Cuida-se de analisar questão altamente controvertida, com raríssimas, senão inexistentes hipóteses de julgamento concreto em sede jurisprudencial que instiga o raciocínio, desafia o saber jurídico e demonstra, de forma absolutamente nítida, o que deve buscar a verdadeira e moderna face da Justiça, objetivando a solução de questões inerentes à personalidade, à vida e aos direitos fundamentais das pessoas.
A situação aqui versada fundamenta-se em caso concreto onde houve, há cerca de 10 anos atrás, o ajuizamento de ação de investigação de paternidade, tendo o réu quedado revel, a despeito de haver comparecido à audiência, para a qual foi intimado. Inquiridas duas testemunhas, veio a sentença favorável ao investigante. Pouco tempo depois, foi ajuizada ação rescisória que, foi rejeitada liminarmente pelo fato de não haver sido juntada a certidão do trânsito em julgado da sentença que se pretendia rescindir.
Ajuizada agora, ação negatória de paternidade assegura o autor em depoimento pessoal que procurou incessantemente por atendimento técnico, primeiramente na Defensoria Pública e, posteriormente com advogado constituído e que, em momento algum, acomodou-se com a decisão prolatada.
É óbvio que a ação rescisória seria o caminho correto para a desconstituição da "coisa julgada material" que se formou em torno da sentença que condenou o autor à condição de pai do réu que, repito, foi ajuizada mas não chegou a ser conhecida, demonstrando que, em momento algum, quedou-se inerte totalmente, contentando-se com os rumos tomados no processo ou acomodou-se com a condenação, a despeito de não haver se utilizados dos recursos processuais disponíveis e indicados, nos momentos oportunos.
Tivesse o processo anterior, decidido sobre direito disponível, patrimonial, absolutamente nada se poderia fazer, posto que estaria o sucumbente apenas e tão somente experimentando os efeitos nefastos de sua inércia.
Realizado o exame pericial de DNA, veio o laudo negativo, ou seja, o autor da ação negatória de paternidade, biologicamente não é o pai do réu.
No entanto, cuida-se de direito personalíssimo, indisponível e, entre os direitos da personalidade, o mais importante e relevante de todos eles, que é exatamente a prerrogativa de se saber exatamente quem são os ancestrais, quem são os verdadeiros pais, ter-se conhecimento da árvore genealógica e, não se diga que este direito é apenas do filho, mas também do pai e, se o autor não é o pai biológico, como restou demonstrado no exame de DNA realizado, e nunca assumiu esta condição, não se criando a situação de "estado de filiação", não se experimentando a mínima aproximação, vinculação afetiva entre autor e réu, absolutamente nada há a ser preservada – nem a relação biológica, inexistente, nem a afetiva, que não chegou a ser formada – a não ser a "verdade ficta" consubstanciada na presunção relativa proveniente da formação da coisa julgada material, fruto em parte da "revelia" do indigitado pai que, por sua vez, também produz presunção de verdade dos fatos alegados na petição inicial. Claro que em se tratando de "direito de estado", a revelia não produz seus efeitos, visto que em julgamento, direitos indisponíveis.
Pois bem, em apertada síntese, cuida-se de processo onde se está a decidir se há de preponderar a verdade ficta, presumida, criada, oriunda da absolutamente necessária efetividade e definitividade das questões decididas judicialmente, ou a realidade fática, apurada neste processo, pelo exame de DNA realizado e que concluiu pela impossibilidade total de ser o autor, pai do réu.
Seria correto, em prol da propalada "segurança jurídica" das decisões jurisdicionais acobertadas com o manto da coisa julgada, manter-se uma situação inverídica, qual seja a relação filial entre autor e réu que, agora se sabe, inexistente?
Seria justo, tanto ao autor, quanto ao réu, principalmente a este, impossibilita-lo da busca quanto a seu verdadeiro e biológico pai? Seria humano, impor-se ao infante a figura de um pai irreal, criado pela ficção legal?
Esta a grande questão que se busca analisar neste trabalho.
Em aprofundada pesquisa doutrinária e jurisprudencial de argumentos e sustentáculos lógicos e jurídicos, constatou-se que, em absolutamente todas as hipóteses em que se questiona a "força da coisa julgada" em ações de investigação de paternidade, os processos originais foram extintos sem julgamento do mérito, ou a segunda ação extinta também de forma terminativa por indeferimento da petição inicial. Nunca, em absolutamente nenhum caso se constatou situação semelhante à dos autos, onde se possibilitou e se realizou o exame pericial de DNA e o resultado foi negativo, contrapondo-se assim a realidade ficta e a realidade biológica.
Veja-se a propósito análise levada a efeito pela Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Maria Berenice Dias:
Investigação de paternidade, prova e ausência de coisa julgada material.
"De forma contundente, a CF outorga especial proteção à família, proclamando como dever do Estado assegurar à criança a convivência familiar. De outro lado, o ECA decanta que o direito personalíssimo de reconhecer estado de filiação é indisponível e imprescritível"
Das demandas que transitam pelo Poder Judiciário, no âmbito do Direito de Família, talvez seja a investigatória de paternidade a que sempre apresentou maiores dificuldades no campo probatório, sendo, por outro lado, a que mais se beneficiou com a evolução - quase revolução - ocorrida a partir da descoberta dos indicadores genéticos, que muito contribuem para a identificação das relações de parentesco.
A primeira questão que se põe diz com a definição da causa de pedir como elemento identificador da ação. Ainda que elenque, o art. 363 do CC, as hipóteses de cabimento da ação para o reconhecimento da filiação, não se pode deixar de reconhecer que o fato gerador do direito é, ao fim, a existência de uma relação sexual entre os genitores do investigante. Ou seja, não é necessário que estivesse a mãe concubinada com o pretenso pai (inc. I), ou que este a tivesse raptado (inc. II), para o exercício do direito de ação. Igualmente dispensável a existência de escrito reconhecendo expressamente a paternidade (inc. III). Basta tão-só a alegação - e, conseqüentemente, a prova - da existência de um contato sexual entre ambos.
É inquestionável que, ocorrendo esse tipo de relacionamento, ordinariamente, de forma reservada e a descoberto de testemunhas, a prova do fato constitutivo que sustenta a ação torna-se particularmente dificultosa. Trata-se de probação de ato praticado por terceiros, do qual o autor não foi um partícipe, mas quase que uma mera "conseqüência", o que mais aumenta a dificuldade de amealhar provas.
Assim, nessa espécie de demanda, é necessário equacionar a distribuição dos encargos probatórios feita pelo art. 333 do CPC, atendendo-se a tais peculiaridades. Não se pode impor ao autor que faça prova do fato constitutivo de seu direito (inc. I), relegando-se ao demandado a também quase impossível demonstração de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado na inicial (inc. II). Se é difícil provar a ocorrência da relação sexual, não é mais fácil evidenciar que ela não existiu. Por isso, a prova testemunhal sempre foi usada para apontar ocasiões e identificar situações em que o par foi visto em atitudes que insinuassem a existência de um vínculo afetivo, para concluir-se sobre a possibilidade de ocorrência de um contato sexual. A tese defensiva, de outro lado, muitas vezes centrava-se na argüição da exceptio plurium concubentium, pela qual o demandado, apesar de reconhecer a mantença de relacionamento íntimo com a mãe do investigante, buscava evidenciar a concomitância de contato com outros parceiros, por meio de uma linha argumentativa que sempre restava por denegrir a figura materna, como a apenar o livre exercício da sexualidade.
Além da prova testemunhal, a prova pericial, que, em um primeiro momento, identificava exclusivamente os grupos sangüíneos, era de pouca valia para o reconhecimento da filiação. Porém, a evolução científica veio a revolucionar a investigação dos vínculos parentais, por meio de métodos cada vez mais seguros de identificação dos indicadores genéticos, revelando-se como meio de muita utilidade na busca do reconhecimento a essa espécie de direito. Dita prova, com índices de certeza por demais significativos, acabou inclusive por devolver a liberdade sexual à mãe do investigante, já que perdeu prestígio a alegação da vida promíscua da mulher como fato impeditivo à identificação da paternidade.
No entanto, a prova pericial apresenta dupla ordem de dificuldade. Primeiro necessita que haja a participação do demandado para sua realização, e não há como se impor que alguém a ela se submeta coactamente, sob pena de afrontar-se o princípio do respeito à integridade física do cidadão, que dispõe de resguardo constitucional. Tal diretriz sobreleva o dever de ambas as partes de colaborar com o Poder Judiciário (art. 339 do CPC) e de proceder com lealdade e boa-fé (inc. II do art. 14 do CPC). O outro empecilho é de ordem pragmática, pois o elevado valor do exame de DNA, método que apresenta maior índice de certeza, não é custeado pelo Estado. No Rio Grande do Sul, o Serviço Médico Judiciário realiza, sem ônus para as partes, o exame pelo método GSE - Grupos Sangüíneos Eritrocitários -, que, entretanto, não apresenta resultados com grau de probabilidade muito acentuado. Não dispondo as partes de recursos para arcar com o pagamento dos testes, tem-se dispensado a perícia, fato que resta por fragilizar o contexto probatório, que, muitas vezes, deságua no desacolhimento da ação.
Mas não são só essas as dificuldades que se apresentam. Em se tratando de ação que diz com o estado das pessoas, envolvendo direito personalíssimo, não se operam os efeitos confessionais decorrentes da revelia. Assim, a eventual omissão do réu, negando-se a se submeter ao exame, não pode, ao invés de onerá-lo com a presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial, vir em seu benefício, apenando o autor com um juízo de improcedência, por insuficiência de prova.
Ao depois, mesmo a alegação das partes de não disporem de condições para custear o exame de DNA não deveria revelar-se como fato impeditivo para sua realização. Porém, o exame não tem sido realizado, ainda que haja lei estadual determinando que o Estado arque com os custos (Lei nº 11.163/98) e mesmo que o STJ tenha decidido que o juiz pode determinar a realização da prova pericial pelo exame de DNA a expensas do Estado, que deve diligenciar os meios de provê-lo ou criar dotação orçamentária para tal fim (REsp 83.030-0 - Relator Min. Waldemar Zveiter, Segunda Seção, DJ 20/4/98).
O que descabe é, face à ausência de probação - decorrente quer da omissão do demandado, quer do fato de as partes militarem sob o pálio da assistência judiciária gratuita -, gerar definitivamente a impossibilidade de se buscar a identificação de seu vínculo familiar.
A ausência de prova, que no juízo criminal enseja a absolvição, ainda que não tenha correspondência na esfera cível, não pode levar a um juízo de improcedência, mediante sentença definitiva, conforme preconiza Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 2ª ed., Ed. Forense, 1990, p. 571).
Há antecedentes legais. Na ação civil pública (art. 16 da Lei nº 7.347/85) e nas ações coletivas de que trata o Código de Defesa do Consumidor (art. 103), está, de forma expressa, afastada a eficácia erga omnes quando a ação é julgada improcedente por ausência de prova, autorizando qualquer legitimado a intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Ainda que ditas disposições sejam tidas como verdadeira excrescência ao princípio da estabilidade jurídica, não se pode deixar de invocar como precedentes a autorizarem o afastamento dos efeitos da coisa julgada quando a ação diz com o estado da pessoa. A omissão do próprio demandado ou do Estado em viabilizar a realização da prova não permite a formação de um juízo de convicção, a ser selado pelo manto da imutabilidade, de não ser o réu o pai do autor. O que houve foi a impossibilidade de identificar a existência ou concluir pela inexistência do direito invocado na inicial, omissão probatória, no entanto, que, não podendo ser imputada ao investigante, não pode apená-lo com uma sentença definitiva.
Ainda que o processo não se limite à definição dos direitos dos litigantes, tendo por objetivo, conforme Chiovenda, a atuação da vontade da lei, o interesse público de toda a sociedade na composição dos conflitos não pode suplantar o interesse de um menor em identificar seus vínculos familiares. De forma contundente, a Constituição Federal outorga especial proteção à família (art. 226), proclamando como dever do Estado assegurar à criança a convivência familiar (art. 227). De outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) decanta que o direito personalíssimo de reconhecimento do estado de filiação é indisponível e imprescritível (art. 27).
Tais interesses, por evidente, se sobrepõem ao instituto da coisa julgada, que não tem assento constitucional, não se podendo impedir o livre acesso à Justiça para o reconhecimento da filiação face à temporária impossibilidade probatória ou, até, à negligência em subsidiar a formação de um juízo de certeza para o julgamento.
