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Tendências neoconstitucionalistas: O ativismo judicial como mecanismo efetivador de direitos

Agenda 18/11/2014 às 12:09

O presente trabalho visa analisar e discutir os principais aspectos acerca do debate atual referente a temática do ativismo judicial na sociedade contemporânea, bem como os reflexos de sua adoção no âmbito do cenário neoconstitucionalista.

RESUMO - O presente trabalho visa analisar e discutir os principais aspectos acerca do debate atual referente a temática do ativismo judicial na sociedade contemporânea, bem como os reflexos de sua adoção no âmbito do cenário neoconstitucionalista. Procuramos abordar também a questão da legitimidade de atuação do Judiciário em funções que originariamente pertencem a outras esferas de poder a fim de verificar eventual violação à Tripartição dos poderes. Para tanto, procuramos trabalhar com livros, artigos e julgados a fim de fundamentar nossa visão. Por fim, investiga-se nesse estudo o ativismo judicial como instrumento de concretização dos direitos e garantias fundamentais.

Palavras-chaves: Ativismo Judicial; Direito; Judicialização; Garantias

INTRODUÇÃO

O cenário político-social que vivemos hoje, em meio a constantes mudanças, sobretudo, na forma de pensar o Direito, onde as pessoas a cada dia parecem entender mais e buscar mais a efetivação daquilo que a Constituição nos garante, é reflexo de um novo pensamento constitucional voltado a reconhecer a supremacia material e axiológica da Constituição. Essa visão, na realidade, vem romper com os ideais do constitucionalismo moderno pautados, tão somente, na ótica da limitação do poder estatal.

Trata-se de um movimento denominado neoconstitucionalismo, que vem possibilitando o florescimento de um novo paradigma jurídico: o Estado Constitucional de Direito.

Em cima dessa nova visão, sobretudo, em razão do momento político que se vive, busca-se de maneira mais contundente a concretização do extenso rol de direitos e garantias fundamentais trazidos pela Carta Magna objetivando a proteção e o exercício dos direitos individuais por parte do povo brasileiro.

Dentre as tendências desse novo Direito Constitucional, e talvez uma das mais polêmicas, temos a questão da judicialização da política aliado ao ativismo judicial que, em sentido lato, consiste na criação de novos direitos pelos Tribunais, decidindo sobre a singularidade do caso concreto e formando precedentes que se antecipam à Lei, em muitos casos.   

A polêmica gira em torno de verificar se existe, ou se é legítima a atuação do Judiciário no papel de legislador positivo. Isto é, O modelo de atuação jurisdicional brasileiro, baseado no ativismo judicial e na judicialização da política se legitima pelo fato de ser um instrumento democrático de concretização dos direitos fundamentais? Ou esta prática estaria infringindo a teoria da Tripartição dos Poderes?

Frente a essas indagações, este trabalho visa analisar o fenômeno do ativismo judicial na democracia brasileira, de maneira objetiva e observando os recursos metodológicos que lhe são pertinentes.

A JUDICIALIZAÇÃO E O ATIVISMO JUDICIAL 

Não há dúvida que após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário ganhou uma outra conotação. Afinal, à este foi dada a missão de resguardar os valores constantes no texto constitucional. Assim, em face desse novo contexto, onde a Constituição começa a ser entendida não mais como um documento político mas sim como uma norma jurídica dotada de força normativa, o Judiciário entra em evidência como ente viabilizador dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos.

Dentro desse diapasão é que se insere a problemática da judicialização, fenômeno que vem ocorrendo no Direito brasileiro como forma de efetivação de direitos. É que, ante a omissão legislativa, o STF tem sido chamado a se pronunciar sobre determinadas matérias que caberiam ao Legislativo regulamentar. De fato, a tarefe de criar leis constitui função típica do Legislativo, contudo, prevalece o entendimento de que o particular não poderá ter seu direito violado em face da inércia do legislador.

