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Do sigilo fiscal no ordenamento juridico brasileiro

Agenda 25/11/2014 às 18:32

O sigilo fiscal, tema em estudo nesse trabalho, está intimamente ligado ao direito fundamental à intimidade e à vida privada, acalentados pela égide da CF/88, e pelo código tributário nacional, com o crivo do Estado Democrático de Direito.

Nos melhores dicionários encontra-se o termo sigilo como sinônimo de segredo, ou algo que não pode ser revelado, algo que deve ser tratado com discrição etc. O dicionário Michaellis (on line) conceitua sigilo fiscal como sendo o “sigilo mantido sobre os rendimentos passíveis de tributação e declarações de impostos de um indivíduo, empresa ou entidade”.
            No entender de Himdeberg Alves de Frota (2006, p. 83), o segredo está restrito á vida privada de cada um, sendo o sigilo uma forma de segredo stricto sensu:
            Ressalte-se que os sigilos situados no círculo da vida privada stricto sensu tendem a ser identificados também como segredos. Entretanto, preferimos evitar a sinonímia, posto que, aos olhos da teoria dos círculos concêntricos da vida privada de Henkel, o vocábulo segredo corresponde à determinada informação agrupada em esfera central da vida privada, a de raio mais restrito, o círculo do segredo.
           Para Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 385), o sigilo é uma obrigação imposta aos bancos e seus funcionários em relação á discrição que devem ter aos clientes e seus negócios, tanto pretéritos quanto atuais.
As informações fiscais, como é sabido, podem ser prestadas pelo titular como também por terceiros dentro de algumas hipóteses. Pode-se afirmar que este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme o voto da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, em sua relatoria Recurso em Mandado de Segurança nº 25.174 – RJ (2007/0218197-2):
Cumpre anotar que a quebra de sigilo bancário e fiscal é medida violenta, que não pode servir ao perigoso intuito de devassa injustificada, sob pena de tornar vazia a garantia constitucional da privacidade do cidadão, somente afastada diante da demonstração de motivos suficientemente hábeis e no mínimo de indícios concretos da conduta supostamente delituosa.
           Da afirmação acima compreende-se que a quebra do sigilo fiscal é medida extrema, que deve ser motivada e justificada, para que a medida judicial seja deferida nesse sentido, substanciada por uma necessidade de apuração de alguma irregularidade ou conduta delituosa que possa estar acobertada pelo sigilo das informações.
Sobre o tema, Alexandre de Moraes (2007, p. 66) assim se posiciona:
          Os sigilos bancário e fiscal, consagrados como direitos individuais constitucionalmente protegidos, somente poderão ser excepcionados por ordem judicial fundamentada ou de comissões Parlamentares de Inquérito, desde que presentes requisitos razoáveis, que demonstrem, em caráter restrito e nos estritos limites legais, a necessidade de dados sigilosos.
           A lição acima ratifica o entendimento aqui já esposado por outros doutrinadores no sentido de que deve haver uma fundamentação a basear o pedido de quebra de sigilo fiscal, o que só pode ser feito através de ordem judicial, ou, como o autor mesmo reitera, através de Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, em conformidade coma lei, e desde que esses expedientes seja extremamente necessário.
           No entender de Himdeberg Alves de Frota (2006, p. 79):
O sigilo fiscal alude à proibição de se divulgarem informações obtidas pela Fazenda Pública e seus agentes acerca da situação econômica ou financeira do contribuinte ou de terceiros, bem assim sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
Com efeito, o sigilo fiscal impõe limitação á divulgação de dados capturados pela Fazenda Pública ou mesmo seus agentes, sobre a situação financeira de determinado indivíduo. Essa limitação alcança também preservar sua intimidade.
O posicionamento da Ministra Carmelita Brasil, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, citada em julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, é no sentido de que:
[...] A quebra do sigilo fiscal é medida extraordinária, incomum. Por isso a Turma tem entendido, com razão, que: “Estando a quebra do sigilo fiscal, em desacordo com o direito à inviolabilidade dos dados pessoais e à privacidade, seu deferimento está condicionado à prova inequívoca de que foram esgotados todos os meios para localização de bens passíveis de penhora (AGI 2005.00.2.008591-4, Rel. Des. Carmelita Brasil, in DJ 31-01-2006, p. 95). 