Desse modo, impõe-se repensar a solução que vem sendo adotada ante a ausência de probação nas ações de investigação de paternidade. Descabe um juízo de improcedência do pedido, a cristalizar, como coisa julgada, a inexistência do estado de filiação. O que se verificou foi falta de pressuposto ao eficaz desenvolvimento da demanda, ou seja, impossibilidade de formação de um juízo de certeza, o que impõe a extinção do processo nos precisos termos do inc. IV, do art. 267, do CPC. Tal solução, que, tecnicamente, é uma sentença terminativa, viabiliza a possibilidade de qualquer das partes retornar ao Judiciário, munida de melhores e mais seguras provas, para a identificação da verdade no estabelecimento do vínculo mais caro ao ser humano.
(Revista Brasileira de Direito de Família – Nº 1 – Abr-Mai-junho- Doutrina, página 21)
Da mesma forma, não há como se esconder o fato de que há poucos anos atrás, a realização de exames de DNA era praticamente impossível, principalmente para a população mais carente, não só em razão dos elevadíssimos custos, como também do pequeno número de laboratórios tecnicamente aptos e moralmente confiáveis para a aceitação de seus resultados como meio de prova judicial eficiente.
Ainda que atualmente não se tenha atingido o estágio ideal, tais exames já são realizados com muito mais facilidade, com custos já bem mais reduzidos e, especificamente em se tratando do Estado do Rio de Janeiro, o Egrégio Tribunal de Justiça vem arcando com o pagamento da esmagadora maioria dos exames realizados, através de convênio firmado com o Laboratório de diagnósticos da UERJ que tem à frente o biólogo DR. ELIZEU GAFUNDES DE CARVALHO, PhD, cujos conhecimentos, senso de profissionalismo, seriedade e absoluta competência se fazem notar a nível nacional e internacional.
No concernente especificamente à COMARCA DE NOVA FRIBURGO, vai-se muito mais adiante. Através da colaboração importantíssima do ROTARY CLUBE IMPERADOR que vem custeando diversos exames de DNA, prestando serviço social de relevantissima importância o que, somado à compreensão do eminente biólogo acima mencionado que mensalmente se desloca da sede de seu laboratório para proceder à coleta de material para exame na própria cidade, especificamente, no Gabinete do Juiz, com toda segurança e credibilidade, evitando deslocamentos das partes, que nunca custam menos do que R$ 100,00 reais e, em grande parte, inviabiliza a própria realização do exame, por ausência deste numerário para a viajem, alimentação, falta ao trabalho e o temor compreensível de pessoas simples, em estarem na Capital, em ambiente desconhecido, sem amparo e sem orientação.
Com esse sistema, se realizam em Nova Friburgo, aproximadamente 20 a 30 exames de DNA mensalmente, sem ônus e sem desgaste para as partes, concretizando o objetivo já histórico de aproximação da Justiça à população.
Óbvio que quando da tramitação do processo anterior de investigação de paternidade, onde foi o autor condenado, absolutamente nada disso existia, as dificuldades e empecilhos eram absolutos, não se podendo ignorar tais diferenças para se concluir pela censura, hoje bem maior, àqueles réus que eventualmente se recusem à realização do exame de DNA.
Volta-se então o questionamento: Seria justo para com a própria criança, impingir-lhe um pai ficto, "de mentirinha", criado pela necessidade de estabilização e definição das relações sociais, em notória contrariedade ao que na realidade ocorre, ou seja, o autor, não é o pai da criança!!! Como explicar tudo isso à criança, principalmente quando, já com 6 para 7 anos de idade, a figura paterna é absolutamente necessária, essencial à formação de sua personalidade, fundamental para lhe estabelecer parâmetros de comportamento, exemplos etc. É justo manter-se essa criança convivendo com o sentimento de extrema e total rejeição paterna, em razão de uma ficção criada por lei?
Uma sentença persa, recolhida por Eberhard Puntsch, diz que as crianças são uma ponte para o céu. E os Evangelhos incluem na pregação de Jesus a clara advertência de que é fazendo-nos iguais às crianças que teremos aberto o reino das beatitudes (cf. Mt. 19, 14; Mc. 10, 14; Lc. 18, 16).
Parece fora de dúvida que o discurso adulto sobre as crianças sempre foi dominado pelas notas da reverência e do encantamento. Crianças são a expressão da pureza, o sinal da inocência, a marca da sinceridade. Como são, também, no geral, frágeis e desarmadas, suscitam impulsos de defesa e gestos de acolhimento. Por isso, menores e maternidade costumam encontrar na linguagem da lei garantias especiais, não raro associadas a proclamações enfáticas quanto aos deveres que em relação a elas se impõem ao Estado e à sociedade.
A criança é toda ela promessa. Portanto, assume, de certa forma, a encarnação por excelência da esperança. De uma representação simbólica passa fácil, porém, a idealidade privilegiada, para onde aflui o sonho, mas também correm a frustração e o mito.
O desvelo mesmo para com as crianças pode não ser a expressão de um genuíno dom de si mesmo. Ou só uma aposta na inocência. "Na modernidade", observou Contardo Calligaris, "as crianças são o baluarte de nosso narcisismo: queremos, sobretudo, que elas nos devolvam uma imagem de felicidade que compense nossas dores e frustrações". No infantil há quem pense expressar-se o nosso próprio inconsciente.
Há boas razões para que o clímax de exaltação dos propósitos se alcance no contexto das constituições. De uma parte, exprimem elas o projeto maior das nações. Nelas está inscrito o que cada país pretende ser. Ali se contém o ideário de uma sociedade: seus valores, suas tradições e, em teor considerável, os seus sonhos. Assim foi e assim será com todas as constituições.
Mas, de outro lado e por isso mesmo, as constituições determinam uma espécie de ruptura no imaginário coletivo. Elas assinalam, por assim dizer, um instante alegórico de renascimento. Sepultam um passado carcomido e rugoso, no mesmo passo em que dão origem a um futuro radiante e promissor.
Ontem como hoje, quando os modelos começam a exibir sinais de fadiga e os paradigmas já não respondem aos questionamentos que se vão delineando e interagindo, dá-se ao velho um fim sumário, ainda que aparente apenas, e finge-se recriar a realidade com a aposição do mítico novo: New Deal, Nova Política Econômica (NEP), nouveau roman, nouvelle vague, bossa nova, nouvelle rhétorique, escola nova, Nova República, cruzeiro novo, real novo, etc., etc. Às vezes, a insatisfação com o velho é produtiva e marca o efetivo encontro de soluções criadoras, como aconteceu com a bossa nova. Não raro, porém, tudo não passa de um artifício para despistar imperativos da consciência ou encobrir carências e debilidades de nossa limitada existência.
Importa considerar, em outra pauta, a suposta redução de amplitude da regra pater is est no direito brasileiro contemporâneo. Se o fundamento capital da paternidade é de natureza afetiva e não biológica, torna-se imperioso abrir maior espaço, entre nós, à posse do estado de filho, cujo papel no direito de família não pode ficar limitado ao âmbito da prova, senão que deve alcançar a própria constituição do status familiae. Luiz Edson Fachin observou, com acerto, que o vínculo da paternidade "não é apenas um dado", pois, ao contrário, ele tem a natureza de se deixar construir. E arremata com esta sentença exemplar e antológica, na força de sua aparente ambigüidade: "A paternidade se faz".
Na medida, pois, que a paternidade se constitui pelo fato, é fácil perceber que a posse do estado de filho pode entrar em conflito com a presunção pater is est. Igualmente o podem outras situações que não resultam da norma, mas de comportamentos concretos. Nomeiem-se, ademais da posse do estado de filho, a prolongada ausência de contactos, assim como o repúdio que o marido da mãe pratique em relação ao filho, mesmo sem ter proposto ação negatória da paternidade ou sem que haja sucumbido na que tiver intentado. São, todas essas, situações em que uma paternidade efetiva quer prevalecer sobre a nominalidade da lei e merecem nisso acolhimento, já porque não mais estão presentes os pressupostos axiológicos que inspiram a presunção pater is est. Que este embate entre o fato e a lei possa, pois, ser resolvido em favor do primeiro - portanto com o afastamento da regra pater is est - é uma hipótese que não encontra previsão no Código Civil, mas que não deixa de estar em continuidade com sua postura antideterminista.
Estas reflexões apoiam-se em leitura construtiva da lei ordinária e têm em conta uma realidade social que não exige estar escrita nos códigos para ser tomada em consideração. Contudo, não é correto reconduzir à Constituição de 1988, no Capítulo VII do seu Título VIII, qualquer crédito (ou débito) neste sentido. O modelo constitucional estrito da filiação nem expandiu nem reduziu a extensão da regra pater is est.
Resta salientar a imprescritibilidade das ações de Estado, como a que ora se analisa. Aqui se abriga outra interpretação atropelada do texto constitucional relativo à filiação. De ter dito o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 27, que o "reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível" parece ter-se lançado, para alguns, uma luz tardia sobre o regime constitucional da filiação. Começou-se a entender a Constituição como se nela estivesse ancorado um direito absolutamente novo e exótico na ordem jurídica brasileira: o poder de, a qualquer tempo, esgrimir contra o pai uma pretensão tendente a desconstituir a relação de paternidade e, contra terceiros, a de os submeter a investigação cujo fim seja, reversamente, o de estabelecer uma nova paternidade.
Zeno Veloso, autor de um meticuloso estudo sobre o regime da filiação subseqüente à Constituição de 1988, presta a seguinte informação:
"Com a Constituição de 1988 e as leis infraconstitucionais que vieram regular a matéria relativa à família, o quadro passou por uma revisão, como temos insistentemente alertado. A maioria da doutrina e dos julgados dos tribunais, com base no princípio da igualdade entre os filhos, qualquer que seja a natureza da filiação, vem entendendo que o descendente tem o direito de investigar a sua paternidade, sem limitação ou restrição alguma, pelo quê a presunção pater is est, para dizer o mínimo, está bastante enfraquecida, praticamente afastada".
"O fato é que, sob a ótica da Constituição, as ações de estado, expressão processual dos direitos da personalidade, são imprescritíveis. A pessoa humana poderá, a qualquer tempo, ajuizar ação de impugnação da paternidade de molde a cancelar a presunção legal e, mediante a ação de investigação de paternidade - que poderá ser cumulada à ação negatória - determinar o vínculo biológico de filiação".
A paternidade seria, assim - em má hora lembrando a fórmula stammleriana - uma espécie de direito permanente de conteúdo variável. A cada um estaria deferido, como inerente à filiação, algo como um poder interno de mudar de pai, um autêntico jus variandi.
Os adeptos desta leitura atravessada e ensandecida da Constituição negam, certamente, tais extensões com a crueza que elas aqui ostentam, mas é ao que levam as bases de seu raciocínio. Um raciocínio que, perdido nas seduções da genética e ofuscado pelo impacto do espetacular, supõe que todo o complexíssimo tema da paternidade se deixe aprisionar e resolver pelos exames do DNA. Percebe-se aí uma obsessão do tangível, cujo efeito é reduzir o direito a um ramo ancilar das ciências positivas. Pensar que a paternidade possa estar no coincidir de seqüências genéticas constitui, definitivamente, melancólica capitulação da racionalidade crítica neste contraditório fim-de-século. O reducionismo do direito aos parâmetros da ciência positiva, vício em que incorre a paternidade sustentada nas seqüências genéticas, importa afastá-lo de seu ambiente próprio, fora do qual os achados são equívocos e as propostas erráticas.
A postura metodológica inadequada conduz a tomar a derivação genética pelo que ela não é - a paternidade:
Supõe-se que, a partir de matrizes falsas, pode instalar-se sub-reptícia cadeia de contaminações, do que resultaria, por exemplo, tresler o texto constitucional, vendo ali o que ali não se acha.
Ao discursar recentemente na Universidade de Coimbra, pela ocasião solene em que lhe era conferido o grau de doutor honoris causa, Caio Mário deixou registradas advertências de candente atualidade e a que chamou, em reveladora qualificação, de mensagem. Dela vêm aqui muito a propósito estas palavras:
"A todos vós posso afirmar com irrefutável segurança que o Direito deve buscar, também em outras ciências, sobretudo, sociais e humanas, apoio e parceria para afirmar seus princípios, reorganizando, metodologicamente, estudos e pesquisas.
