O presente artigo tem como proposta analisar as excludentes da conduta humana (ação/omissão) sob o contexto da teoria finalista (finalismo) proposto por Welzel e adotado pela grande maioria dos código penais latino americanos.
Para tanto, torna-se necessário examinar a teoria finalista de ação (conduta) e os conceitos de delito tendo por referencia autores brasileiros e argentino e a doutrina suíça e alemã.
Não obstante o enfoque do tema na teoria finalista de ação, foi salutar trazer a baila o proposto por Paulo Roberto Busato sobre Ação Significativa que, dentro do contexto finalista, reanalisa as excludentes.
Teoria Finalista da Ação
A teoria finalista de ação, conforme dispõe o autor Luiz Regis Prado[1], veio para se opor ao critério utilizado pela causal, que separava a vontade e o conteúdo da ação. Haveria distinção entre o querer e o desejar.
Sobre tal distinção salutares são os ensinamentos do professor ZAFFARONI[2]:
“Quase unanimemente admite-se que toda conduta deve ser voluntária, isto é, que sem vontade não há conduta. Os problemas surgem quando se trata de precisar o conteúdo da vontade requerida pela conduta. Esclareceremos repetidamente este ponto, mas, de momento, começaremos por distinguir a “vontade” do “desejo”, o “querer” do “desejar”.
Voluntário é o querer ativo, o querer que muda algo, enquanto desejar é algo passivo, que não se põe em movimento para mudar coisa alguma. Querer é viver e desejar é desejar-se viver (Hidegger). Aquele que quer – tem vontade – movimenta-se em direção ao resultado; o que “deseja” apenas espera o resultado, como o qual se alegrará se sobrevier.
Assim, distinguidos os conceitos, fica claro que se pode ter vontade sem desejo e desejo sem vontade. Um sujeito pode querer obter uma soma de dinheiro mediante uma ação violenta, mas não ter desejado esta ação, e ter sido coagido a cometê-la por um terceiro que o ameaçava de morte. Inversamente, pode ocorrer que um sujeito queira a morte de um tio rico, para herdar-lhe o patrimônio, e apesar disto nada faça para matá-lo.
A vontade implica sempre uma finalidade, porque não se concebe que haja vontade de nada ou vontade para nada; a vontade sempre é vontade de algo, isto é, a vontade sempre tem um conteúdo, que é uma finalidade. Isto é reconhecido por quase todos os autores, pois é quase uma verdade evidenciada, só que, enquanto nós sustentamos – junto com boa parte da doutrina – que este fenômeno é inegável em qualquer conceito de conduta humana (...).Uma vontade sem conteúdo não é vontade, porque isto é inimaginável. A distorcida idéia de uma vontade sem finalidade só pode ser filha de uma posição idealista, porque, sob o ângulo do realismo é absurda.(...)por ora, o que nos interessa é deixar claro que para uma análise do delito que toma como base o realismo, a vontade implica finalidade, de tal forma que a expressão “vontade final” resulta tautológica.
Em razão de ser impossível a conduta sem vontade, e a vontade sem finalidade, resulta por conseqüência que a conduta requer sempre uma finalidade”.
A ação humana (conduta) passou a consistir em um exercício de uma atividade finalista. O homem se baseou no saber causal. Passou a prever psiquicamente dentro dos seus limites a possibilidade das consequências de seus atos, conforme a busca de seu objetivo previamente determinado.
Assim, podendo antecipar as consequências, juntamente com a seleção de meios, considerando seu efeito, poderia prever o resultado final do esperado.
A vontade finalista, consciência do fim e querer do agente, dirigiam o processo causal externo, convertendo-se em um fim.
Contudo, perante esse conceito de ação, pode-se selecionar comportamentos humanos de capacidade valorativa jurídico-penal, passando o conceito a ser mais axiológico (ciência dos valores) do que ontológico (ciência do ser).
Por esse conceito, Luiz Regis Prado[3] diz que, o homem passou a seguir as seguintes etapas:
1)Subjetiva: esfera intelectiva ou pensamento
a)antecipação do fim esperado (o pretendido);
b)seleção dos meios para a execução do fim (meios de execução);
c)visualização dos efeitos relacionados ao uso dos meios e o fim a ser alcançando (consequências);
2)Objetiva: ocorre na realidade, a experiência.
Tais etapas ocorrem dentro do conteúdo da vontade, ou do querer do agente, e do fator causal.
TEORIA DO CONCEITO SIGNIFICATIVO DE AÇÃO
Conforme referido acima, para a análise das excludentes da conduta humana propomos a adoção do denominado conceito significativo de ação contido na obra do professor Paulo Roberto Busato o qual reza que o conceito significativo da ação é uma moderna interpretação sobre a ação, que demonstra uma nova direção para o conceito de conduta.
Conforme expressou o digno doutrinador Paulo César Busato[4], o conceito nasceu com Vives Antón, que se baseou em Ludwig Wittgenstein e na teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermans, também alcançando George Fletcher.[5]
Essa nova filosofia passou a se preocupar com a interpretação do conceito de ação dentro da ordem social, buscando o subjetivismo individual. Encontrou uma nova ideia de percepção da ação a partir da transmissão do significado que se pode demonstrar.
Deixou de ser um conceito ontológico (do ser), naturalista e muito menos axiológico (de valores), conforme Paulo César Busato:
... passando a ser uma composição do fato físico (movimento corporal) e outro mental (a volição); deste modo, resultava factível estabelecer uma diferença ontológica entre as ações e os demais fatos, baseada na aportação da mente... a ação passou a ser entendida não como algo que os homens fazem, mas como o significado do que fazem;... como um sentido[6].
Assim sendo, a percepção do sentido da ação não provém da realidade do sujeito (condição interna), nem do objeto (interna), mas do inter-relacionamento dos dois elementos.
