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Análise contextualizada dos obstáculos opostos à efetivação judicial do direito à saúde

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Agenda 28/11/2014 às 16:35

4-Direito à Saúde e o Princípio Federativo

A idéia de federação traz em si a noção de descentralização do poder e da autonomia, no sentido de capacidade de auto governo, implementada através da emanação de leis e decisões próprias por diferentes entes dentro de um mesmo Estado constitucional[33].         

Nesse contexto, faz-se necessário destacar a descentralização sanitária prevista no art. 23, II, da Constituição Federal, é competência comum da união dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e da assistência pública.

A partir disso, outro embaraço apresentado contra a efetivação judicial do Direito a Saúde tem sido a alegada ilegitimidade passiva dos entes federativos nas demandas judiciais em que se pleiteia o acesso a medicamentos, tratamentos médicos e cirurgias.

Competência comum, nos dizeres de Suelli Gandolfi Dallari, citando Silva,

[...] é a faculdade de legislar ou praticar atos, em determinada esfera, juntamente e em pé de igualdade, consistindo, dessa forma, num campo de atuação comum às várias entidades, sem que o exercício de uma venha a excluir a competência de outra que pode assim ser exercida cumulativamente[34].

Trata-se, portanto, da forma pela qual o Estado se descentraliza para dar cumprimento à declaração constitucional do Direito à Saúde.

A Lei Orgânica, por sua vez, disciplina que o SUS é integrado por um conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público.

Como se observa, tanto os dispositivos Constitucionais quanto a Lei nº 8.080/90 atribuem, de modo harmônico, as competências geradas pelo dever constitucional do Poder Público de garantir e proporcionar o direito à saúde, de modo que cada uma tenha sua parcela de responsabilidade, da qual não se pode eximir.

Apesar de todas as esferas de governo serem responsáveis, o Município, por estar mais próximo à população e ter conhecimento acerca das suas necessidades, tende a ser o responsável direto pela execução e ações de saúde, entre eles, a disponibilização imediata e permanente de medicamentos essenciais nos postos e unidades municipais de saúde, a quem deles necessitem.

Tal assertiva é justificada pelo Princípio da Descentralização Político - Administrativa do Sistema Único de Saúde e pela distribuição de competências fixadas pela Lei nº 8.080/90.

Por essa razão, alguns autores, como Mariana Filchtiner Figueiredo, entendem que a consecução das medidas tendentes à realização do direito à saúde pelos demais entes federativos, regula-se pela subsidiariedade, uma vez que a solidariedade não pode ser presumida, resultando da lei ou da vontade das partes[35].

Todavia, resta evidente que a norma que atribui ao município a competência para: prestar serviços de atendimento à saúde da população (art. 30, VII), não pode ser apreciada isolada daquela que declara ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e da assistência pública (art. 23, III), ou da que garante ser a saúde direito de todos e dever do Estado (art. 196). Essa é a direção adotada por Sueli Gandolfi Dallarari (2001)[36].

Em que pese a Constituição da República estabelecer no art. 24, XII, ser competência concorrente da União, Estados e do Distrito Federal legislar sobre previdência social, proteção e defesa da saúde, certo é que os Estados membros não podem utilizar-se desta competência para exigir menos do que o disposto na Constituição e na norma geral, in casu, a Lei Orgânica da Saúde (Lei n.º 8.080/90).

Este tem sido o entendimento jurisprudencial dominante:

PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - UNIÃO - LEGITIMIDADE PASSIVA - TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE. - SÚMULA 729/STF E PRECEDENTES DESTA CORTE.

É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de qualquer deles no pólo passivo da demanda. (RESP 719716/SC, Min. Relator Castro Meira). - É possível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, Súmula 729/STF e jurisprudência deste eg. Tribunal. - Recurso especial não conhecido[37].

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Nesse diapasão, não se deve admitir que um mero conjunto de leis e atos normativos da Administração Pública se erija como obstáculo à efetivação de uma norma constitucional. A realidade fática do Brasil não admite que se estabeleçam medidas de acesso à saúde que não respeitem os dispositivos constitucionais sobre o tema.

Não cabe aos entes federativos suscitarem em sede de preliminar a ilegitimidade passiva nas demandas judiciais assecuratórias do Direito à Saúde. Não resta dúvida que, em matéria sanitária, a Constituição vigente não isentou qualquer esfera do poder político da obrigação de defender, proteger e cuidar da saúde.

Ademais, a legislação que prevê as competências administrativas para a gestão do Sistema Único de Saúde somente vincula as relações dos entes administrativos entre si, não podendo ser imposta aos administrados.

Assim, eventual conflito entre os princípios da legalidade e da constitucionalidade (vale dizer, entre a lei e a Constituição), deve ser sempre resolvido, pelo Poder Judiciário, a favor do último.                         


CONCLUSÃO

Vivemos em uma sociedade paradoxal em que o discurso jurídico não se coaduna com as práticas sociais dominantes.

Em que pese os importantes avanços do Governo Federal na implantação de novos programas sociais relacionados à saúde e bem estar da população, certo é que o problema do acesso à saúde ainda decorre de uma situação deficitária, na qual é expressiva a quantidade de cidadãos carentes com inúmeras necessidades que não encontram respaldo nos recursos financeiros do Estado.

Todavia, resta evidente que a tendência atual vem caminhando no sentido de se maximizar as possibilidades de reconhecimento de um direito subjetivo originário e passível de exigibilidade imediata em juízo referente às prestações em matéria sanitária.

Sendo assim, a ampliação de mecanismos que permitam a participação popular na condução das políticas públicas coaduna-se com o princípio democrático razão pela qual a possibilidade de sua demanda judicial é essencial para o avanço na luta pela efetivação do direito à saúde

Abre-se, dessa forma, uma senda para a pesquisa de novas formas de efetivação do Direito à Saúde, no escopo de que o aprofundamento da elaboração jurídica em torno do tema faça dessa vereda uma larga avenida.


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Sobre o autor
Nayana Machado Freitas Rosa

Nayana Machado Freitas Rosa<br>Procuradora Federal, lotada na Procuradoria Federal de Minas Gerais. <br>Especialista em Direito Processual pela UNIDERP. <br>Pós-graduanda em Advocacia Pública pelo IDDE.

Informações sobre o texto

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