As relações humanas não podem ser tratadas pelo Sistema Jurídico como se elas fossem apenas determinadas pelo mundo da objetividade. Outras ciências indicam novos rumos ao Direito
".Voltando à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990: está certíssimo o art. 27 em declarar "personalíssimo, indisponível e imprescritível" o direito ao reconhecimento da paternidade. De resto, nem se compreende a excitação que o texto do Estatuto produziu, quando era já certo e pacífico aquilo que declarou. Tão certo e pacífico que constitui, pela sua parte de maior repercussão, objeto da súmula nº 149, primeira parte, do Supremo Tribunal Federal: "É imprescritível a ação de investigação de paternidade [...]".Direito ao reconhecimento tem-no, entretanto, todo aquele, e somente aquele, a quem falte o pai juridicamente estabelecido. Não o tem, portanto, em princípio, aquele a quem a condição de havido do casamento já lhe dá o pai. Ao exercício desta pretensão de ser reconhecido não opunha o Código Civil qualquer prazo, nisso coincidindo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como coincidia, pelo seu espírito, em que a ação fosse personalíssima e indisponível. O art. 27 do Estatuto, ao qualificar o direito de reconhecimento como "personalíssimo, indisponível e imprescritível", introduziu, por certo, no direito brasileiro uma explicitação saudável. Mas, em rigor, não se constituiu propriamente em uma inovação. Seu grande significado social e político está no menos festejado segmento final, que leva para o tecido da legislação ordinária a palavra igualitária e redentora da Constituição.
Este direito, "personalíssimo, indisponível e imprescritível", entretanto, nada - rigorosamente nada - tem a ver com os prazos decadenciais estabelecidos no Código Civil (art. 178, §§ 3º; 4º, I; 9º, VI e art. 362), em que se quer ver um limite ao seu exercício. Os do Código são prazos para impugnar uma paternidade já estabelecida, não para estabelecer uma paternidade em favor de quem não a tenha.
De outro lado, no caso da ação para provar a legitimidade (hoje matrimonialidade) da filiação, o Estatuto da Criança e do Adolescente acabou, por força do novo contexto constitucional, ficando aquém do velho Código Civil de 1916. Lá está, com efeito, no seu art. 350, o preceito categórico:
"A ação de prova da filiação legítima compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor, ou incapaz".
Como se vê, o Código não só garante a ação pela vida do filho, como a faz expressamente transmissível por herança. A restrição de exercício, contida no art. 178, § 6º, XII, não é para o filho, senão para seus herdeiros.
Compreende-se que o Estatuto, aqui, não pudesse mesmo acompanhar o Código, cuja liberalidade, no particular, não estava estabelecida propriamente em favor do filho tout court, mas da sua legitimidade. Era uma expressão do favor legitimitatis. Ora, suprimida a distinção entre legítimos e ilegítimos, a busca do reconhecimento pela via privilegiada da matrimonialidade terminaria por favorecer os filhos nascidos do casamento em detrimento dos nascidos fora do casamento. Terá, então, o art. 350 do Código Civil perdido a vigência? Parece que não.
Quando um benefício alcança apenas uma classe de categorias igualadas por lei ou posta por esta em situação de inferioridade, a melhor exegese não é concluir pela invalidade do benefício, senão pela sua extensão. Aplica-se então, ao caso, a Meistbegünstigungsklausel ou "cláusula de maior favorecimento".
Explicando por outro modo e buscando a concretização na espécie: o art. 350 do Código, ao criar um privilégio em favor da legitimidade, acabava por abrir uma fresta no fechado círculo de interdição ao reconhecimento. Atribuía ao filho o amplo direito de buscar sua legitimidade. "Amplo" menos porque o declarasse exercitável por toda a vida, mas principalmente porque lhe dava meios abertos de prova (cf. art. 349) e o fazia transmissível aos herdeiros em condições particularmente favoráveis. O filho, procurando a legitimidade, estava - claro - procurando também a paternidade, já que estes efeitos, no caso, andavam juntos e eram incindíveis. No sistema do Código podia-se obter a paternidade sem a legitimidade, mas nunca a legitimidade sem a paternidade. Isto, em sede especulativa, continua a ser verdadeiro e é absolutamente óbvio, porque a legitimidade é um atributo da filiação. Aquela não pode existir senão como qualidade desta. Hoje estão cindidos. Não no sentido de que exista uma legitimidade a se, sem filiação, mas no sentido de que as referências à filiação legítima podem ser convertidas em referências à filiação tout court, sem perder a sua intencionalidade fundamental.
O que determina essa conversão é o próprio texto constitucional, o qual, pode-se dizer - em linguagem metafórica -, ensaia todos os expedientes possíveis para preservar as disposições legais inferiores, antes de fulminá-las de morte. Um único sentido viável para o texto menor é o bastante para salvá-lo do juízo fatal. Ora, no caso, o expediente é o recurso à Meistbegünstigungsklausel, de cuja aplicação acaba resultando para os arts. 350 e 351 do Código um sentido que guarda a mens legis anterior, acomodada, porém, ao novo quadro constitucional. Quase seria o caso de dizer-se vão-se os anéis, ficam os dedos. No fundo, pensando bem, uma boa divisa para a interpretação constitucionalmente conforme.
Na parte que favorece a legitimidade o art. 350 não pode sobreviver, porque estaria excluindo o filho não-matrimonial, o que a Constituição não permite. Mas sobrevive na parte que assegura a obtenção da paternidade (para o titular do direito e seus herdeiros). Ou seja, o artigo mantém-se, desvestido daquilo que expressa privilégio. Com o que torna-se mais amplo, quer enquanto passa a afirmar não só a imprescritibilidade geral da ação de investigação da paternidade - o que, na verdade, era dispensável, diante sobretudo do art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente - como também a transmissibilidade dela aos herdeiros - o que é da maior significação, principalmente quando alcança até mesmo a hipótese em que a ação sequer chegou a ser ajuizada em vida do filho. Portanto, lido assim, na clave igualitária, está o artigo determinando a imprescritibilidade da ação e a transmissibilidade da pretensão investigatória aos herdeiros, nas condições que especifica, ou seja, se o filho morrer menor ou incapaz. Neste caso, independentemente de ter iniciado a ação em vida. Se iniciou, transmite-se também, mesmo que o filho não tenha morrido menor ou incapaz porque o título, então, será o art. 351 do Código. O art. 351 é a regra, o 350 a exceção. No âmbito da regra, a iniciativa da ação teria mesmo que ser assumida pelo filho para que houvesse transmissão: o art. 351 revela o caráter personalíssimo da ação, hoje explicitamente declarado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 27). Não que, na hipótese do art. 350, o atributo de ser personalíssimo o direito esteja sendo desconsiderado. Clovis explica que "se o filho morreu menor, ou em estado de alienação mental, supõe-se que foi essa incapacidade que o impediu de reclamar a situação, que lhe competia". A explicação é artificial e desnecessária. Tendo o filho morrido menor ou incapaz, pode ter-lhe faltado condições para a ponderação peculiar ao exercício dos poderes jurídicos estabelecidos intuitu personae. Apenas isso.
Como quer que seja, salvos os resíduos constitucionalmente conformes dos arts. 350 e 351 do Código Civil, passa-se a dispor de uma base normativa segura para se garantir, ampla e razoavelmente, a transmissibilidade do direito à investigação da paternidade.
A que as estamos condenando - as nossas crianças -, se elas sabem ou, pior ainda, desconfiam que seu pai de hoje pode não ser o de amanhã?
Se, de repente, seu irmãozinho aparece de pai novo e tem de mudar de casa porque a mãe, aflita, já não o pode ter mais consigo? Os dramas desse potencial e antes sinistro que divertido troca-troca podem ser multiplicados aos limites da imaginação.Quanto às prescrições normativas estritas, não há um sequer traço na Constituição que privilegie a paternidade genética em detrimento da afetiva ou que tenha cobrado do registro de pessoas naturais qualquer fidelidade aos fatos da biologia, mas há que se ter essa afinidade afetiva, essa aproximação amorosa entre "filho e pai", para que se possa imaginar uma rejeição à filiação biológica.
O registro está onde sempre esteve: continua a ser a memória dos fatos jurídicos. Nada indica que tenha passado à condição de prontuário da fenomenologia biológica.
Conviria deixar bem assentado, desde logo, esta dimensão capital do registro que é a natureza declaratória de seus conteúdos. Assim a matrimonialidade ou não-matrimonialidade de um filho não resulta, na sua essência, do que consta no registro do próprio filho, senão de ser ou não casada a sua mãe. Este caráter, não o poderá mudar o registro, salvo por força de uma determinação a que esteja submetido. Por exemplo, uma sentença que tenha acolhido ação denegatória da paternidade proposta pelo marido da mãe.
O registro declara o que antes dele se constituiu ou o que com ele próprio se constitui precisamente a partir de uma declaração. Como quando alguém reconhece-se pai e o diz ao respectivo oficial. Na base de sua atuação, está-se vendo, encontra-se um fato jurídico, mas não um fato da natureza nem mesmo um fato social destituído de relevância jurídica. Para que o filho da mulher casada tenha o respectivo marido como pai não se exige qualquer dado biológico, além, é claro, do próprio parto. Tanto é assim que tampouco o pai que contesta a paternidade ataca o registro. Se tiver êxito na ação, o registro perde a validade por via de simples conseqüência, já que a matrimonialidade do filho, que dava sustentação ao registro, fica desconstituída. Não se desconstitui propriamente, nesse caso, o registro. Deve-se falar, na hipótese, antes em cancelamento ou - se se quiser salvar as partes válidas do ato - em averbação retificatória.
Verdade e falsidade no registro civil e na biologia têm parâmetros diferentes. Um registro é sempre verdadeiro se estiver conciliado com o fato jurídico que lhe deu origem. E é sempre falso na condição contrária.
A chamada verdade biológica, se for o caso de invocá-la ou fazê-la prevalecer, tem um diverso teatro de operações: o das definições judiciais ou extrajudiciais. Para que chegue ao registro tem de converter-se em fato jurídico, o que, no tocante à natureza da filiação, supõe sempre um ato de vontade - pessoal, se for do declarante; política, se for da autoridade - e, portanto, um exercício da liberdade.
O cidadão que comparece espontaneamente a um cartório e registra, como seu filho, uma vida nova que veio ao mundo, não necessita qualquer comprovação genética para ter sua declaração admitida. Mas poderá amanhã invalidá-la, se demonstrar, por exemplo, que sua manifestação não foi livre, senão coacta ou produzida por erro, ainda que seja, efetivamente, o procriador genético. Explica-se: a atribuição do oficial não reside em recolher aos seus livros a descrição de um evento biológico, senão registrar uma declaração de vontade.
Constitui fonte de graves equívocos pensar o registro fora de seu ambiente "semântico" próprio. O falso na semântica do registro é o que não corresponde à realidade da operação que nele se assenta. Não o que material ou ideologicamente divirja do declarado. Assim, se alguém comparece ao registro e declara a outrem como filho seu, por supor, equivocadamente, tê-lo gerado, não faz surgir um assentamento falso. O assento é, ao contrário, verdadeiro e produzirá efeitos jurídicos típicos até que seja desconstituído. Se depois o declarante, de posse da informação de que o filho tem outra procedência genética, quiser invalidar o registro, não lhe basta isso para o desconstituir. Terá, sim, que demonstrar haver incidido em erro, de que a desinformação é um dos elementos, mas não toda a fattispecie. O equívoco em que laborou só será hábil ao propósito de desfazimento se tiver atuado no seu espírito de modo a ter-se constituído em causa determinante de sua conduta. Do mesmo modo que é válida, perfeitamente válida, a aquisição de um quadro falso. Para que se possa desfazer o negócio jurídico impõe-se que a falsidade não só fosse desconhecida do adquirente como também que tenha para ele tal peso e valor que não praticaria o ato ou só o praticaria em condições sensivelmente diversas, dela soubesse anteriormente. Por isso é que a um reconhecimento de filho, formalmente correto, mas que tenha sido efetuado por equivocada suposição do declarante, não se combate com o manejo da ação de falsidade do registro, senão com ação de nulidade por erro na declaração unilateral não-receptícia de vontade. Filigrana? Parece, mas não é. Competência do juízo, provas a produzir, objeto, etc. não são os mesmos para uma e outra ação. As hipóteses de falsidade e erro, aliás, estão expressamente discriminadas no art. 348 do Código Civil, na redação que lhe deu o Decreto-Lei nº 5.860, de 30 de setembro de 1943.
