SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Paternalismo jurídico-penal; 2.1 Doutrinas anti-paternalistas; 3 A Política de Transplantes no Brasil; 4 Paternalismo jurídico penal e a venda de órgãos; 4.1 A criminalização da doação de órgãos conforme a legislação brasileira; 4.2 Comercialização de órgãos; Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade de paradoxos. Um destes é a necessidade de um controle Estatal versus a garantia constitucional às liberdades individuais. No presente artigo discutiremos especificamente a criminalização da venda de órgão no Brasil, a lei 9434/1997, em seu capitulo V, sessão I, em seu artigo 15º, que trata das sanções penais e administrativas, considera crime “comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano”. Estaria o Estado “invadindo” o âmbito privado do individuo? Ou estaria apenas protegendo um bem comum (a saúde pública)?
Ora, a fila de espera para recebimento de órgãos para transplantes no Brasil é grande. Se levarmos em conta que a elevada taxa de mortalidade desses pacientes se dá pela demora para recebimento de um órgão, poderíamos questionar quanto à legalização da venda de órgãos como um possível incentivo para reduzir este problema de saúde pública?
Inicialmente, faremos uma revisão na literatura sobre o paternalismo jurídico. Em seguida, conheceremos de forma geral sobre o funcionamento do Sistema de Transplantes no Brasil, enfatizando sobre a longa fila de espera e os principais tipos de transplantes realizados. Trataremos também sobre da descriminalização da venda de órgãos entre doadores vivos. Por fim, faremos uma relação entre o paternalismo estatal e a liberdade individual de venda de órgãos.
O presente artigo tem como objetivo geral fazer análise crítica da (des)criminalização da venda de órgãos entre doadores vivos no Brasil: levantando os argumentos favoráveis e contrários sobre a (des)criminalização da venda de órgãos; buscando conhecer, de forma geral, a realidade do Irã e outros países, em que a venda de órgãos é uma prática legal; e questionando a legitimidade de o Estado intervir na liberdade individual de seus jurisdicionados, a partir de uma análise dos direitos fundamentais em colisão neste caso específico;
2 PATERNALISMO JURÍDICO-PENAL
Paternalismo tem sua raiz na palavra latina pater que significa pai. Descreve uma relação de um superior com um inferior, assim como a relação de pai e filho. Esta relação de fragilidade pode passar uma ideia pejorativa, no entanto, tal relação é por vezes legítimo e útil à sociedade. Três ideias básicas podem ser extraídas do conceito de paternalismo (MARTINELLI, 2010).
A primeira ideia é aquela de um pai protetor que necessita guiar seu filho, ensinar, cuidar, prevenir lesões, que busca o melhor interesse da criança, pois esta não tem capacidade de decidir sozinha. Esta analogia representa a atuação de um Estado, organização ou individuo sobre outro Estado, organização ou individuo, da mesma forma que um pai age em relação a um filho. Temos dois polos nessa relação: O protetor, pai; e o protegido, o suposto filho (MARTINELLI, 2010).
Para Martinelli o paternalismo, para se caracterizar como tal, deve apresentar os seguintes atributos: (a) um comportamento que obrigue alguém a fazer ou deixar de fazer algo; (b) falta de confiança do “pai” em relação ao “protegido”; (c) segurança sobre o que é melhor a outrem; (d) divergência nas vontades; (e) objetivo de promover algo bom ou evitar lesão. (MARTENELLI, 2010)
O paternalismo pode se classificar como rígido ou moderado. O moderado considera que o paternalismo é justificado quando “não for possível determinar a capacidade do sujeito ou quando tal capacidade não restar comprovada”. Um exemplo de paternalismo moderado seria a intervenção nas autolesões praticadas por crianças ou por adultos com doença mental ou perturbações provisórias. Já para o paternalismo rígido considera, por vezes, justificáveis até mesmo intervenções em sujeitos conscientes de sua conduta, seja autolesão ou heterolesão consentida. O impedimento de que um homem adulto e consciente doe todo seu patrimônio é um exemplo disto. (MARTENELLI, 2010)
Tal classificação acima é importante na elaboração de leis penais que tutelam bens jurídicos indisponíveis. Neste caso, o paternalismo rígido é aplicável, pois, pouco importa a capacidade do agente, e sim a característica de indisponibilidade do bem. Já nos casos de bens disponíveis incide o paternalismo moderado. (MARTENELLI, 2010)
Paternalismo penal, mais especificamente, é exercido por meio da coerção estatal, leis penais são utilizadas para coibir condutas que representem lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico penalmente relevante. “O Estado quer intervir na escolha de alguém, mostrando que, caso opte pela conduta proibida, a pena cominada é a possível consequência dessa opção” (MARTINELLI, 2010). Tal paternalismo pode ser direto ou indireto. Direto quando é aplicado a casos de uma só parte (leis proibindo o suicídio, a autolesão, uso de drogas...) e indireto quando aplicável a casos de duas partes (leis que proíbam eutanásia, venda de drogas...) (ESTELLITA, 2007).
