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Apontamentos sobre o regime jurídico-constitucional do Ministério Público e da Advocacia Pública.

Uma análise comparativa

Agenda 01/11/2002 às 00:00

1.Considerações Iniciais:

O Ministério Público, a Advocacia Pública e Privada e a Defensoria Pública são instituições ou atividades que integram as chamadas funções essenciais à justiça, como determinou o legislador constituinte na nossa Lei Fundamental de 1988. Entretanto, disciplinados em seções individualizadas, cada instituição (Ministério Público, Advocacia Pública da União e dos Estados e Defensoria Pública da União e dos Estados) e a atividade da advocacia privada, possuem um regime jurídico particularizado.

O presente trabalho tem a finalidade de fazer uma breve análise a respeito do regime jurídico do Ministério Público e da Advocacia Pública, procurando identificar pontos de identificação entre as duas instituições e particularidades que os singularizam.


2.Ministério Público:

Historicamente os membros do Ministério Público prestavam os seus serviços aos governantes, patrocinando os interesses tão somente dos soberanos. Foi assim, na França do séc. XIV. Eram os chamados procuradores do rei ou comissários do rei.

Antes deste registro histórico, como afirma Hugo Nigro Mazzili (Regime Jurídico do Ministério Público, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 18), "não há dúvida de que podemos identificar em alguns funcionários e magistrados antigos, mesmo na Roma clássica, ou no antigo Egito, ou até no promotor de justiça do direito canônico, algumas analogias com uma ou outra das atribuições ora conferidas ao Ministério Público".

Ensina-nos Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 287), que da expressão latina manus derivaram algumas palavras do nosso vernáculo, dente elas, ministério. Dizem, ainda, os mestres que "nas suas origens o Ministério Público exercia o papel de mão do rei". Daí a origem do vocábulo, derivado do termo manus.

O Ministério Público brasileiro, no entanto, desenvolveu-se do direito português, onde podemos encontrar referências, mesmo que tímidas, nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.

Como instituição, o Ministério Público do Brasil passou a ser reconhecido a partir do Decreto nº 1.030, de 14 de novembro de 1890. Paulatinamente houve um desenvolvimento das suas atribuições, notadamente na esfera criminal, como órgão acusador e, posteriormente, como órgão agente e interveniente (custos legis), no campo cível.

Entretanto, somente após a Constituição de 1988 é que se observa um real e completo desenvolvimento institucional, estabelecendo a Lei Maior atribuições que elevaram o Ministério Público à condição de um verdadeiro ombudsman, ao lado das suas já tradicionais tarefas.

É de se destacar a atual posição constitucional, desatrelada das estruturas do demais poderes, visto que, no passado, integrava a estrutura organizacional ora do Poder Judiciário ora do Poder Executivo. Não se quer afirmar, como apregoam alguns, que o Ministério Público venha a ser um quarto poder. Entretanto foi alçado a uma condição peculiar de autonomia e independência enquanto instituição, no capítulo reservado às funções essenciais à Justiça (Cap. IV), incrustando-se no título que versa sobre a organização dos poderes (Título IV – CF).

Nos dias presentes ainda há quem defenda que o parquet representa o Poder Executivo perante a jurisdição, atuando junto ao Poder Judiciário, mas sem pertencer a ele (Cf. Antônio José Miguel Feu Rosa, Direito Constitucional, Saraiva, São Paulo, 1998, p. 359).

Quer nos parecer que o Ministério Público é uma instituição sui generis não podendo, em função da sua posição constitucional, estar atrelado ao Poder Executivo, como desejam alguns.

Estabelece a Carta Magna que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis (art. 127).

Como ventilado anteriormente, foi-lhe assegurado autonomia funcional e administrativa e competência para, de forma particular, elaborar a sua proposta orçamentária.

Na estrutura da organização do poder estatal ocupa o órgão ministerial uma posição de relevo, porquanto dispõe de prerrogativas de proteção semelhantes aos dos poderes propriamente ditos (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Para chegar a essa conclusão precisamos buscar, na Carta-mãe pistas. A interpretação sistemática é o melhor caminho para uma correta hermenêutica constitucional, pois, em diversos momentos, o legislador constituinte demonstrou a dignidade que quis conferir ao Ministério Público.

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Quando tratou dos crimes de responsabilidade do Presidente da República (art. 85, II), considerou como especialmente grave, passível de impeachment, o ato do Chefe do Executivo que atentasse contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, dos Poderes constitucionais das unidades da Federação e do Ministério Público.

Disciplinando a competência originária do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, "b" – CF), verbi gratia, ao lado de autoridades como o Presidente da República (Poder Executivo) e dos parlamentares (Poder Legislativo), observa-se o Procurador-Geral da República (Chefe do Ministério Público da União), com idêntico foro privilegiado para julgamento de crimes comuns eventualmente praticados.

No art. 168, na mesma linha de identificação com os poderes estatais, preceitua que os recursos correspondentes às dotações orçamentárias destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês.