Enfim a percepção é um sentido. Consequentemente, o conceito significativo de ação passou a se identificar com a interpretação social. Deixou-se de falar sobre aquele que atua, mas sim sobre a ideia que a conduta transmite.
A ação passou a ser vista no contexto a que ocorre. Visto que a determinação da ação não depende unicamente da intenção, mas da sociedade, onde é extraído o seu sentido e significado.
Somente seria possível se dizer ação, aos agentes que pudessem ter capacidade de formular e expressar intenções, dando a ela o verdadeiro significado social[7].
Para o referido autor Paulo César Busato[8], não resta dúvidas que a ação tem uma finalidade específica, mas que este fim não seja a determinação da realização da ação e que essa ação deva ser conectada a valores normativos.
O conceito significativo de ação passou a se basear na comunicação da ação, formando um processo cooperativo de interpretações que envolvem participantes nesse contexto.
A ação acaba por ser percebida, mas não se determina. É um fenômeno que se relaciona com a comunicação, entre o sujeito e o meio em que ele vive, adotando a interpretação dessa inter-relação.
Novamente o mesmo autor[9] acima citado, diz que:
Nem todas as condutas são vistas como guiadas por intenções. Algumas ações são vistas como causadas por acontecimentos, á margem do que o autor pretendia. A resposta dos demais a uma ação depende de se a consideram causada ou intencional.
Assim, por meio de um movimento corporal exteriorizado que se muda o mundo. Mas pode-se pelo conceito significativo de ação distinguir o movimento que modifica o mundo, do que movimento que se realiza e põe-se de significado.
Novamente o mesmo autor anteriormente citado diz que:
Evidentemente é distinto o movimento físico em si de estender a mão para cima e este mesmo movimento realizado por um guarda de trânsito ordenando que o fluxo de tráfego se detenha. A ação só pode ter sentido jurídico desde que interpretada em conjunto com seu entorno. ... A ação significativa é portanto, resultado da comunicação[10].
CONDUTA
Sobre a conduta humana, existem vários conceitos sobre a conduta no Direito Penal. A mais típica citada, por autores como por exemplo Damásio E. de Jesus[11], Rogério Greco[12], e Francisco Munhoz Conde[13], é definida como a ação ou omissão humana consciente e dirigida a uma determinada finalidade.
Damásio E. de Jesus, comenta que a conduta tem como características: o comportamento do homem como forma de expressão de sua personalidade, e que essa não pode ser realizada por animais, pois os animais são irracionais, e não possuem consciência para determinarem-se conforme a sua personalidade[14].
Precisa ainda, no Brasil pelo menos, ser pessoa física, porque pessoa jurídica não tem condão de delinqüir.
Também, considera-se como características as condutas externas, que não punem a atividade psíquica, isto é, o que o sujeito tem em mente.
Deve a conduta ser voluntária, a partir de um movimento ou uma abstenção de movimento corporal. Portanto fala-se em conduta quando há uma opção pelo autor do fato. Quando ele pensa
em realizar algo, escolhe os meios e o realiza.
Conforme Damásio E. de Jesus, os elementos da conduta são:
a) ato dirigido a uma determinada finalidade;
b) atuação positiva ou negativa, como forma de manifestação de vontade.
O mesmo autor, diz também que para Welzel haveria a divisão do item “a”, em: objetivo pretendido, meios usados na execução, e conseqüências secundárias da prática; e o item “b” em aspecto psíquico e mecânico ou neuromuscular.
Mesmo com todos esses elementos há, contudo grandes discussões sobre o conceito de conduta. Desde sua concepção no âmbito penal, dentro de todo o seu processo evolutivo, aliado a vários acontecimentos históricos.
Surgiram diversas teorias, e as mais aceitas foram a teoria causal, teoria finalista e a social.
Existem outras, que são adotadas pelo doutrinador Luiz Regis Prado, Fabio André Guaragni (na obra As Teorias da Conduta em Direito Penal) e Paulo César Busato (na obra e Direito Penal e Ação Significativa).
A AÇÃO E OMISSÃO
Paulo César Busato[15] cita que dentro da definição adotada por Claus Roxin, como sendo Hegel “o pai do conceito jurídico de ação Penal”, desenvolveram-se várias outras, tanto para a ação como para a omissão.
A exemplo, de que a ação é todo o comportamento que depende da vontade humana, uma opção e um ato humano voluntário.
Eugenio Raúl Zaffaroni[16] comenta que o cometimento de um ato é o mesmo que realizar a ação, e a omissão é a realização de um não fazer.
Damásio E. de Jesus[17], diz que a “ação é a que se manifesta por intermédio de um movimento corpóreo tendente a uma finalidade”, em que se mostra nos núcleos dos tipos como modo positivo de um agir.
Mas mesmo que um verbo dite um agir positivo, nem sempre o será por ação, podendo ser mediante a omissão.
Fábio Bittencourt da Rosa[18], semelhantemente a Eugênio Raúl Zaffaroni, retrata que a conduta é regulada por normas. Se o sujeito realiza um comportamento que causa modificações no mundo exterior, ele está praticando uma ação. E se deixar de cumprir algo que a norma lhe imponha, fica caracterizada a omissão.
Portanto, se se acaba por modificar o mundo externo não há somente a ação, mas há também a omissão, quando se deixa de fazer algo que se é obrigado a fazer e não faz.
Explica Munhoz Conde[19]: “A direção final da ação se realiza em duas fases: uma externa, outra interna”.
A fase interna, é quando o sujeito pensa, se propõe a determinada finalidade, escolhe os meios para poder atingir o fim e considera os efeitos que podem ser causados. Na fase externa, depois dos meios escolhidos, procede-se a realizar sua meta proposta.
Logo a ação é uma causalidade, um resultado do agir e a omissão do não agir, compelido pela norma ao não fazer, em que a vontade, para a Welzel, implica a uma finalidade voltada a busca do fim.
