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A “avalanche” de processos nos tribunais e o rigor na aferição do juízo de admissibilidade dos recursos cíveis: relações

Agenda 03/12/2014 às 13:18

A pesquisa científica é de direito processual civil, e consiste na análise dos excessos que atualmente ocorrem nos tribunais, quando da aferição de questões formais dos recursos, diante da enorme quantidade de apelos intentados.

1 INTRODUÇÃO

Com a enorme quantidade de processos distribuídos nos tribunais, os órgãos jurisdicionais são mais rigorosos na aferição do juízo de admissibilidade dos recursos.  Ocorre uma certa presunção de que o recorrente não observou alguma questão formal. Assim, os julgadores em geral já pressupõem que há algum vício processual no recurso. Aí os magistrados são obrigados a cada vez mais imprimirem rigor na aferição da admissibilidade, até para que possam equilibrar a quantidade de entrada com a de saída dos recursos – saldo. Dessa forma, tenta-se evitar acúmulo maior de processos, pois cheios todos os tribunais estão.

Todavia, em certas ocasiões há o cometimento de exageros na aferição, com recursos inadmitidos por motivos alheios ao que se considera razoável.

Quando um recurso não é admitido, como mencionado, sua matéria principal - o chamado mérito - nem chega a ser apreciado pelo magistrado, ou seja, a parte que demanda perante o poder judiciário, mesmo com decisões precedentes no mesmo sentido de sua postulação, “perde na justiça”.

Certos casos são até inusitados: um cidadão que recorre ao Poder Judiciário após saber de colega que viveu situação de fato idêntica à sua e “ganhou na justiça”, por exemplo. O referido “perde na justiça”, por estar seu recurso com algum problema de ordem processual. Como explicar a este cidadão o fato de não ter logrado êxito em sua demanda, sendo que ele próprio constatou o sucesso de seu colega, com idêntico direito ?

O fato é que os recursos, como as próprias ações, devem observar certas previsões formais ao serem ajuizados, sob pena de não prosseguirem e, conseqüentemente, não terem seu mérito apreciado pelo órgão jurisdicional competente. Quanto a certos requisitos, desde que tenham fundamentação lógica para serem exigidos, não há nenhum problema. O que não pode prevalecer é a cobrança de determinados pressupostos que não têm qualquer razão para serem observados. São verdadeiras “armadilhas” aos advogados das partes.

2. DESENVOLVIMENTO DO TEMA

2.1 NOÇÕES ACERCA DOS RECURSOS

É oportuno discorrer sobre os recursos primeiramente em sentido amplo. O termo recurso advém do latim recursus que significa curso retrógrado ou caminho de volta. A tradução revela bem a essência do instituto jurídico: um instrumento que permite uma nova análise dos autos para verificar se houve erro que contaminou a decisão causadora da insatisfação.

Agora, à luz do direito brasileiro e em linguagem técnica, o recurso é definido como:

remédio jurídico que pode ser utilizado em prazo peremptório pelas partes, pelo Ministério Público e por terceiro prejudicado, apto a ensejar a reforma, a anulação, a integração ou o esclarecimento da decisão jurisdicional, por parte do próprio julgador ou do próprio tribunal ad quem, dentro do mesmo processo em que foi lançado o pronunciamento causador do inconformismo[1].

O prazo peremptório é aquele que normalmente não admite nenhuma prorrogação, ou seja, o recurso deve ser ajuizado no prazo previamente estabelecido em lei, sob pena de não ter o seu conteúdo principal analisado pelo órgão competente.

Tribunal ad quem é o órgão a que se destina o recurso, para análise definitiva - regra geral.

Qualquer que seja o recurso, sempre ocasionará a dilatação e ampliação da relação processual, pois é formado por um conjunto de atos coordenados que caminham em sentido cronológico, visando o reexame do pronunciamento com conteúdo decisório.

A razão de ser dos recursos advém da necessidade de se realizar justiça, frente à possibilidade do juiz em cometer erros, até porque é humano. Assim, possibilita-se a revisão da suposta decisão equivocada (Cf. SOUZA, 2004, p. 6).

