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Análise do título IV da Lei de Execução Penal: mazelas que formam um sistema

Agenda 05/11/2014 às 17:50

O objetivo da análise se estende a seara prisional a fim de demonstrar a dura realidade vivenciada por aqueles que estão sob à custódia do Estado, para melhor compreender o problema a proposta gira em torno da análise do título IV.

Sumário: Introdução. 1.  Análise ao título IV da Lei de Execução Penal. 1.1. Dos estabelecimentos prisionais. 1.2. Da penitenciária. 1.3. Colônia agrícola, industrial ou similar. 1.4. Da casa do albergado. 1.5. Do centro de observação. 1.6. Do hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. 1.7. Da cadeia pública. 2. Eficácia, eficiência, efetividade e plenitude da norma. 3. Conclusão. 4. Notas. 5. Referências.

Introdução

Finda a fase processual, a qual se dedica a retórica superação de conflitos envolvendo atos processuais democráticos desenvolvidos por meio da paridade de armas. Contudo, retórica, porquanto não passa de falso discurso que insiste em repetir mais do mesmo, já que, atualmente, “o processo penal acaba, pois, transformando-se num grande mecanismo de superação de tédio, mediante a prática de jogadas ilícitas, jeitinhos processuais [...]¹”, que pouco da fé ao processo penal idealizado por um Estado Democrático de Direito, entretanto a discussão não merece, neste momento, foco, pois as atenções giram em torno de outra mazela.

Doravante, o processo nos conduz a uma sentença condenatória nada inesperada, a pena privativa de liberdade cumprida em diferentes paradigmas que acarretam grandes influências sobre o sentenciado. Para entender este mecanismo é preciso apenas um olhar curioso para o cenário em torno, ou seja, visitar estabelecimentos prisionais ou observar os dados desatualizados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Estes meios já bastam para se obter uma visão panorâmica sobre a realidade da atual conjuntura carcerária. 

 A Lei 7.210 que entrou em vigor em 11 (onze) de julho de 1984, e neste ano (2015) completou 31 (trinta e um) anos de vigência tem gerando, para aqueles que se preocupam com o modelo democrático, severas preocupações, pois falar em aplicabilidade se torna grosseiro frente as mazelas que contaminam os seus efeitos.

Quanto sua natureza jurídica de caráter jurisdicional e administrativo, por isso um ato complexo, Roig (2014, p. 105) explica como sendo uma estratégia que:

Não se pode olvidar ainda que as concepções administrativas – ou mesmo mistas -, desconsiderando a existência do conflito de interesse e de pretensões, acabam por incorporar em seus discursos elementos inquisitoriais refratários ao contraditório, ampla defesa, imparcialidade e devido processo legal. O mesmo não se verifica na concepção jurisdicional da execução penal, uma vez que a própria acepção de jurisdição demanda a existência de contraditório entre as partes, o desempenho da ampla (e técnica) defesa e a emanação de um provimento imparcial e processualmente correto.

De acordo com Roig, a execução da pena composta por procedimentos administrativos tende a fornecer um discurso contrário ao que, em tese, é proposto pelo judiciário, o qual prima pelo devido processo, ou seja, que alcança contraditório, ampla defesa, paridade de armas, entre outros elementos que no procedimento administrativo não são levados em consideração.

Trazendo à baila a ideia de que deveria fazer parte da conjuntura prisional um sistema pautado apenas no âmbito jurisdicional, a fim de conter o autoritarismo presente nos procedimentos administrativos, suscitando que a visão de ato complexo deva ser superada em prol de um único procedimento no crivo do contraditório, sendo este possível penas no seio do judiciário.

Entretanto, o atual paradigma fornece um sistema em que a execução é formada por atos complexos, os quais apresentam procedimentos administrativos (arts. 69, 71, ..., LEP) e judiciais (arts. 2º, 66, ..., LEP), apesar da jurisdicionalidade prevalecer em quase todos os momentos. E o envolvimento entre os poderes, Judiciário e Executivo, ocorrem devido ao fato daquele ter o condão de lançar a sentença condenatória a ser executada, enquanto que este se relaciona diretamente com o próprio estabelecimento onde é executada a sentença.

É importante lembrar que a Lei de Execução Penal (LEP) apresenta autonomia funcional com princípios próprios, mantendo relação direta com o Direito Penal e Processo Penal. Por isso diz-se que seu campo de atuação é vasto, levando em consideração que regula todos os aspectos da execução da pena, como as autorizações de saída, remição de pena, monitoramento eletrônico, entre outros, bem como as penas alternativas disposta pela Lei 9.714/98.

 Observa-se também que algumas particularidades da execução penal são garantidas constitucionais. A Constituição Federal de 1988 dispõe que:

Art. 5º- [...]

XLVII-não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis.

XLVIII- a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

XLIX- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

L- às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.

  A legislação ordinária segue a mesma orientação constitucional, já que o artigo 38 do CPB declara que: “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”, artigo 3º da LEP “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” e artigo 40 da LEP “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”.

Entretanto, essas garantias pouco são apreciadas na prática, o Estado tem dado pouca, senão nenhuma, atenção ao sistema carcerário nas últimas décadas. Deixando de lado premissas que envolvem a execução penal, em especial no tocante à privativa de liberdade, dessa forma permitindo que muitos presídios tenham se transformado em autênticas masmorras, bem distantes do respeito à integridade física, individualização da pena, humanismo, moral e outras propostas implícitas e explícitas na legislação retro.