Os membros do Ministério Público possuem as mesmas prerrogativas que os magistrados (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídos) e o estágio probatório para aqueles que ingressam na carreira, a semelhança do que ocorre com os membros da magistratura, é de 02 (dois) anos (art. 128, § 5º, I e art. 95 – CF). No que pertine às proibições, há alguns diferenças, nos termos dos arts. 128, § 5º, II e 95, Parágrafo único – CF). Aplica-se, ainda, ao Ministério Público o sistema de promoções (carreira) idêntico ao da magistratura (art. 129, § 4º - CF).

Quanto às atribuições, precisamos ter a Constituição de 1988 como um verdadeiro divisor de águas para o Ministério Público. Antes da atual Carta Magna, o Ministério Público somente se destacava na esfera penal, como órgão acusador, exercendo o dominus litis, sem exclusividade, além das atribuições tradicionais cíveis, de órgão interveniente, notadamente (custos legis), e de órgão agente (parte), eventualmente.

Com a promulgação da Carta Cidadã, o Ministério Público passou a titularizar, privativamente, a promoção da ação penal pública incondicionada (art. 129, I – CF), mantendo-se a suas já conhecidas intervenções previstas na lei processual civil.

A grande novidade da Lex Mater foi desenvolver as atribuições do Ministério Público, introduzidas no direito brasileiro pela Lei nº 7.347/85, conferindo status constitucional ao inquérito civil e à ação civil pública, instrumentos indispensáveis para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III – CF).

De igual relevância, outras funções institucionais (art. 129, III, VI e VII – CF):

a)Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;

b)Expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los;

c)Exercer o controle externo da atividade policial.


3.Advocacia Pública Estadual:

A Constituição da República Federativa do Brasil, de forma pioneira, dispôs sobre a Advocacia e, em especial da Advocacia Pública.

Considerou o advogado como indispensável à administração da justiça e, particularmente, tratou da advocacia pública dos estados no art. 132:

"Os Procuradores dos estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades da federação".

No parágrafo único do mesmo artigo, disciplinou:

"Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após 3 (três) anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciados das corregedorias".

Esse último dispositivo foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19 de 04 de junho de 1998, como também a nova redação do caput do art. 132.

Completando o regime jurídico-constitucional da advocacia pública das unidades da federação (estado-membro e Distrito Federal), a disposição do art. 135, que determina a forma de remuneração dos seus integrantes, isto é, por subsídios.

Os dispositivos constitucionais indigitados, permite-nos concluir, imediatamente, o seguintes:

a)Os Procuradores dos Estados deverão ser organizados em carreira;

b)O ingresso na carreira dependerá de concurso público com a participação da OAB em todas as suas fase;

c)Os Procuradores exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica dos estados, como funções institucionais;

d)A estabilidade será adquirida após 3 (três) anos de estágio probatório e dependerá de uma avaliação de desempenho;

e)Os Procuradores dos Estados deverão ser remunerados na forma de subsídio( art. 39, § 4º - CF).

A análise dos mandamentos constitucionais leva-nos a perceber, assim como registrou José Afonso da Silva (Direito Constitucional Positivo, Malheiros, São Paulo, 2001, p. 618), que os Procuradores dos Estados deverão ser organizados em carreira, dentro de uma estrutura administrativa unitária em que sejam todos congregados: aqueles que exercem as funções de representação judicial e aqueles encarregados da consultoria jurídica.

Averbe-se, no entanto, que o art. 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabeleceu que será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções. Essa será a única exceção para eventual separação de atribuições em órgãos distintos.

No Estado de Sergipe, por força da Lei Complementar Estadual nº 27, de 02 de agosto de 1996 (Institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral do Estado), as atividades antes referidas (representação judicial e consultoria) são funções institucionais da Advocacia-Geral do Estado a quem compete exercê-las privativamente (arts. 3º e 4º).

Rigorosamente, o órgão é a Procuradoria-Geral do Estado, em obediência ao que dispõe o art. 120 da Constituição do Estado de Sergipe, responsável pela representação judicial e extrajudicial do Estado, como também pelas atividades de consultoria e assessoramento do Poder Executivo.

Após essa perfunctória abordagem sobre a Advocacia Pública Estadual, suscitaremos alguns problemas polêmicos:

1º) Estabelecem algumas legislações estaduais sobre a organização da PGE que um dos seus princípios institucionais é a independência funcional. Seria compatível com a atividade exercida ?

2º) A atividade de representação judicial e consultoria jurídica poderá ser exercitada, eventualmente, por advogados contratados ?

Inicialmente abordaremos o problema da autonomia ou independência funcional.

A matéria já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn nº 470-AM, em recentíssima decisão de 01.07.2002 (Informativo STF nº 274). Por maioria, concluiu o Excelso Pretório que a prerrogativa de independência funcional dos Procuradores dos Estados é incompatível com a função por eles exercida, pois desvirtuaria a configuração jurídica dada pelo art. 132 da CF.