Diferentemente, o paternalismo impuro, também denominado indireto, legitima a interferência no comportamento de um grupo de pessoas para proteger outras que não fazem parte desse grupo. Exemplo bastante didático é a edição de uma lei que proibisse a produção de cigarros como objetivo de proteger a saúde dos fumantes. O Estado estaria agindo indiretamente de forma paternalista, já que atingiria os fabricantes com a finalidade de restringir a liberdade de escolha dos fumantes, que encontrariam dificuldades na aquisição do cigarro. Se, ao contrário, a lei proibisse que qualquer pessoa pudesse fumar, teríamos um caso de paternalismo direto, uma vez que os fumantes teriam sua liberdade restrita para seu próprio bem. (MARTINELLI, 2010)
2.1 Doutrinas anti-paternalistas
Feinberg foi um dos principais pensadores que dedicou seus estudos ao paternalismo no direito penal e é autor de várias obras, destacando-se série a intitulada The moral limits of criminal law, composta por quatro volumes: Harm to others, Offense to others, harm to self, e harmless wrongdoing. A preocupação de Feinberg é “traçar limites em que o Estado encontra legitimidade para interferir na liberdade das pessoas como meio de protegê-las de atos lesivos”. Uma das bases da doutrina deste autor é o principio da lesão, ou seja, para que a intervenção estatal seja moralmente justificável esta deve servir para prevenir somente lesões ou graves riscos de lesão a terceiros e não apenas ao próprio autor. (MARTINELLI, 2010)
Feinberg separa o paternalismo em duas “famílias” paternalismo presumivelmente não reprovável, “proteção de pessoas relativamente vulneráveis a perigos externos”, e paternalismo presumivelmente vulnerável, o ato de tratar adultos como se fossem crianças para o seu próprio bem. O autor considera paternalismo apenas o segundo caso. (MARTINELLI, 2010)
O paternalismo também pode ser ativo, passivo, mixed ou unmixed. Ativo quando exige um comportamento, passivo quando exige um não fazer, mixed quando busca mais que objetivo, e unmixed quando tem objetivo único. (MARTINELLI, 2010)
Como forma de fortalecer o discurso anti-paternalista Feingberg propõe um conceito novo de autonomia. Para o autor, autonomia tem 4 sentidos: (a) capacidade, discernimento para separar as coisas, definir certo e errado; (b) condição, autogoverno do homem, opinião crítica, não manipulação, desejo, vontades e sentimentos próprios; lei moral e vontade racional; (c) ideal, respeito as suas próprias convicções às de terceiros; e (d) direito de ter sua ‘soberania’ respeitada. Feinberg defende que a autonomia deve ser respeitada quando a vontade do agente estiver livre de defeitos. (MARTINELLI, 2010)
Outro autor que discorre sobre o paternalismo é Gerald Dworkin, para este autor não se justifica a intervenção na liberdade de determinada pessoal pelo argumento de que é para o próprio bem da mesma. Dworkin faz distinção entra paternalismo puro e impuro. Puro quando a restrição atinge o próprio beneficiário e impuro quando atinge conduta de terceiro para proteção outrem (MARTINELLI, 2010).
