RESUMO: O presente artigo, sem a pretensão de esgotar o assunto, tem por finalidade apresentar a evolução da autonomia do município, como pessoa jurídica de direito público interno, integrante do sistema federativo brasileiro, desde o advento da República até a Constituição Federal de 1988, bem como o desafio do Poder Judiciário na realização do controle da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal, e as alternativas e possibilidades de aferição de constitucionalidade desses atos emanados pelos municípios como ente da federação.
PALAVRAS-CHAVES: MUNICÍPIO; ATOS NORMATIVOS; FEDERAÇÃO; CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE; PODER JUDICIÁRIO.
A forma pela qual o poder é exercido tem sido sempre um problema de vulto na organização das comunidades políticas. É que seria impossível a um governo querer estender sua eficácia até os limites de seu território sem, ao mesmo tempo, adotar alguma forma de descentralização.
Assim, com a primeira constituição republicana promulgada em 1891, o Brasil implanta, de forma definitiva, tanto a república quanto o sistema federativo cujo projeto, que sofreu influência marcante de Rui Barbosa, foi inspirado no federalismo americano[1]. A federação implicou na outorga de poderes políticos às antigas províncias que passaram a governar os seus assuntos com autonomia e finanças próprias.
A Constituição de 1891 implantou na estrutura constitucional brasileira aquilo que nela própria se denominava de “República Federativa”, constituída pela união perpétua e indissolúvel das antigas Províncias, pomposamente erigidas em Estados autônomos. A federação vinha assim tomar o lugar da desmoronada envergadura da centralização monárquica. A estes Estados, erigidos por via de legislação, por meio de outorgas de autonomia, foi deixada uma larga margem de competência pela cláusula que facultava aos Estados regerem-se pela Constituição e pelas leis que adotassem[2].
Remontando a história republicana das Constituições do Brasil, relativamente à autonomia dos Municípios e ao controle de constitucionalidade das leis, vamos verificar que a Constituição de 1891, inspirada no modelo americano, não deu muita importância para os Municípios de forma que o controle da constitucionalidade das leis e atos normativos municipais não foram considerados à época pelo legislador constituinte. Mesmo com a reforma constitucional que ocorreu em 1926, reforçando a atuação e a competência do Poder Judiciário, o controle da constitucionalidade desses atos não foi levado em conta.
O mesmo se diga com relação à Constituição de 1934 que pôs em derrocada a de 1891. Embora de curtíssima duração, posto que fora abolida em 1937 em virtude da implantação do Estado Novo, a Constituição de 1934 contemplou o controle de constitucionalidade pelo sistema difuso, adotou o quorum qualificado para que os tribunais pudessem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público e instituiu a ação direta de inconstitucionalidade sem, entretanto, considerar o controle das leis municipais.
Já a Carta de 1937, que na verdade não chegou a viger porque dependia de um plebiscito que jamais se realizou, foi inspirada no modelo fascista, de cunho eminentemente autoritário. Institucionalizou o que na época ficou conhecido como “federalismo formal” e não observou a divisão de poderes e nem a autonomia dos entes federativos. Naquela ocasião o Poder Judiciário sofreu uma perda substancial porquanto o controle da constitucionalidade das leis foi reduzido a quase nada.
Quanto a Constituição de 1946, que pôs fim ao Estado autoritário e prestigiou o municipalismo como nenhuma outra Constituição até hoje o fez, foi concedida uma competência certa e irrestringível ao município centrada na idéia da autonomia em torno do seu peculiar interesse. Entretanto, o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos municipais, não foi objeto de atenção do legislador constituinte de 1946 que só podia ser apreciado como prejudicial de ação já proposta sem os efeitos erga omnes.
Com relação à Constituição de 1967, esta manteve o sistema misto de controle de constitucionalidade que já tinha sido introduzido pela Emenda Constitucional n° 16, de 26 de novembro de 1965. Por meio dessa Emenda foi admitido o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos municipais, de competência dos Tribunais de Justiça dos Estados, nos casos em que ocorresse a violação dos princípios indicados nas Constituições Estaduais o que, de certa forma, foi seguido pelo atual texto constitucional, conforme teremos a oportunidade de verificar.