            Na estreita de Luiz Roberto Barroso, a Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social não estão sendo decididas pelas instâncias tradicionais: Congresso Nacional e Poder Executivo[1]. Como causas desse fenômeno costuma-se elencar a redemocratização do país, tendo como marco o advento da Carta de 1988, pois partir disso, houve a recuperação das garantias da magistratura, fazendo com que o Judiciário deixasse de ser um departamento técnico-especializado e se transformasse em um verdadeiro poder político capaz de fazer valer os ditames constitucionais. Outro elemento gerador desse fenômeno, é o sistema brasileiro de controle de controle de constitucionalidade, já que por meio deste, pela via direta ou através do controle difuso, poderá ser submetido ao crivo do Judiciário, qualquer matéria que se entenda contrária à Constituição.

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No entanto, na medida em que o Judiciário se arvora de funções que, originariamente não lhe pertencem, começa-se a questionar se há legitimidade na atuação desse Poder como legislador positivo, uma vez que a Constituição deixou a cargo de outros poderes a tarefa de criar e executar leis.

Acompanhando o fenômeno da judicialização, vem ganhando espaço o chamado ativismo judicial que está associado a uma participação mais ampla e intensa dos juízes e Tribunais na efetivação de valores e fins constitucionais.

O ativismo judicial remonta as jurisprudências estadunidenses e corresponde a uma tendência neoconstitucionalista na qual o Judiciário, em virtude da omissão legislativa, se encarrega de solucionar demandas, se valendo da aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e dispensando a atuação do legislador ordinário[2].

No cenário atual, portanto, os juízes/Tribunais não são mais vistos como a “mera boca da lei.” Enxerga-se estes como viabilizadores da concretização de direitos e garantias constitucionais.

Fazendo um paralelo entre a judicialização e o ativismo judicial é necessário que entendamos que, embora pertençam a uma mesma realidade, seus conceitos não traduzem a mesma ideia, isto é, a despeito de, por vezes utilizar-se as expressões como sinônimos, estas não se confundem. Nesse sentido, é esclarecedor a lição de Alexandre Garrido Silva:

O ativismo judicial é percebido como uma atitude, decisão ou comportamento dos magistrados no sentido de revisar temas e questões – prima facie – de competência de outros poderes. A judicialização da política, mais ampla e estrutural, cuidaria de metacondições jurídicas, políticas e institucionais que favoreceriam a transferência decisória do eixo Poder Legislativo – Poder Executivo para o Poder Judiciário[3].

Devemos ter em mente que as expressões, embora guardem uma relação de semelhança, não devem ser usadas como sinônimos.  Na realidade, a judicialização se reveste de uma maior amplitude, estando o ativismo judicial inserido dentro de seu contexto.

ATIVISMO JUDICIL: OFENSA A TRIPARTIÇÃO DOS PODERES OU MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS 

Esclarecidos o conceito e o contexto em que se insere o ativismo judicial, imperioso se faz voltar a questão da legitimidade do Judiciário em atuar dessa maneira. É que tendo em vista o significado de ativismo judicial, muito se tem discutido acerca dos limites de atuação do deste Poder no sentido de verificar se essa postura ativa dos juízes e Tribunais corresponderia a uma violação da teoria da separação dos poderes.

No tocante à lógica da separação das funções exercidas pelo Estado, é sabido que a primeira base teórica para a teoria da “tripartição dos poderes” foi lançada na Antiguidade grega por Aristóteles. Conforme ensina Pedro Lenza, o pensador vislumbrava a existência de três funções distintas exercidas pelo poder soberano, quais sejam, a função de editar normas gerais a serem observadas por todos, a de aplicar as referidas normas ao caso concreto (administrando) e a função de julgamento, dirimindo os conflitos provenientes da execução das normas gerais nos casos concretos. Na ordem jurídica atual, cada uma dessas funções corresponde, respectivamente aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário[4].

Basicamente, a ideia era criar um sistema de compensações evitando a concentração do poder nas mãos de uma única pessoa, ou um só órgão. Trata-se da teoria dos freio e contrapesos, extraída da obra “O espírito das Leis” de Montesquieu.

A Constituição Brasileira de 1988 preocupou-se logo no seu art. 2º com a separação dos poderes e o modo de atuação entre eles quando declara que são “independentes e harmônicos entre si”[5].