No entanto, Dworkin admite o uso de paternalismo em circunstâncias em que os resultados podem ser drásticos e irreversíveis na vida do sujeito. (MARTINELLI, 2010)
Para Dworkin, a interferência da liberdade humana passa por um cálculo utilitarista. Calcula-se o saldo entre a intervenção na liberdade e o resultado que se pretende alcançar. Algumas proibições podem parecer paternalistas para Dworkin, no entanto, ao analisar todos os fatos envolvidos, o resultado final abrangerá a coletividade. Quer dizer, se um comportamento aparentemente restrito ao âmbito individual da pessoa promover efeitos na comunidade, mesmo que remotos, a intervenção estatal será legítima e não haverá paternalismo. (MARTINELLI, 2010)
A teoria de Dworkin pode ser um tanto perigosa ao criminalizar efeitos remotos de determinada conduta, pois toda conduta em maior ou menor grau poderá afetar a coletividade futuramente. “Inclusive comportamentos imorais podem entrar para o cálculo utilitarista se forem consideradas possíveis consequências presumidas pelo intérprete” (MARTINELLI, 2010).
Tendo em vista essas considerações sobre paternalismo, nos ocuparemos a seguir com o funcionamento do Sistema Nacional de Transplante no Brasil, para por fim, fazermos uma correlação entre os assuntos.
3 A POLÍTICA DE TRANSPLANTES NO BRASIL
O Sistema Nacional de Transplantes (SNT) foi criado em 1997 com a intenção de legalizar e desenvolver a assistência gratuita e de qualidade aos candidatos a transplantes e suas famílias. O Brasil possui um dos maiores programas públicos de transplantes de órgãos e tecidos do mundo, com uma política fundamentada nas Leis n° 9.434/1997 e 10.211/2001, contando com 548 estabelecimentos de saúde credenciados e 1376 equipes médicas autorizadas pelo SNT a realizar transplantes. O SNT está presente através das Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO’s), em 25 estados brasileiros (BRASIL; DALBEM; CAREGNATO, 2010).
No Brasil, para ser um doador, não há necessidade de se deixar algum documento escrito. A Lei nº 9434 de 4 de fevereiro de 1997 que estabeleceu a doação presumida trouxe reações negativas a população e profissionais de saúde. A partir daí surge à nova Lei n° 10211 de 23 de março de 2001 que conforme Pestana et al (2002) restituiu o consentimento informado a um familiar. Assim sendo, os registros de doação e não-doação ainda existentes nos documentos de identidade e habilitação, em nosso país, foram anulados não tendo mais nenhum valor legal. Portanto, para ser um doador, basta informar o desejo aos familiares.
Existem dois tipos de doadores. Os vivos e falecidos. A maior fonte de obtenção de órgãos decorre de doadores falecidos com morte encefálica, isto é, pacientes com destruição completa e irreversível do cérebro e tronco cerebral, mantidos artificialmente por suporte vital. Estima-se que apenas “1 a 4% dos pacientes que morrem em hospital e 10 a 15% dos que morrem em centros de cuidados intensivos apresentam o quadro de morte encefálica” (DALBEM; CAREGNATO, 2010).
Conforme a Associação Brasileira de Transplantes, os tipos de transplantes mais frequentes no Brasil são de córnea, rim, fígado, coração, rim e pâncreas conjugados, pâncreas isolado e pulmão. Realizar-se-á transplante de coração e pulmão quando há compatibilidade sanguínea e anatômica entre o doador e o receptor. Além disso, outro fator que dificulta a doação desses órgãos é que o tempo máximo que eles podem permanecer fora do corpo é de quatro horas.
Já órgãos como os rins têm uma duração maior, podendo aguardar até 36 horas para serem transplantados. Outra característica favorável ao rim é que, geralmente, os dois rins de cada doador podem ser utilizados em receptores diferentes, beneficiando um número maior de pacientes. Tecidos como a córnea, que não dependem da compatibilidade entre doador e receptor, podem ser captados de doadores até seis horas após a parada cardiorrespiratória, facilitando a disponibilidade dos mesmos.
Os registros da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) mostram crescimento de 15% nas taxas de doações e transplantes no país em 2008; contudo, ainda existe uma fila de espera com mais de 60 mil pacientes. A lista das pessoas que esperam o transplante é maior que a captação de órgãos e tecidos (BRASIL; DALBEM; CAREGNATO, 2010).