Mas é oportuno frisar que a federação se expressa, via de regra, através de duas ordens jurídicas que são, de um lado, a União e, de outro, os Estados-membros ou Estados federados, ou simplesmente, como chamados no Brasil, de Estados. A autonomia recíproca entre os Estados-membros e a União é a essência do princípio federativo.
Até aqui falamos do sistema federal o qual pressupõe a existência da União e dos Estados-membros, todos dotados de autonomia. Mas e o Município, onde ele se situa na federação?
Este é um ponto importante na compreensão do federalismo brasileiro, porquanto se contemplarmos a doutrina sobre federação nunca vamos encontrar referência aos municípios. Essa é, aliás, uma peculiaridade da federação brasileira que pressupõe a existência da tríplice ordem de pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados-membros e Municípios, figurando ainda o Distrito Federal. Todos esses entes federativos são autônomos por força da própria Constituição Federal[3]
Com efeito, o Município, no sistema federativo brasileiro, é contemplado como peça sui generes pelo texto constitucional de 1988 que, ao efetuar a repartição de competências, estabeleceu três ordens governamentais diferentes: a federal, a estadual e a municipal, inovando o modelo federativo adotado pelos demais Estados na ordem internacional.
Portanto, à semelhança dos Estados-membros, a Constituição Federal vigente concebeu o Município com autonomia de autogoverno, de administração própria e de legislação própria no âmbito de sua competência[4]. A única exceção ocorre como o Poder Judiciário que continua sendo ou Estadual ou Federal.
Com o Município, de acordo com a autonomia garantida pela Constituição Federal, criando sua própria legislação no âmbito de sua competência, surge o seguinte questionamento: “O controle da constitucionalidade da lei municipal frente à Constituição Federal pode ser feito por ação direta perante o Supremo Tribunal Federal, ou seja, há previsão em nosso ordenamento jurídico de controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal?” Seria mais um desafio ao Poder Judiciário? Esse é o tema objeto do nosso estudo.
1. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL
O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos é pressuposto básico para a formação do Estado Democrático de Direito, mormente nos países que adotam a Constituição como norma suprema perante outras normas jurídicas. Os Estados que adotam o controle de constitucionalidade de seus atos normativos proporcionam aos seus cidadãos a supremacia dos direitos e garantias fundamentais.
A supremacia da Constituição, na lição de Luís Roberto Barroso[5], é o postulado sobre o qual se assenta o próprio direito constitucional contemporâneo, tendo sua origem na experiência americana. Decorre ela de fundamentos históricos, lógicos e dogmáticos, que se extraem de diversos elementos, dentre os quais a posição de preeminência do poder constituinte sobre o poder constituído, a rigidez constitucional, o conteúdo material das normas que contém e sua vocação de permanência.
A Constituição, ainda segundo o mesmo autor, é dotada de superioridade jurídica em relação a todas as normas do sistema e, como conseqüência, nenhum ato jurídico pode subsistir validamente se for com ela incompatível. Para assegurar essa supremacia, a ordem jurídica contempla um conjunto de mecanismos conhecidos como “jurisdição constitucional”, destinados a, pela via judicial, fazer prevalecer os comandos contidos na Constituição. Parte importante da jurisdição constitucional consiste no controle de constitucionalidade, cuja finalidade é declarar a invalidade e paralisar a eficácia dos atos normativos que sejam incompatíveis com a Constituição.
Controlar a constitucionalidade significa, portanto, verificar a adequação e a compatibilidade de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição. Dessa forma é necessário que as próprias Constituições disciplinem mecanismos que assegurem a sua supremacia por meio de um sistema destinado a controlar a constitucionalidade dos atos normativos.
A análise da constitucionalidade das leis ou atos normativos baseia-se, portanto, em compará-las com determinados requisitos para verificar sua compatibilidade com as normas constitucionais.
