DOS DÉBITOS COBRADOS ATRAVÉS DA EXECUÇÃO FISCAL
A Lei 6830/80 regulamenta o procedimento da execução fiscal de dívidas tributárias e não tributárias. Ou seja, a cobrança por parte da Administração Pública de qualquer débito inscrito em dívida ativa deve obedecer aos preceitos descritos na Lei 6830/80.
Por débito tributário entende-se ser a cobrança de qualquer tributo não pago no tempo certo, ou pago a menor. Tributo, conforme a teoria clássica, é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa se exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (art. 3º do Código Tributário Nacional).
Conforme define a teoria quinquipartite, hoje entendimento majoritário na doutrina, as espécies de tributos são os impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimo compulsório.
Ainda, o CTN dispõe em seu art. 113 que a obrigação tributária é principal ou acessória. Por principal, entende-se o pagamento de qualquer tributo, enquanto obrigação acessória são as prestações positivas ou negativas do contribuinte que devem ser suportadas no interesse na arrecadação ou fiscalização dos tributos. Como exemplo de obrigação acessória tem-se a obrigação de escrituração contábil por parte da empresa, a obrigação de suportar fiscalização de sua atividade, de apresentar declaração anual de bens perante o fisco e outras prestações definidos em lei.
O não cumprimento de uma obrigação acessória converte-se em principal (art. 113,§3º) pelo fato de que este não cumprimento gera uma multa, ou seja, uma obrigação de pagar, e quando não quitada no tempo certo é inscrita em dívida ativa, dando ensejo ao início do procedimento de execução fiscal.
Além das obrigações tributárias principal e acessória, também podem ser inscritos em dívida ativa as multas de qualquer origem ou natureza, foros, laudêmios, aluguéis, tarifas, obrigações contratuais ou decorrentes de outras obrigações legais (art. 39, §2º da Lei 4.320/79).
Assim, a execução de qualquer crédito da Fazenda Pública, seja ele tributário ou não, é feito pelo procedimento da execução fiscal definido na Lei 8630/80.
A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO SÓCIO-GERENTE DA PESSOA JURÍDICA DISOLVIDA IRREGULARMENTE
A respeito do direcionamento da execução fiscal de dívida tributária em face sócio-gerente da sociedade dissolvida irregularmente, ou seja, aquela que simplesmente encerra suas atividades sem dar baixa nos registros empresariais, o STJ publicou a seguinte súmula:
Súmula 435/STJ: “ Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio gerente.”
Tal súmula teve como fundamento jurídico o art. 135, III do CTN, que dispõe:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
...
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
O artigo acima dispõe que o sócio gerente é responsável pelo tributo quando praticar atos em nome da sociedade que sejam contrários à lei. Conforme se depreende da leitura dos artigos 1.150 e 1.151 do Código Civil e artigos 1º e 32 da Lei 8.934/94, o sócio-gerente tem o dever legal de manter atualizado os registros empresariais e comerciais da empresa junto aos órgãos competentes. Não estando esse registro empresarial atualizado, entende-se que houve uma infração legal por parte de quem deveria fazê-lo.
Dessa forma, com base nesses fundamentos legais, a jurisprudência é unânime em aceitar o redirecionamento da execução fiscal de dívida tributária em face do sócio-gerente da empresa dissolvida irregularmente. Contudo, no que tange à execução fiscal de dívida não tributária, ainda havia certa relutância de alguns juízes aceitarem o redirecionamento da cobrança em face do sócio gerente por falta de previsão legal.
No entanto, tal dúvida caiu por terra com a publicação do acórdão proferido pelo STJ no RESP nº 1.371.128-RS.
Primeiro, o STJ entendeu que o Decreto 3.078/19, que regulamenta as sociedades limitadas, determina em seu art. 10 a responsabilidade solidaria e ilimitada dos sócios gerentes perante terceiros quando agirem contrariamente à lei. Vejamos o teor deste artigo:
Art. 10. Os sócios gerentes ou que derem o nome á firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contrahidas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidaria e illimitadamente pelo excesso de mandato e pelos actos praticados com violação do contracto ou da lei.
Após, no mesmo sentido do artigo citado acima, entendeu que a lei das sociedades anônimas (Lei 6404/76) tem o mesmo conteúdo, conforme se verifica em seu art. 158:
Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto.