A esse respeito, Tércio Sampaio (2009 apud CASSONE; CASSONE, 2011, p. 362), lecionam no sentido de que:
A nosso ver, com ressalva de dados referentes à intimidade dos sujeitos, os dados da vida privada são acessíveis às autoridades fiscais nas condições e com as cautelas estabelecidas por lei. Havendo processo administrativo instaurado e sob o sigilo a que o próprio Fisco está obrigado, devem ser reveladas pela instituição financeira intimada as informações consideradas indispensáveis, pela autoridade fiscalizadora, ao exercício da função.
            Da dissertação acima extrai-se que os dados fiscais podem ser acessíveis a autoridade competente desde que cumpridas todas as formalidades legais pertinentes ao caso, e que tais informações sejam indispensáveis ao perfeito exercício da atividade de fiscalização, cuja atribuição é do Estado, e tem limites dentro do que reserva o direito ao sigilo, à privacidade e intimidade do indivíduo, constitucionalmente protegidos.
Nessa esteira, os mesmos autores reiteram seu pensamento aludindo que:
            Por fim, esse temperamento das situações, a busca da hermenêutica equilibrada, só favorece o Estado de Direito que não significa um bloqueio do Estado, mas o exercício de sua atividade, no contorno que lhe dá a Constituição, para a realização do próprio bem estar social (SAMPAIO apud CASSONE & CASSONE, 2011, p. 362).
Sem dúvida, a busca pelo bem estar social deve ser sempre a bússola a orientar as atuações estatais, de forma a equilibrar o direito do cidadão e o dever do Estado em promover o exercício de suas prerrogativas, com os parâmetros que o ordenamento jurídico lhe impõe.
            Em relação à atividade do Fisco pode-se afirmar que o órgão competente deve possuir a capacidade de informar a todos sobre o cumprimento de legislação fiscal vigente. No entanto para o pleno desempenho de sua atividade o Fisco pode lançar mão de informações sobre o contribuinte, que possam atestar a veracidade das informações prestadas e o recolhimento de tributos por parte deste.
Resta observar que tais informações, ditas sigilosas, que contenham dados sobre a situação financeira, fiscal, patrimonial ou qualquer outra do tipo, não devem ser replicadas a terceiros que não sejam diretamente interessados no assunto, e por ordem judicial, posto que tais informações dizem respeito à vida privada do indivíduo, direito este garantido constitucionalmente.
  O sigilo fiscal frente a Constituição Federal de 1988 e a Lei Complementar nº 105/2001:

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            A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, Incisos X, XII, e XXXIII, instituiu o direito à inviolabilidade e à vida privada como uma das garantias fundamentais a todos assegurada. Assim é que o sigilo fiscal se pauta nessas prerrogativas, protegendo a privacidade a que todos têm direito.
O objetivo do sigilo fiscal sempre foi o de resguardar o direito individual frente ao poderio estatal, não permitindo que seus dados sejam revelados a terceiros sem prévia autorização judicial.
           Sobre a inviolabilidade da pessoa humana, Sérgio Sérvulo da Cunha (2013, p. 90) explica:
Inviolabilidade da pessoa humana significa, em primeiro lugar, que todo homem e toda mulher possui uma inviolável esfera de autonomia. Esta não diz respeito apenas à sua intimidade e privacidade, mas, antes disso, ao direito de, vivendo, escolher os fins de sua própria vida e os meios adequados à sua consecução.
          De certo, que os indivíduos possuem a garantia à inviolabilidade de forma bem abrangente, possibilitando que seja autor de sua própria história, sem a interferência estatal em seus atos, a menos que seja de estrita relevância coletiva.
Empresas ou pessoas jurídicas também podem se abrigar sob o sigilo fiscal, sob o escopo de preservação da intimidade e privacidade de seus sócios ou titulares. Essa medida de segurança é de extrema importância na proteção de informações pessoais, resguardados constitucionalmente, como já foi exposto, podendo, entretanto, serem abertas desde que em casos extremos e autorizados judicialmente.