Cabe ressaltar que o ato de se praticar o direito de recorrer constitui ônus processual, uma vez que, se não exercido em tempo hábil, não mais se poderá rever a decisão. E com o recurso, não se instaura novo processo; o já existente apenas se amplia com novos atos.

O gravame ou prejuízo, conseqüência da derrota sofrida pela parte, é chamado de sucumbência e constitui requisito imprescindível para qualquer recurso.

Quando existe mais de um vencido com a decisão recorrível, há sucumbência subjetivamente “múltipla”. Quando esta decisão prejudica interesses simultaneamente idênticos de várias partes, a sucumbência múltipla é “paralela”. E se a decisão ocasionar prejuízo simultâneo a ambas as partes, a sucumbência múltipla é chamada “recíproca”.

Então, oportuno é mencionar a distinção que há entre a sucumbência total e a sucumbência parcial. Esta é caracterizada pelo prejuízo somente em parte do que foi objeto da discussão no processo. Aquela é a perda do todo apreciado pelo Poder Judiciário.

2.2 CONCEITO GERAL DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL CÍVEL

O recurso, como ato processual postulatório, sujeita-se, necessariamente, a um duplo exame. O primeiro destina-se a verificar se o recurso está de acordo com as formalidades da lei processual; e o segundo, a examinar o fundamento da questão que se discute perante o Poder Judiciário. Para a interposição do recurso, é preciso observar o preenchimento dos requisitos formais que possibilitam a sua admissibilidade, da mesma forma que ocorre com a propositura da ação. Somente após observados estes procedimentos, o mérito do recurso poderá ser apreciado (Cf. JORGE e RODRIGUES, 2002, p. 222).

Acerca da ligação entre os requisitos de admissibilidade dos recursos e as condições da ação:

Sendo o recurso um prolongamento do direito de ação e defesa, não há como deixar de reconhecer a co-relação existente entre as condições da ação e os requisitos de admissibilidade dos recursos. No fundo, tudo se passa como se se transportasse para a fase recursal as condições exigidas para o ajuizamento da ação. A analogia e o paralelismo existentes são absolutamente verdadeiros, apesar de se saber que na ação os requisitos são verificados em relação a fatos exteriores e anteriores ao processo e nos recursos os requisitos de admissibilidade são aferidos tendo em vista o próprio processo já existente. Tal constatação de modo algum impede a analogia referida. O juízo de admissibilidade revela-se, portanto, existente nos recursos e destina-se a examinar a presença dos requisitos necessários para sua interposição[2].

A doutrina atribui as expressões “conhecer” e “não conhecer”, para designar o juízo de admissibilidade; e “dar provimento” e “negar provimento”, quando se refere ao juízo de mérito (Cf. JORGE e RODRIGUES, 2002, p. 223).

Com base nesses conceitos, é possível afirmar que o juízo de admissibilidade dos recursos é formado por questões prévias, da espécie preliminares. E este juízo é independente da matéria de fundo - mérito. A admissibilidade não influencia em nada no julgamento do mérito de mesmo recurso, apenas propicia sua apreciação. A única conseqüência dos requisitos de admissibilidade é possibilitar, caso seja conhecido, ou inviabilizar, caso não seja conhecido, a apreciação do mérito. E, além disso, vale lembrar de que essas questões preliminares são também consideradas de ordem pública, ou seja, podem ser conhecidas de ofício pelo órgão julgador, mesmo se não alegadas pela parte. E assim o é, porque é do interesse público que o órgão judiciário somente se movimente se presentes as condições que a própria Lei estabelece (Cf. JORGE e RODRIGUES, 2002, pp. 226-227).

Portanto, para que os recursos sejam interpostos, necessária é a previsão de requisitos de admissibilidade, também chamados de pressupostos de admissibilidade ou condições de admissibilidade. Segundo Bernardo Pimentel, tais requisitos são “exigências legais que devem estar satisfeitas para que o órgão julgador possa ingressar no juízo de mérito do recurso”[3].