Crime, sob o enfoque filosófico seria toda manifestação corpórea que causa um resultado violador de dogmas sociais dentro de um contexto normativo previsto previamente.
Mas além de haver conduta, deve-se ponderar que o fato em que ela ocorreu deva ser típico, e também se é contrário ao ordenamento jurídico (antijurídico) para que exista crime. De tal modo, as características do crime, sob conceito formal configuram-se em:
a) fato típico;
b) antijuridicidade.
Ainda dentro do fato típico, também se encontra a conduta humana dolosa ou culposa, o resultado (exceto nos crimes de mera conduta), nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (exceto os crimes de mera conduta), enquadramento material (conduta, resultado e nexo) a uma norma penal incriminadora.
Por conseguinte, a doutrina considera que: O delito é um todo, não podendo ser dividido em partes, como se fosse uma fruta cindida em pedaços. O crime é um fato a que se agregam características. Pode-se falar, então, em requisitos ou características do delito, não em elementos. (p. 153)[20]
Conceitua-se materialmente o crime como sendo o desvalor de uma conduta social, face o bem penalmente tutelado. [21]
O conceito material de crime, para Fábio Bittencourt da Rosa, é pré-jurídico, vez que se traduz em uma conduta que implica em desordem social. Sendo o comportamento danoso, já se demonstra lesão a bens jurídicos da vida. Assim se expressa o autor:
A cultura de uma sociedade, sem dúvida, estrutura-se nos valores por ela eleitos e que dão a razão de ser das reações na vida... Tais valores, por seu lado, moldam as normas de convivência que as expressam, em geral, por preceitos escritos.[22]
Logo, tal definição surge antes da violação\da lei proibitiva. Inicialmente, um comportamento lesivo fere os valores sociais e os bens da vida. Secundariamente, viria a norma para tutelar os sujeitos assim lesionados, e seus bens.
O conceito estratificado ou analítico de crime é elucidado por Eugenio Raúl Zaffaroni como sendo uma sequência analítica de passos sucessivos. Exemplifica que:
Quando queremos averiguar se o que temos diante de nós é uma zebra, antes devemos dispor do conceito geral de zebra, isto é, do conjunto de caracteres que deve ser um ente para ser qualificado de “zebra”. Supondo que este conceito geral é um animal e, só no caso de uma resposta afirmativa, nos perguntamos se seu pêlo apresenta listras de cor mais escura. Não frá sentido que nos perguntemos se um pato (que não responde ao conceito de cavalo) ou uma pedra (que não responde ao conceito de animal), tem pêlo com listras de cor mais escura. As perguntas surgiram em uma certa ordem a partir de um conceito “estratificado”, isto é, de um conceito de “zebra” que tem estratos; que corresponde a um caráter genérico (“animal”) e outros estratos que correspondem a caráter específico (“cavalo” e “listrado”).[23]
Mas porque é denominado esse conceito como estratificado? O autor diz que tal terminologia vem da geologia. Estrato quer dizer “camadas minerais de densidade uniforme que constituem os terrenos sedimentários”.
Eugenio Raúl Zaffaroni diz em relação ao conceito analítico de crime: “são suas características analiticamente obtidas, formando diversos planos, níveis ou estratos conceituais, mas o delito é uma unidade e não uma soma de componentes”.[24]
Na verdade o que interessa para conceitos práticos são os elementos necessários que deva ter uma conduta para ser considerada como delito punível. Desta forma, para se analisar se há crime, se verifica a existência de conduta, a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade[25].
ELEMENTOS DO CONCEITO ESTRATIFICADO DE CRIME
A conduta humana constitui o elemento fundamental e inicial do conceito de analítico do crime.
Segundo o professor Eugenio Raúl Zaffaroni[26] diz que tipo penal é:
...um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente proibidas).
Francisco de Assis Toledo[27] assimila que: “tipo é a descrição abstrata da ação proibida ou da ação permitida”.
Eugenio Raúl Zaffaroni [28] alude que o tipo pertence à lei, como nos tipos penais da parte geral e especial do Código Penal e nas leis especiais.
Considerando que o tipo é uma fórmula legal, que serve para individualizar as condutas que são proibidas por lei.
Ainda faz-se necessário dizer que o tipo é essencial para averiguação dos elementos da antijuridicidade e a culpabilidade, pois sem o tipo não há como se seguir adiante no conceito de crime.
Francisco de Assis Toledo ainda se reporta sobre a existência dos tipos incriminadores, que descrevem a conduta proibida, e os permissivos ou justificadores, que se referem às condutas permissivas.
Tipo e Tipicidade
O tipo não pode ser confundido com a tipicidade, pois são coisas distintas. Isso porque o tipo é uma norma descritiva constante na lei, e a tipicidade é o segundo elemento de averiguação do crime que pertence à conduta. Francisco de Assis Toledo[29] narra que a “tipicidade é a subsunção, a justaposição, a adequação de uma conduta da vida real a um tipo legal de crime”.
Eugenio Raúl Zaffaroni[30] aponta que tipo é a fórmula que descreve a conduta de “matar alguém”, e a tipicidade é a característica da subsunção do tipo. È exemplo do sujeito que mata alguém com o disparo de cinco tiros causando-lhe a morte. Portanto essa conduta é típica, já que possui as especificidades da tipicidade.
As causas que excluem a tipicidade são: o princípio da insignificância, o da adequação social e o erro de tipo.
Elemento Antijuridicidade
Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni[31], a antijuridicidade ou ilicitude não surge do Direito Penal, mas provém de toda a ordem jurídica. Aquilo que é contrário a norma pode ser paralisado por uma permissão que é capaz de aparecer em qualquer área do direito.