Tudo se determina e se esclarece, como se percebe, segundo o horizonte próprio do registro: em sede de filiação, ele não exprime, no direito brasileiro, um arco de ocorrências biológicas. Mais uma vez: ele exprime, antes e sempre, um acontecimento jurídico. A qualificação da paternidade ou a omissão dela dependerá, de um modo ou de outro, de um fato do direito: estar ou não casada a mãe, sentença que estabeleça ou desconstitua a paternidade, reconhecimento voluntário, etc. Ao registro não interessa a história natural das pessoas, senão apenas sua história jurídica. Mesmo que a história jurídica tenha sido condicionada pela história natural, o que revela o registro é aquela e não esta. Assim, quando, em mais um exemplo, o estabelecimento de uma paternidade tenha resultado da prova de derivação biológica pelo DNA, o que o oficial do registro leva aos seus livros não é o laudo pericial do geneticista, senão a sentença do juiz. E se, ao contrário, a sentença do juiz estiver manifestamente contrária à prova genética dos autos, ainda assim é a ela e não ao laudo que o oficial deve obediência.
Repõe-se desse modo, parece, as coisas no seu devido lugar, mantido dissociado o modelo constitucional da filiação de qualquer empenho em promover a verdade biológica.
O direito ao conhecimento da ascendência biológica
. Tem-se manifestado insistentemente na cena jurídica, pedindo reconhecimento e reclamando positivação, o chamado direito ao conhecimento da própria ascendência. Chamam-no os alemães, que lhe têm dispensado particular atenção na doutrina e na jurisprudência, por expressão que equivale aproximadamente a essa mesma: Recht des Kindes auf Kenntnis der eigenen Abstammung. Mais de uma vez o Tribunal Constitucional Federal o afirmou, a ponto de considerar incompatível com a Lei Fundamental de Bonn dispositivos do BGB que, deixados de parte os pressupostos legais para impugnar a paternidade, impediam ao filho maior, de modo absoluto, não apenas a alteração do seu estado de família, senão também o exercício judicial do direito de conhecer a própria ascendência.Marco essencial na matéria pela ampla luz que joga no intrincado ponto de intersecção entre o regime jurídico da paternidade e o direito ao conhecimento da ascendência própria pode ser encontrado na decisão do Tribunal Constitucional de 26 de abril de 1994. Aí, para preservar o direito ao conhecimento da própria ascendência e retomando uma orientação que já se havia manifestado em sua decisão de 31 de janeiro de 1989, acenou o Tribunal ao legislador com a alternativa de que a faculdade fosse garantida "sem efeitos sobre a relação de parentesco". Situou-se, deste modo, de forma lapidar as distintas questões envolvidas: uma coisa é ser pai, outra é ser o ascendente biológico masculino. De tal arte que a busca do procriador pode não coincidir com a busca do pai. De resto, a lesão constitucional incidia mesmo, para o Tribunal, no art. 2, I combinado com o art. 1, I da Lei Fundamental. Ora, tais disposições não concernem diretamente à organização da família ou ao estatuto da filiação, senão mesmo aos direitos da personalidade.
Deles faria parte o poder jurídico de investigar a ascendência genética própria. Não há razão de doutrina ou de lei para se dar ao tema enquadramento diferente no direito brasileiro. Portanto, se se pretender afirmar, também na ordem jurídica nacional, um direito ao conhecimento da ascendência própria, ao nível da Constituição, a sedes materiae respectiva estará não no Capítulo VII do Título VIII, senão no Capítulo I do Título II, a matriz dos direitos da personalidade. Com o que se vê não assistir razão aos que, por amor à busca da verdade genética, querem ter como abolida ou atenuada pela Constituição a vigência da regra pater is est.
O que se pretendeu com a Constituição de 1988 em relação à sorte da família e, especialmente, à das crianças foi, efetivamente, reescrever o seu destino. Nascia ali, no restabelecimento pleno da ordem democrática de direito, uma nova filiação, fruto híbrido do idealismo e da cruel herança do passado. Um passado que nos acicatava a todos - governantes e governados - com o quadro de horrores que era a situação da infância no Brasil: em grande parte sem saúde, sem habitação, sem escola, sem lazer, sem pão e sem afeto. Enfim, submetida ao seu próprio desvalimento.
Uma avaliação geral não pode ser senão positiva, porque, em matéria de filiação, o todo poderoso legislador constituinte, entre uma que outra impropriedade ou imprecisão, soube escutar os anseios do povo, cravando um pé na história, enquanto mantinha o olhar no futuro. Fez obra realista.
Claro que o texto constitucional quer-se um tecido vivo. Tem de estar proposto ao crescimento e aberto a adaptações. Por isso requer de seus intérpretes que o leiam com imaginação e fantasia. Uma e outra transmitem mobilidade aos preceitos e os protegem da ação destrutiva do tempo. A Constituição as acolhe como vetores da vida. Mas não gosta das superstições, que, ao contrário, a subvertem e desorganizam. (O modelo constitucional da filiação: verdade & superstições - João Baptista Villela - Professor titular na Universidade Federal de Minas Gerais -
Revista Brasileira de Direito de Família - nº 2 - jul-ago-set/99).l
Desta forma, não há justiça sem verdade. Não há equidade quando se condena uma criança a aceitar como pai uma pessoa que não o é, pelo simples fato de não haver se defendido convenientemente em processo judicial, notadamente quando, como afirmou o autor em seu depoimento pessoal, tentou por todas as formas que lhe pareciam disponíveis e possíveis, elaborar sua defesa técnica, não obtendo resultado positivo.
Como ensina John Rawls, um contenporâneo, no início de "A theory of justice (1971) – tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves:
"A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira; da mesma forma leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se são injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior compartilhado por outros. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos tenham menos valor que o total maior das vantagens desfrutadas por muitos. Portanto numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais. Sendo virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça são indisponíveis."
Os processos judiciais não se formam visando proclamação de teses acadêmicas de direito. Só existem para tutela de interesses concretos nascidos da vida e das relações jurídicas nela criadas e desenvolvidas. São, pois, os direitos subjetivos a matéria-prima com que laboram os tribunais e estes direitos, por sua vez, nascem de fatos (ex facto ius oritur). Daí que cumpre aos magistrados conhecer sempre os fatos que se colocam à base de qualquer litígio. E as provas são, no processo, o meio de se chegar à cognição do suporte fático das pretensões litigiosas.
A importância do instituto da prova judicial nunca é pouco ressaltada já que não se pode, evidentemente, fazer justiça sem dominar, com segurança, o quadro fático trazido à consideração do órgão judicante. BARBOSA MOREIRA, a propósito, dá o testemunho de sua fecunda experiência na magistratura, atestando que "a imensa maioria dos litígios civis encontra solução, sobretudo, e muitas vezes exclusivamente, na apreciação de questões de fato, que nos chegam, como é óbvio, por intermédio da prova"
MAURO CAPPELLETTI, na metade do século encabeçou a alteração do pensamento processual para reclamar uma correção de objetivos e métodos do processo civil, da qual resultaram as concepções de instrumentalidade e efetividade, princípios de que não mais poderiam prescindir os estudos processuais contemporâneos.
A tônica da nova ciência processual centrou-se na idéia de acesso à justiça. O direito de ação passou a ser visto não mais apenas como o direito ao processo, mas como a garantia cívica de justiça. O direito processual assumiu, por isso, a missão de assegurar resultados práticos e efetivos que não só permitissem a realização da vontade da lei mas que dessem a essa vontade o melhor sentido, aquele que pudesse se aproximar ao máximo da aspiração de justiça.
O processo, assim entendido, assumia o compromisso de ultrapassar a noção de devido processo legal e atingir o plano do processo justo. Esse tipo de processo comprometido com desígnios sociais e políticos, obviamente não poderia ser dirigido por um juiz neutro e insensível. Não pode fazer a real e efetiva justiça quem não se interessa pelo resultado da demanda e deixa o destino do direito subjetivo do litigante à sorte e ao azar do jogo da técnica formal e da maior agilidade ou esperteza dos contendores, ou de um deles.
O moderno processo civil procurou conciliar os antigos princípios dispositivo e inquisitivo. Manteve, a feição dispositiva, diante da postura de inércia do judiciário quanto à abertura do processo, deixando à exclusiva iniciativa das partes a formação da relação processual e a definição do objeto litigioso. Ainda sob o império do princípio dispositivo, conservou-se a jurisdição limitada ao pedido do autor e à exceção do réu, interditando-se ao juiz a instauração ex officio de processo e o julgamento de questões estranhas à litiscontestação (CPC, arts. 2º, 128 e 460).
Mas, como a garantia de acesso à justiça (essência da nova concepção política e social do processo) não pode esgotar-se no simples ingresso das pretensões nos tribunais, e reclama "o acesso à ordem jurídica justa", o direito positivo teve de reforçar os poderes do juiz na condução da causa, tanto na vigilância para que seu desenvolvimento fosse procedimentalmente correto, como no comando da apuração da verdade real em torno dos fatos em relação aos quais se estabeleceu o litígio.
Daí a dupla previsão do CPC de que: a) "o processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial" (art. 262); e b) "caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo" (art. 130), e é exatamente isso que ocorreu quando do deferimento judicial da realização de exame de DNA, ao qual as partes se submeteram voluntariamente, a despeito do agravo interposto pelo Ministério Público.
Apegada a tradições do processo dispositivo, cuja predominância a lei conservou na iniciativa do processo e na determinação de seu objeto, uma grande parte da doutrina insistiu em interpretar de maneira restritiva o poder de iniciativa do juiz em termos de instrução probatória.
Mesmo diante do enunciado claro do art. 130, do CPC, entendia-se que sobre ele prevalecia a força do poder de dispor da parte sobre o processo e seu objeto e que o juiz, antes de usar a iniciativa (considerada "excepcional") prevista naquele dispositivo legal, deveria se orientar pelas regras do ônus da prova, evitando suprir inércia probatória do litigante por atividade oficial de busca de elementos de cognição não requeridos nem produzidos a seu tempo por quem tinha o respectivo encargo probatório.
Mantinha-se, por essa exegese limitativa, o antigo e clássico princípio dispositivo, segundo o qual "o juiz deve julgar a causa com base nos fatos alegados e provados pelas partes", apenas, para não desequilibrar, no dizer de ARRUDA ALVIM, o tratamento igualitário devido a ambos os litigantes (art. 125, I, do CPC).
O poder de iniciativa do juiz, quando sentir-se realmente em dúvida quanto à justiça da decisão a proferir, há de ser instrumento apenas para afastá-lo da perplexidade diante das provas incompletas ou lacunosas.
Durante muitos séculos o processo foi visto como um jogo em que as partes eram os protagonistas e o juiz o expectador. Dentro desse torneio a vitória caberia àquele que, segundo a observação do juiz, tivesse apresentado a melhor prova. E a qualificação dos valores atribuídos aos meios probatórios era totalmente aleatória e preconceituosa. Consagrava uma tarifação que nada tinha de lógico e se recobria de superstições e outros critérios instituídos à base de privilégios hoje intoleráveis e inadmissíveis.
O juiz não se preocupava em pesquisar a verdade propriamente dita, mas apenas em apurar qual o litigante que conseguiria se sair melhor nos complicados jogos processuais. O resultado era o estabelecimento de uma verdade puramente formal, o que, como é óbvio, impregnava o julgamento de alta dose de injustiça, na grande maioria das demandas.
Do Século XVIII até o atual, principalmente depois da vitória da razão e do iluminismo na Revolução Francesa, a atividade judicante alterou completamente seus objetivos. A disputa entre os litigantes passou a ser um debate lógico e o juiz se tornou um participante ativo na evolução do processo, de modo a formar seu julgamento à base de um racional convencimento diante das provas carreadas para os autos.
À verdade formal sucedeu a verdade real ou material, como escopo do processo e como fundamento da sentença. Aboliram-se as tarifações de provas por lei e o conceito jurídico de prova passou a ser o de elemento de convicção. Se o magistrado não se convencer diante do meio probatório produzido, prova não teria havido. Prova realmente só ocorreria quando fosse o juiz conduzido ao verdadeiro convencimento acerca do fato alegado.