No Brasil vigem duas espécies de controle de constitucionalidade: (i) controle político ou preventivo que visa impedir o ingresso de lei ou ato normativo no ordenamento jurídico exercido pelo Poder Legislativo; (ii) controle repressivo que busca, por meio do Poder Judiciário, retirar do ordenamento jurídico normas inconstitucionais já editadas.
1. 1 Controle Político
Essa forma de controle é exercida pelo Poder Legislativo por intermédio das Comissões de Constituição e Justiça[6], ou pelo Poder Executivo, por meio do veto presidencial[7]. Vale ressaltar que o Poder Legislativo também exerce uma espécie de controle repressivo de constitucionalidade de leis de duas formas distintas. Uma refere-se ao inciso V, do artigo 49, da Constituição Federal, que prevê competir ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitarem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.
Nesses casos o Congresso Nacional editará o decreto legislativo sustando ou o decreto presidencial ou a lei delegada que desrespeitar a forma constitucional previstas para suas edições. A outra forma de controle repressivo realizado pelo Poder Legislativo é com relação às Medidas Provisórias previstas no artigo 62 da Constituição Federal. Nesse caso, a Medida Provisória com força de lei e, conseqüentemente com ingresso imediato no ordenamento jurídico, poderá não ser convertida em lei pelo Congresso Nacional nas ocasiões de flagrante inconstitucionalidade.
1.2 Controle Repressivo do Poder Judiciário
O controle repressivo, que é a forma de controle que mais interessa no presente estudo, busca, por meio do Poder Judiciário, retirar do ordenamento jurídico normas inconstitucionais já editadas. Esse tipo de controle poder ser reservado ou concentrado, por via de ação, ou difuso ou aberto, por via de exceção ou defesa.
No nosso país, o controle de constitucionalidade repressivo exercido pelo Poder Judiciário é misto, isto é, pode ser realizado de forma concentrada ou difusa. O controle difuso, também conhecido por controle aberto ou por via de exceção ou defesa, se caracteriza por autorizar a todo e qualquer juiz ou Tribunal realizar, no caso concreto, o exame de compatibilidade de lei ou ato normativo com a Constituição.
Nesses casos a pronuncia do órgão jurisdicional sobre a inconstitucionalidade não é o objeto principal da lide, mas sim sobre uma questão prévia. Nesse controle o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo de cumprir a lei o ato normativo produzidos em desacordo com a Constituição. No entanto essa norma permanece validada no ordenamento jurídico em relação a terceiros.
Observe-se que no controle difuso realizado incidenter tantum a lei ou o ato normativo questionado junto ao juízo ou Tribunal competente pode ser originário de qualquer ente da federação: União, Estado-membro, Município ou do Distrito Federal.
Já o controle concentrado ou por via de ação direta, diferentemente do controle difuso, tem por objetivo a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo independentemente da existência de um caso concreto. Esse controle abstrato de constitucionalidade pode ocorrer de duas formas: por ação ou omissão.
O controle de constitucionalidade de lei e atos normativos in abstrato foi introduzido no direito pátrio através da Emenda Constitucional n° 16, de 26 de novembro de 1965, ainda sob a égide da Constituição de 1946. Ensina o Prof. Gilmar Ferreira Mendes[8] que “no intuito de estender o controle de constitucionalidade, em tese, às leis federais com vistas a formar, desde logo, precedentes que orientassem o julgamento dos processos congêneres, o constituinte acabou por consolidar, entre nós, um novo modelo de constitucionalidade no direito brasileiro”.
O controle concentrado de constitucionalidade apresenta vantagens porquanto a controvérsia constitucional é decidida com eficácia erga omnes e com efeitos ex tunc, assegurando economia para as partes, segurança e estabilidade política, correção de injustiças surgidas pela multiplicidade e contradição dos julgados proferidos pelos juízes e Tribunais sobre matéria idêntica. A finalidade do controle de constitucionalidade in abstrato é a defesa da ordem constitucional.