A tese parece sedutora em face do cotejo que poderíamos fazer entre advogado-cliente-procurador-estado. Entretanto, preferimos nos filiar ao pensamento do Min. Marco Aurélio, vencido no julgamento referido, por considerar que o princípio impugnado no controle concentrado de constitucionalidade não se refere à independência da Procuradoria em si, mas à independência técnica do profissional da advocacia que defende o interesse do Estado.

Ademais, quando se defende a autonomia funcional, não se quer afirmar que o Procurador age livremente. Age, a semelhança do que ocorre com o membro do Ministério Publico, vinculado aos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público, pois agente público. Por outro lado, defendendo o interesses do Estado não está sujeito a uma relação hierárquica pura, que subordine o seu agir. Essa é a razão pela qual a sua função institucional é exercer a representação judicial do Estado e não das pessoas daqueles que exercem os cargos executivos. Se assim não fosse, como justificar o disposto na Lei de Improbidade (Lei nº 8.429/92), art. 16, que confere atribuição às procuradorias dos órgãos para que requeiram ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público ? Do mesmo modo o art. 17 e seu § 2º. Pode, por conseguinte, ajuizar todas as ações previstas na Lei Anti-corrupção, inclusive contra secretários de estado, diretores de órgãos da administração direta e de entidades da administração indireta, e, inclusive, contra o próprio Governador do Estado. O Procurador é do Estado e não do Governador, insistimos.

Como bem afirmam Olavo Augusto Alves Ferreira e Ana Paula Andrade Borges de Faria, dignos representantes da Advocacia Pública do Estado de São Paulo (A independência e a autonomia funcional do Procurador do Estado, in JUS NAVIGANDI, www.jus.com.br, acesso em 05 de agosto de 2002), "os Procuradores do Estado têm autonomia funcional, protegendo sua atuação contra a interferência de pessoas ou instituições de fora da Procuradoria-Geral do Estado. A independência funcional consiste na liberdade no exercício da atuação do Procurador, sem intervenção de outros órgãos ou membros da própria instituição".

Tal posicionamento se apresenta de forma muito mais consistente quando tratamos da função de consultoria. Ninguém em sã consciência iria defender falta de autonomia em atividade dessa natureza.

Passemos nesse momento ao segundo problema: a atividade dos Procuradores dos Estados podem ser exercitas por terceiros, contratados pelo Estado para ações específicas ?

Entendemos que não.

O legislador constituinte, ao disciplinar a carreira e indicar, explicitamente, as atribuições do Procurador do Estado, excluiu o exercício da atividade por aqueles que não se encontrem nos quadros da instituição, visto que os da carreira serão todos concursados para o exercício das funções de representação judicial e consultoria jurídica das unidades da federação.

O posicionamento aqui defendido encontra eco na obra de José Afonso da Silva (Ob. cit., p. 618). Diz o conceituado professor: " É, pois, vedada a admissão ou contratação de advogados para o exercício das funções de representação judicial (salvo, evidentemente, impedimento de todos os Procuradores) e de consultoria daquelas unidades federadas, porque não se deram essas funções aos órgãos, mas foram diretamente imputadas aos Procuradores".

Pesquisando sobre a matéria, encontramos três acórdãos do STF: Um, do ano de 1990, concluindo pela possibilidade de contratação de um mandatário ad juditia para causa específica, estranho aos quadros da Procuradoria do Estado (Ag. Rg. Em Petição nº 409-AC) e dois, ambos posteriores a esse último, de 1993 e 1997, assegurando a específica e exclusiva atividade funcional dos membros da Advocacia Pública do Estado, inclusive com a impossibilidade de criação de outra Procuradoria da Fazenda Estadual, como ocorre com a União (ADIMC-881/ES e ADIn 1.679-GO).


4.Observações Finais:

Ao cabo dessa exposição, apresentamos algumas considerações finais:

I - Se no passado, antes da Constituição de 1988, cabia ao Ministério Público a representação judicial do Estado, em especial da União (Procuradores da República), hoje, tal atribuição é exercida com exclusividade pela Advocacia Pública;

II – Recordem-se que, conforme disposição do § 5º do art. 29 do ADCT, poderia o Ministério Público Estadual exercer, por delegação, a representação judicial da União nas causas de natureza fiscal, na área de sua respectiva competência até o advento da legislação que organizaria a Advocacia Pública. Hoje, não mais;

III – Num certo sentido, o Ministério Público e a Advocacia Pública apresentam pontos de identificação: defendem o patrimônio público e a sociedade (coletividade e Estado);

IV – Entretanto, são instituições particulares, com regime jurídico diferenciado, não podendo haver nenhum tipo de equiparação ou vinculação entre as duas instituições (princípios institucionais, subsídios, garantias, prerrogativas e vedações).

Sobre o autor
Carlos Augusto Alcântara Machado

promotor de Justiça em Sergipe, professor da UFS e UNIT, mestre em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Apontamentos sobre o regime jurídico-constitucional do Ministério Público e da Advocacia Pública.: Uma análise comparativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3413. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Palestra proferida na Associação dos Procuradores do Estado de Sergipe, no dia 12 de agosto de 2002.

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