O processo evoluiu do conceito privatístico que o primitivo direito romano forjara (ordo iudiciorum privatorum) para em caráter acentuadamente publicístico. A função da jurisdição deixara de ser apenas a de propiciar instrumentos aos ligitantes para solução de seus conflitos, passando a desempenhar relevante missão de ordem pública na pacificação social sob o império da lei.
Nesse processo moderno o interesse em jogo é tanto das partes como do juiz, e da sociedade em cujo nome atua. Todos agem, assim, em direção ao escopo de cumprir os desígnios máximos da pacificação social. A eliminação dos litígios, de maneira legal e justa, é do interesse tanto dos litigantes como de toda a comunidade. O juiz, operando pela sociedade como um todo, tem até mesmo interesse público maior na boa atuação jurisdicional e na justiça e efetividade do provimento com que se compõe o litígio.
Embora a verdade real, em sua substância absoluta, seja um ideal inatingível pelo conhecimento limitado do homem, o compromisso com sua ampla busca é o farol que, no processo, estimula a superação das deficiências do sistema procedimental. E é com o espírito de servir à causa da verdade que o juiz contemporâneo assumiu o comando oficial do processo integrado nas garantias fundamentais do Estado Democrático e Social de Direito.
Dentro dessa ótica, o juiz, no processo moderno, não pode permanecer ausente da pesquisa da verdade real. Como ensina FRITZ BAUR, "antes fica autorizado e obrigado a apontar às partes as lacunas nas narrativas dos fatos e, em caso de necessidade, a colher de ofício as provas existentes". Essa ativização do juiz - na lição do notável processualista tedesco - visa não apenas a propiciar a rápida solução do litígio e o encontro da verdade real, mas também a prestar às partes uma "assistência judicial". Isto porque "não devem reverter em prejuízo destas o desconhecimento do direito, a incorreta avaliação da situação de fato, a carência em matéria probatória; cabe ao juiz sugerir-lhes que requeiram as providências necessárias e ministrem material de fato suplementar, bem como introduzir no processo as provas que as partes desconhecem ou lhes sejam inacessíveis".
Antes disso, porém, isto é, durante o estágio da apuração da verdade, o juiz não é, nem pode ser mero expectador, de sorte que lhe cabe, com ou sem requerimento da parte, determinar as provas necessárias à formação de seu próprio convencimento.
Quando, finalmente, os elementos de prova não são produzidos ou se apresentam despidos da indispensável força de convicção, aí, sim, terá o magistrado de se guiar pelas regras formais do ônus da prova, para decidir contra a parte a quem a lei impunha dito encargo. Em suma: o art. 333, do CPC contém norma de julgar a causa e não regra de instrução probatória.
Em síntese, no processo civil contemporâneo não vigora mais, em tema de prova, o princípio dispositivo, segundo o qual cabia ao juiz julgar a causa conforme o alegado e provado pelas partes. O que hoje prevalece é um sistema justo, de forma que ao juiz incumbe julgar conforme o alegado pelas partes e a prova disponível, pouco importando se sua produção proveio de iniciativa ou não das partes (CPC, arts. 130 e 131).
Parte-se da constatação de que entre os princípios de direito, inclusive os de ordem constitucional, é impossível evitar conflitos e que, não raro, instalam-se contraposições graves, a exigir do intérprete e aplicador da lei delicada operação para harmonizar os comandos principiológicos e definir o ponto de equilíbrio entre eles.
Assim, como aliás em todo o terreno dos princípios fundamentais, sempre presente e atuante tem de estar a força harmonizadora dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
No sistema tradicional do direito de família, a que deu prestígio o Código Civil brasileiro, a relação de paternidade se definia por meio de presunção. O nascimento do filho durante a constância do matrimônio gerava a presunção da filiação legítima. Para a lei, pater is est quem nuptias demonstrant, ou seja, por meio de verdadeira "ficção" o marido era tido como pai dos filhos gerados pela esposa (CC, art. 340). Quanto aos havidos fora do matrimônio, a paternidade ou decorria de reconhecimento voluntário do genitor, ou de sentença declaratória da ascendência biológica (CC, arts. 355 e 364).
Também na determinação da paternidade ilegítima prevalecia o uso de provas indiretas e indiciárias, como o concubinato, a notícia de relações sexuais e o rapto (CC, art. 363, I, II e III), já que o legislador de então não tinha acesso a outros meios positivos e técnicos de investigar os verdadeiros vínculos de parentesco.
Além disso, pela presunção pater is est, o conflito entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica se resolvia pela prevalência da paternidade "ficta" da lei.
Dois fatores atuaram, nos últimos tempos, para destruir o sistema de ficção legal de paternidade:
a) a eliminação, entre nós, da distinção entre tipos de filiação, graças à regra constitucional que assegurou tratamento jurídico igualitário para todos os filhos dentro e fora do casamento (CF de 1988, art. 227. § 6º); e
b) a evolução dos meios científicos de apuração da verdadeira paternidade biológica, por meio de perícia genética.
Ao adotar a Constituição o sistema único de filiação, na verdade está garantindo a todos os filhos "o direito à paternidade", de sorte que, passando esta a ser um direito assegurado constitucionalmente, não mais se tolera que "aqueles que biologicamente são filhos não sejam juridicamente considerados como tais". Em outras palavras, "deve-se entender, portanto, que todas as espécies de filiação têm direito a ser reconhecidas", mesmo as adulterinas e as incestuosas. O legislador ordinário, aliás, para eliminar qualquer dúvida a respeito da ampla investigação de todo e qualquer tipo de paternidade, revogou, por meio da Lei nº 7.841, de 01.10.1989, o art. 358 do Código Civil, em que constava a velha regra que vedava o reconhecimento dos filhos incestuosos e adulterinos.
Nesse novo quadro social, jurídico e institucional, as presunções e ficções legais perderam prestígio, conforme tem reconhecido e proclamado a jurisprudência:
"Na fase atual da evolução do Direito de Família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor."
Por outro lado, a liberdade de investigação se robusteceu com o auxílio das modernas técnicas laboratoriais de determinação genética do parentesco, de maneira que, em nossos dias, deixou de ter influência maior a simples ficção jurídica derivada de presunções legais, porquanto dispõem os tribunais de acesso científico à verdade real em torno da paternidade biológica.
Deixar, portanto, o juiz de usar a prova pericial de terminação científica da paternidade biológica pelos recursos da pesquisa genética do DNA, cujo percentual de certeza atinge a 99,99999%, equivale a desprezar o princípio da verdade real tão caro ao regime atual de tutela à filiação.
Se a ciência inventou métodos de investigação em matéria de perícia hematológica que podem conduzir o juiz a uma convicção extremamente sólida, com probabilidade de mais de 99% de acerto, por que se contentar em julgar, nas ações relativas à paternidade, à luz de precários e vetustos meios indiciários de prova, quase sempre pouco concludentes? Responde BARBOSA MOREIRA: "Estou, e tenho a certeza de que ficarei até a morte, seguramente, inabalavelmente, convencido de que é preciso que o juiz se compenetre da necessidade de que ele assuma realmente, não formalmente apenas, a sua responsabilidade na direção do processo." Urge que o magistrado na direção do processo faça uso do poder determinar as provas necessárias ao esclarecimento da verdade, ainda que a parte não tenha sido diligente em requerê-las (CPC, art. 130). Se isto é um princípio acatado em todo o processo civil moderno, com muito maior razão haverá de ser respeitado nas ações em que a lide envolve questão de ordem pública.
Até mesmo em grau de recurso, o Tribunal pode e deve reabrir a instrução processual, quando prova necessária tenha sido omitida em primeira instância, mormente quando se trate, como no caso de paternidade, de disputa sobre direito indisponível, tutelado por preceito de ordem constitucional.
Quid iuris,
se a decisão ofensiva à verdade real da filiação biológica transitar em julgado, sem que se tivesse esgotado a investigação probatória, por falta, sobretudo, da perícia genética do DNA?Já houve decisões que negaram a capacidade de produzir coisa julgada à sentença que rejeitasse a investigatória de paternidade por insuficiência de prova. Isto permitiria a renovação da demanda ensejando ao investigante produzir, em novo processo, a prova faltante no primeiro. Semelhante regime jurídico em princípio não é incompatível com o ordenamento jurídico pátrio, já que em diversos casos a lei prevê a chamada coisa julgada secundum eventus litis (ex.: ação popular rejeitada por insuficiência de prova e efeitos civis da sentença penal também por deficiência de prova não impedem reabertura de demanda sobre os mesmos fatos jurídicos já antes apreciados em sentença passada em julgado). Também em doutrina, há quem considere a falta ou insuficiência de prova, nas ações da espécie, pela indisponibilidade e imprescritibilidade do direito em lide, como equivalente à ausência de pressuposto processual, de modo a impedir o julgamento de mérito e a determinar apenas a extinção do processo, sem produzir a coisa julgada material (art. 267, IV, do CPC).
Acontece que esse tipo de subtração da sentença à autoridade de coisa julgada, no todo ou em parte, somente pode provir da lei e não da vontade criativa do intérprete ou do juiz. E não há regra alguma, no direito positivo pátrio, que exclua a sentença da ação de investigação de paternidade do regime geral da res iudicata.
Restaria, então, o recurso à ação rescisória, já que, em nossa técnica processual civil, é o único caminho idôneo para atacar a sentença válida trânsita em julgado e, assim, propiciar novo julgamento da lide.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo chegou a admitir que se pudesse usar exame de DNA realizado após a sentença de investigação de paternidade, atribuindo-lhe a força de "documento novo", para os fins do art. 485, inc. VII, do CPC. Baseou-se o acórdão na dificuldade de acesso e de compreensão da prova genética pela parte ao tempo da instrução da ação investigatória, assim como na não-admissibilidade de atribuir a alguém, "uma paternidade que na verdade não é sua", quando se dispõe de exame posterior ao julgamento com possibilidade técnica de 99,99999% de acerto.
Ora, o dispositivo legal em questão prevê a rescindibilidade quando "depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável".
Assim, não se baseia a lei na criação ou formação de documentos posteriores à sentença, mas na descoberta ou disponibilidade de documento antigo que poderia influir no julgamento como tivesse sido produzido no processo em tempo útil.
Diante da indisponibilidade do direito à paternidade biológica, BELMIRO PEDRO WELTER defende, no caso de omissão da perícia de DNA na fase de instrução da investigatória, a ocorrência de violação à literal disposição do art. 130, do CPC, em que estaria inserto não só o poder, mas também o dever, do juiz de "determinar a produção de todas as provas", inclusive a pericial (DNA). Enquanto, pois, não esgotada a instrução, não poderia haver o julgamento de mérito em torno de "direito natural, constitucional e indisponível de personalidade". Donde sua conclusão de, na espécie, ser cabível a ação rescisória com apoio no art. 485, inc. V, do CPC, 33 quando a causa tiver sido decidida sem a promoção da perícia genética, ainda que não requerida pela parte.
Assim, permitido é pensar que, nas circunstâncias em que o processo anterior tramitou, o posterior exame de DNA pode servir de meio para demonstrar que a sentença da ação de paternidade se lastreou em falsa prova. De fato, se os elementos de convicção do processo autorizavam a conclusão a que chegou o sentenciante, e se prova técnica posterior evidenciou, com certeza plena, que a verdade dos fatos era em sentido oposto, não é difícil afirmar o defeito do substrato probatório do julgamento rescindendo.
Não se procederá a um reexame dos meios de prova produzidos, mas apenas se demonstrará a impossibilidade de serem eles o retrato da verdade, já que pela superveniente prova genética jamais poderia subsistir a mentira biológica afirmada e chancelada pela coisa julgada.
Podem, à primeira vista, aparentar novidades pouco ortodoxas tanto a tentativa de rescindir a sentença de paternidade por violação ao art. 130, do CPC como por uso de prova falsa. O certo, porém, é que a estrutura legal da rescisória foi construída em época na qual não existia a proteção constitucional ampla e irrestrita ao direito à paternidade biológica que hoje vigora.
Impõe-se, então, ao juiz de nossos tempos adequar os instrumentos processuais antigos e, às vezes, anacrônicos às necessidades do direito material de hoje, já que, reconhecidamente, o direito processual não é um fim em si mesmo e só se justifica como instrumento de acesso e garantia da realização plena dos direitos que emergem da ordem jurídica material.