Esse abandono é considerado um descaso com a população carcerária que igualmente faz parte do mesmo grupo social, todavia vivemos em uma sociedade a qual é dividida por muros, a partir disto é detectável que este tipo de instituição serve “para proteger a comunidade contra aqueles que constituem intencionalmente um perigo para ela e não apresentam, como finalidade imediata, o bem estar dos internos²”.

Diapasão que deixa claro os contrapontos presentes entre dispositivo e realidade prisional, a preferência não gira em torno das garantias inerentes à execução, em primeiro lugar estão as garantias sociais. Deve haver um motivo para que os estabelecimentos prisionais vivam em um paradoxo infindável, uma vez que na condição de encarcerado o agente vê suas propostas, meios e expectativas de execução barrados pela falta de aplicabilidade da LEP.

            

1.        Estudos e críticas ao título IV da Lei de Execução Penal

Ocasião que pretende explorar as normas contidas na LEP, na tentativa de demonstrar o porquê da realidade carcerária se encontra tão distante do legitimado na norma vigente, bem como pretende exemplificar por meio de pesquisas bibliográficas como o cumprimento da pena vem sendo enfrentado pelo presos.

  Para chegarmos ao proposto se faz interessante a análise das normas contidas no título IV da legislação em tela, a qual é intitulada “Dos Estabelecimentos Prisionais” através de sua análise, crítica e comparação entre teoria e prática será possível delimitar o problema.

1.1.     Dos estabelecimentos prisionais:

O capítulo I trata justamente “Das Disposições Gerais” e dispõe que: “Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso” (art. 82, LEP).

Em primeiro lugar é preciso esclarecer o que significa cada nomenclatura exposta na norma, sendo assim condenado é aquele sujeito que apresenta uma sentença transitada em julgado. Enquanto que preso submetido à medida de segurança, sendo esta de caráter “alternativo” e assenta-se nos artigos 96 a 99 do Código Penal Brasileiro, é o agente que se encontra internado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou à falta, em outro estabelecimento adequado e sujeito a tratamento ambulatorial.

Preso provisório é aquele cujo processo ainda não findou, porém em razão de fuga, de comportamento agressivo, entre outros o mesmo é mantido preso até o encerramento do processo, enquanto que egresso é o sujeito que deixou a clausura.

“A mulher e o maior de 60 (sessenta) anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado a sua condição pessoal” (art. 82, parágrafo 1º, LEP).  De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional o Ministério da Justiça divulga a existência de apenas 55 (cinquenta e cinco) estabelecimentos femininos em todo o Brasil, o qual abrange 37 penitenciárias, 10 presídios, nenhuma cadeia pública, 6 casas de albergado, 2 colônias agrícolas, industrial ou similar, 1 hospital de custódia e tratamento, nenhum centro de observação, nenhum patronato e nenhuma penitenciária federal.

 Não existem informações e nem registros sobre estabelecimentos prisionais destinados apenas a idosos, faz parte do cotidiano a coexistência entre apenados de diferentes idades num mesmo recinto prisional.

Com relação à estabelecimentos destinados a mulher percebe-se que, na maioria dos casos as casas prisionais são destinadas a homens, entretanto o constante envolvimento da mulher no crime tem forçado estes estabelecimentos, destinados à homens, a forjarem adaptações para poderem alojá-las. Essa situação vem ocasionando inúmeros prejuízos para a mulher em execução de pena, pois sendo um estabelecimento masculino não há como manter uma assistência as necessidades femininas, as quais são totalmente diferentes da masculina, situação que merece ser repensada.

“Os estabelecimentos destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade” (art. 83, parágrafo 2º, LEP). A maioria dos estabelecimentos adaptados, senão todos, carecem desta garantia, em sua maioria as mulheres em fase de amamentação recebem seus filhos na própria cela, isto quando não conseguem regime domiciliar.

Quando a penitenciária apresenta ala para berçário nota-se que, os locais destinados para este fim apresentam, em grande parte, condições precárias e insalubres que geram grande risco à saúde do recém-nascido, o número de berçários para atender a demanda em suma é inferior, as acomodações carecem de assepsiai, o nível de segurança é falho, entre muitos outros motivos, dessa forma ferindo claramente o objetivo proposto pela norma.

 Ademais, a CF/88 em seu artigo 5º, inciso “l” alude que: “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”, por ser uma garantia constitucional percebemos que o problema se torna ainda maior, pois coloca em xeque princípios basilares que não são efetivados, a partir disso a questão se direciona para inquietações que procuram uma legitimação por parte do Estado.

Sendo assim, a ineficácia da lei infra não nos causa espanto, já que faz parte do cotidiano, contudo, a violação de uma garantia constitucional sempre causa grandes reflexões, entre elas está o princípio primordial da humanidade, pois “a busca pela contenção dos danos produzidos pelo exercício desmesurado do poder punitivo encontra principal fonte ética e argumentativa no princípio da humanidade, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. ³

Como pôr em prática medidas que não causem danos a mulher e ao seu filho, já que este nasce sob as mesmas condições que a mãe, ora sob a influência da privativa de liberdade, assim como sob a dura realidade prisional que não oferta nenhum tipo de assistência a mãe e seu bebê, como equipe de saúde, psicólogo, assistente social, contato com a família e outras garantias também dispostas na lei. Por isso questiona-se, como atender as necessidades femininas dentro de penitenciárias que não têm infraestrutura adequada para alojar reeducandas grávidas e em que momento políticas públicas voltadas para a questão se tornaram prioridade a fim de legitimas o princípio da humanidade?

