O instituto do Tribunal do Júri passou a integrar a legislação brasileira nos longínquos dias do império, sendo instituído pela Lei de 18 de julho de 1822, antes da independência de nosso país e da promulgação da primeira Constituição Brasileira, a de 1824, sendo um procedimento exclusivo para os crimes de abuso de liberdade de imprensa[1].
Com a Constituição de 25 de março de 1824, o Tribunal do Júri passou a ser um dos ramos do Poder Judiciário, estabelecendo sua composição entre juízes e jurados, sendo que aos primeiros estaria destinada a aplicação da lei, e aos segundos, o pronunciamento acerca dos fatos, tanto nas causas cíveis quanto nas criminais[2].
No ano de 1932, veio o Código de Processo Criminal do Império, o qual atribuiu ao Instituto do Júri competência para julgar quase todas as infrações. Formalmente, criou-se o chamado Jury de Accusação, também conhecido como “Grande Júri”, que consistia em 23 jurados que se reuniam semestralmente na sede da comarca, e de portas fechadas, deliberavam sobre a procedência ou não da acusação. No caso da existência de prova para a acusação, o réu era julgado pelo chamado Jury de Sentença, também conhecido como “Júri de Julgamento”, que era formado por 12 jurados que também deliberavam sigilosamente.[3]
Para a composição dos grupos supracitados, eram escolhidos 60 cidadãos, eleitores, sendo 23 para o Grande Júri e 12 para o Júri de Julgamento. Porém no dia 3 de dezembro de 1841, veio a Lei nº 261, que eliminou o “Júri de Acusação”, e em 1942, a lista baixou para 50 cidadãos, que nas palavras de Tourinho Filho eram: “eleitores que tivessem um rendimento anual um tanto quanto respeitável em razão de emprego ou dos rendimentos de bens de raiz”.[4]
Pela Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871, que foi regulada pelo Decreto Imperial nº 4.824, de 22 de novembro do mesmo ano, a competência do Tribunal do Júri foi redefinida para toda a matéria criminal.[5]
O Tribunal do Júri manteve-se pela primeira Constituição republicana do Brasil, de 1891, que foi elaborada sob forte influência norte-americana, concedendo aos Estados Federados autonomia política, passando as unidades federativas a legislar, também, a respeito do Júri.[6]O Júri resistiu nas primeiras décadas do século XX. Porém com a tentativa de reforma de 1926, que pretendia modificar o regime de intervenção federal nos Estados, inclusive quanto ao processo de elaboração legislativa e nos direitos e garantias individuais, vários dispositivos da Constituição de 1891 foram suspensos, fazendo com que em 11 de novembro de 1930, com o Decreto nº 19.398, as regras relativas ao Tribunal do Júri restassem escassas.[7]
A Constituição de 1934 manteve o Tribunal do Júri, tratando-o como órgão do Poder Judiciário. Então, no ano de 1937 foi outorgada a nova Carta Constitucional, de cunho notadamente ditatorial, que, ao contrário das constituições anteriores, não tratou sobre o Tribunal Popular, sendo tal procedimento disciplinado apenas pelo Decreto-Lei nº 167, de 5 de janeiro de 1938.[8]
Cabe ressaltar que, a Constituição “Polaca” de 1937, com o Decreto-Lei nº 167, de 5 de janeiro de 1938, trouxe alterações no procedimento do Júri, alterando o número de jurados para 7 e extinguindo a soberania, que era prevista nas Cartas de 1891 e 1934.[9]
A Constituição de 1937 não resistiu ao fim da Segunda Guerra Mundial, e no ano de 1946, veio a nova Carta Magna, que pautada pela democracia, estabeleceu o Tribunal do Júri entre os Direitos e Garantias Individuais, mantendo-o “com a organização que lhe der a lei, contanto que seja ímpar o número de seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a soberania dos vereditos. Serão obrigatoriamente de sua competência os crimes dolosos contra a vida” (artigo 141, § 28, Constituição da República de 1946) [10].
Com o Golpe de 1964, o Diploma de 1946 foi sucedido pela Carta promulgada em 24 de janeiro de 1967, que veio amparada pela doutrina da Segurança Nacional, mantendo o Tribunal do Júri com a sua configuração anterior.[11]
A Emenda Constitucional nº 1/69, promulgada em 17 de outubro de 1969, manteve o Tribunal Popular entre os direitos e garantias individuais, porém, foi cassada a soberania dos veredictos, configurando um verdadeiro golpe na vontade popular e na democracia.[12]
Fazendo valer a democracia merecida, no ano de 1988 foi promulgada a “Constituição Cidadã”, vigente até hoje, que manteve a Instituição do Júri entre os direitos e garantias fundamentais e reestabeleceu a soberania dos veredictos, limitando-se a definir a competência mínima de seus julgamentos, mantendo-a, como preceito constitucional, a relativa aos crimes dolosos contra a vida.[13]
Ao se depreender uma análise da dinâmica constitucional de nosso país, é inevitável notar que a Instituição do Júri acompanhou todos os momentos político- sociais da história, modificando-se e adequando-se por diversas vezes, de acordo com as necessidades da época. De fato, levando em conta todo o caminho pelo qual percorreu, é ponto incontroverso que o Tribunal Popular carrega imensa importância para a sociedade, vez que, mesmo em momentos turbados pela tirania, tal instituição permaneceu em nosso ordenamento jurídico, vez mais apagada, vez mais luminosa, mas quase sempre atendendo, amparando e honrando a democracia e a vontade do povo, até os dias de hoje, nos quais já se consagrou como instrumento da soberania popular.
Notas
[1] NASSIF, Aramis – Júri: Instrumento da Soberania Popular – 2. Ed. Ver. e amp. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008 – Pg. 15 e 16.
[2] Ibid., p. 15 -16.
[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa-Manual de Processo Penal - 15. Ed. Ver. e de acordo com a Lei nº 12.403/2011 – São Paulo: Saraiva, 2012 - Pg. 770.
[4] ibid., p. 770.
[5] NASSIF, Aramis. Op. cit.17 p.
[6] NASSIF, Aramis. Op. cit.18 p.
[7] NASSIF, Aramis . Op. cit.19 p.
[8] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit. 770 p. NASSIF, Aramis Op. Cit. 20 p.
[9] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit. 770 p.
[10] NASSIF, Aramis. Op. Cit. 21 p.
[11] NASSIF, Aramis. Op. Cit. 21 p.
[12] NASSIF, Aramis. Op. Cit. 22 p.
[13] NASSIF, Aramis. Op. Cit. 22 p.