Desta forma Eugenio Raúl Zaffaroni[32] elucida que:
A conduta, como caráter genérico do delito, cumpre função de alicerce dentro de sua estrutura teórica, a qual levada à análise dos casos particulares traduz-se em uma função de seleção prévia. Assim, através dela, desde o começo da análise são descartados alguns fatos que não são conduta, e por cuja tipicidade resultaria absurdo interrogar-se, já que se sabe que o tipo traduz uma proibição e o direito só pode proibir condutas.
Por isso, torna-se relevante estudar primeiro a conduta e depois as suas causas de ausência, já que serve de alicerce para a análise dos delitos penais. Ela incide como primeiro filtro na teoria estratificada ou analítica de crime.
Mas o que quer dizer com primeiro filtro? É um primeiro passo a se considerar no conceito analítico de crime, pois dentro da definição de que se tem, separam-se acontecimentos que não propiciam o mínimo exigido para se existir um crime.
Portanto, é de suma importância se verificar a existência do elemento mínimo que configura as ações ou omissões estabelecidas pelo comportamento humano, porque somente aquelas que sejam relevantes é que interessarão ao Direito Penal.
Contudo sabe-se que não basta apenas a conduta, existem outros elementos necessários para se verificar a existência do crime. Isso significa que são utilizados outros meios que servem de filtragens na análise do crime.
Fábio André Guaragni[33] comenta que é um “autêntico método de trabalho consistente na apreciação escalonada dos elementos do crime”.
Primeiramente passa-se pela conduta, depois pela tipicidade, antijuridicidade e por último a culpabilidade.
Cada momento que constitui na definição do crime deve ser visto por “etapas isoladas” e quando verificado esse fenômeno é que se poderá passar por uma nova fase seguinte até chegar ao final, para que se revele o crime.
Continuando, o mesmo autor defende que é tal a importância ao elemento conduta, que aflige também o trabalho do legislador que:
...ao elaborar uma novatio legis incriminadora, tem diante de si um limite intransponível, porquanto só poderá descrever in thesiuma conduta humana tomando por base a estrutura conceitual que lhe seja dada (ou seja, a concepção do injusto jurídico-penal, que, agregado a culpabilidade do agente, conforma os requisitos essenciais do crime)[34].
As excludentes da conduta humana no contexto finalista de ação
Inicialmente, parafraseando o professor César Roberto Bitencourt, na obra Tratado de Direito Penal, vol. 1, Editora Saraiva, 8ª Edição, ano 2004, páginas 151 a 237:
“A simples vontade de deliquir não é punível, se não for seguida de um comportamento externo. Nem mesmo o fato de outras pessoas tomarem conhecimento da vontade criminosa será suficiente para torná-la punível. É necessário que o agente, pelo menos, inicie a execução da ação que pretende realizar.
Do conceito de ação e de omissão devem ficar fora todos os movimentos corporais ou atitudes passivas que careçam de relevância ao Direito Penal, para que, assim, possam cumprir a função limitadora exigida pela dogmática jurídico-penal. Quando o movimento corporal do agente não for orientado pela consciência e vontade não se pode falar em ação. No entanto, não se pode perder de vista que, como lembrava Biagio Petrocelli, o processo volitivo, no quotidiano, aparece “muitas vezes abreviado, ou pela potência impulsiva do estímulo, ou por uma particular intensidade e segurança da deliberação”, ou, ainda, “eliminado pelo hábito, vinculando diretamente a ação à sua idéia”.
Há ausência de ação, segunda a doutrina dominante, nos seguintes casos:
A coação física irresistível
No tocante à coação física irresistível, ou vis absoluta, não há como considerar- se existente uma guiada por um fim. O coato ( ou coagido) não sobredetermina o curso causal a partir de um fim. Ao contrário, serve como instrumento à disposição do coator. Este, sim, tem o controle do curso causal, na medida em que aplica força física sobre o coato e, com isso, logra êxito na obtenção de um fim qualquer. Na situação apontada, em que alguém (coagido) é empurrado contra uma vitrine por um coator, cuja intenção é danificar a loja do inimigo, quem destrói coisa alheia móvel, na forma do art. 163 do CP, é o coator. O coagido funciona como massa física nas mãos do coator, sendo tão instrumental quanto seria uma pedra que fosse atirada contra o obstáculo com o mesmo fim. Daí dizer que, em relação ao coagido, não há conduta humana, do que se dessume impossibilidade de adequação típica de seu papel, que é mera resultante da conduta do coator. Quando a este, há conduta humana e autoria do crime de dano, no exemplo laborado, classifica- se como imediata.
Na coação moral há vontade e, portanto, finalidade, que é o conteúdo da vontade. O que não existe é liberdade na manifestação da vontade, como por exemplo o gerente do banco que subtrai cosais alheias móveis em favor do assaltante que o rende, colocando- lhe um colar e explosivos no pescoço e ameaçando- o com o mecanismo detonador. Esta ausência de liberdade na vontade não se traduz em inexistência da vontade, mas em existência de vontade não censurável, de maneira que o coagido, nesta situação, posto ter praticado conduta humana (atividade dirigida a um fim), pode não ser merecedor de reproche, afastando- se a culpabilidade (hipótese da coação irresistível, aventada no art. 22 CP, acima aludido).
Cumpre observar, ao final do cotejo, que a coação moral pode ser exercida mediante violência física: v.g., o sujeito a quem vão sendo arrancados tufos de cabelo, ou cuja pele é submetida a cortes longitudinais, para que preencha um documento falso. O preenchimento do documento será uma conduta humana, porém não se poderá exigir do agente conduta diversa, na forma do art. 22 do CP. O sujeito não é culpável pela conduta. Somente o coator, na hipótese, responde pelo falso sendo hipótese de autoria mediata.