O princípio da humanidade constitui, enfim, o cerne de uma visão moderna e democrática da execução penal, pautada pela precedência e a ascendência substanciais do ser humano sobre o Estado e pela necessidade de reduzir ao máximo a intensidade da afetação individual. Possui, portanto, o escopo maior de capitanear a construção de uma política criminal redutora de danos, considerando – na esteira do que leciona Pavarini -, que a contradição entre cárcere e democracia não pode ser resolvida, mas apenas contida, por meio de uma política democrática (ROIG, 2014, p. 38). 

 Novamente voltamos ao discurso estabelecido no cerne do princípio, que também é encontrado na Declaração Universal do Direito do Homem (art. 5º) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU (art. 10, item 1), como pôr em prática medidas que de alguma forma contenham os paradigmas que vão de encontro a lei e ao Estado Democrático.

“Os estabelecimentos destinados às mulheres deverão possuir exclusivamente, agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas” (art. 83, parágrafo 3º, LEP). Ainda, determina a Resolução nº 9 de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária que, “o número de agentes do estabelecimento penal deve respeitar a proporção de 1 agente penitenciário para cada 5 presos, por turno” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2011, p. 51).

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A complexidade da questão reside na própria exigência da mesma, a existência de agentes penitenciários exclusivos do sexo feminino para a vigilância de mulheres encarceradas nem sempre pode ser atendida e na falta destes ou quando há lotação superior ao limite máximo a manutenção do presídio e realizada por agentes de ambos os sexos. A impossibilidade de manter este tipo de requisito é praticamente unânime nos presídios espalhados pelo Brasil, até porque mais importante que atender exigência é a segurança pública.

“Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestantes e parturientes e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa” (art. 89, LEP). Quanto a esta questão nota-se que, as possibilidades de concretização do proposto são mínimas, como visto anteriormente. Ademais poucas apresentam todo este aparato, em sua maioria há escassez de material para a efetivação do proposto sendo comum a entrega da criança a familiares ou até mesmo para a adoção.

O parágrafo único do artigo retro menciona que: “São requisitos básicos da seção de creche referida neste artigo” (art. 89, parágrafo único, LEP):

II- horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e a sua responsável”. O horário de visitas deve ser o único requisito cumprido frente a esta gama de direitos.

“O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de distinção diversa desde que devidamente isolados” (art. 82, parágrafo 2º, LEP). Este dispositivo traduz a ideia de que uma mesma prisão pode abrigar condenados em diferentes situações, no entanto, até o momento, o que pode ser confirmado é a separação entre homens e mulheres. Por ora, convém ressaltar que a separação proposta, entre homens e mulheres, é encarada como uma obrigação devido a inegável possibilidade de estupros, agressões, controle de natalidade e outros motivos.

O mesmo não pode ser dito quando se trata de idade, pois ao mencionar que num mesmo conjunto arquitetônico haja a referida separação é uma utopia, é nítido que a norma que prevê o afastamento entre homens jovens dos idosos não é atendida na prática. Além do mais, à aplicação do disposto perde eficácia por causa do número da população carcerária que não para de crescer.

Ainda, segundo Julião (2012, p.114):

A Resolução 14, de 11 de novembro de 1994 do Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária, reforça a ideia de que os presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabelecimentos prisionais ou em seções, observadas características pessoais tais como: sexo, idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da individualização da pena.

A CF/88 em seu artigo 5º, XLVIII, igualmente vai ao encontro do proposto quando leciona que: “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”.

Entretanto, a realidade vivenciada nas prisões brasileiras é bem diferente, a falta de investimentos gera espaço físico limitado e consequentes aglomerações entre apenados em diferentes situações, totalmente contrário do mencionado.

Doravante, “o estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva” (art. 83, LEP). Julião em sua obra nos ensina que:

O Estado brasileiro tem sido historicamente incompetente para prover educação e trabalho ao preso. Constroem-se unidades prisionais sem espaço para oficinas de trabalho. Constroem-se unidades prisionais sem escola. Existem escolas que não ensinam. A educação para o trabalho é absolutamente ignorada, quando existem recursos do Fundo de Amparo ao Trabalho (FAT) que podem ser utilizados para tal finalidade (LEMGRUBER, 2011, p. 336, apud JULIÃO, 2012, p. 232).

Observa-se que o problema é bem maior do que representa ser, pois parte de duas premissa. Primeiro, o estabelecimento que não é contemplado com áreas destinadas ao estudo ou capacitação técnica influência diretamente na remição da pena. A Súmula 341 do Superior Tribunal Justiça já reconheceu a remição pelo estudo ao declarar que “a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto”.

Sendo assim, o estabelecimento prisional que não apresenta área destinada para a prática do proposto reduz a possibilidade do preso em descontar sua pena, bem como limita as possibilidades de reinserção social, pois quer maior ressocialização do que a feita pelo estudo.