          Sérgio Sérvulo da Cunha (2013, p. 90) leciona que:
O indivíduo e o social – Tanto um quanto outro – são expressões da pessoa humana, sobre cujos valores se edificam a moral e o Direito. No contexto dos processos institucionais, os direitos fundamentais se revelam não só coo direitos fundamentais do indivíduo, mas também como direitos fundamentais da socialidade.
Com base nas ideias do autor, pode-se afirmar que a proteção das informações individuais com o objetivo de proteção de sua pessoa, é uma garantia constitucional que interessa a toda a sociedade, posto que os direitos fundamentais devem ser rigorosamente observados para que a ordem do Estado Democrático de Direito se perpetue.
Andréa Chiaratti do Nascimento Rodrigues Pinto (2012, on line) explica acerca da preservação da intimidade individual, frente a necessidade de quebra de sigilo:
            Esse sigilo, embora excepcional, mas concreto, não se coaduna com a natureza das decisões jurisdicionais, que têm por objetivo compor uma lide entre partes que se conflitam, segundo a sistemática do Código de Processo Civil. Por essa razão, a quebra de sigilo não pode ser interpretada dessa forma, mas sim como uma diligência investigativa que depende de autorização judicial pelo grau de envolvimento de bem jurídico de extrema relevância (intimidade).
            Dessa forma, toda e qualquer informação fiscal, por se enquadrar como dado que diz respeito à intimidade e vida privada de alguém deve estar guardada sob sigilo pela autoridade tributária. Essa máxima visa inibir qualquer tipo de manipulação dessas informações, muito embora exista um entendimento pacificado na doutrina e nos tribunais de que em situações excepcionais essas informações podem sofrer a quebra do sigilo, desde que haja a supremacia do interesse público sobre o caso. Em relação ao Princípio da Supremacia do Interesse Público, Mariana Rocha Bernardi (2014, on line) assim se posiciona:
A supremacia do interesse púbico sobre o privado, por sua vez, está apoiada na dignidade humana. Se a todos deve ser possível e acessível o gozo de uma vida digna, esse gozo deve ser proporcionado através de meios que possam efetivá-lo. O interesse da maioria em detrimento do interesse pessoal de certas pessoas, ou de uma minoria, deve prevalecer, tendo em vista o desenvolvimento de uma sociedade.
Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 68) entende que:
Também chamado de princípio da finalidade pública, está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda sua atuação. (...) leva em consideração o interesse que se visa proteger; o direito privado contem normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público.
         É bem verdade que com a promulgação da CF/88, e a elevação do direito de privacidade e intimidade levados ao patamar de garantias fundamentais, a posição dos defensores da quebra do sigilo fiscal sofreu enorme reforço. Inúmeras decisões da época esposava o entendimento de que o acesso às informações fiscais e bancárias se constituíam uma afronta a essas garantias. Para a doutrina e jurisprudência dominante, a quebra do sigilo fiscal é também uma garantia constitucionalmente protegida. Observe-se o que diz o julgado abaixo da lavra do Ministro Jorge Mussi, da 5ª Turma do STJ:
HABEAS CORPUS. QUEBRA DE SIGILO FISCAL REALIZADA DIRETAMENTE PELOMINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE CÓPIAS DE DECLARAÇÕES DE IMPOSTODE RENDA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ILICITUDE DA PROVA. DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Considerando o artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal, eo artigo 8º, incisos II, IV e § 2º, da Lei Complementar 75/1993, há quem sustente ser possível ao Ministério Público requerer, diretamente, sem prévia autorização judicial, a quebra de sigilo bancário ou fiscal. 2. No entanto, numa interpretação consentânea com o Estado Democrático de Direito, esta concepção não se mostra a mais acertada, uma vez que o Ministério Público é parte no processo penal, e embora seja entidade vocacionada à defesa da ordem jurídica, representando a sociedade como um todo, não atua de forma totalmente imparcial, ou seja, não possui a necessária isenção para decidir sobre a imprescindibilidade ou não da medida que excepciona os sigilos fiscal e bancário. 3. [...] 4. O sigilo fiscal se insere no direito à privacidade protegido constitucionalmente nos incisos X e XII do artigo 5º da Carta Federal, cuja quebra configura restrição a uma liberdade pública, razão pela qual, para que se mostre legítima, se exige a demonstração ao Poder Judiciário da existência de fundados e excepcionais motivos que justifiquem a sua adoção. 5. [...]6. [...] 7. Ordem concedida para determinar o desentranhamento das provas decorrentes da quebra do sigilo fiscal realizada pelo Ministério Público sem autorização judicial, cabendo ao magistrado de origem verificar quais outros elementos de convicção e decisões proferidas na ação penal em tela e na medida cautelar de sequestro estão contaminados pela ilicitude ora reconhecida. (STJ, HC 160646 SP 2010/0015138-3, T5, Relator Ministro Jorge Mussi, julgado em 01 set. 2011). (grifo nosso).
