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Romário e a carteirada que “já deu”

Agenda 28/11/2014 às 16:12

Um ensaio sobre o projeto de lei do deputado federal Romário Faria, do Rio de Janeiro, que tipifica como crime a "carteirada", e uma abordagem superficial sobre sua relação com o "amigo do rei" e o "você sabe com quem você está falando".

Li no site do deputado federal Romário Faria, recém-eleito senador pelo Estado do Rio de Janeiro, que ele protocolou um projeto de lei que torna crime a “carteirada”.

É forçoso admitir que a “carteirada” encerra uma prática muito antiga no Brasil – herança dos tempos coloniais. É uma nova roupagem do famoso “amigo do rei”. Aliás, de certa forma, vivemos num país estranho, onde há amigos do rei mesmo em tempos republicanos. Mas, isso não deveria causar estranhamento porque todos nós sabemos que a jabuticaba não é a única coisa genuinamente brasileira – temos até a nota fiscal emitida ante o pagamento de propina.

É triste, mas ainda se vê esse tipo de expediente num ou noutro lugar – todos nós ouvimos muito sobre o lamentável caso ocorrido no Rio de Janeiro que levou à revolta da população, e está mobilizando o político.

No site do deputado há o que se pode dizer uma breve exposição de motivos:

A prática é comum no Brasil, autoridades e agentes públicos utilizam o cargo para deixar de se submeter à fiscalização de trânsito, não cumprir obrigações impostas a todos ou, até mesmo, para ingressar gratuitamente em eventos pagos 1.

Na realidade, todas as vezes que escuto falar que “fulano deu uma carteirada” vem a minha memória “Scowa e a máfia”, uma banda dos idos de 1980. Fui criado no período da ditadura – nasci em 1970 – e a “carteirada” naqueles tempos era o: “– Você sabe com quem você está falando?”.

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Eu gostava da letra porque sempre achei essa prática odiosa, mesmo quando criança – não me conformava em saber que alguém se sentia melhor que o outro pelo simples fato de ter um posto, de estar num “plano superior”, num cargo de prestígio ou algo do gênero.

Naquela época, tínhamos medo dos policiais, que olhavam de forma intimidatória para os moradores do bairro, onde os mais velhos levavam “dura” apenas para demonstração de autoridade. Na maior parte das vezes havia um total desrespeito com o cidadão que pagava (e paga) o salário do servidor público. E ainda hoje é assim.

Ora, num país de indicações, às vezes a autoridade era (ou é) “alçada” a um posto, colocada num “pedestal” por uma autoridade (ou pessoa influente), sem possuir méritos para tal. E, o pior: muitas vezes a “carteirada” é dada em nome do pai, da mãe, do irmão, do filho ou do amigo (faltando o Espírito Santo e o amém). Sim, tudo isso era um “posto” que concedia o direito de primazia sobre subalternos.

O nome da música é “amigo do amigo”, e eu enxergava uma crítica do Scowa a toda essa bobagem. De um lado, o “carteirante” se achava o máximo: “Invencível habitante do olimpo do poder”; mas, na música (e na vida!), após a pergunta infeliz, vinham as seguintes frases do “carteirado”: “Cabeça-de-bagre, espírito de porco, vaca de presépio, bode expiatório”. Na vida, a sensação do contato mantido com uma pessoa infeliz e com tamanha baixa estima que precisa humilhar o outro, mostrar sua autoridade para se sentir bem. É isso o que uma pessoa de bom senso pensa, penso.

O projeto de Lei nº 8.152/2014 foi apresentado no dia 26/11/2014, e pretende tipificar a “carteirada” como crime, acrescentando um artigo ao Código Penal, com previsão de pena de três meses a um ano de detenção. O sujeito ativo seria o agente público, e a conduta a utilização do cargo público ou da função pública para se eximir de cumprir obrigação ou obter vantagem ou privilégio indevido.

Esse agente público poderá ser suspenso de sua atividade por até seis meses, período em que perderá sua remuneração e as vantagens.

Finalmente, haverá o aumento de um terço da pena se quem cometer o crime for membro do Judiciário, do Ministério Público, do Congresso Nacional, ou Presidente da República, Governador, Ministro ou Secretário.

Não sei por onde anda o Scowa (na realidade, há muito tempo deixei de usar esse utensílio, pois meu cabelo ficava igual ao do leão da montanha); a máfia se instalou em Brasília; e a “carteirada”, na boa, não tem mais espaço no mundo atual – “já deu”.

Só que não...

[1] Disponível em: http://www.romario.org/news/all/projeto-de-romario-torna-crime-famosa-carteirada/. Acesso em 28/11/2014.

Sobre o autor
Fernando César Borges Peixoto

Advogado, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória-ES; e em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha-ES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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