Ainda, não só a coação física irresistível afasta a conduta humana, como também forças da natureza com o mesmo caráter de irresistibilidade: imagina- se a quebra antecipada vitrine, contra o qual uma pessoa é arremessada por um poderoso vendaval. A irresistibilidade, que caracteriza força maior, neste caso, afasta também a própria conduta humana (obviamente, tendo operado sobre o agente uma força da natureza, não há que se falar de coação). Trata- se, no dizer de Zaffaroni, de uma força física irresistível é uma conduta, e se deve investigar também sua tipicidade, ilicitude e culpabilidade para determinar se há delito.
Os atos reflexos
São situações em que não há intermediação, por parte do cérebro, entre o estimulo e o movimento motor que se lhe sucede. Leciona Jescheck, “o movimento motor ou a falta dele são desencadeados de forma imediata por um estimulo diretamente dirigido ao sistema nervoso”[35].
O ser humano responde a um estimulo mediante atuação do sistema neuromotor obediente ao comando do cérebro. O cérebro lê o estimulo e determina a resposta neuromotora.
Segundo o professor Cézar Roberto Bitencourt[36]:
Movimentos reflexos
São atos reflexos, puramente somáticos, aqueles em que o movimento corpóreo ou sua ausência é determinado por estímulos dirigidos diretamente ao sistema nervoso. Nestes casos, o estímulo exterior é recebido pelos centros sensores, que o transmitem diretamente aos centros motores, sem intervenção da vontade, como ocorre, por exemplo, em um ataque epilético. Com efeito, os atos reflexos não dependem da vontade.
(...)
O conceito finalista de ação já implica uma seleção das condutas humanas que podem ser objeto de valoração pelo Direito Penal. Uma conduta não finalista – força irresistível, movimentos reflexos e estados de inconsciência – não pode ser jurídico-penalmente considerada como uma conduta humana. Enfim, o conceito de ação, na concepção finalista, cumpre uma função limitadora, excluindo todo o movimento corporal ou toda atividade passiva que não respondam ao conceito de ação ou de omissão, que ficam excluídos do âmbito do Direito Penal”.
No caso dos atos reflexos, na há mediação cerebral. É o caso do atleta que, sentado à beira do leito hospitalar, estimulado pelo toque com martelo no joelho, efetuado por um médico, instantaneamente aplica um chute na enfermeira, que estava de costas para o examinando, causando- lhe um leve hematoma. Não há que se coagitar de conduta típica do crime de lesões leves, porquanto sequer há conduta: se não mediação cerebral, não há que se falar de uma finalidade a guiar a atividade do atleta.
Amigos saíram para beber e, altas horas da noite, no interior de um bar, um deles, em pé, inclina- se em direção ao canto do balcão no intuito de pegar uma garrafa de vinho. Outro se aproxima dele e, num gesto repentino dá- lhe forte aperto nos órgãos sexuais, a titulo de pilhéria. Ato continuo, em movimento reflexo, a vitima da brincadeira, provocando –lhe a queda e forte pancada na cabeça, pela colisão com o chão no cimento, após o que fica momentos desacordado e sangramento na testa. Em seguida, porém, recupera- se e é levado para casa, após negar- se a ir a um hospital. Os amigos, pela manhã, descobrem que a esposa encontrara- o morto na calçada, pouco além da fronte da casa, onde fora deixado. A reação corporal diante da pressão nos órgãos sexuais deveu- se “ a um estimulo de um centro sensorial a um motor gerador do movimento corporal”.
O caso interessante porque há uma divisão doutrinária tangente aos atos reflexos puros e aqueles que não tem esta característica. Os primeiros não são controláveis pelo agente, jamais caracterizando conduta humana, a exemplo do vomito os acessos de tosse. Os demais, não puramente somáticos, podem ser contramovimentados, isto é uma contração muscular pode evita- lós (caso do sujeito que, ao volante, espanta uma mosca que repentinamente lhe toca levemente o nariz: trata- se de ato reflexo, fulcrado na relação, sem mediação cerebral, entre estimulo nervoso e reação motora, cuja realização, porém pode ser evitada pela contração muscular orientada a evitar finalísticamente a reação motora). Tratar- se- ia de julgar a possibilidade deste contramovimentado, os atos reflexos- independentemente do duplo tratamento- não serem ações dentro do finalismo.
A coação física irresistível e os atos reflexos, de todo modo, são situações absolutamente distintas de outras duas, que dentro do finalismo, são consideradas condutas humanas. São hipóteses de ação em curto- circuito e automatismos.
Atuação de animais
Conforme salienta ANA KERYMI SANTOS [37] destaca, “concorda Paulo César Busato[38] no sentido de que a doutrina, em geral, nega a existência de ação na atuação de animais, por falta de consciência. Tal negação não se faz tendo em vista a vontade ou a finalidade, mas no sentido de que nas atuações dos animais não há existência de ataque a bens jurídicos”.
Somente será possível exigir o ataque a bens jurídicos daqueles que conseguem reconhecer a existência deles. Não podendo compreender, os animais estão impedidos de tomar uma decisão, v. g., como se os animais pudessem agir com dolo ou com culpa, pela má escolha dos meios. Eles não podem ser submetidos às regras comuns que determinam sentidos numa sociedade, pois são incapazes de identificá-las.[39]
Para que haja a possibilidade de se falar em ação é necessário que no mínimo se tenha capacidade de demonstração de intenções, e que haja compreensão dos efeitos que delas podem decorrer. Se os animais não conseguem mostrar suas intenções, e nem conseguem compreender o significado social disso, não se poderá falar em existência de ação ou omissão por parte deles[40].