          Andréa Chiaratti do Nascimento Rodrigues Pinto (2014, on line) disserta da seguinte forma:
A conclusão que se pode chegar dessa análise é que a Constituição Federal e a lei que normatiza a quebra de sigilo, mostram que o legislador constituinte indicou – em atendimento aos anseios da sociedade – que a busca do equilíbrio entre as necessidades da transparência da atividade do Estado e o respeito às individualidades dos cidadãos (mesmo dos membros do corpo do Estado) é o caminho a ser seguido.
           A lei que normatiza a quebra do sigilo a qual faz referência a autora acima, é a Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. Esse diploma legal determina em seu Art. 1º que “as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”, e em seu § 4o determina que “a quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial.”
Os ilícitos aos quais o dispositivo acima se refere são, especialmente: o terrorismo; o tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins; o contrabando ou tráfico de armas, munição ou material para a produção desses artefatos; extorsão mediante sequestro; crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; crimes contra a Ordem Tributária e Previdenciária; lavagem de dinheiro, bem como a ocultação de bens, direitos ou valores; crimes contra a Administração Pública; e, por fim, crimes praticados por organizações criminosas.
          Sobre a LC nº 105/2001, assim se reporta Ana Maria Pezzi (2014, on line):
Uma das grandes discussões acerca da LC 105/2001, que dispõe sobre sigilo das operações de instituições financeiras, está em seu art. 6º, o qual possibilita, no trâmite de processo administrativo, às autoridades e aos agentes fiscais analisar documentos e registros de instituições financeiras, contas e depósitos do sujeito passivo.
           O alerta da autora faz sentido, posto que o Art. 6º da LC nº 105/2001 deixa margem expressa para que a Administração Pública faça a quebra do sigilo desde que haja procedimento administrativo instaurado ou procedimento fiscal, nos seguintes termos:
      Art. 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Esse dispositivo merece uma análise mais aprofundada, pois suscitou diversas interpretações e críticas baseadas no fato de que até a edição da LC nº 105/2001, era consolidado o entendimento de que somente uma ordem judicial fundamentada poderia requerer a quebra do sigilo de um indivíduo, não contemplando, assim, a discricionariedade da Administração Pública sobre o assunto.
       Fazendo referência ao desconforto que originou a LC nº 105/2001, Coelho (2007, p. 876) enfatiza seu posicionamento:
       É o judiciário o único órgão do Estado autorizado a sopesar os valores constitucionais da inviolabilidade dos dados e do interesse público, reconhecendo ou não a existência deste no caso concreto, para, momentaneamente, afastar aquelas garantias constitucionais.
Nessa concepção, o judiciário se posiciona como sendo o guardião dos direito e garantias fundamentais, afastando toda e qualquer violação que lhes possa acontecer, ao mesmo tempo que analisa o caso concreto e a real e estrita necessidade de mitigação desses mesmo direitos e garantias.
       Na mesma esteira de pensamento, Alexandre de Moraes (2009, p. 132) explica que:
Os sigilos bancário e fiscal, consagrados como direitos individuais constitucionalmente protegidos, somente poderão ser excepcionados por ordem judicial fundamentada ou de comissões Parlamentares de Inquérito, desde que presentes requisitos razoáveis, que demonstrem, em caráter restrito e nos estritos limites legais, a necessidade de dados sigilosos.