O controle de constitucionalidade assume papel relevante no Estado moderno como sustenta o eminente Prof. Mauro Capeletti[9], ao asseverar que “as Constituições modernas não se limitam na verdade, a dizer estaticamente o que é o Direito, a dar ordem para uma situação social consolidada, mas diversamente, das leis usuais, estabelecem e impõe, sobretudo, diretrizes e programas dinâmicos de ação futura”.
As leis, bem como os atos normativos, material ou formalmente incompatíveis com o texto constitucional podem ser objeto de ação direta de constitucionalidade por via do qual o Poder Judiciário manifesta-se exercendo a fiscalização abstrata, sucessiva e concentrada.
De acordo com a Constituição Federal[10] compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.
De igual forma cabe aos Tribunais dos Estados[11] a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.
Verifica-se por meio desses dispositivos que o legislador constituinte se preocupou em estabelecer a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, e dos Tribunais de Justiça, dos Estados, da instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.
Entretanto, nada dispôs sobre a definição de competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal.
2. O CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO
NORMATIVO MUNICIPAL
O legislador constituinte de 1988 manteve-se fiel ao sistema misto de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, dispondo, de modo ordenado, o controle de constitucionalidade das leis municipais.
Nesse sentido estabeleceu a competência dos Tribunais de Justiça nos Estados para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei e atos normativos municipais que sejam contrários à Constituição Estadual, conforme prevista nos §§ 1° e 2°, do artigo 125, da C.F.:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
Nota-se que a competência definida pela Constituição Federal aos Tribunais de Justiça dos Estados é pertinente apenas ao exame da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal que esteja em contradição com a respectiva Constituição Estadual, a qual deve observar os princípios da C.F. nos termos do § 1°, do artigo 25:
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
Por seu turno a Constituição do Estado de São Paulo, por exemplo, observando os ditames da Carta Magna, estabeleceu a competência do Tribunal de Justiça, relativamente à representação de inconstitucionalidade, nos seguintes termos:
Art. 74 - Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar originariamente:
VI - a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, contestados em face desta Constituição, o pedido de intervenção em Município e ação de inconstitucionalidade por omissão, em face de preceito desta Constituição;
Da interpretação desses dispositivos é forçoso concluir que, se uma lei ou ato normativo municipal contrariar a Constituição Federal, o Tribunal de Justiça não teria competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo comprova essa assertiva:
Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei 1057460000 - Relator: Paulo Fernando Lopes Franco - Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Criminal - Ementa: informações da Câmara Municipal de Araçatuba, com preliminar de incompetência desta Corte para conhecer do pedido. De acordo, porém, com o que dispõe o já mencionado art. 125, § 2o, da Constituição da República, "cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual", o que significa que é incabível a ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em confronto com normas da Carta Magna.
Embargos de Declaração 991190401 - Relator: Paulo Fernando Lopes Franco Ementa: Tribunal de Justiça de São Paulo - Acórdão 00630178 - Embargos de declaração - Ação direta de inconstitucionalidade de leis municipais - Alegada omissão do acórdão quanto à aplicabilidade de normas da Constituição Federal - Ocorre que o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal só é possível em face da Constituição Estadual (CR, art. 102; RTJ 164/832).
Interessante observar que a Constituição do Estado de São Paulo, em seu texto original, previa, no inciso XI, do artigo 74, a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal contestado em face da Constituição Federal:
Artigo 74 - Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar originariamente:
XI - a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, contestados em face da Constituição Federal.
Esse dispositivo previsto na Constituição do Estado de São Paulo foi objeto da ADIN 347-0, Ministro Relator do STF Joaquim Barbosa, que deferiu a liminar para suprimir a expressão “Federal” contida no referido dispositivo, cujo Acórdão tem a seguinte ementa
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Constituição do Estado de São Paulo. Art. 74, XI. Controle de Constitucionalidade, Pelo Tribunal de Justiça, de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal. Procedência. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe a Tribunais de Justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal. Precedentes. Inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido julgado procedente.