Ações em curto-circuito
As ações em curto-circuito[41] são atividades humanas muito velozes, caracterizadas como reações incontidas do agente, “ impulsivas ou explosivas” (Muñoz Conde), ante um estimulo qualquer. O agente é movido por violenta emoção, como no caso do sujeito que, cancelando a viagem de rotina fazer uma romântica surpresa à esposa, surpreende- a nos lençóis com o jardineiro, em pleno ato sexual. A reação violenta furiosa, de sacar a arma de fogo e atirar repetidas vezes, levada a termo pelo marido traído, muito embora se forme em um átimo, é um fazer guiado por um fim. Evidentemente não há, nestes caso, aquele bem planejado passo a passo que caracteriza a antecipação biocibernética do resultado, bem dividida em escolha do fim (1), eleição dos meios com consideração de circunstancias concomitantes (2) e exteriorização do fazer (3). Sustenta Stratenwerth, neste sentido: “Precisamente no Direito Penal se encontraram múltiplos comportamentos quais um alto grau de excitação afetiva ou impulsiva tem o efeito de reduzir a consciência das situações em que se desenvolve obrar ou desnaturam o processo de formação da vontade convertendo- o em um mero “curto- circuito” [42].
É comum dizer que nas hipóteses de ação de curto-circuito, a velocidade da reação humana não permite contramotivação, excluindo-se “as representações contrarias”[43], não é possível “pôr em movimento uma reação que impeça incorrer naquela ação”. Todavia, dentro do finalismo, tais dados não desvirtuam a existência da conduta, pois há finalidade , dirigida de modo consciente embora passional.
Havendo conduta humana, as situações de ação em curto- circuito em regra constituirão objeto de ulterior análise, tocante à dosimetria da pena. Afinal, aos estímulos externos que provocam a impetuosa e descontrolada reação por parte do sujeito ativo podem configurar hipótese de menor censura, que reflete a dosimetria d apena, mediante atenuantes (caso art. 65, III, c, do CP, sob a influência de violenta emoção”) e minorantes ( art. 121§ 1º, e art. 129 §4º ambos do CP- “ sob domínio de violenta emoção”).
No Código Penal brasileiro de 1890 levava à absolvição aquele que houvesse cometido o crime sob grave perturbação dos sentidos.[44]
Os automatismos
No concernente aos automatismos, a discussão sobre a existência de conduta humana é de difícil soluça. Concebidos como produtos de treinamentos, os automatismos são produtos de prévio condicionamento que o ser humano realiza, sem que a atuação tenha que ser trazida ao plano da consciência “ as ações voluntárias mais rápidas (Spigel)[45]. O gesto de caminhar é o exemplo clássico: fruto de um antigo treinamento, torna o homem condicionado à sua realização sem que para tanto lhe seja obrigatório ter consciência de que esta caminhando. Daí Mezger, em antológica definição, ter dito que os automatismos são condutas humanas que se formam abaixo do “ umbral da consciência”.[46]
De fato, durante a caminhada pode o sujeito estar pensando em como resolver dificuldades financeiras, ou conquistar o amor de sua vizinha, sem absolutamente estar consciente de que caminha em direção ao refeitório, após o soar da companhia anuncia o horário do almoço e a interrupção do expediente em uma empresa. A caminhada é inconsciente, podendo todavia, ser trazida ao plano da consciência. O homem que se recupera de um grave acidente, nos exercícios fisioterápicos, v.g., traz o gesto da caminhada a nível da consciência.
Os automatismos de maneira evidente no direito penal, sobretudo quando se coloca em mira os crimes de transito, afinal dirigir é composto de inúmeros automatismos. Produzidos pó intenso e antigo treino, gestos como frenar diante de obstáculos repentinos, parar quando da mudança do sinal para o vermelho, acionar o pisca- pisca momentos antes de cada curva são exemplos de automatismos, ao frear bruscamente o veiculo diante de um cão que atravessa a pista, do qual se percebe de repente, acaba por perder o controle do veiculo e desgraçadamente mata a noiva que o acompanhava ao colidir com poste. Há conduta humana no gesto produtor do evento da frenagem?
Stratenwerth apresenta, no entanto, uma sustentação peculiar para o fato de tratar- se- aqui- de conduta humana. Afirma que os automatismos diferem dos atos reflexos, e que esta diferença radica no conceito finalista de conduta, havendo nos primeiros uma espécie de finalidade inconsciente, pois a conduta pode ser trazida à luz da consciência. Comportamentos inconscientes podem ser finalmente dirigidos, e só na medida em que o sejam, é razoável incorporá-los ao conceito de ação como objeto possível de valoração jurídico- penal.
Fazer final significa finalidade atualizada, e não possibilidade de guiar- se por um fim a conduta que se realizou de modo inconsciente.
O conceito finalista de conduta originário deixa a desejar se a pretensão é de incluir os automatismos como formas de ação humana. É de outra parte, também duvidosa a apelação de Stratewerth para a possibilidade de resultar consciente a conduta humana é inegável que a concepção finalista primeva de conduta humana é muito restritiva no focar- se na finalidade do agente, a ponto de implicar uma exclusão das hipóteses de automatismos como exemplos de conduta humana, tanto quanto caminhar em direção a um local sem estar concentrado neste gesto, a saída apresentada por Stratenwerth escapa aos limite ontológicos da teoria finalista, pois a “possibilidade” de trazer- se à consciência um objeto que não está presente quando da conduta é uma constatação que depende de um julgamento, isto é, operante em universo valorativo.
Há solução dentro do finalismo a exemplo do obstáculo na pista de rodagem ( v.g., um animal), é de ser percebido que a ação do motorista não pode ser identificada no frear, porem no dirigir do veiculo- situação em que frear é apenas ato parcial, componente da ação final m sentido lato de dirigir automotor para algum lugar. Assim, é de se considerar existente a conduta humana de dirigir, guiada por um fim, e situar- se eventual possibilidade de punição na má utilização dos meios- como o dirigir distraído, que leva o agente a frear tarde demais- de modo que eventual morte daí derivada possa ser lhe atribuída sob forma culposa.