É importante entendermos que a independência aqui referida significa que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos, não está vinculada ou guarda qualquer relação de dependência com o outro Poder. E isso vale também para a organização e implementação dos respectivos serviços, respeitando, obviamente as disposições legais e constitucionais. Já a harmonia, deve ser compreendida no sentido de que cada Poder, embora independentes, devem se manter em equilíbrio, respeitando as faculdades e prerrogativas pertinentes a cada um.

É bem verdade que o conceito de harmonia entre os poderes possui também um viés político-ético-social, voltado a consonância, já que convergem para o mesmo interesse social.[6]

Dado esse entendimento, quando se fala em ativismo judicial, há quem diga que este movimento retrata manifesta violação à Tripartição dos poderes. Argumentam que, no momento em que o Judiciário se apodera de uma função, que tipicamente, pertence a outro ente, estaria se promovendo uma relativização dessa teoria. Na verdade, o Poder Judiciário estaria usurpando seus limites de atuação e invadindo a esfera de poder de outros órgãos.

 Em entrevista ao site consultor jurídico, Lênio Streck considera:

“Os juízes (e a doutrina também é culpada), que agora deveriam aplicar a Constituição e fazer filtragem das leis ruins, quer dizer, aquelas inconstitucionais, passaram a achar que sabiam mais do que o constituinte. Saímos, assim, de uma estagnação para um ativismo, entendido como a substituição do Direito por juízos subjetivos do julgador. Além disso, caímos em uma espécie de pan-principiologismo, isto é, quando não concordamos com a lei ou com a Constituição, construímos um princípio. (...) Tudo se judicializa. Na ponta final, ao invés de se mobilizar e buscar seus direitos por outras vias (organização, pressões políticas, etc.), o cidadão vai direto ao Judiciário, que se transforma em um grande guichê de reclamações da sociedade. Ora, democracia não é apenas direito de reclamar judicialmente alguma coisa. Por isso é que cresce a necessidade de se controlar a decisão dos juízes e tribunais, para evitar que estes substituam o legislador. E nisso se inclui o STF, que não é — e não deve ser — um super poder”[7].

Assim, em razão desse comportamento proativo e das demais interferências, fala-se que o Judiciário estaria se transformando em um super poder. Não compartilhamos desse entendimento.

É fundamental pontuarmos que, no tocante a separação de poderes, a divisão constitucional das funções desempenhadas por cada ente não implica em exclusividade no exercício das mesmas. O que há é a distribuição de funções típicas para cada esfera. Desse modo, sabe-se que o Judiciário tem como função típica a de julgar. Entretanto, não há óbice em, de maneira atípica, o judiciário atuar em outas funções. E isso ocorre em todos os poderes.

Podemos ilustrar, a título de exemplo, a atuação do Executivo como legislador na edição de Medida Provisória, ou a atribuição de julgar ao Legislativo nos crimes de responsabilidade do Presidente da República.

Outra crítica que se faz é em relação a legitimidade do Poder Judiciário, já que seus representantes não foram escolhidos pelo povo de maneira democrática. Tal argumento, no entanto não nos parece válido. Nesse ponto, esclarece Cícero Alexandre Granja citando CARMONA:

A legitimidade possui duas justificativas: uma de natureza normativa e outra filosófica. O fundamento normativo deriva, do fato de que a Constituição brasileira confere expressamente esse poder ao Judiciário e, em especial, ao Supremo Tribunal Federal.  A justificativa filosófica consiste no fato de que a Constituição realiza dois papéis: estabelecer as regras do jogo democrático e proteger valores e direitos fundamentais”.

Conforme exposto acima, podemos afirmar que a legitimidade exercida pelo Poder Judiciário, está expressa na própria Constituição Federal, assim os juízes atuam conforme preconiza a Lei e não por causa própria.

Ademais, na própria constituição consagra a vontade majoritária e o ativismo judicial seria então um instrumento que promove a democracia.[8]

Na realidade, a par de todas essas questões, o que deve ficar é o interesse maior de fazer valer os direitos e garantias fundamentais. O que queremos dizer é que o fenômeno do ativismo judicial se justifica no momento em que está em jogo a efetivação de um direito.