Luiz Felipe Difini (2008, p. 45) vai mais além explicando que mesmo com o Art. 6º da LC 105/2001 em vigor, o entendimento dominante é de que seja necessária a autorização judicial para a quebra de sigilo, muito embora haja controvérsias:
      A interpretação conforme a constituição do art. 6º da Lei complementar n. 105/2001 é que as autoridades fiscais, em entendendo ser caso de quebra de sigilo bancário de contribuinte, deverão em juízo pleitear autorização para tal, todavia, há significante dissídio na jurisprudência.
Fernanda do Nascimento (2010, on line) compreende que existe um embate entre a LC nº 105/2001 e a CF/88, nos seguintes termos:
            Têm-se, dessa forma, mais uma indicação de que as disposições infraconstitucionais, como aquelas expostas na Lei 105/2001 devem antes de serem aplicadas, obedecer a todas as primazias constitucionais. Para o princípio da máxima efetividade também denominado de princípio da eficiência, não se pode atribuir à norma constitucional uma interpretação que diminua sua razão de ser [..].
            A autora alerta para o fato de que a LC nº 105/2001 somente pode ter seus dispositivos utilizados aclarados pela luz constitucional, posto que esta é o objetivo do princípio da efetividade da norma maior.
            Resta analisar o sigilo fiscal sob a égide do Código Tributário Nacional, admitindo o sopesamento de sua quebra quando a norma infraconstitucional autorizar, com respaldo na Constituição Federal de 1988.
2.3 O sigilo fiscal e o Código Tributário Nacional - CTN
O Código Tributário Nacional, Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966, inicialmente disciplinava que através de processo administrativo poderia se ter o acesso ás informações fiscais sigilosas de qualquer indivíduo, sem que fosse necessária a autorização judicial.
           A doutrina acolhia o entendimento á época de que havia a possibilidade de quebra de sigilo pela Administração Pública, desde que fossem obedecidos os dispositivos da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que dispunha sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, criou o Conselho Monetário Nacional e deu outras providências.
            O Art. 38 da Lei nº 4.595/1964, determinava que instituições financeiras deveriam conservar o sigilo em suas operações, tanto ativas quanto passivas. Em seu §1º, o mesmo dispositivo determinava que as informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição e livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a ele ter acesso às partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.
No entanto, o CTN através de seu Art. 197, derrogou tais determinações ao dispor que:
Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:
I - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;
II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;
III - as empresas de administração de bens;
IV - os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;
V - os inventariantes;
VI - os síndicos, comissários e liquidatários;
VII - quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.
Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.
            Como se vê no teor no dispositivo legal acima, à partir do advento do CTN, a necessidade de processo administrativo foi teoricamente abolida, a apenas com uma simples intimação escrita, o que foi à época motivo de bastante debate doutrinário.
            Nesse escopo, a Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, fez significativas alterações no CTN, autorizando, na prática, a troca de informações sigilosas entre os órgãos da Administração Pública, desde que tais informações sejam necessárias ao esclarecimento de ilícitos, flexibilizando o sigilo nesses casos específicos.
            Nesse sentido, o Art. 198 do CTN passou a dispor que a Fazenda Pública, bem como seus servidores, devem guardar sigilo quanto às informações manipuladas no desempenho de suas atribuições ou função, conforme se pode observar:
Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.
§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.
§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
I – representações fiscais para fins penais;
II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;
III – parcelamento ou moratória.
O Art. 199 do CTN ainda autoriza a permuta de informações entre os órgãos da Fazenda Pública, inclusive, autorizando o intercâmbio de informações com Estados estrangeiros quando haja interesse na arrecadação ou no exercício do poder de fiscalização de tributos, conforme se pode observar:
Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.
Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.
As inovações trazidas pela LC nº 104/2001, alimentou fortemente as críticas tanto doutrinárias quanto jurisprudencial sobre o assunto, por se considerar a violação à proteção constitucional que envolve a intimidade e a vida privada, ensejando assim ações judiciais perquirindo a inconstitucionalidade de tais dispositivos, como foi o caso da ADIN nº 2397.
Todas essas controvérsias ainda estão sendo analisadas pela STF, aguardando posicionamento que venha aclarar o assunto sem comprometer os princípios constitucionais a todos assegurados de forma indiscriminadamente.

Sobre o autor
Ticiano Torquato Mourao

Advogado especialista em Direito Empresarial

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