Movimentos mecânicos repetidos
Os movimentos mecânicos repetidos como por exemplo aqueles gestos realizados por operários em linha de produção, que realizam movimentação intermitente de uma esteira rolante, por meio de pedais e, em dado instante, deveria imobiliza-la para que sobre ela passe o engenheiro responsável pelo equipamento, mas acaba por move-la, causando- lhe a queda e um ferimento), por serem igualmente guiáveis pela vontade em plano consciente, embora em regra desenvolvam sem necessidade disso ( o nível de consciência pode estar ocupado por outro objeto, como operário que pensa no jogo de seu time a noite). Inserem- se no mesmo tipo de raciocínio utilizado quanto ao automatismos. Aceita-los como condutas humanas há duas saídas. A primeira consiste em manejar o conceito finalista de modo que sejam obrigados também os casos em que a mera possibilidade de condução dos fatores causais, segundo um fim trazido ao nível de consciência, baste para configura-las. Esta solução é inadequada ante os pressupostos filosóficos e ontológicos do finalismo. Situa- se em perceber cada ato repetitivo é, ao lado dos demais atos, compositor de uma ação final de fabricar um componente industrial numa linha de montagem qualquer (operando- se como o exemplo antecipado), de modo que quebra o dever de cuidado aquele que continua a operar o maquinário na presença de pessoas dentro da área fabril, quando tal circunstancia está a impor condução diversa dos fatores causais do fazer final consistente em fabricar um produto. É dizer, há uma finalidade (fabricar o produto) e o mau dos meios (continuar a operar a esteira) leva à produção do evento lesivo, atribuído a titulo culposo, de culpa consciente.
Estados de inconsciência
Os movimentos praticados durante o sono, são contrações musculares, gesticulações derivadas de sonhos, comportamentos praticados sob estado de sonambulismo,, não caracterizam conduta humana. Alguém que sonha estar prestes a cobrar um pênalti e, por conta disso, desfere violento chute na esposa que dorme virada para o lado contrario do leito. Não há conduta humana, pois o fim que guiou o gesto- marcar gol- não atua no mundo físico real, mas num universo onírico alheio à esfera de sentido da existência humana.
Atua sobestado de inconsciência a pessoa que pratica injurias sob delírio febril, como sujeito que dirige impropérios à enfermeira, e aquele que – por conta de convulsões geradas por uma condição patológica qualquer, durante um estado de inconsciência acaba por quebrar um rico ornamento de porcelana. A epilepsia também pode levar a análoga situação, inexistindo ação humana.
Há casos em que a doença mental, como bem aponta Zaffaroni, afasta a conduta humana – e não a imputabilidade, na forma do art. 26 do CP. É tão profunda a psicopatologia que os movimentos motores são espasmos, sem qualquer controle por parte do cérebro, os espasmos produzirem a quebra de um objeto, não há crime de dano por força de ausência de conduta humana, já que a situação fica englobada dentre os casos de inconsciência.
A medida de segurança só está prevista como sanção, para os casos de absolvição impropria, por imputabilidade. Dentro do sistema analítico de crime, isto significa existência de conduta humana (fazer final, no enfoque welzeliano) tipicidade objetiva e subjetiva (isto no caso de crimes dolosos, de modo que o sujeito deverá conhecer e querer o evento objetivo-dolo direto de primeiro grau) ilicitude e ausência de culpabilidade e ausência de culpabilidade por incapacidade de compreensão do caráter ilícito da conduta e/ou de autodeterminação segundo este entendimento (inimputabilidade). A contrario sensu, impossível impor a medida de segurança se a absolvição é própria, ou seja, se não há crime porque não há conduta humana.
A psicopatologia mais profunda, que em determinados casos pode adotar o agente de maior periculosidade (dentro do discurso positivista que deu matriz às medidas de segurança) não será objeto de controle estatal voltado à prevenção especial.
A hipnose
Ser dominante a opinião da existência de conduta humana, negando possa ser considerado sob estado de inconsciência o hipnotizado teoricamente não esteja excluída a possibilidade de que o hipnotizador cheque a dominar totalmente o hipnotizado, sobretudo se este é de fraca constituição surgindo, neste caso, uma situação muito próxima da força irresistível.
A sustentação da existência de conduta humana, para alguns, situa- se no fato de o hipnotizado jamais praticar condutas contrarias ao seu caráter. Por exemplo, não matará mesmo que o hipnotizador apresente- lhe esta ordem, se tal tipo de conduta contrariar sua índole.
“Era pacifica a personalidade do agente, mas praticou o homicídio mediante hipnose, caso em há conduta, pois teve que superar a barreira da personalidade”.
Não ser pode falar de inconsciência se os atos praticados neste estado são, inclusive, objeto de registro mnemônico (daí o expediente de hipnose forense). A liberdade de escolha do fim é problema a ser discutido na culpabilidade, já que o grau de domínio do hipnotizador sobre o hipnotizado ode tolhê-lo quanto à capacidade de agir de acordo com a norma.
A embriaguez
A embriaguez pode levar a absoluta ausência de conduta na hipótese do estado comatoso. Já nos casos de embriaguez incompleta de primeira fase (fase de euforia), ou completa de segunda fase (fase depressiva), são situações em que há deliberação de finalidade: acaso esteja absolutamente tolhida a dirigibilidade do curso causal, não há conduta humana, porem sendo possível esta governabilidade, há conduta ( como no caso de andar em ziguezague). A letra do art. 28, II do CP, que taxativamente afasta a isenção de pena (leia- se a inculpação, ou o afastamento da culpabilidade) nas hipóteses de crimes cometidos por agentes sob influência de embriaguez voluntaria e culposa, numa redação, que pontuada pela adoção de um critério de responsabilidade puramente objetiva,[47] faz tabula rasa da possibilidade, em alguns casos, a embriaguez levar à falta de conduta humana ( ou seja, casos em que sequer se chegaria a analisar o estrato da culpabilidade).