Como visto até aqui, restou claro que os Tribunais de Justiça dos Estados não têm competência para exercer o controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal.
Mas, se os Tribunais de Justiça não têm competência para exercer o controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal teria? Seria mais um desafio para o Poder Judiciário?
Na doutrina de José Afonso da Silva[12]:
"O constituinte federal não admitiu qualquer espécie de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato municipal em conflito com a Constituição Federal. Continua, pois, a não haver tal tipo de ação direta, como remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal decidiu à vista do regime anterior ao de 1988. Havendo impossibilidade jurídica de ação direta de inconstitucionalidade genérica de lei ou ato municipal, em face da Constituição Federal, a conseqüência lógica é que ninguém tem legitimação para intentá-la, e Tribunal algum tem competência para processá-la e julgá-la, mesmo quando dispositivo de Constituição Estadual o prescreva, pois se trata de prescrição ofensiva à Carta Magna da República e, assim, deve ser declarado pelo Tribunal de Justiça a que é dirigida. A impossibilidade jurídica do pedido gera a carência da ação".
O Supremo Tribunal Federal, por meio do voto do eminente Ministro Moreira Alves ao analisar o Recurso Extraordinário n° 91.740-RS, se pronunciou da seguinte forma:
"Se nem o Supremo Tribunal Federal pode julgar da constitucionalidade ou não, em tese, de lei ou ato normativo municipal diante da Constituição Federal, como admitir-se que as Constituições Estaduais, sob pretexto de omissão daquela, dêem esse poder, de natureza eminentemente política, aos Tribunais de Justiça locais e, portanto, ao próprio Supremo Tribunal Federal, por via indireta, em grau de recurso extraordinário?”.
O mesmo ocorreu no Recurso Extraordinário n° 87.484-RS, do relator Ministro Néri da Silveira:
"Ação direta de inconstitucionalidade da Lei Orgânica do Município, em face da Constituição Federal, proposta pelo Procurador-Geral da Justiça do Estado, perante o Tribunal de Justiça do mesmo Estado. Orientação assentada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no sentido da impossibilidade jurídica do pedido. Não há ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, frente à Constituição Federal”.
Nas hipóteses de lei municipal contrária à Constituição Federal, vale transcrever os ensinamentos do ilustre Professor Alexandre de Morais[13] de que:
"{...) será inadmissível ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Federal ou perante o Tribunal de Justiça local, inexistindo. portanto, controle concentrado de constitucionalidade, pois o único controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal que se admite é o difuso, exercido incidenter tantum, por todos os órgãos do Poder Judiciário, quando do julgamento de cada caso concreto".
Justificando a omissão do legislador constituinte de 1988, Fernando Luiz Ximenes Rocha[14] assevera que:
"Em verdade, não é concebível que as leis e os atos normativos municipais sejam submetidos ao controle de constitucionalidade concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inviabilizá-lo para o desempenho de tarefa que lhe é reservada constitucionalmente, haja vista as incontáveis leis e atos normativos produzidos pelos milhares de comunas espalhadas por esse Brasil afora. Também não comungamos com a idéia de confiar tal mister aos Tribunais de Justiça, não só por entender tratar-se de uma usurpação da atividade precípua do Supremo Tribunal Federal, qual a de guarda da Constituição da Republica, mas igualmente pelo inconveniente de gerar essa providência um sem-numero interpretações dos preceitos da Carta Federal, com repercussões na chamada ‘crise do supremo’, que se agravaria com a avalanche de recursos extraordinários, interpostos contra as decisões proferidas pelas diversas Cortes de Justiça estaduais”.
Podemos então concluir que, em se tratando de lei ou ato normativo municipal em confronto com a Constituição Federal, somente se admite o controle de constitucionalidade pela via difusa. Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal somente se pronunciará sobre essa questão se o assunto for submetido por meio de Recurso Extraordinário na forma prevista na alínea “c”, do inciso III, do artigo 102, da Constituição Federal[15].