2.3 ESPÉCIES DE REQUISITOS

A doutrina contemporânea subdivide os requisitos em intrínsecos e extrínsecos, sendo que estes estão ligados ao exercício do direito de recorrer e aqueles à razão de ser dos recursos (Cf. SOUZA, 2004, p. 32).

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Compõem a primeira classificação: o cabimento, a legitimidade recursal, o interesse recursal e a inexistência de fato extintivo ou impeditivo. E integram o segundo grupo: a tempestividade, a regularidade formal e o preparo.

O requisito de admissibilidade do cabimento está consubstanciado na exigência de que o ato seja recorrível, assim como na necessidade de ser interposta espécie recursal prevista no rol taxativo – exclusivo - da legislação vigente, e que a espécie recursal seja a adequada para a impugnação do ato causador do inconformismo.

A legitimidade recursal diz respeito à exigência de que o recurso seja interposto por quem tem habilitação por força de lei, ou seja, por aquele que detém o poder de recorrer. Têm legitimidade recursal: as partes, o Ministério Público e o terceiro prejudicado, conforme dispõe o artigo 499 do Código de Processo Civil.

O interesse recursal está ligado ao binômio: utilidade e necessidade. O recurso é útil quando for capaz de ensejar, em tese, um resultado prático mais favorável em relação ao obtido na decisão recorrida. É necessário quando configurar a única via processual disponível para a obtenção do resultado melhor almejado.

A inexistência de fatos extintivos e impeditivos consiste na exigência de que não tenha ocorrido fato que acarrete a extinção do direito de recorrer - renúncia ou aceitação -, nem fato que impeça a admissibilidade do recurso - desistência (Cf. SOUZA, 2004, p. 33).

A renúncia ocorre quando o legitimado “abre mão” do direito de recorrer (ainda não foi interposto o recurso). A aceitação consiste no ato pelo qual o legitimado revela, de forma expressa ou tácita, sua conformação em relação ao julgado contrário. A desistência ocorre quando o recorrente, que já interpôs o recurso, revela de forma expressa ou tácita, que não deseja o julgamento do apelo.

A tempestividade está ligada à exigência de que o recurso seja interposto no prazo peremptório – fatal - previsto na legislação, sob pena de preclusão – perda - do direito de recorrer, e até da coisa julgado material - perda do direito.

A regularidade formal é a exigência de que o recurso seja interposto com a observância das formalidades legais. E cabe ressaltar que o sistema recursal cível brasileiro caracteriza-se pelo formalismo, ou seja, os aspectos técnico-processuais têm, quase sempre, que ser observados, sob pena de não ser conhecido o recurso.

O requisito de admissibilidade do preparo consiste na exigência de se efetuar o recolhimento dos encargos financeiros previstos para algumas espécies de recurso (custas e portes de remessa e de retorno), em geral, antes de sua interposição. A não previsão desta condição acarreta a chamada deserção, a qual enseja o juízo negativo de admissibilidade do recurso, ou seja, a não apreciação do mérito (Cf. SOUZA, 2004, p. 108).

2.4 MOROSIDADE NO TRÂMITE DOS PROCESSOS JUDICIAIS

É certo que o Poder Judiciário exerce função imprescindível na defesa do Estado de Direito, pois a convivência social está amparada pelo princípio da legalidade, sendo as agressões e ameaças a direitos subjetivos resolvidos em juízo, com o monopólio estatal da distribuição de justiça.

Porém, mesmo sendo o sistema normativo brasileiro um dos mais avançados em todo o mundo, muitas são as críticas sobre a pouca eficiência da Justiça pátria. Os problemas da morosidade, os altos custos da prestação jurisdicional e a insuficiência de estrutura para atender a todos os necessitados, são os principais.

Maria Cláudia Junqueira, com pertinência refletiu:

Inumeráveis são os exemplos de episódios que demonstram o anacronismo das rotinas dos tribunais brasileiros, muitas das vezes oriundos de posturas ilógicas e contraproducentes por parte dos próprios juízes. Entretanto, algumas destas posturas ultrapassam os limites da inconveniência e passam a ser prejudiciais, sendo elas mesmas atitudes antidemocráticas, contrárias ao papel constitucionalmente designado ao Poder Judiciário[4].

