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Não-pagamento das parcelas rescisórias e indenização moral.

Agenda 18/11/2014 às 17:55

O não-pagamento das parcelas decorrentes da rescisão gera abalo psicológico que dá direito à indenização moral.

Não-pagamento das parcelas rescisórias e indenização moral.

De uns tempos para cá tem aumentado o número de pedidos judiciais de indenização moral em razão do não-pagamento das parcelas decorrentes da rescisão do contrato de trabalho. Normalmente as demandas centram-se no fato de o trabalhador ter deixado de consumir e pagar suas contas, o que prejudica o crédito e, em consequencia, a imagem perante a sociedade de consumo.

Este ensaio vai tratar um pouco disso. Mas tentará demonstrar não ser apenas o abalo de crédito mas a desestabilização psicológica em razão da exclusão da sociedade de consumo que gera o dever de indenizar.

Inicialmente é bom destacar que há direito à indenização moral nos casos de violação a direito de personalidade tais como o nome, a integridade física e psíquica, a imagem, a honra, a liberdade de pensamento e de disposição do corpo e da sexualidade, entre outros. É bom haja alguns esclarecimentos: há a possibilidade de indenização moral nos casos em que há ato único, praticado por determinada pessoa contra outra, ou ainda os casos de assédio moral (dividido em moral propriamente dito e sexual), prática esta que deve ser repetida e reiterada no tempo, dirigida contra uma ou algumas pessoas, prejudicando o ambiente onde a pessoa está inserida e/ou vida privada do assediado.

No caso da indenização moral pelo não-pagamento das parcelas rescisórias não há assédio moral, por evidente. O ato é único, gerado pelo não-pagamento.

Mas há, de fato, abalo moral pelo não-pagamento das parcelas decorrentes da rescisão do contrato de trabalho?

A resposta não é tão simples como parece.

Embora a Constituição federal de 1988 tenha-se centrado no ser humano e em sua dignidade, na valorização do social em detrimento do econômico, na vida prática o social cede espaço ao econômico. Com a imensa propaganda havida pelas grandes redes de comunicação passamos a ser seres não para o mundo mas seres apenas para nós mesmos. O individualismo tomou conta de nosso ente e, hoje, centramo-nos mais do que nunca em nós mesmos deixando o outro para um quarto plano. Prova disso é que não nos reunimos mais, salvo em redes sociais. Não conversamos mais, salvo pelo celular... ate amor fazemos pelo computador[1], em detrimento do contato físico! E este individualismo que nos centra em nós, no eu e apenas no eu, nos exclui da vida para com o outro e do compartilhamento da vida para com o outro.

E para sermos felizes, já que não nos relacionamos mais com o outro e, pior, não mais nos interessamos pelo outro, temos que comprar. Consumir e pagar caro por isso. Os produtos de consumo estão ao alcance das pessoas mas elas devem pagar. De devem fazê-lo a tempo! O atraso não é tolerado. O atraso e o não-pagamento leva a pessoa aos cadastros de “proteção”[2] ao crédito.

E como conseguimos dinheiro para pagar os bens duráveis que, em razão do nosso individualismo, temos e devemos consumir? Apenas com o trabalho. Mas perder o emprego nos retira deste meio. Não somos mais seres no mundo para o consumo quando deixamos de ter dinheiro. Não podemos mais consumir. É bom lembrar que no Brasil, com a possibilidade da despedida arbitrária e/ou sem justa causa[3], os rompimentos contratuais embora retirem a pessoa do mundo e da vida para o consumo não geram direito à indenização moral. O ato é lícito, previsto em lei e, por isso, não pode o rompimento do pacto laboral gerar direito à indenização moral.

O mesmo, contudo, não ocorre quando há o rompimento do pacto laboral sem o pagamento das parcelas decorrentes da rescisão do contrato de trabalho. Embora o empregado, com a despedida, seja alijado do mundo para o consumo, o mundo para o consumo segue cobrando sua cota parte dele trabalhador. E as parcelas decorrentes da rescisão servem para que o trabalhador possa, pelo período de desemprego, pagar os débitos havidos e ainda fazer parte da sociedade que consome. Como dito antes os atrasos não são tolerados. Devemos consumir. Sem emprego não mais podemos consumir tanto e de forma permanente. Com as parcelas decorrentes da rescisão seguimos pagando as contas havidas no período de emprego e consumindo, mesmo que um pouco menos, para que não sejamos expulsos totalmente da sociedade de consumo.

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Numa sociedade que avalia apenas o que se pode comprar, não efetuar o pagamento das parcelas decorrentes da rescisão do contrato de emprego exclui de vez, se é que se pode dizer assim, o trabalhador da sociedade de consumo. O trabalhador já está, em parte, pela despedida, fora da sociedade de consumo pela impossibilidade de consumo permanente, e é atirado ainda mais para fora por não poder seguir consumindo mesmo que precariamente, isso em razão da falta do pagamento das parcelas decorrentes da rescisão do contrato de emprego. Esta pessoa está, portanto, duplamente fora da sociedade presente. E esta exclusão da sociedade posta retira do trabalhador um sentimento que é essencial e que faz parte do ser humano. Mesmo sendo hoje individualista e centrado no eu, o humano pertence a um grupo. Pertence à sociedade de consumo. Este sentimento de pertença gera um sentimento de proteção e estabiliza o psicológico. A quebra desta estabilidade psicológica gera o dever de indenizar. Isso porque, como dito, é direito de personalidade a integridade psíquica do ser humano. O fato de o humano não mais fazer parte de um determinado grupo gera efeitos psicológicos que desestabilizam sua vida, o que acarreta prejuízos emocionais e sofrimento. Está excluído aquele que não pode comprar! Quem não pode ter, apenas “vê de fora”, está marginalizado e, em consequencia, no aspecto psicológico, perde o equilíbrio emocional que, em tese, leva a uma vida boa e feliz.

De outro lado, apenas para não deixar de citar, já no mundo mais palpável, o abalo no crédito fruto do não-pagamento das contas pela falta de dinheiro gera abalo à imagem do trabalhador como consumidor, expondo-o a cadastros de proteção ao crédito que leva, inevitavelmente à possibilidade de abalo moral.

Pr fim, o risco de não poder consumir para subsistência gera um temor e um terror psicológico grande. Sem dinheiro para ir ao mercado e alimentar os filhos o trabalhador sofre psicologicamente, sofrimento este que tem origem em ato do empregador de não para as parcelas decorrentes da rescisão do contrato. Este abalo, presumível, gera direito, igualmente, à indenização moral.


[1] Lembro aqui do filme Demolidor....

[2] Não dá para acreditar que incorporamos esta expressão à nossa vida!

[3] Ainda não-regulamenta do o artigo 7o, I, da CF/88.

Sobre o autor
Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho titular da Quarta Vara do Trabalho de Caxias do Sul; Especialista em direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário pela Unisc;<br>Mestre em Direito pela Unisc; Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (UBU), Espanha; Membro da Associação Juízes para a Democracia

Informações sobre o texto

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