Já assinalava CHIOVENDA nada haver de irracional no fato de a lei admitir impugnação da coisa julgada, porque a autoridade mesma da res iudicata não é sempre absoluta e necessária, e só foi estabelecida por critérios de utilidade e oportunidade; de modo que estes mesmos propósitos podem, algumas vezes, aconselhar seu sacrifício para evitar o inconveniente e o dano maior que "adviria da manutenção de uma sentença intoleravelmente injusta".
Não há terreno mais propício à configuração de intoleráveis injustiças que o das ações relativas à paternidade, posto que a consagração da mentira aqui ofende tanto à natureza das coisas como aos sentimentos mais profundos dos protagonistas que se batem por direitos inalienáveis, imprescritíveis e tutelados pela ordem maior do plano jurídico.
Aqui a voz que se ouve, no direito nacional e no estrangeiro, é a que noticia a abertura dos ordenamentos jurídicos em favor do critério da "verdade biológica" em detrimento daquele outro tradicionalmente comprometido apenas com a "verdade legal", quebrando, com apoio no avanço da engenharia genética, o "injustificável fetichismo de normas ultrapassadas" e perniciosas à verdade real. Dentro desse moderno enfoque do direito de família, "em matéria de filiação, o direito ao reconhecimento do estado de filiação não conhece restrições", nem deve ser anulado ou diminuído por preceitos inerentes à tutela genérica da coisa julgada.
A coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que "numa sociedade de homens livres, a justiça tem de estar acima da segurança, porque sem justiça não há liberdade.
O progresso do direito processual civil, comandado pela meta política e social de dar à função jurisdicional o encargo de cumprir a garantia constitucional de acesso efetivo à justiça, exigiu do intérprete e aplicador das normas do processo a atenção necessária e compatível com o sentido de ordem pública predominante em tudo que diga respeito a composição dos litígios deduzidos em juízo.
A função do juiz, sem anular a dos litigantes, é cada vez mais valorizada pelo princípio inquisitivo, mormente no campo da investigação probatória e na persecução da verdade real.
Se isto se compreende até mesmo no compromisso de justa composição dos litígios em torno de direitos disponíveis, torna-se mais imperioso e premente naquelas causas onde a indisponibilidade dos direitos em conflito não pode transigir com a indiferença do órgão judicante.
Rigores formais, historicamente justificados por anseios rotineiros de segurança, hão de ser revistos e flexibilizados para que não se subverta a função do processo e não se corra o risco de o instrumental de promoção do direito material se transformar no seu algoz, e na barreira impeditiva de sua verdadeira realização prática. (HUMBERTO THEODORO JUNIOR – Revista Brasileira de Direito de Família).
Qualquer decisão a ser proferida versando sobre direito de filiação, há que ser conectada com o princípio fortemente estabelecido, de que é essencial observar-se o melhor interesse da criança, critério que se universaliza, revelado na expressão the best interest of the child, ou o kindeswohl alemão.
Atende, igualmente, ao estatuído na Lei de Introdução ao Código Civil, art. 5º: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigência do bem comum" e no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 6º, que condiciona seus dispositivos à observância da condição peculiar da criança e do adolescente, como pessoas em desenvolvimento.
Por último (e até por primeiro), não devemos esquecer que o direito de família brasileiro não pode mais ser lido e interpretado pelo nosso majestoso, mas envelhecido e ultrapassado Código. O direito civil, nas suas formulações fundamentais, está inserido, essencialmente, na Constituição de 1988. O civilista tem de ser um constitucionalista, ou civilista não é. E nossa Carta Magna, logo no art. 1º, reza que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de direito, tendo como fundamentos, dentre outros valores, a cidadania e a dignidade da pessoa humana. No art. 227, edita que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
No mesmo diapasão, o art. 229 prevê: "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".
A verdade que a Justiça tem de proclamar não é apenas a que decorre do sangue, que corre nas veias, mas dos sentimentos, dos brados da alma, dos apelos do coração e, no caso em julgamento, absolutamente nada disso existe. Autor e réu nunca se aproximaram, nem se conhecem, não se criou qualquer sentimento ou afetividade entre eles. Ao contrário, o autor sempre e sempre renegou a paternidade que lhe foi impingida.
"A ação de investigação de paternidade, porque uma ação de estado, é daquelas onde não se materializa a coisa julgada. A segurança jurídica cede ante valores mais altos, seja o de o filho saber quem é o seu pai, seja o de que os registros públicos devem espelhar a verdade real.
A lei não pode tirar o direito de a pessoa saber se realmente a outra é seu ancestral. O processo não merece ser resumido a apenas um formalismo, sem qualquer compromisso com a substância das coisas.
Agravo improvido. Maioria.
TJDF – AI 2.446-4/98 – 1ª T. – Rel. Des. p/o Ac. Valter Xavier – J. 12.04.199904.12.1999
A coisa julgada é expressamente conceituada no § 3º do art. 6º da LICC como sendo "a decisão judicial de que já não caiba mais recurso". Esta definição é sabidamente incompleta para os dias atuais, mas satisfatória. Dela se evolui para uma conceituação geralmente aceita, embora não pacificamente, de LIEBMAN, que na versão de AMARAL SANTOS pode ser sintetizada nas seguintes palavras, a coisa julgada material ou coisa julgada substancial "consiste no fenômeno pelo qual a imperatividade do comando emergente da sentença adquire força de lei entre as partes" (Comentários. Vol. IV. 3ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 1982. p. 429). E nas palavras do professor JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, "a coisa julgada, definindo os termos das relações, torna-as intocáveis. Se, havendo uma relação controvertida, uma sentença fixou os poderes e vinculações das partes, essa sentença substitui, como título concreto, o preceito legal na regência daquela relação".
Certamente deslocado o aresto colacionado na r. decisão hostilizada, no sentido de que "na fase atual da evolução do direito de família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real," (REsp 4.987/RJ). Este enunciado tem a sua razão de ser, pois cabe ao intérprete e ao hermeneuta do direito, buscar no ordenamento jurídico, afastando qualquer obstáculo – ainda que legal – a solução adequada para o caso concreto. A citação da ementa é insuficiente para dar guarida ao desprezo da coisa julgada. E vindo da lavra do eminente Ministro e Professor SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, processualista e jurista de escol, certamente foi empregada em outro contexto, já que vem de ULPIANO (I, 25, De satu hominum, 1 5): res judicata pro veritate accipitur (tem-se por verdade a coisa julgada).
Está superado o prazo para eventual ação rescisória, a qual, por si só, constitui uma exceção jurídica para rescindir julgados em casos excepcionalíssimos.
Poderia então o autor simplesmente ignorar o resultado da demanda anterior (na inicial informa que "o requerente bem tentou ação rescisória que, no entanto, não chegou a ser aprecidada por preciosidade, qual seja, a não juntada de certidão do trânsito em julgado da sentença rescindenda, e, sem qualquer pedido de rescisão do julgado anterior postular outra decisão diferente da anterior, ainda que para a produção de uma prova científica mais segura como a do DNA? Ainda que "a priori" a primeira resposta que se venha à mente seja o não....em se tratando de direitos da personalidade, entendo que a resposta há de ser positiva, sob pena de se perpetuar uma situação irreal, desconectada com a verdade e com os próprios direitos das partes, a despeito da veneranda decisão que repito, apenas para refutar seus argumentos.
"AÇÃO DE NEGATIVA DE PATERNIDADE – EXAME PELO DNA POSTERIOR AO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – COISA JULGADA
1. Seria terrificante para o exercício da jurisdição que fosse abandonada a regra absoluta da coisa julgada que confere ao processo judicial força para garantir a convivência social, dirimindo os conflitos existentes. Se, fora dos casos nos quais a própria lei retira a força da coisa julgada, pudesse o magistrado abrir as comportas dos feitos já julgados para rever as decisões não haveria como vencer o caos social que se instalaria. A regra do art. 468, do Código de Processo Civil é libertadora. Ela assegura que o exercício da jurisdição completa-se com o último julgado que se torna inatíngivel, insuscetível de modificação. E a sabedoria do código é revelada pelas amplas possibilidades recursais e, até mesmo, pela abertura da via rescisória naqueles casos precisos que estão elencados no art. 485.
2. Assim, a existência de um exame pelo DNA posterior ao feito com decisão transitada em julgado, reconhecendo a paternidade, não tem o condão de reabrir a questão com uma declaratória para negar a paternidade, sendo certo que o julgado está coberto pela certeza jurídica conferida pela coisa julgada.
3. Omissis" (REsp 107.248/GO, DJ de 29.06.1998, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).
É verdade que no aresto coligido tem-se uma situação inversa à ora em exame, mas o raciocínio é exatamente o mesmo.
Aliás, vem de longe a discussão sobre a reabertura de casos julgados em matéria de paternidade, como se colhe do seguinte aresto originado do Colendo STF:
"Ementa: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – Ação movida e julgada na vigência da Lei nº 4.737, de 1942. Renovação do procedimento após a vigência da Lei nº 883, de 1949. Inadmissibilidade. Causa julgada. Proclamação de coisa julgada. Recurso extraordinário. Não conhecimento" (RE 39.108, 1ª Turma, Rel. Min. Ari Franco, data do julgamento: 1958.07.17, publicação: ement. Vol. 355, p. 913, RTJ 601/597).
Também já tive o ensejo de afastar a pretensão de revisão de julgado em que foi afastada a paternidade do investigado e ele, depois de esgotar todos os recursos legais, ajuizou ação negatória com pleito de exame de DNA. O julgado restou assim ementado:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL – COISA JULGADA MATERIAL – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE JULGADA PROCEDENTE COM BASE EM AMPLA PROVA TESTEMUNHAL – RECURSOS ESGOTADOS – TRÂNSITO EM JULGADO – Impossibilidade de rediscussão da paternidade em ação posterior em que a esposa e o filho do investigando postulam a realização de prova pericial (exame do DNA) não realizado na época. Extinção do processo com fundamento no art. 267, IV, do CPC. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido" (AC 40.062, 3ª Turma Cível do TJDF, Publicação no Diário da Justiça – Seção III, 05.03.1997, p. 3.190).
No mesmo sentido, colhe-se da jurisprudência reinante neste Colendo TJDF:
"INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – SENTENÇA ANTERIOR RECONHECENDO O VÍNCULO SANGÜÍNEO – PROPOSITURA DE AÇÃO NEGATÓRIA – COISA JULGADA – Ofende o princípio constitucional da intangibilidade da coisa julgada a propositura de ação negatória de paternidade, mesmo com invocação das novas conquistas científicas, se aquela foi reconhecida em sentença anterior transitada em julgado" (AC 30.642, 2ª Turma Cível, Rel. Des. Getúlio Moraes Oliveira, DJU de 22.06.1994, p. 7.127).
Aliás, deste último julgado colhe-se referência ao TJSP, Ap 110.881, Rel. Des. Carmo Pinto, in Revista Forense, 209/189.
Além de visivelmente inepta a petição inicial da autora, que, com a mais respeitosa licença deveria ter sido indeferida liminarmente, esbarra no obstáculo intransponível da coisa julgada material (CPC, art. 467), a qual constitui pressuposto processual externo negativo de validade do desenvolvimento do processo, devendo, por isso, a demanda ser extinta ex vi do art. 267, IV, do Código de Processo Civil.
Com essas considerações, provejo o agravo para cassar a decisão recorrida e extinguir o processo com fulcro no art. 267, I e IV, do Código de Processo Civil, impondo à autora os consectários de sucumbimento, estimando a verba honorária em R$ 2.000,00 (dois mil reais), os quais suspendo por cinco anos a teor do disposto no art. 12, in fine, da Lei nº 1.060/50.
É como voto.
O Senhor Desembargador VALTER XAVIER – Relator Designado e Vogal:
Senhor Presidente,
Em outras oportunidades, manifestei-me sobre esse assunto e peço licença para divergir do eminente Desembargador Relator.
Tenho que a ação de investigação de paternidade é daquelas em que não se materializa a coisa julgada. Diante da segurança jurídica que se busca com uma coisa julgada, temos um valor mais alto, que é de o filho saber quem é seu pai e o pai se saber se realmente gerou aquele filho.