4 PATERNALISMO JURÍDICO PENAL E A VENDA DE ÓRGÃOS
4.1 A criminalização da doação de órgãos conforme a legislação brasileira
Nas disposições gerais da lei 9434/97 em seu artigo 1o, tem-se: “a disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei”.
Esta mesma lei seu artigo 15, tem-se as penas para quem efetuar a comercialização de órgãos no Brasil:
Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação (BRASIL, 1997).
Conforme a lei 10211/2001 em seu artigo 9o
"Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4º deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea (Grifo).
4.2 Comercialização de órgãos
O crime de venda de órgãos pode ser considerado como paternalismo misto, ou seja, é suspeito de paternalismo direto e indireto, ou seja, “ambas as partes são submetidas a sanções ainda que a lei se dirija à proteção geral de somente uma delas”. Tal dispositivo legal pune tanto o vendedor quanto o comprador de órgãos e tecidos ou partes do corpo humano. (FEINBERG, apud ESTELLITA, 2007, p. 341).
É interessante notar que o vendedor de órgão não necessariamente sacrifica sua vida, mas sim, pratica uma forma de autolesão como forma de obter ganho financeiro. Para Estellita, toda “autolesão deve ser devidamente balanceada com a ideia de autonomia pessoal” (FEINBERG, apud ESTELLITA, 2007, p. 341).
Conforme outrora tratado, no capítulo sobre paternalismo, aquele indivíduo que se prontifica para dispor de seu próprio corpo, objetivando a venda de seus próprios órgãos, e o Estado que estabelece tal proibição no ordenamento jurídico, tem uma relação onde o Estado assume o papel de pai e protetor e o individuo de criança incapaz de decidir sobre o que é melhor para si, ou seja, sem autonomia. Este é o ponto de vista paternalista.
Em Estados que não criminalizam a venda de órgãos, o próprio Estado atua como mediador do transplante de órgãos com doador vivo, fornecendo incentivo financeiro ao doador, como, por exemplo, no Irã.
“O governo iraniano vem pagando doadores de rins desde 1988. Para evitar possíveis conflitos de interesse, os doadores e os receptores se encontram através de uma organização independente conhecida como a Associação dos Pacientes de Transplantes e Diálise. Os doadores devem ir voluntariamente à associação. Eles não podem ser recrutados por médicos ou enviados por corretores com incentivos financeiros. Eles recebem 1200 dólares e assistência médica limitada pelo governo, além de receberem remuneração direta dos receptores – ou, caso o receptor seja pobre, de alguma das várias organizações de caridade. A combinação da caridade com os pagamentos governamentais garante que os receptores pobres sejam tratados tão bem quanto os ricos” (HIPPEN, apud COIMBRA, 2008)
Já na Índia a falta de legislação específica, a posição da cultura local juntamente com a insuficiência de postos de diálise, torna o transplante com doador vivo cada vez mais frequente, subsidiando o aumento na comercialização de órgãos neste país. Contrapondo-se à realidade indiana, na China ainda há uma resistência proveniente da cultura local em relação à doação entre vivos, sendo referido que a maioria dos órgãos de doadores falecidos provém de prisioneiros submetidos à pena de morte (FREITAS).
Destacam-se três principais argumentos utilizados para aqueles que defendem a prática da comercialização de órgãos: (i) o principio da autonomia do doador que garante a este o direito de usar seu corpo como desejar; (ii) aceitação e regulamentação da venda de órgãos já que ocorre aos milhares em muitos países apesar de proibida; (iii) os órgãos adicionais provenientes do comércio legalizado aumentariam o número de transplantes diminuindo a mortalidade na lista de espera (RAIA, 2006).
No entanto, tomando com base o raciocínio de Dworkin (apud Martinelli, 2010), há de se cogitar que a atitude estatal em coibir a comercialização de órgãos e tecidos para transplantes não se configura como paternalismo uma que, tal conjuntura, poderia gerar um problema de saúde pública, pois os hipossuficientes seriam facilmente explorados, tendo sua dignidade “posta à venda”. Ou seja, criminalizar a venda de órgãos é uma atitude que afetará (para o bem) a coletividade futuramente.