Segundo, e não menos importante, o fato do egresso estar inserido na conjuntura social sem nenhum tipo de qualificação é porta de entrada para que este volte a delinquir. Mesmo sabendo que o curso possa ser um estímulo ou uma opção, cabe ao sentenciado esta escolha, porém nos casos e que não existe esta possibilidade como garantir que o egresso não voltará a delinquir. A doutrinadora Maria da Graça coloca como elementar:

Trata-se de um instituto completo, “pois reeduca o delinquente, prepara-o para sua reincorporação à sociedade, proporciona-lhe meios para reabilitar-se diante de si mesmo e da sociedade, disciplina sua vontade, favorece a sua família e sobretudo abrevia a condenação, condicionando esta ao próprio esforço do condenado” (A redenção das penas pelo trabalho. Breve notícia de um sistema. RT 483/251, apud MIRABETE, Julio Fabbrini, Execução Penal, 9ª Ed., 2000, S. Paulo, Ed. Atlas, p. 426).

Haverá instalação destinada a estágio de estudantes universitários (art. 83, parágrafo 1º, LEP). Em diversos estabelecimentos não há um espaço específico para a prática do estágio.

“Serão instaladas salas de aula destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante” (art. 83, parágrafo 4º LEP). Durante muitos anos não houve uma preocupação com a capacitação profissional do interno penitenciário. “Hoje, embora timidamente, inicia-se tal discussão. Acreditam que por meio da qualificação profissional dos internos se consiga inseri-los (ou reinseri-los) no mercado de trabalho” (JULIÃO, 2012, p. 214).

A necessidade de investimentos neste setor (profissionalizante) para o alcance do proposto é urgente, já que trabalhos com limpeza, cozinha e aberturas de celas, sendo o trabalho mais comum dentro do presídio, não trazem nenhum tipo de qualificação.

“Haverá instalação destinada a Defensória Pública” (art. 83, parágrafo 5º, LEP). O problema da área destinada a defensoria se assemelha ao do estudante universitário em estágio, este disposto ganha vida somente no papel, pois na maioria dos casos para que o detento não fique sem sua garantia de assistência jurídica gratuita é realizado adaptações, por exemplo, uma sala destinada à revista íntima sofre leves alterações para que possa ser utilizada pelos defensores e assim promover o acesso à justiça devido.

“O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado” (art. 84, LEP), “enquanto que o preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes” (art. 84, parágrafo 1º, LEP). “O preso que ao tempo do fato, era funcionário da administração da justiça criminal ficará em dependências separada” (art. 84, parágrafo 2º, LEP).

Dispõe a CF/88:

Art. 5º- [...]

XLVI- a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição de liberdade

b) perda de bens

c) multa

d) prestação social alternativa,

e) suspensão ou interdição dos direitos.

O princípio da individualização da pena determina que as sanções impostas devem ser particularizadas de acordo com o detento, a natureza e as circunstâncias do delito, a fim de aplicar uma pena justa e consequentemente evitando qualquer tipo de padronização. Contudo, este requisito vem sofrendo grandes críticas de diversos doutrinadores garantistas, todavia, o foco não se estende a esta seara a preocupação aqui é outra. A relevância da questão é saber se mesmo que, hipoteticamente, haja o cumprimento dos requisitos impostos no processo penal, como um presídio em condição de superlotação carcerária aplicará o princípio da individualização da pena, já que, a falta de espaço físico aliada à superlotação não permitem a separação entre presos provisórios, primários, reincidentes e condenados.

“O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade” (art. 85, LEP). “O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades” (art. 85, parágrafo único, LEP).

Enquanto não houver um efetivo investimento na infraestrutura dos estabelecimentos prisionais com o fito de aumentar o número de vagas, respeitadas as condições estabelecidas na Lei de Execução Penal, para os regimes fechado, semiaberto e aberto, nenhuma eficácia poderá ser extraída do processo de ressocialização/reeducação do condenado. “Na verdade, quando o presídio está superlotado a ressocialização torna-se muito mais difícil, dependente quase que exclusivamente da boa vontade individual de cada sentenciado” (NUCCI, 2010, p.1017).

“As penas privativas de liberdade aplicadas pela justiça de uma unidade federativa podem ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União” (art. 86, LEP). A possibilidade de transferência nunca depende exclusivamente da vontade do reeducando, casos em que a penitenciaria ou presídio mais próximos estiverem com problema de lotação não há como efetivar o proposto, conforme dispõe a lei.

“A União poderá construir estabelecimento penal em local distante da condenação para recolher os condenados, quando a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio condenado” (art. 86, parágrafo 1º, LEP). A construção de estabelecimentos penais tem sido considerada uma utopia moderna, pois há muito tempo se fala em gastos, falta de investimentos, área adequada e em estabelecimentos lotados. Entretanto, uma efetiva e concreta posição que garanta a construção de penitenciárias ou presídios fica sempre em segundo plano, o tempo desprendido tem servido apenas para debates e não para realizações, motivo que caracteriza a fragilidade das políticas públicas voltas para o sistema carcerário brasileiro.  