Assim, Senhor Presidente, tenho que uma eventual má condução do feito não pode sepultar, de uma vez por todas, o direito de o filho rever a decisão judicial, de qualquer interessado rever essa decisão judicial. Já vai longe, a meu aviso, aquele princípio que autorizava ao Poder Judiciário fazer do preto, branco e do quadrado, redondo. A verdade há sempre de prevalecer. Os registros públicos hão de espelhar essa verdade, não importa o tempo que tenha passado, não importam os remédios jurídicos que tenham sido utilizados. Toda uma seqüência de filiação ficará comprometida, se, porventura, estiver errada a decisão judicial.
Assim, Senhor Presidente, nego provimento ao agravo e o processo segue para que seja apurada a realidade dos fatos e afastada a preliminar de coisa julgada na espécie.
O Senhor Desembargador JOÃO MARIOSA – Presidente e Vogal
Peço vênia ao eminente Relator e acompanho o Primeiro Vogal, pelo seguinte: a Constituição de 1988 – que nada mais é que uma constituição de um grande emendão à Constituição de 1967 – consagrou o princípio da verdade real no que diz respeito ao direito de conhecer os antecedentes de determinada pessoa. E, com essa evolução, parece que o Poder Judiciário fica atrelado a julgamentos do passado. Esses julgamentos do passado só têm sentido quando "sonegam" os direitos dos mais excluídos da sociedade. Esse "sonegam" não é no sentido de sonegar, mas de apenas negar o direito das pessoas menos favorecidas.
A mensagem romana no período anterior a Cristo já dizia que setentia facit de albo, nigrum et de nigro, album, e é um verdadeiro estelionato da realidade da revolução científica. Tanto a decisão processual quanto a nomenclatura criminal padecem do princípio de conservadorismo para manterem as classes econômicas minoritárias nos Poderes. Naquele tempo, o direito de primogenitura ou o direito de família gerava um monte de direitos para a condução da sociedade. Hoje, o mais importante é saber de quem é o sangue, de quem é a origem de determinados genes. Já não há muito que se dividir entre os pobres, a não ser a própria pobreza. O teste de DNA já existe desde a década de 60. A viger esse entendimento, ninguém poderia buscar uma negatória de paternidade, estaríamos voltando aos princípios desse século em que, indevidamente, usando o esquema de MENDEL, fazia-se o exame do grupo sangüíneo A, AB e O ou A, B e zero – segundo a terminologia própria, porque o sangue só pode ser A, B, AB e zero, porque se usa a nomenclatura do alfabeto, e esse zero é chamado por alguns ignorantes de "O" –, mas o sangue evoluiu e teve outras ramificações como RH, como os elementos MN, LM e as próprias plaquetas sangüíneas já são identificadas quanto a níveis genéticos. Depois surgiu o DNA que passa a ser uma doutrina de arcano para muitos e uma forma de se fazer justiça com olho como é no Brasil – em outro lugares o DNA é identificado pelo computador. Abaixo do Equador, de uma forma tupiniquim, a identificação é feita pelo olho do médico, então, nem sempre, na verdade, o DNA que se diz que não é compatível com outro pode ser compatível e pode não ser compatível, devendo utilizar uma tecnologia mais avançada.
Nesse caso, a lei processual não pode tirar o direito de a pessoa saber se realmente a outra é seu ancestral, ou no caso de pai para filho, de o pai saber se aquela pessoa é realmente seu filho, se se começar a dizer que faz do preto, branco e do branco, preto, evidentemente que nós teremos muitos pais sem filhos e muitos filhos sem pais. aí voltaríamos ao começo dos anos 500 em que CERVANTES já dizia: "muitas coisas haveis de ver nas quais não haveis de crer", e é essa a verdade que está acontecendo com o Direito Processual, ele busca fazer a justiça, não aplicando a realidade concreta das coisas, mas apenas um formalismo para dar garantia de uma falsa justiça. É mais importante saber como se chega à justiça, do que dizer concretamente o que as coisas são na realidade dos fatos.
É bem verdade que, em Portugal, o nosso conhecido FERNANDO PESSOA ficava intrigado ao ver como um fato narrado por duas pessoas participantes, com todas as verdades objetivas nos seus próprios ângulos, teria resultados diferentes, e conclui ele dizendo que jamais poderia pensar que o mesmo fato pudesse ter duas verdades, e, no caso da justiça, o que preocupa é justamente isso, uma vez que há dúvida, uma vez que há tecnologia para se saber a verdade, as ações de estado não padecem de coisa julgada que é um fenômeno jurídico dito para satisfazer as pessoas e nem sempre satisfazem os grandes. A prova disso é que existe uma medida provisória dobrando os prazos da rescisória para órgãos públicos e a própria existência da revelia de que para o comum do povo é um prazo quatro vezes menor do que para o Governo. Então, o que mostra que a justiça é mais ou menos muito mais utilizada para manter as minorias dominantes com a conivência de um poder tirado da classe média que deve servir de embate entre o máximo e o mínimo, e, nessa liturgia, realmente, saem prejudicadas as categorias inferiores.
Assim sendo, peço vênia ao eminente Relator e acompanho o eminente Primeiro Vogal.
DECISÃO
Conhecido. Negou-se provimento. Maioria. Relatará o acórdão o 1º Vogal."
As normas jurídicas hão de ser entendidas, tendo em vista o contexto legal em que inseridas e considerando valores tidos como válidos em determinado momento histórico. Não há como interpretar-se uma disposição, ignorando as profundas modificações por que passou a sociedade, desprezando os avanços da ciência e deixando de ter em conta as alterações de outras normas, pertinentes aos mesmos institutos jurídicos.
Nos tempos atuais, não se justifica que a contestação da paternidade, pelo marido, dos filhos nascidos de sua mulher, se restrinja às hipóteses do art. 340, do Código Civil, quando a ciência fornece métodos notavelmente seguros para verificar a existência do vínculo de filiação" (REsp 194.866, Min. Eduardo Ribeiro).
Considerando o atual estágio da ciência – que viabiliza a realização de exames genéticos (DNA) que afirmam ou excluem a paternidade com margem de segurança próxima ao absoluto –, é de se admitir a ação negatória de paternidade ainda que aforada quando já ultrapassado o prazo previsto no § 3º do art. 178 do Código Civil, notadamente quando, como na hipótese, à petição inicial foi acostado documento que comprova a esterilidade do autor.
TJSC – AC 99.002588-8 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Newton Trisotto – J. 22.06.199906.22.1999
Sobreleva registrar, desde logo, que ao intérprete do Direito incumbe a tarefa precípua de aplicar as normas em consonância com os fins que norteiam o ordenamento jurídico. Na verdade, a leitura fria de uma norma sem levar em consideração o contexto cultural na qual está inserida e as conseqüências dela advindas, afasta o aplicador do Direito do ideal de Justiça que deve permear todas as decisões judiciais.
É absolutamente inegável que o Direito de Família sofreu profundas e radicais transformações desde a promulgação do Código Civil nos idos de 1916, e que as relações familiares do Século XIX (que inspiraram a sua elaboração) assentavam-se sobre o patriarcalismo, que conferia ao varão a autoridade de autêntico pater familias com o poder de decisão final sobre os rumos a serem tomados pelos demais membros familiares.
As regras editadas naquele contexto devem ser nele compreendidas, para que, revestindo-se de alguma plasticidade, possam adequar-se à concepção de família instituída pela nova ordem constitucional e informada pelos valores sociais então vigentes, resguardando-se, sobremaneira, o interesse da criança.
Ante o avanço dos tempos, mister se faz que o aplicador, na inércia do legislador, possa adequar o Direito às novas exigências, sob pena de anacronismo e ineficácia da prestação jurisdicional.
O próprio Superior Tribunal de Justiça, em decisão relatada pelo eminente Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, já reconheceu a necessidade de que seja levada em consideração, no tocante ao direito de família, a perquirição da verdade material, em detrimento de formalismos que não se coadunam com o caráter instrumental do Direito. O acórdão em apreço encontra-se ementado da seguinte maneira:
‘NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – PRESUNÇÃO LEGAL – ART. 240/CC – PROVA – POSSIBILIDADE – DIREITO DE FAMÍLIA – EVOLUÇÃO – HERMENÊUTICA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO – I – Na fase atual da evolução do Direito de Família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor. – II – Deve-se ensejar a produção de provas sempre que ela se apresentar imprescindível à boa realização da justiça. – III – O Superior Tribunal de Justiça, pela relevância de sua missão constitucional, não pode deter-se em sutilezas de ordem formal que impeçam a apreciação das grandes teses jurídicas que estão a reclamar pronunciamento e orientação pretoriana’ (STJ – REsp 4.987 – RJ – Reg. nº 90.0008966-2 – Ac. por maioria da 4ª Turma – J. 04.06.1991 – DJU I, em 28.10.1991– p. 15.259).
Por oportuno, em face da clareza e percuciência com que aborda a questão, passo a transcrever excerto da decisão acima, da lavra de seu relator:
"In casu, estribando-se na letra de uma legislação que data de ¾ de século, em julgamento antecipado, sem apreciação do mérito, e sem ensejar ao autor o acesso aos meios de prova hoje cientificamente existentes e admitidos, até demonstração em contrário, pelo Supremo Tribunal Federal (RE 99.915/SP), por este Tribunal Superior (REsp 700/RJ) e pela doutrina de ponta (Caio Mário, Instituições. Vol. V. 7ª ed., Forense, 1990, nº 413, p. 202), as instâncias locais vedaram ao autor a produção de provas para a demonstração negativa da sua paternidade, mantendo a anátema que há séculos pesa sobre a filiação, que o romano, segundo registro do admirável civilista citado, qualificava de mistério no célebre brocado mater semper certaest, pater incertus.
O fetichismo das normas legais, em atrito com a evolução social e científica, não pode prevalecer a ponto de levar o Judiciário a manifestar-se, mantendo-se impotente em face de uma realidade mais palpitante, à qual o novo Direito de Família, prestigiado pelo constituinte de 1988, busca adequar-se. No caso de que se trata, merecem transcrição as lúcidas considerações do ilustre Subprocurador-Geral da República, Prof. OSMAR BRINA, homem de rara sensibilidade jurídica e humana, refletida em numerosos pareceres e estudos doutrinários:
"Penso que numa ação dessa natureza, e com essas características, todos os problemas de técnica processual devem ficar adstritos ao seu aspecto meramente instrumental e ceder lugar a alguns valores mais altos reconhecidos pelo direito natural implícitos no ordenamento jurídico. A preocupação com a verdade e a justiça é tamanha que não ocorrem os efeitos da revelia (CPC, art. 320, II) e nem mesmo a confissão pode ser admitida (CPC, art. 351).
(...)
A Constituição Federal Brasileira, invocando princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, § 1º), assegura à criança o direito à dignidade e ao respeito (art. 227).
Saber a verdade sobre sua paternidade é um legítimo interesse da criança. Um direito humano que nenhuma lei e nenhuma Corte pode frustrar.
A dignidade de uma criança fundamenta-se no amor, no respeito e no carinho a ela dedicados. E esses fatores não podem sobreviver quando ela é considerada uma farsa, fruto de outra farsa.
Certamente, nenhum julgamento conseguirá apagar as marcas psicológicas dos fatos veiculados nos processos. Certamente, existe uma presunção relativa da paternidade da criança em questão, oriunda da força da coisa julgada material que se formou. Certamente, o julgamento do processo definirá, definitivamente, os direitos patrimoniais, sucessórios e alimentares, mas é função primordial da Justiça velar para que ela própria não contribua para agravar os traumas que a vida dos pais da criança lhe impuseram.
Fosse o magistrado um aplicador "cego" e frio das leis, sem a obrigação moral e institucional de faze-la condizente com a realidade e com os anseios da população que, ao contrário do texto legal, são flexíveis e se modificam a todo instante, então o resultado deste processo seria, simplesmente, o reconhecimento da existência de coisa julgada e ponto final.
No entanto, há que se ser razoável, há que se ver as angustias e disparidades que envolvem cada processo em julgamento, mormente quando de se trata de uma questão das mais relevantes na vida de uma pessoa, que é a paternidade e a filiação.
O Ministro Sávio de Figueiredo, em lapidar acórdão colacionou os seguintes ensinamentos:
"Como afirmou Del Vecchio a interpretação leva o Juiz quase a uma segunda criação da regra a aplicar. Reclama-se, para o juiz moderno, observou Orosimbo Nonato na mesma linha de raciocínio, com a acuidade sempre presente nos seus pronunciamentos, quase que a função de legislador de cada caso, e isso se reclama, exatamente para que, em suas mãos, o texto legal se desdobre num sentido moral e social mais amplo do que, em sua angústia expressional, ele contém".