Não é novidade o fato de os tribunais pátrios estarem abarrotados de processos, e que esse número cresce em progressão geométrica, em virtude dos recursos interpostos.

O número de processos supera em muito até o de países em que a quantidade de juízes por habitantes é bem maior.

E a tendência é de aumento desse número, em virtude do crescente surgimento de “causas judicializáveis”, decorrentes de posturas governamentais da Fazenda Pública, sem respaldo na ordem jurídica (Cf. JUNQUEIRA, 2003, p. 113).

De outra vertente, não há uma preocupação de se melhorar o aparato judiciário, até porque isso não interessa ao Poder Público, que é beneficiado com a lentidão da Justiça, por atrasar mais e mais o cumprimento de suas obrigações por meio de recursos protelatórios.

E assim a situação é cada vez pior: o congestionamento aumenta nos tribunais e não há a possibilidade de uma prestação jurisdicional efetiva e célere.

Há um estudo da Secretaria de Reforma do Judiciário, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, que bem revelou a situação atual do Poder Judiciário pátrio. Realizaram um verdadeiro “raio-x” em todos os órgãos jurisdicionais. Acerca da movimentação processual no Brasil, concluíram que:

Deram entrada ou foram distribuídos, em 2003, 17,3 milhões de processos e julgados 12,5 milhões, com um índice de julgamento de 72% e uma elevação nos estoques de processos de 4,7 milhões. A relação entre o número de processos julgados e entrados dá uma indicação da capacidade de cada tribunal em absorver a demanda da Justiça. Este índice não mede, no entanto, o tempo que cada processo leva em média, desde seu início até sua conclusão[5].

Há também um estudo realizado especificamente perante o Judiciário paulista - o maior do país em tamanho e em volume de processos:

Até agosto de 2003, 450 mil recursos acumularam-se na segunda instância dos tribunais estaduais, à espera de distribuição. Na justiça Federal da 3ª Região são mais de 1,25 milhão de processos em tramitação – o dobro do que havia em 1997. O nível de processos no TRF tem-se mantido estável, com cerca de 450 mil processos em andamento, mas só porque em muitas decisões as partes não recorrem e não há sentenças em volume correspondente aos processos distribuídos[6].

E há outros dados importantes a serem analisados, também relativos à justiça paulista. Ao final de 2001, havia 14 milhões de processos na primeira instância. Por ano, são protocolados 4 milhões de novos processos no estado, sendo que os juízes somente decidem metade disso, no mesmo período. Portanto, pode-se dizer que o aumento é geométrico (Cf. TOSTO e BARROS, 2004, p. 49).

A insuficiência no número de funcionários no Poder Judiciário acarreta todo esse atraso. A Ex-Ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie Northfleet, quando presidia o Tribunal Regional Federal da 4ª região (Rio Grande do Sul), aferiu que “os juízes são responsáveis por 10% do tempo de uma ação; os advogados respondem por 20% da demora; e o cartório retém o processo 70% do tempo”[7].

Um projeto de Emenda à Constituição tramitou no Congresso Nacional, tendo sido aprovado e promulgada a respectiva EC, criando quatro novos Tribunais Regionais Federais. Todavia, há liminar em Adin no STF deferida, suspendendo a eficácia da referida norma. Mas entende-se que esta criação, se efetivada, por si só, não resolverá muito, pois o maior problema da justiça federal está na primeira instância.

2.5 EXCESSOS COMETIDOS PELOS MAGISTRADOS NA REALIZAÇÃO DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS CÍVEIS

Ante todos os requisitos de admissibilidade dos recursos apresentados, a conclusão a que se chega é a de que o sistema brasileiro rege-se pelo formalismo.

E este formalismo acaba por ser uma ferramenta dos magistrados, para cada vez mais reduzir o número de recursos admitidos diante da “avalanche” de apelos que chega aos tribunais.