“Conforme a natureza do estabelecimento, nele poderão trabalhar os liberados ou egressos que se dediquem a obras públicas ou ao aproveitamento de terras ociosas” (art. 86, parágrafo 2º, LEP). A questão em torno do trabalho precisa ser revista, pois a demanda é sempre maior que a oferta, os muitos detentos que ficam de fora da proposta acabam ocupando o seu tempo com atitudes negligentes que comprometem sua ressocialização.

Destaca Julião (2012, p. 316-317) que:

Embora sabido que a remuneração também é um ponto fundamental para os internos que trabalham no cárcere, principalmente para os que possuem visita familiar e/ou recursos financeiros para sobreviver intramuros, dentre os entrevistados, poucos destacaram estar trabalhando com este objetivo. Por isso, não importa a atividade desenvolvida, mas sim a possibilidade de se manter ocupado fora das celas, tendo contato com o universo “extra-alojamentos”.

Em particular, opinião de interno: "Trata-se de instrumento fundamental pela remição da pena, em primeiro lugar. Em segundo lugar, ocupar o tempo ocioso. Você ficar dentro do pavilhão escutando história, ouvindo conversa fiada de pessoas que não têm uma meta de vida. Você tem que procurar o melhor para você (Interno ocupado profissionalmente na Unidade Esmeraldino Bandeira).

Tal afirmação confirma que a possibilidade do detento progredir com o trabalho é real, assim como o inverso também se torna verdadeiro.

“Caberá ao juiz competente, a requerimento da autoridade administrativa definir o estabelecimento prisional adequado para abrigar o preso provisório ou condenado, em atenção ao regime e aos requisitos estabelecidos” (art. 86, § 3º, LEP). Isto, hoje em dia, já não é levado em consideração de modo tão rigoroso, primeiro porque a individualização da pena se vê frustrada perante os problemas carcerários. Segundo, os estabelecimentos prisionais vêm apresentando uma mistura de regimes sem limites, em razão disto definir estabelecimento de acordo com o regime torna-se mera expectativa.  

1.2.     Da Penitenciária:

“A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado” (art. 87, LEP). A mesma também é caracterizada pelo nível de segurança máxima, entretanto, atualmente a penitenciária não se destina apenas a reclusão em regime fechado, também abriga outros regimes frente as condições de superlotação.

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que esteja em regime fechado sujeito ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do art. 52 desta lei” (art. 87, parágrafo único). Condição que encontra amparo apenas na própria lei, pois como dito anteriormente as discussões sobre políticas públicas são infindáveis e a cada momento surgi uma nova pauta tendente a renovar as possibilidades, todavia atitudes concretas não são vistas.

Além do mais, está em voga é o modelo privado conhecido como Parceria Público- Privada (PPP), o qual o Estado terceiriza alguns serviços ao parceiro privado, também chamado de Gestão Compartilhada, entretanto este tipo de serviço tem sido alvo de constantes críticas. A CF em seu art. 24 prevê que:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

[...]

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Constata-se que a União é responsável por matérias alvo de norma geral, enquanto que matérias específicas ficam a cargo do Estado e Município, quando inexistente lei federal ou em sua superveniência. Observa-se que a legitimidade para legislar sobre direito penitenciário é matéria concorrente entre os entes, sendo assim, delegar atividades administrativas ao parceiro privado é o mesmo que entregar jus puniend a um estranho. Já que se trata de atividade resultado do exercício da jurisdição, a qual é exclusiva do Estado.

“O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório” (art. 88, LEP). As celas das penitenciárias brasileiras, em sua maioria, apresentam sanitário e lavatório, porém dizer que são individuais não passa de uma utopia, a maioria das celas apresentam em torno de 4 (quatro) a 6 (seis) beliches de concreto. Quando a população está acima do estimado os dormitórios acabam alojando aproximadamente entre 15 ou 20 condenados, na melhor das hipóteses.

“São requisitos básicos da unidade celular” (art. 88, parágrafo único, LEP):

a) “salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana”; Estes requisitos não são atendidos, partindo da salubridade, porquanto a maioria das unidades é acometida com infestações de ratos, insetos e outros animais que podem causar sérias doenças.

A questão da insolação também é duvidosa, muitas construções se posicionam de forma pouco favorável fazendo com que haja calor do sol apenas por um determinado período do dia. Dessa forma, ocasionando umidade nas celas e, por conseguinte, enfermidades em muitos detentos, sendo o pátio o momento de aeração. A questão do condicionamento térmico se limita ao calor solar, sua falta ocasiona umidade, tornando as celas muito frias no inverno e no verão a falta de ventilação as torna muito quentes. Será que este tipo de situação é o suficiente para percebermos à falta dos ditos requisitos básicos indispensáveis a condição humana ou ainda é preciso mais que isso.   

b) “área mínima de 6m²” (seis metros quadrados). Quando a condição de lotação vai além da máxima esta área é mera expressão de lei.

“A penitenciária de homens será construída em local afastado do centro urbano a distância que não restrinja a visitação” (art. 90, LEP). Nem todos os estabelecimentos vão ao encontro desta norma, mas em sua maioria há o devido afastamento.

Novamente a problemática da superpopulação implica diretamente na eficácia da norma, considerado um fatore negativo para o bom funcionamento e andamento da administração penitenciária.