(Apelação 68.829, TJMG, RG. 618/169)
O reconhecimento da paternidade envolve, não apenas o desvendar da identidade genética, mas restabelecer a dignidade do filho e também do próprio pai, a quem foi impingida uma paternidade que, na verdade, não é sua, impedindo assim de forma definitiva que essa criança encontre na figura do pai que lhe foi imposta, intimidade, atenção, carinho e aconchego, naturalmente existentes entre pais e filhos, tão importantes na formação do caráter, da personalidade e desenvolvimento, porque não se quer um pai que se limite a pagar pensão alimentícia, dar-lhe um nome e garantir-lhe direitos sucessórios. Pretende-se muito mais. Deseja-se que filho e pai estabeleçam um relacionamento afetivo, fundindo-se em uma única pessoa a figura do genitor e a figura do pai, formando-se uma família ou um relacionamento afetivo entre ambos, com as conseqüências psicológicas e emocionais inerentes.
O que se analisa neste esboço é como decidir-se qual princípio deve prevalecer, se o da necessidade social de definitividade das decisões judiciais, que não encontra respaldo constitucional, mas apenas legal, e o da dignidade e da personalidade, consistente na prerrogativa de se ter como pai, exatamente a pessoa que gerou a criança, salvo em hipótese de adoção.
Sequer conflito e colisão de direitos fundamentais se caracteriza, visto que um tem embasamento legal e o outro constitucional, sendo assim, sob esse aspecto, fácil a solução.
Porém, ainda que se entenda presente a colisão, chama-se à lume a perfeita lição do mestre Canotilho, constitucionalista português ao ensinar que:
"... pelo princípio da necessidade, somente se admite uma solução limitadora do direito fundamental quando é real o conflito entre diversos princípios, todos de natureza constitucional. Pelo princípio da proporcionalidade, o que se busca é uma operação que se limite ao indispensável para superar o conflito entre os aludidos princípios, harmonizando-os, na medida do possível. Não cabe, porém, ao intérprete, a simples anulação de um princípio, para total observância de outro. É preciso preservar, quanto possível, as garantias momentaneamente antagônicas, sem privar qualquer delas de sua substância elementar."
(CANOTILHO, Direito Constitucional. 5ª Ed. Ed. Almedina, 1992)
E, complementa LUIZ ROBERTO BARROSO, versando sobre o princípio da razoabilidade:
"... a razoabilidade deve embutir, ainda, a idéia de proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se a medida é legítima..."
(Temas de Direito Constitucional, Ed. Renovar, 2001).
Em resumo o princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado; b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual; c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha.
Ora, é exatamente fulcrado nesse entendimento, que o Supremo Tribunal Federal e todos os demais órgãos jurisdicionais deste país, vêm entendendo que a recusa injustificada do réu, numa ação de investigação de paternidade, cria contra ele a "presunção da verdade do que alega o investigante", invertendo-se assim o ônus probatório. É exatamente por se dar preferência ao direito individual e personalíssimo de se descobrir a filiação legítima, sangüínea, que se entende preponderante sobre o direito, também constitucional de acesso ao próprio corpo.
"INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Prova. Recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA. Exceptio plurium concumbentium não demonstrada. PRESUNÇÃO DA VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS. Inteligência dos artigos 136-V, do CC. E 332 do CPC.
Se exame hematológico é necessário para a negativa de paternidade, cumpre ao réu o ônus de ceder o sangue exigido, sob pena de a recusa ser interpretada em seu desfavor."
(TJAC. AP.CIV. 505/95 E 96.0000228-6 (24.3.1997).
"Não há lei que obrigue, seja o pai ou a mãe, réu em uma ação de investigação de paternidade, a submeter-se ao exame de DNA solicitado. Porém a recusa em submeter-se ao exame pericial sem qualquer justificativa, leva à presunção da veracidade dos fatos alegados, aplicando-se a regra do artigo 359 do CPC." (RT. 750/336).
Assim, a meu sentir, não há como se privilegiar um direito "legal", porque previsto apenas em lei, qual seja, a definitividade da coisa julgada material, em prejuízo de outro direito fundamental, com assento constitucional, qual seja, o da personalidade.
"Do exposto, conclui-se que a finalidade do princípio da proporcionalidade, é a proteção dos direitos fundamentais, garantindo a otimização desses direitos segundo as possibilidades fáticas e jurídicas. O princípio autoriza somente restrições ou limitações que sejam adequadas, necessárias, racionais e razoáveis. Operacionaliza-se mediante um procedimento metódico, racional, o qual pressupõe: a) a existência de uma estrutura meio-fim; b) que o fim seja constitucional; c) que se identifiquem as circunstâncias relevantes do caso (na hipótese da colisão de direitos fundamentais) e d) que, por fim, apliquem-se sucessivamente, os três princípios parciais constitutivos."
("Colisão de Direitos Fundamentais e princípio da proporcionalidade". WILSON ANTONIO STEINMETZ, Livraria do Advogado Editora, página 155).
No entanto, entre a segurança social e a descoberta da paternidade real, parece que o Direito de Família brasileiro caminha, a passos ousados, à quebra da coisa julgada.
Isto ocorreu a partir de, numa atitude interdisciplinar, possibilitar-se transportar sistemas de pesquisa científica da ascendência genética para o direito, provocando verdadeira revolução na descoberta e afirmação judicial da paternidade biológica.
É preciso repensar a aplicação do instituto da coisa julgada no Direito de Família, haja vista que se mostra desatualizada e injusta para as relações familiares da atualidade, asseverado pelo avanço da Engenharia Genética.
"o que não se pode conceber é que a conquista da aparente paz social trazida pela estabilidade dos julgados com a "res judicata" tenha um preço maior do que o da paz pessoal, sob pena de o direito desencontrar-se da justiça, ainda mais se se pensar que é no seio das relações familiares que se formam os homens, o seu caráter, a sua personalidade, as suas vontades, a sua história, o seu destino.
Por essas razões que se pensar na imutabilidade do julgado por força da "res judicata" em sede de investigação de paternidade é, sem dúvida, demasiado apego à forma, tolhendo o próprio direito de conhecer a si mesmo em suas origens, haja vista a parcela genética que é transmitida dos ascendentes (pai e mãe) aos filhos pelo DNA. O Direito não vive em função da forma, mas em função da humanidade.
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A proposta do texto é elucidar que não há mais tempo, nos dias atuais, diante das profundas alterações axiológicas consagradas pela Constituição Federal de 1988 e com a indiscutível conquista da descoberta científica da paternidade, para a verdade real ser obstada pela coisa julgada material.
A imutabilidade de uma decisão, em matéria de investigação de paternidade, está sendo objeto de reflexões profundas no sentido de afirmar, cada vez mais, que está superada, dando espaço à verdadeira declaração do pai incógnito, numa fiel aplicação do princípio "the best interest ofchild".
(MARIA CHRISTINA DE ALMEIDA. Investigação de paternidade e DNA – Aspectos polêmicos. Livraria do Advogado Editora, páginas 106/108).
Com a prova pericial do exame de DNA surge, pela primeira vez no direito, a possibilidade de se substituir a verdade ficta pela verdade real.
A revelação da ascendência biológica é concebida hoje como um direito fundamental da personalidade humana.
"Conforme Yussef Sahid Cahali, nos dias de hoje manifesta-se uma preocupação ostensiva e decisiva com a verdade da paternidade, procurando afirmar a filiação para seu reconhecimento conforme a verdade real, biológica, com vistas à mais eficiente proteção da pessoa do filho".
(Reconhecimento do filho extramatrimonial. Livro de Estudos Jurídicos, Rio de Janeiro, IEJ, 1996, v. 7, p. 210-211).
A grande verdade é que se trata de direito fundamental do ser humano, conhecer seu pai, o que é básico na convivência familiar".
(TANIA DA SILVA PEREIRA. Direito da Criança e do Adolescente. Ed. Renovar, 1996, p. 107-108)
Trata-se do direito ao conhecimento da identidade genética do cidadão, cujo bem jurídico tutelado é a descoberta de sua origem biológica, que se considera como atributo ínsito à personalidade humana, direito essencial ao nome de família, que aponta a sua ascendência genética, o seu status de filiação e que, por via de conseqüência, concede ao investiqante determinados direitos de cunho patrimonial.
A identidade da pessoa cumpre funções básicas, dentre as quais pode-se destacar ser o elo de ligação entre ela e a sociedade em geral, permitindo o seu reconhecimento individual e como cidadão, evitando confusão com outra pessoa nos diversos núcleos: familiar, sucessório, negocial, comercial, entre outros.
Seria, na verdade, uma tremenda injustiça e notável sadismo condenar-se uma criança a crescer acreditando ser seu pai, uma pessoa que não o é, que a rejeita, que não a gerou, que não tem com ela qualquer vínculo, emocional, sanguíneo ou afetivo, pela simples alegação de que "as decisões judiciais têm que ser cumpridas". Chega a ser hilária, situação tão esdrúxula e inconcebível, chega a ser um escárnio com a criança a quem a mãe, de forma completamente irresponsável, resolveu escolher ao acaso, "um pai" para ela.
Seria necessário todo um tratado para se dimensionar a importância do "pai" na vida de uma criança, sobre a importância da hereditariedade. Falando por todos D.W. WINNICOTT afirma que:
"Presume-se que toda a hereditariedade sede ao nível físico, mesmo quando a conseqüência é psicológica (por exemplo, a tendência para a depressão ou para um temperamento histérico transmitido à criança por um dos pais).
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A herança de traços da personalidade e de tendências para algum tipo de distúrbio psiquiátrico pertence ao soma, recebendo assim a psicoterapia alguns de seus limites, dados pelo herdado.
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Não se deve esquecer de que certas tendências herdadas para a doença manifestam-se clinicamente bem tarde, de modo que, apesar de herdadas, tais tendências não são congênitas.
A hereditariedade diz respeito aos fatores que existiam antes da concepção. Os distúrbios congênitos são aqueles que se tornam evidentes ao final do processo de nascimento. O termo "congênito" refere-se a dois conjuntos de distúrbios, sendo que o primeiro engloba aquelas doenças e deficiências que existiam antes do nascimento e o segundo as seqüelas do trabalho de parto em si."
(D.W. Winnicott. Natureza Humana. Ed. Imago-RJ, 2001).
E completa afirmando:
"Assim, quando o pai entra na vida da criança, como pai, ele assume sentimentos que ela já alimentava em relação a certas propriedades da mãe e paqa esta constitui um grande alívio verificar que pai se comporta da maneira esperada.
O pai é valioso de diversas maneiras. A primeira coisa é que o pai é preciso em casa para ajudar a mãe a sentir-se bem em seu corpo e feliz em seu espírito. Uma criança é realmente sensível às relações entre seus pais e se tudo correr bem entre as paredes do lar, por assim dizer, a criança é a primeira a mostrar seu apreço por encontrar a vida mais fácil, mostrando-se mais contente e mais dócil de conduzir. Suponho ser isso que uma criança entenderia por "segurança social".
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A terceira coisa a dizer é que a criança precisa do pai por causa de suas qualidades positivas e das coisas que o distinguem de outros homens, bem como da vivacidade de que se reveste sua personalidade.
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As crianças formam seus ideais, pelo menos em parte, com base no que vêem ou pensam que vêm, quando olham para o pai. Um novo mundo se abre para elas, quando o pai, gradualmente, desvenda a natureza do trabalho para onde sai todas as manhãs e do qual regressa todas as tardes."
("A criança e o seu mundo". D.W. WINNICOTT, 6ª Edição. Ed. Ltc. P. 131)
Fica a questão em estudo. Como, então, se garantir a essa criança a presença marcante, forte, fundamental de um pai "falso", criado por uma lógica racional e legal, que se volta de forma torpe e egoísta, exatamente contra aquele individuo que deveria ser o alvo de proteção de toda e qualquer norma legal que se diga legítima e eficaz?
Por outro aspecto, como se exigir de uma pessoa que, sabidamente não é pai, que se comporte como tal, que se aproxime da criança com a qual não tem qualquer vínculo?? Chega a ser Kafkaniano, lembrando o romance "O processo" de Franz Kafka (Tradução de Modesto Carone, Companhia das Letras), no qual K. culminou por ser condenado a morte, após um processo absolutamente sem escrúpulos e normas e sem sequer saber o motivo de sua condenação.