Conforme bem dissertou Maria Cláudia Junqueira:

O que se verifica, outrossim, são iniciativas desesperadas dos tribunais para conter o fluxo ascendente de processos, mediante métodos que lhes possibilitem dar fim às demandas sem que delas necessitem tomar conhecimento. Aplicação implacável da lei processual aos recursos, através de um formalismo exacerbado, destituído de bom senso e maleabilidade, foi a forma encontrada pelos tribunais para desobstruir-se. Assim os tribunais fazem baixar milhares de processos, sem que seus recursos tenham seu mérito analisado, com base em exigências sem sentido prático ou até mesmo não previstas em lei, mas criadas pelos próprios tribunais e obedecidas diligentemente pelos juízes que o compõem. Desta forma, diminuem a pletora de processos que se acumulam nas cortes, sem se dar conta de que paliativos forjados não resolvem a causa do problema da proliferação e congestionamento de feitos. Enfim, o fazem com o sacrifício das partes que veiculavam naqueles recursos considerados numericamente pleitos importantes ou até essenciais individualmente considerados[8].

Com todos os dados esclarecedores acerca da tramitação de processos judiciais em todo o país, a conclusão a que se chega é a de que a situação é delicadíssima. A justiça anda a passos de “tartaruga”. E isso acaba por influenciar, em muito, na aferição do juízo de admissibilidade dos recursos.

Como também já exposto, para o recurso ter seu mérito analisado pelo órgão competente, ou seja, a apreciação de sua razão de ser - o chamado direito material - há uma longa jornada anterior a ser cumprida. O apelo tem que passar pelo crivo da admissibilidade onde, em muitas das vezes, a trajetória se encerra por ali mesmo.

Certo de que tais exigências são previstas em lei. Contudo, já há que se admitir em determinados casos a ocorrência de exageros, muitas das vezes causados pelo estresse dos julgadores decorrente do grande volume de processos nos tribunais. Há exigências feitas no transcorrer da verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, que são absolutamente desnecessárias, não têm justificativa alguma. Não há explicação ou fundamentação coerente. Exemplo emblemático desta situação ocorreu recentemente no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde surgiu a primeira decisão, e aí houve recursos até que a questão chegasse ao Supremo Tribunal Federal.

O julgamento criou um precedente fundado em razões inóquas, e foi aplicado a outros tantos apelos. A base da fundamentação da decisão que considerou o recurso deserto foi a de que o recolhimento do preparo, por ter sido efetuado em agência bancária do Banco do Brasil diversa da estabelecida pelo tribunal competente, não era válido, e o recurso não poderia ser conhecido, ou seja, lhe faltava requisito de admissibilidade.

Após a interposição dos recursos cabíveis, a discussão da matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal, que firmou o entendimento no sentido de que cabe ao Tribunal de Justiça regulamentar as questões referentes ao preparo:

DECISÃO: Agravo de instrumento de despacho que inadmitiu RE por deserção, uma vez que a agravante teria feito o pagamento do preparo em agência bancária diversa da estipulada por resolução do Tribunal a quo. Lê-se no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: 'Art. 59. O preparo far-se-á: I - o de recurso interposto perante outros Tribunais, junto às suas Secretarias e no prazo previsto na lei processual; (...) § 2º O preparo efetuar-se-á, mediante guia, à repartição arrecadadora competente, juntando-se aos autos o comprovante.' Verifica-se que não houve determinação para que o preparo fosse recolhido em determinada agência bancária, certo que as resoluções desta Corte que disciplinaram a matéria exigiram, tão-somente, que o recolhimento fosse feito mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), na rede bancária, pois houve um tempo em que tal pagamento ocorria perante o órgão local arrecadador de tributos (Resolução-STF 84/92). Assim, compete ao órgão jurisdicional de origem estipular quais bancos e em que agências poderão dar-se os recolhimentos, estando esta questão na alçada da organização administrativa de cada Tribunal. Nego provimento ao agravo. Brasília, 27 de setembro de 2004. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Relator[9].

E hoje, com toda a tecnologia que há, é sabido que o sistema do Banco do Brasil opera no modo “on line”, ou seja, um depósito efetuado em Porto Alegre-RS para uma conta de destino em Fortaleza-CE, por exemplo, instantaneamente vai ser compensado na conta de destino da região nordeste. Portanto não há como explicar o porquê da decisão nesse sentido.