1.3.     Colônia Agrícola, Industrial ou Similar:

“A Colônia Agrícola, Industrial ou Similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semiaberto” (art. 91, LEP). Este regime abrange condenados, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto (art. 33, parágrafo 2º, CPB). Quando não se faz presente as Colônias, o condenado pode ser enviado tanto ao presídio, quanto para penitenciária, respeitado o estabelecimento mais próximo da região do condenado.

“O condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, observados os requisitos da alínea “a” do parágrafo único do art. 88 desta lei” (art. 92, LEP). Os requisitos mencionados fazem menção à salubridade do ambiente entre outros, porém a situação depende do próprio estabelecimento. Quando em condições de lotação acima da máxima fica difícil mantê-lo nas condições propostas, por isso o disposto só apresentará aplicabilidade se os números não excederem o limite da capacidade.

“São também requisitos básicos das dependências coletivas” (art. 92, parágrafo único, LEP):

 a) “seleção adequada dos presos”; Para frequentar a colônia o preso precisa estar no regime semiaberto. 

b) “o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena”. Isso dependerá do número de colônias em uma mesma região, pois se houver apenas uma, frente a uma grande demanda de condenados, fica difícil falar em individualização da pena.

É importante perceber que, nem todos os estados são contemplados com este tipo de estabelecimento, por isso muitos condenados cumprem pena em estabelecimento diverso. Ainda, regiões que não têm a casa de colônia acabam prejudicando o agente, pois estes cumprem sua pena como se estivesse em regime fechado, ora não compatível com a sua condição.

1.4.     Da Casa do Albergado:

“A casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime aberto e da pena de limitação de fim de semana” (art. 93, LEP). O condenado cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá desde do início cumpri-la em regime aberto. Ademais, o albergue também se destina aos condenados à pena restritiva de direitos.

“O prédio deverá situar-se em centro urbano e separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra fugas” (art. 94, LEP). A maioria dos albergues é construído junto ao presídio ou penitenciária, ou seja, longe dos centros urbanos e por consequência com obstáculos.

“Em cada região haverá, pelo menos, uma Casa de Albergado, a qual deverá conter além dos aposentos para acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras” (art. 95, LEP). Grande parte das casas de albergados apresentam problemas com o disposto, porque em sua maioria apresentam péssimas condições inclusive com cômodos insuficientes. As palestras ou cursos muitas vezes não são realizados, e quando presentes ofertados para uma minoria.

Convém mencionar um novo tipo de procedimento que vem sendo aplicado ao instituto, o qual se refere à prisão por alimentos. Recentemente vem sendo aplicado ao cidadão inadimplente, ou seja, aqueles que fica aproximadamente 3 (três) meses sem pagar pensão, uma sanção que acaba sendo cumprida no albergue. O fato do cumprimento da prisão civil ser realizado no próprio albergue tem se tornado um assunto muito recorrente, principalmente por não apresentar reserva de lei. 

Outra problemática a ser a bordada é a frequente ausência de casa do albergado, assim passando a deferir a todo e qualquer condenado sujeito ao regime aberto o cumprimento da pena em sua própria residência, “a denominada prisão albergue domiciliar (PAD), o que não condiz com o objetivo da Lei de Execução Penal, mas é fruto da política desastrosa do Estado no trato da questão” (NUCCI, 2010, p. 1024). 

“O estabelecimento terá instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados” (art. 95, parágrafo único, LEP). O serviço de fiscalização corresponde à guarda interna, cuja função é controlar a entrada e saída de pessoas presas, visitantes, entrada e saída de viaturas e a segurança interna do estabelecimento prisional. “Já a questão da orientação destina-se às atividades de avaliação e de acompanhamento dos apenados, devendo funcionar em conjunto com a equipe de saúde” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2011, p. 51).

Nessa esteira percebe-se que, a norma apresenta grandes falhas funcionais, ocasionando um prejuízo para o regime aberto sem precedentes. Ao ponto do detento se vê limitado ao regime fechado devido à falta do espaço físico adequado.

1.5.    Do Centro de Observação

“No Centro de Observação realizar-se-ão os exames gerais e o criminológico, cujos resultados serão encaminhados a Comissão Técnica de Classificação” (art. 96, LEP). Estes exames servem para avaliar a pessoa do condenado.

De acordo com Nucci (2010, p. 999):

O exame criminológico, por exemplo, é mais específico, abrangendo a parte psicológica e psiquiátrica do exame de classificação, pois concede maior atenção à maturidade do condenado, sua disciplina, capacidade de suportar frustações e estabelecer laços afetivos com a família ou terceiros, grau de agressividade, visando à composição de um conjunto de fatores, destinados a construir um prognóstico de periculosidade, isto é, sua tendência a voltar à vida do crime.”

“No centro poderão ser realizadas pesquisas criminológicas” (art. 96, parágrafo único, LEP). O exame criminológico é obrigatório quando o condenado está em regime fechado, de acordo com o artigo 8º da LEP, “o condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido ao exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da pena” posto isto, leva-se em conta a adaptação do condenado em um novo regime de cumprimento de pena.

“O Centro de Observação será instalado em unidade autônoma ou em anexo a estabelecimento penal” (art. 97, LEP). Os exames poderão ser realizados pela Comissão Técnica de Classificação (CTC), na falta de Centro de Observação (art. 98, LEP).

