exemplar punição. A exemplo dos políticos improbos, que se consideram agentes políticos e não servidores públicos, os magistrados também não se consideram servidores públicos, mas sim agentes jurídicos, e por isso inaplicável a eles é o inciso V do art. 15 c/c com § 4º do art. 37 da Constituição Federal.

CONCLUSÃO

Constrangidos, pesarosos, dizemos que é difícil acreditarmos que uma higienização do imundo quadro político brasileiro venha a ocorrer sem que se crie um vírus exterminador da classe política brasileira improba. E fosse isso possível não nos autorizaria a tanto otimismo, pois maior seria a possibilidade de ser seu criador corrompido, por quantia capaz de fazê-lo esquecer a fórmula de sua criação, frustrando, assim, qualquer possibilidade de saneamento do quadro. E não é de se desprezar a resistência de alguns políticos improbos, muitos deles jurássicos e que acreditamos imunes até aos efeitos de uma bomba atômica.

O mesmo estamos autorizados a sustentar com relação aos dois outros Poderes.

O Doutor Ulisses Silveira Guimarães era um extremado otimista: escreveu uma Constituição que pretendia contrariar a profecia de Ruy Barbosa, qual seja: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."

É, resta-nos tão somente dizer: não há sequer um vagalume no fim do túnel. Na verdade, agora temos vontade mesmo de dizer é que: “se cobra tem ..., o povo brasileiro tá no ... da cobra”.

Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Levou-nos a elaborar o texto a indignação que nos causa o imundo cenário político nacional e, principalmente, a omissão do STF diante disso.

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