Outro caso sem razão de existir, em que a fundamentação para não conhecer do recurso foi a de que o dispositivo constitucional que autoriza o cabimento não foi explicitado na petição recursal. O entendimento é fruto de interpretação do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, mais construção jurisprudencial, e trata do recurso extraordinário.

O referido recurso é de competência do Supremo Tribunal Federal para julgamento, e as hipóteses de cabimento estão arroladas no artigo 102, inciso III, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, da Constituição Federal.

Na situação ora em exame, a jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de que estes dispositivos devem estar expressos na petição, sob pena de o recurso extraordinário não ser conhecido.

Todavia, sabe-se de que a própria construção do texto nas razões do recurso vai tranqüilamente demonstrar qual alínea o recorrente utilizou para fundamentar seu apelo. O que devem ser exigidas são as razões do recurso fundamentadas, e não, expresso dispositivo de norma no texto. Obviamente que o dispositivo expresso no texto constitui até um facilitador para quem julga, mas não pode ser considerado requisito imprescindível. Até porque nunca se cobrou a explicitação em ação ou recurso, isso até afronta um princípio que norteia a atividade jurisdicional no Brasil: “dabo mihi factum, dabo tibi ius” (dê-me os fatos, que lhe dou o direito).

Um exemplo deste caso, onde o recorrente “perdeu” a oportunidade de ter o mérito de seu recurso apreciado pelo Supremo Tribunal Federal:

DECISÃO: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - INDICAÇÃO DO PERMISSIVO ESPECÍFICO DE RECORRIBILIDADE - INEXISTÊNCIA - NEGATIVA DE SEGUIMENTO. (...) O recurso extraordinário de folha 110 à 115 foi interposto com alegada base na alínea "a" do permissivo constitucional e contém articulação de ofensa aos artigos 97 da Carta pretérita e 37, inciso I, da atual. Em suma, defende-se que a exigência inserta no edital - de que o candidato contasse no mínimo com três anos de formado - só poderia ser aceita se prevista em lei.(...). A Procuradoria Geral da República exarou o parecer de folha 147 à 152, preconizando o não-conhecimento ou provimento do recurso. Eis a síntese da peça: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO - REQUISITOS - EXIGÊNCIA EDITALÍCIA PARA A INSCRIÇÃO DO LAPSO DE 3 ANOS DE CONCLUSÃO DO CURSO SUPERIOR - INEXISTÊNCIA DE DISCIPLINA LEGAL - CF/88, ART. 37, I - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL AUTORIZADOR DO RECURSO - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - INAFASTABILIDADE DA LEI A REGULAR OS REQUISITOS DE ACESSO À FUNÇÃO PÚBLICA, SEJA DIRETAMENTE OU POR DELEGAÇÃO LEGISLATIVO - PRECEDENTES - PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, MAS, SE CONHECIDO, PELO SEU PROVIMENTO (FOLHA 147). 2.                               Ao apresentar contra-razões ao recurso extraordinário, o Banco Central do Brasil aludiu a vício formal. Fê-lo consignando: Verifica-se que o Recorrente, em nenhuma parte, seja na petição de interposição, seja nas razões do recurso, disse com base em que dispositivo constitucional estaria o recurso extraordinário sendo interposto. Portanto, na forma da jurisprudência cristalizada no Supremo Tribunal Federal acima referida, espera o Recorrido que o apelo extremo não seja admitido (folha 131). (...). Está-se diante de situação concreta reveladora da inobservância ao disposto no artigo 321 do Regimento Interno desta Corte. O extraordinário exige apego maior à técnica, por se tratar de recurso vinculado. Além dos pressupostos gerais de recorribilidade (adequação, oportunidade, interesse de agir, representação processual regular e preparo), a parte interessada em vê-lo tramitando há de atentar pelo menos para um dos específicos de que cuida o artigo 102, inciso III, da Constituição Federal. Muito embora sedutor o tema de fundo, no que se teve como legítima exigência surgida apenas com o edital do concurso, não previsto em lei, tem-se o óbice ressaltado nas contra-razões e já agora no parecer da Procuradoria Geral da República, e que está em harmonia com reiterados pronunciamentos desta Corte(...) 3.Diante do quadro supra, nego seguimento a este recurso extraordinário. 4. Publique-se. Brasília, 10 de agosto de 1999. Ministro MARCO AURÉLIO. Relator[10].