Este argumento é compartilhado com Raia (2006): a sociedade seria prejudicada pois ocorreria tráfico que seguiria a rota moderna do capital. Os receptores são geralmente dos países ricos (EUA, Inglaterra, etc...), enquanto que os doadores proveem de áreas subdesenvolvidas do Iraque, Índia, Egito, Turquia, Estônia, Iugoslávia, Romênia, Geórgia, Peru, Filipinas e, infelizmente, também do Brasil.
Esse abuso do poder econômico fere o principio da equidade que impede qualquer tipo de privilégio já que os órgãos de cadáver provém de doadores pertencentes a todas as camadas sociais. O comércio de órgãos estimula o mercado negro e permite um grande lucro para intermediários aproveitadores. Antes da guerra do Golfo os doadores de rim no Iraque recebiam US$ 500 enquanto que o transplante do mesmo rim custava US$ 200 mil para os receptores dos EUA, da Inglaterra ou da África do Sul. Os efeitos sociais de todos esses malfeitos caracterizam o prejuízo a terceiros que impede o exercício de autonomia para a venda de órgãos (RAIA, 2006).
Agora, ao contrário do que ocorreu no Irã, há a possibilidade de a legalização do comércio de órgãos exercer um efeito negativo muito importante na captação destes. Inibiria-se o consentimento familiar altruístico para aproveitamento de enxertos de cadáver uma vez que seria impossível evitar o receio de que interesses financeiros passassem a interferir também nesse tipo de doação (RAIA, 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, a política Nacional de Transplantes de órgãos e tecidos prima pela gratuidade da doação, a beneficência em relação aos receptores e não maleficência em relação aos doadores vivos. Verifica-se claramente a criminalização da venda de órgãos no ordenamento jurídico de forma paternalista, portanto.
É fato que a comercialização de órgãos diminuiria, de algum modo, as filas de pessoas à espera de transplantes, que é um problema evidente no Brasil. No entanto, para que fosse possível e legitima a descriminalização da venda de órgãos, o Estado deveria criar mecanismos que impossibilitassem que tal comércio lesione à terceiros e, mesmo com a criação de tal sistema, ainda existiriam os riscos de corrupção e de captação de órgãos de forma ilegal.
A filosofia prega que o homem nunca deve ser utilizado como um meio para o fim, e sim, que o ser humano é um fim em si mesmo. A descriminalização da venda de órgãos pode ser considerada por muitos como uma banalização da vida humana, como uma afronta ao principio da dignidade humana. Tais premissas entram em confronto com os princípios da autonomia, da autodeterminação, da soberania que cada individuo tem sobre seu próprio corpo. Tal celeuma não é de fácil resolução.
REFERÊNCAS
BERLINGUER, Giovanni. Corpo humano: mercadoria ou valor?. Estud. av., São Paulo, v. 7, n. 19, Dec. 1993 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141993000300005&lng=en&nrm=iso>. access on 31 Oct. 2011.
BRASIL [A]. Lei Nº 10.211, de 23 de março de 2001. Altera dispositivos da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que "dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento".
BRASIL [B]. Lei Nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9434.htm. Acesso em: 28 de outubro de 2011.
BRASIL. Ministério da Saúde. Transplantes. Disponível em: < http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1004>. Acesso em: 28 de outubro de 2011.
DALBEM, Giana Garcia; CAREGNATO, Rita Catalina Aquino. Doação de órgãos e tecidos para transplante: recusa das famílias. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v19n4/16.pdf. Acesso em: 28 de outubro de 2011.
ESTELLITA, Heloísa. Paternalismo, Moralismo e Direito Penal: alguns crimes suspeitos em nosso Direito Positivo. Revista Brasileira de Filosofia. Vol. LVI, 2007.
FREITAS, Andréia Flaurinda; et all. O Problema do Mercado de Estruturas Humanas: Análise de casos. Disponível em: http://189.75.118.67/CBCENF/sistemainscricoes/arquivosTrabalhos/I8237.E3.T1805.D3AP.pdf. Acesso em: 28 de outubro de 2011.
RAIA, Silvano. Comércio de órgãos. 2006 Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov02/portugues/profissionais/biblioteca/textos.aspx?idCategoria=3. Acesso em 28 de outubro de 2011.
MARTINELLI, João Paulo Orsini. Paternalismo jurídico-penal. São Paulo, 2010. 297f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2010.