Pode-se perceber que em nenhum desses dispositivos legais é exigido o dolo do administrador em fraudar a lei, bastando a sua não observância. Nessa mesma linha de raciocínio, tem-se o art. 1016 do Código Civil:
Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.
Assim, como é dever legal dos administradores de empresas manter o seu registro atualizado, inclusive com a mudança de endereço dos estabelecimentos ou dissolução da sociedade, (art. 1.150 e 1.151 do Código Civil e art. 1º e 32 da Lei 8.934/94), há infração legal quando a sociedade é dissolvida irregularmente, ou seja, simplesmente fecha suas portas sem que seja dada baixa em seus cadastros mercantis ou informado o novo endereço do estabelecimento comercial.
Desta forma, se a legislação dispõe que a dissolução irregular é causa suficiente para redirecionamento da cobrança tributária em face do sócio-gerente (Súmula n. 435 do STJ), também o é quando a cobrança é feita por terceiros, conforme dispõe a legislação citada acima.
Com efeito, se terceiros podem cobrar seus créditos em face do administrador da sociedade dissolvida irregularmente, a Fazenda Pública também o pode fazer quando executa dívida não tributária, conforme entendeu o STJ no REsp 1371128 / RS, cuja ementa colacionamos abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA EM VIRTUDE DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DE PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. ART. 10, DO DECRETO N.3.078/19 E ART. 158, DA LEI N. 6.404/78 - LSA C/C ART. 4º, V, DA LEI N. 6.830/80 - LEF.
1. A mera afirmação da Defensoria Pública da União - DPU de atuar em vários processos que tratam do mesmo tema versado no recurso representativo da controvérsia a ser julgado não é suficiente para caracterizar-lhe a condição de amicus curiae. Precedente: REsp.1.333.977/MT, Segunda Seção, Rel. Min. Isabel Gallotti, julgado em 26.02.2014.
2. Consoante a Súmula n. 435/STJ: "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente".
3. É obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e, especialmente, referentes à dissolução da sociedade. A regularidade desses registros é exigida para que se demonstre que a sociedade dissolveu-se de forma regular, em obediência aos ritos e formalidades previstas nos arts. 1.033 à 1.038 e arts. 1.102 a 1.112, todos do Código Civil de 2002 - onde é prevista a liquidação da sociedade com o pagamento dos credores em sua ordem de preferência - ou na forma da Lei n. 11.101/2005, no caso de falência. A desobediência a tais ritos caracteriza infração à lei.
4. Não há como compreender que o mesmo fato jurídico "dissolução irregular" seja considerado ilícito suficiente ao redirecionamento da execução fiscal de débito tributário e não o seja para a execução fiscal de débito não-tributário. "Ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio". O suporte dado pelo art. 135, III, do CTN, no âmbito tributário é dado pelo art. 10, do Decreto n. 3.078/19 e art. 158, da Lei n. 6.404/78 - LSA no âmbito não-tributário, não havendo, em nenhum dos casos, a exigência de dolo.
5. Precedentes: REsp. n. 697108 / MG, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 28.04.2009; REsp. n. 657935 / RS , Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 12.09.2006; AgRg no AREsp 8.509/SC, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 4.10.2011; REsp 1272021 / RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 07.02.2012; REsp 1259066/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28/06/2012; REsp.n. º 1.348.449 - RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11.04.2013; AgRg no AG nº 668.190 - SP, Terceira Turma, Rel.Min.Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13.09.2011; REsp. n.º 586.222 - SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23.11.2010; REsp 140564 / SP, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 21.10.2004.
6. Caso em que, conforme o certificado pelo oficial de justiça, a pessoa jurídica executada está desativada desde 2004, não restando bens a serem penhorados. Ou seja, além do encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, não houve a reserva de bens suficientes para o pagamento dos credores.
7. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art.543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp 1371128/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/09/2014, DJe 17/09/2014).
No entanto, caso a sociedade empresarial tenha sido dissolvida regularmente, com baixa em seu registro na Junta Comercial, na Comissão de Valores Mobiliários - CVM ou através de processo falência, não há que se falar em redirecionamento da execução em face do sócio-gerente, pois nesses casos não houve infração à lei.