3 CONCLUSÃO

Diante das considerações expostas, percebe-se claramente que há exigências feitas, no transcorrer das verificações dos requisitos, sem justificativa alguma. No primeiro caso mencionado, por exemplo: se o preparo foi recolhido perante agência bancária do Banco do Brasil, mesmo diversa da localizada nas instalações do tribunal, e o crédito foi efetuado no mesmo instante, na conta de destino – sistema “on-line”, instantâneo - então está caracterizado o excesso, ou seja, esta exigência feita – pagamento em agência específica –, não tem utilidade prática nenhuma, é totalmente desnecessária.

Portanto, mesmo com o problema da grande demanda perante o Poder Judiciário, caracterizada pelo número de magistrados inferior ao ideal para suportar a quantidade de processos, não se pode cometer excessos quando da aferição do juízo de admissibilidade dos recursos. A cobrança dos requisitos deve acontecer de acordo com o previsto em lei, de forma objetiva.

Posturas como as mencionadas e assumidas pelos tribunais configuram, sem dúvida, denegação da justiça requerida pelos jurisdicionados (Cf. JUNQUEIRA, 2003, p. 114).

A realização de justiça é o que deve prevalecer, pois, quando uma parte perde uma oportunidade de ter o mérito de sua questão analisado pelo magistrado - muitas das vezes com razão para obter êxito -, os danos são irreparáveis, tanto materiais como emocionais.

4 REFERÊNCIAS

ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1998.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR – 6023/2002, 10520/2001, 14724/2001. Rio de Janeiro.

DIAGNÓSTICO DO PODER JUDICIÁRIO. Brasília: Secretaria de Reforma do Judiciário. Ministério da Justiça, p. 34. 2004.

GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

JORGE, Flávio Cheim; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito dos Recursos. Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei 10.352/2001 (coord. Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Jr.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

JUNQUEIRA, Maria Cláudia. Equívocos Jurisprudenciais: Limites do Acesso aos Tribunais Superiores. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2003.

MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 9. ed. Atualização: Ovídio Rocha Barros Sandoval. 3. v. Campinas: Millennium, 2003.

SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo de Instrumento em Recurso Extraordinário nº 519.207. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Decisão publicada no DJ de 03/11/2004.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 211.011. Relator: Ministro Marco Aurélio. Decisão publicada no DJ de 15/09/1999.

TOSTO, Ricardo; BARROS, Zanon de Paula. O Resgate do Judiciário. Consulex, Brasília, ano 8, n. 177, p. 49, 2004.


[1] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 4.

[2] JORGE, Flávio Cheim; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito dos Recursos. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 10.352/2001 (coord. Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Jr.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 223.

[3] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 30.

[4] JUNQUEIRA, Maria Cláudia. Equívocos Jurisprudenciais: Limites do Acesso aos Tribunais Superiores. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2003, p. 112.

[5] DIAGNÓSTICO DO PODER JUDICIÁRIO. Brasília: Secretaria de Reforma do Judiciário. Ministério da Justiça, 2004, p. 34.

[6] TOSTO, Ricardo; BARROS, Zanon de Paula. O resgate do Judiciário. Consulex, Brasília, ano 8, n. 177, 2004, p. 49.

[7] Idem.

[8] JUNQUEIRA, Maria Cláudia. Equívocos Jurisprudenciais: Limites do Acesso aos Tribunais Superiores. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2003, p. 113-114.

[9] Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento em Recurso Extraordinário nº 519.207. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Decisão publicada no DJ de 03/11/2004.

[10] Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 211.011. Relator: Ministro Marco Aurélio. Decisão publicada no DJ de 15/09/1999.

Sobre o autor
João José Alves da Silva

Procurador Federal. Especialista em Direito Público.

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