De acordo com Nucci (2010, p. 999):

Tanto o exame de classificação, quanto o exame criminológico e o parecer da Comissão Técnica de Classificação não diferem na prática, como regra, constituindo uma única peça, feita, por vezes, pelos mesmos profissionais em exercício no estabelecimento prisional.

  Importante observar a modificação feita na LEP por meio da Lei 10.792/03, o qual limitou a atuação da CTC, [...] mencionando que ela somente serviria para fornecer o parecer inicial de cumprimento de pena, mas não mais auxiliaria o juiz durante a execução [...] (NUCCI, 2010, p. 999).

Ainda:

Assevera–se que esta modificação deu-se por existir uma padronização nos laudos apresentados o que acarretava pouca valia para a individualização executória, como também um exacerbado subjetivismo que convencia o juiz a manter o detento em regime mais severo, desta forma colaborando com a superlotação carcerária (NUCCI, 2010, p. 999).

Frente aos aspectos até agora apresentados este item foi o único que apresentou de forma concreta um tipo de avanço em prol do reeducando. Uma mudança a fim de viabilizar e concretizar a garantia constitucional, então porque não investir no maior número de esforços possíveis, a fim de mudar o atual panorama?  

1.6.    Do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico:

“O mesmo destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no art. 26 e parágrafo único do Código Penal Brasileiro” (art. 99, LEP), que dispõe:

Artigo 26: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo Único: A pena pode ser reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terço), se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 Aplica-se ao Hospital no que couber, o disposto no parágrafo único do art. 88 da LEP (art. 99, parágrafo único, LEP). O artigo trata da questão de salubridade, areação, insolação e condicionamento térmico, tratados anteriormente. Nota-se que a problemática é sempre a mesma, quadros de lotação acima do máximo, assim frustrando possíveis expectativas positivas no tratamento imposto o que torna o objetivo da norma cada vez mais difícil de ser alcançado/executado.  

“O exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao tratamento são obrigatórios para todos os internos” (art.100, LEP). O tratamento ambulatorial, previsto no art. 97, segunda parte, do Código Penal Brasileiro, será realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou em outro local com dependência médica adequada (art. 101, LEP). Expressa o artigo 97 do CPB que: “se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação”. Enquanto que o artigo 26 do CPB declara que: “Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”.

Conforme Ministério da Justiça (2011, p. 73). 

A Resolução Nº 04 de 2010, do CNPCP, que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais de Atenção aos Pacientes Judiciários e Execução da Medida de Segurança, redireciona o modelo assistencial de tratamento e cuidado em saúde mental que deve acontecer de modo antimanicomial, em serviços substitutivos em meio aberto, assim como a recomendação de extinção progressiva dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico até 2020.

Segundo a orientação, não deverão ser mais construídas unidades em modelos hospitalares para atendimento de pessoas com transtorno mental que cometem crimes. O serviço substitutivo de atenção aos pacientes judiciários é composto de unidades de acolhimento, acompanhamento e encaminhamento para serviços públicos de saúde mental, conforme a Lei nº 10.216/2001. 

Atualmente os serviços prestados por esses hospitais encontram-se prejudicados devido os diversos problemas de estrutura administrativa e física, sem mencionar o tratamento que na maioria da vezes tem efeito inverso, deixando o preso cada vez mais desestruturado mentalmente. Diante disso, paira a seguinte dúvida, o aludido incentivo aos Serviços Substitutivos tem o fim de organizar a confusão instaurada ou, apenas, está redirecionando o foco?

1.7.    Da Cadeia Pública:

“A Cadeia Pública destina-se ao recolhimento de preso provisório” (art. 102, LEP). Ou seja, do preso que não apresenta sentença transitada em julgado.

“Cada comarca terá, pelo menos, uma Cadeia Pública a fim de resguardar o interesse da administração da justiça criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar” (art. 103, LEP). Cada comarca apresenta uma cadeia ou dependendo do tamanho da mesma até mais de uma, não esquecendo que a permanência do preso nessa é de caráter provisório, na maioria dos casos logo que declarada a prisão preventiva o preso deve ser encaminhado à prisão.

“O estabelecimento de que trata este capítulo será instalado próximo de centro urbano, observando-se na construção as exigências mínimas referidas no art. 88 e seu parágrafo único desta lei” (art. 104, LEP). As cadeias se localizam em perímetro urbano, porém o espaço físico da mesma é menor acarretando um prejuízo à cela individual, os presos dividem o mesmo espaço como se estivessem em um presídio.

A análise realizada no título IV, da Lei de Execução Penal, demonstrou que boa parte da norma está sem efeito jurídico, a ineficácia e inaplicabilidade no meio carcerário tem impedindo a concretização da garantia imposta pela CF e pela lei infra, assim como deixa claro que possíveis mudanças estão longe de serem alcançadas.

Cabe ao Poder Executivo investir em políticas que viabilizem a Execução Penal, pois caso contrário a norma continuará apresentando os mesmos problemas de eficácia, como também é importante que o cidadão se envolva e saiba o que realmente acontece intramuros, a fim de ter um visão pessoal sobre a situação e tão logo se envolver com o tema assim como fazem os juristas, até porque este é um problema de todos, não é exclusivo de uma minoria.