O acesso à justiça é uma garantia constitucional. Portanto, o particular não pode se vê lesado em virtude da inércia legislativa. Acreditamos que na medida em que a sociedade se concentrar mais nas instancias políticas e o Legislativo se mostrar mais presente na vida da população, naturalmente reduzir-se-á consideravelmente o campo do ativismo judicial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz das explanações feitas, percebemos o quão é delicada e o que representa a questão do ativismo judicial na sociedade contemporânea. Esse comportamento do Judiciário, embora criticado por muitos, tem sido visto como uma solução alternativa de resolução de empasses sociais e, sobretudo, como mecanismo de concreção de direitos e garantias fundamentas.

Assim, a justificativa para uma atuação mais presente do Poder judiciário se dá no momento em que vê-se lesado um direito em razão da carência de regulamento. Ora, a sociedade é dinâmica. Não há como o legislador se antecipar e estabelecer uma previsão de todos os possíveis comportamentos sociais. Entendemos, desse modo, que o ativismo judicial seria uma forma de tentar acompanhar a dinamicidade das relações sociais e fazer com que a Constituição se adapte à realidade que vive os brasileiros.

Não podemos entender a Constituição como um documento político imutável. Acreditamos que esta deve ser havida como instrumento garantidor de direitos. Afinal, é justamente essa a proposta neoconstitucionalista.

REFERÊNCIAS

ÁVILA, André Cambuy. Ativismo Judicial e a Separação dos Poderes em Montesquieu: Uma releitura necessária no Brasil. Instituto Brasiliense de Direito Público. Portal de periódicos jurídicos. Disponível em:< http://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/cadernovirtual/article/view/701/479> Acesso em: 30 de out. de 2014

BARRSO, Luiz Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n. 13, jan/mar 2009                                        

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

GRANJA, Cícero Alexandre. O ativismo judicial no Brasil como mecanismo para concretizar direitos fundamentais sociais. Âmbito jurídico. Disponível em:< http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14052> Acesso em:30 de out. 2014. 

 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011.

SILVA, Alexandre Garrido da; Vieira, José Ribas. Justiça transicional, direitos humanos e a seletividade do ativismo judicial no Brasil. Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes. Rio de Janeiro, v. 1, n. 13, dez. 1996

STRECK, Lênio. Ativismo judicial não é bom para a democracia. Consultor jurídico. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2009-mar-15/entrevista-lenio-streck-procurador-justica-rio-grande-sul> Acesso em 31 de out 2014.


[1] BARRSO, Luiz Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n. 13, jan/mar 2009. p. 70.

[2] Ibidem, p. 74.

[3]SILVA, Alexandre Garrido da; Vieira, José Ribas. Justiça transicional, direitos humanos e a seletividade do ativismo judicial no Brasil. Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes, Rio de Janeiro, v. 1, n. 13, dez. 1996. p. 56-57.

[4] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 433.

[5] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

[6]ÁVILA, André Cambuy. Ativismo Judicial e a Separação dos Poderes em Montesquieu: Uma releitura necessária no Brasil. Instituto Brasiliense de Direito Público. Portal de periódicos jurídicos. Disponível em:< http://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/cadernovirtual/article/view/701/479> Acesso em: 30 de out. de 2014.

[7]STRECK, Lênio. Ativismo judicial não é bom para a democracia. Consultor jurídico. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2009-mar-15/entrevista-lenio-streck-procurador-justica-rio-grande-sul> Acesso em 31 de out 2014.

[8]GRANJA, Cícero Alexandre. O ativismo judicial no Brasil como mecanismo para concretizar direitos fundamentais sociais. Âmbito jurídico. Disponível em:< http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14052> Acesso em:30 de out. 2014.  

Sobre o autor
Marden de Carvalho Nogueira

Procurador Federal - Procuradoria Geral Federal - PGF<br>Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Ceará - UFC.<br>Como Procurador Federal atuou ou atua nas matérias de direito tributário, execução fiscal, execução fiscal trabalhista, contencioso trabalhista, contencioso previdenciário, ações civis públicas, ações de improbidade administrativa etc.

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