A problemática da Inconsciência Pré-Ordenada ou Involuntariedade Procurada
Questão tormentosa é a da inconsciência pré-ordenada ou da involutanriedade procurada. Tal situação ocorre quando um sujeito, querendo praticar um ato lesivo, por qualquer motivo não consegue realizá-lo ou algo que não queira fazê-lo conscientemente, acaba se submetendo a um estado prévio de inconsciência. Explana Eugenio Raúl Zaffaroni, que esse é aquele indivíduo que procura por um estado de incapacidade psíquica, para realizar uma conduta, que poderá vir a ser típica dependendo das circunstâncias postas.[48] O exemplo que Fábio André Guaragni[49] fornece, é o da mãe que não tem coragem de matar o filho, mas dorme junto dele, esperando que inconscientemente acabe sufocando-o. Se o matar será processada por homicídio, mesmo que no exato momento da morte estivesse sem conduta.
Assim o autor faz menção à teoria da actio libera in causa, em que se verifica o conhecimento e da vontade (dolo) no início do elo causal (caso que a mãe decide em ir dormir para conseguir matar o filho)[50]. Eugenio Raúl Zaffaroni[51] interpreta que, nesses casos, a conduta de procurar estar em fase de incapacidade é causa direta do resultado lesivo, pois o sujeito com o auxílio “de seu corpo como se fosse uma máquina, pôs-se a isso. As soluções são as mesmas para casos de indivíduos que se colocam sob o efeito de uma força física irresistível.
Conclusão
O direito penal não pode ser afastado da política criminal adotada pelo Estado, pois é ela que guiará o intérprete a saber qual é o contexto de punibilidade da ação praticada pela pessoa. O estudo do direito penal deve ser crítico e não divorciado da criminologia quanto às normas incriminadoras criadas, para que o ordenamento jurídico adotado represente as regras escolhidas pela sociedade para permitir um controle social, capaz de permitir uma vida em coletividade. Os bens jurídicos protegidos devem ser essenciais para um controle tão severo, senão devem ser tratados por outros ramos do direito, tendo-se então um direito penal mínimo.
Segundo ALINE KERYMI SANTOS[52] “a teoria da ação significativa tem o condão de demonstrar que o direito não pode ser estudado apenas teoricamente, afastado da chamada política criminal. O direito penal deve se ater ao estudo crítico da teoria e da aplicação prática”.
A autora continua: “Não é essencial criar um conceito teórico de conduta que se adeque a todas as situações do dia a dia, mas sim criar um entendimento da necessidade de entender o significado que a ação praticada transmite ao meio social”.
A interpretação do significado é utilizada na prática para entender qual era a finalidade do autor ao praticar a conduta, pois não é possível invadir o seu íntimo, para saber o que pensava e o que desejava, restando ao jurista interpretar o significado transmitido pelos gestos e fatos no contexto existente. Essa teoria entende que o mais importante é compreender a ação praticada dentro do contexto em que ocorre, interpretando a ação através de um canal de comunicação, que é baseado nas regras de convivência social. Eles não têm um apego exagerado em explicar a conduta ou a ação, mas sim de entendê-la, pois é essa a utilidade do direito penal, compreender a ação praticada pelo indivíduo dentro daquela sociedade e em determinada época.
O significado da ação pode variar de acordo com o contexto, por isso, ela não pode ser estudada longe do meio e da comunicação transmitida.
Após a análise do conceito finalista de conduta/ação e adoção do conceito significativo de ação proposto por Paulo Roberto Busato, haverá exclusão da conduta humana nos casos de coação física irresistíveis (vis absoluta); atuação de animais, salvo quando instrumento da vontade de quem os porta; estados de inconsciência, salvo os casos de hipnose que são controversos na doutrina;
Os movimentos reflexos, os automatismos e/ou as ações rotineiras que em razão de uma aprendizagem baseada na repetição se faz automaticamente, como no caso se apertar a embreagem de um carro, trocar de marcha, acelerar e arrancar com o veículo, há grande divergência doutrinaria se estaríamos ou não diante de uma situação excludente da conduta humana.
Ademais, para rememorar, as excludentes da conduta humana admitidas pela doutrina e jurisprudência, assim como as que excluem a tipicidade penal (forma e material) são:
a) Caso fortuito e força maior – exclui a conduta.
b) Hipnose – exclui a conduta.
c) Sonambulismo – exclui a conduta.
d) Movimento reflexo – exclui a conduta.
e) Coação física irresistível – aquela que exclui o controle dos movimentos do corpo – um empurrão por exemplo. – exclui a conduta.
f) Erro de tipo inevitável, invencível, escusável – exclui tanto o dolo, quanto a culpa – torna o fato atípico. Já o erro de tipo evitável, vencível ou inescusável somente exclui a tipicidade dolosa, mantém, se previsto em lei, o crime culposo.
g) Arrependimento eficaz e desistência voluntária – são excludentes de tipicidade mediata da tentativa, permite que o agente seja punido pelo que ele causou. Por exemplo: tinha o dolo de matar, iniciou os atos executórios, desistiu e com isso não houve a morte. Não responde por tentativa de homicídio, mas por qualquer resultado que a vitima tenha sofrido, como uma possível lesão corporal.
h) Crime impossível – exclui a tentativa quando por ineficácia absoluta do meio ou absoluta impropriedade do objeto o crime jamais se consumaria. Não há qualquer punição.
i) Princípio da insignificância – embora o fato esteja formalmente previsto em lei, não será típico materialmente, pois não houve lesão grave para o bem jurídico tutelado. O fato é atípico.
A solução apontada pela doutrina portanto, é a de que se deve analisar isoladamente cada caso para perquirir se o agente estava ou não diante de uma situação em que o ato foi praticado por movimento reflexo, movimento automatizado ou ação rotineira puros e capazes de excluir a responsabilidade pelo ato. O contexto do fato é que guiará o julgador ou intérprete para dizer se há ou não há conduta.
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