Sendo assim, é preciso parar de agir como se os muros fossem o limite entre a sociedade e a “marginalia”, pois isto não garante segurança a ninguém. Haja vista, ser primordial trabalhar a pessoa do condenado quando presentes em uma sociedade intramuros, ao invés de ignorar sua existência. Posto que, como foi analisado, os estabelecimentos prisionais são um problema de caráter emergencial que precisam urgentemente de uma repaginada completa, caso contrário as perdas serão ainda maiores, seja para o apenado, sociedade ou segurança pública.

2.            Eficácia, eficiência, efetividade e plenitude da norma

Muito foi se falado em eficácia, efetividade e aplicabilidade, termos aparentemente parecidos que em seu cerne apresentam grandes diferenças. O objetivo da norma é promover a garantia de uma execução justa, conquanto a mesma se perde no campo da plenitude, já que não se expressa em sua totalidade. As condições apresentadas impedem o alcance da mesma, partindo da própria plenitude, posto que afirmar a beleza de sua totalidade está longe de ser um plano jurídico real.

A partir disso se torna interessante explorar os significados de cada expressão, com o intuito de melhor compreender em que momento a norma deixou de ser eficaz, eficiente e efetiva.

“A eficácia da norma é a capacidade de alcançar, em termos dos objetivos, as metas propostas”, (ÁVILA, 1999, apud, JULIÃO, 2012, p. 23). Como já mencionado, boa parte do disposto no título IV carece de eficácia, a maioria dos artigos explorados não atendem ao objetivo proposto e as problemáticas para o insucesso da mesma não param de crescer, principalmente a questão da superlotação. A falta de investimentos por parte do Poder Executivo também acaba gerando um retardamento significativo na Política de Execução Penal.

“A eficiência é outro fator que vai ao encontro da situação acima, sua definição explica que, quando na gestão de um projeto se consegue, com menor custo, maior benefício” (ÁVILA, 1999, apud, JULIÃO, 2012, p. 23).

O número de condenados beneficiados com a execução penal ainda é ínfimo, ocasionando um real prejuízo os estabelecimentos prisionais que a cada dia demandam mais investimentos, desde o projeto arquitetônico até o quadro de pessoal. Além do mais, a inexistência de investimentos a fim de alterar o presente quadro acarreta na condução da administração do cárcere para a alternativa da PPP.

“A efetividade da norma está na quantidade de mudanças significativas e duradouras na qualidade de vida ou desenvolvimento do público beneficiário da ação que o projeto ou política foi capaz de produzir” (ÁVILA, 1999, apud, JULIÃO, 2012, p. 23).

Este conceito frente ao título IV é totalmente incongruente com a realidade carcerária, pois ficou claro que os beneficiários da execução penal são inexistentes, não há qualidade de vida na execução proposta quando não existe dignidade da pessoa humana, individualização da pena e respeito aos Direitos Humanos, pelo contrário, a proposta de execução penal é totalmente precária. Cabe ressaltar aqui que, o proposto não é uma carceragem “cinco estrelas”, mas sim a garantia da norma, para que assim seja efetivada sua proposta perante o público alvo.    

3.   Conclusão

O problema explorado deixou claro que a norma em tela não apresenta aplicabilidade em praticamente todos os seus dispositivos e que há uma relação direta com a superlotação. Questão que é de conhecimento geral, porém os motivos que levam a esta situação são muitas vezes obscuros e do conhecimento de poucos.

É preciso que haja uma rápida mudança neste paradigma a fim de sanar as mazelas que formam o sistema e assim exista algum tipo de salvação, caso contrário a crise no sistema carcerário tende a gerar mais violência.

É nítido que um sistema o qual não fornece ressocialização/reeducação, mas lança cerceamento de direitos e desrespeito a dignidade da pessoa humana, tende a causar no encarcerado um sentimento de violência que não se limita apenas aos direitos também se estende a pessoa física. Sendo assim, o que se esperar do egresso quando inserido na sociedade, além de mais violência.

Neste momento se torna importante o envolvimento da sociedade no sistema carcerário, com o objetivo de entender os motivos que levam o egresso a voltar a delinquir. Pois não raro são os casos em que o problema está no próprio sistema enfrentado por ele na penitenciária, conquanto o cidadão que não se envolve com os verdadeiros acontecimentos e logo tem uma opinião forjada pela mídia tende a criticar e ver o preso ou egresso apenas com ameaças.

 Em suma a ameaça está sito ao sistema que não proporciona uma execução legítima, pelo contrário fornece uma execução desumana que tende a piorar o caos instaurado.

Ademias, a proposta não é defender o criminoso, pelo contrário cada violação exercida sobre um bem jurídico deve sim ser sancionada, contudo que seja uma sentença justa e o mais importante, legítima. Esta última, conforme a analise realizada está longe de ser alcançada, prejudicando ainda mais o frágil sistema carcerário.

4. Notas

¹ ROSA, Alexandre Morais. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 20.

³ Roig, Rodrigo Duque. Execução penal: teoria crítica / Rodrigo Duque Estrada Roig. – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 31. 

² Erving Goffman, p. 17-8 apud Bitencourt.

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Sobre a autora
Jaqueline Silva da Rocha

Advogada. Bacharel em Direito pela Faculdade Anhanguera do Rio Grande. Especialização, em andamento, em Penal e Processo Penal pela Damásio Educacional. Mestranda da Universidade Federal do Rio Grande.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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