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A incidência do ICMS nas importações

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

Parte III
A relação entre Valoração Aduaneira e a tributação interna

O objetivo da valoração aduaneira é determinar, segundo certos princípios e critérios técnico-legais, o valor de uma mercadoria para fins de incidência do Imposto de Importação e, com certeza, de todo e qualquer encargo baseado no Valor Aduaneiro, inclusive o ICMS e o IPI.

Antes, porém, de discorrer sobre sua aplicabilidade enquanto método de determinação da base de cálculo de quaisquer tributos que incidam sobre importações, convém lembrar que sua adoção, no plano do direito positivo interno, deu-se através do Decreto Legislativo nº 30, de 15 de dezembro de 1994 que aprovou a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais do GATT, assinada em Marraqueche em 12 de abril de 1994. Ratificado em 21 de dezembro de 1994 foi promulgado pelo Decreto nº 1.355/94 cujo artigo 1º dispõe:

"Art. 1º - A Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém."

Dentre outros instrumentos de caráter internacional, incorporados ao direito interno, figura o Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, 1994.

Dita o parágrafo 1 do artigo VII do GATT;

"1.As partes contratantes reconhecem, no que se refere à determinação do valor em Alfândega, a validade dos princípios gerais que figuram nos parágrafos adiante do presente artigo e elas se comprometem a aplicá-los no que diz respeito a todos os produtos sujeitos a direitos alfandegários ou a outras tributações - ou restrições a importação e a exportação fundados no valor ou função em qualquer forma do valor......."

Nota 1: Algumas versões empregam o termo "imposições" ao invés de "tributações".

Destaco, do excerto acima reproduzido, que os países signatários devem, à força do compromisso assumido, aplicar a metodologia do Acordo aos direitos aduaneiros e a outras imposições fiscais nele baseados.

Trata-se de um princípio ou de um critério, como seja o Critério de Aplicabilidade da Metodologia do Acordo à Base de Cálculo dos Direitos Alfandegários e a Quaisquer Encargos Baseados no Valor Aduaneiro, sobre o qual tive oportunidade, na trilha de Eduardo Raposo de Medeiros (in-"O Direito Aduaneiro, sua vertente internacional", Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, 1985), em tecer os seguintes comentários:

"A sistemática de valor aduaneiro, consoante esse critério, aplica-se à determinação dos direitos aduaneiros, assim como a outras formas de imposição que nele se fundamentem. Veda, por conseguinte, a utilização de outros métodos ou formas de determinação da base de cálculo que se afastem dos parâmetros do Acordo, mesmo que indiretamente. Assim, não é aceitável que a base de cálculo de qualquer incidência tributária, encargo ou gravame, que adote o conceito de valor aduaneiro como suporte de incidência, possa incluir rubricas não contempladas no Acordo sobre o valor". (O Valor Aduaneiro, Ed.Aduaneiras, 1996)

Silvana Bussab Endres (em tese de Mestrado (PUC/SP), ainda inédita), examinando o assunto à luz dos dispositivos constitucionais assim se pronuncia:

"A partir da nova Carta Magna, o país efetivamente passou a se preparar para adotar, na prática, os critérios estabelecidos com os outros países signatários do GATT, no Acordo de Valoração Aduaneira, para a apuração do valor aduaneiro - conceito que incorpora o princípio de que o valor de uma mercadoria é função de seu preço de venda, em condições de livre concorrência -".

"Destarte, em face do Acordo de Valoração, que prevê a base de cálculo para o Imposto de Importação e estabelece quais os critérios para sua determinação, não mais se justificaria que o Poder Executivo pudesse proceder a alterações nesta sistemática convencionado pelo país a nível mundial e utilizada por todos os países membros da OMC. A utilização da base de cálculo prevista no Acordo de Valoração, é a nosso ver, pressuposto de integração econômica do país com o resto do mundo, visto que se trata de critério adotado por todos os membros da OMC visando regrar de forma uniforme o chamado valor aduaneiro, que serve de base tributária para todos os tributos incidentes na importação de forma a facilitar e, com isso, incrementar o comércio internacional."

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As rubricas de custo, suscetíveis de compor a base de cálculo dos impostos incidentes nas importações são os relacionados taxativamente no artigo 8 do Acordo e dizem respeito ao valor de transação da mercadoria (valor mercantil, valor de venda), devidamente ajustado.

Por ora limito-me a observar que a submissão de toda e qualquer base de cálculo tributária relativa a impostos que incidam sobre as importações, como o IPI e o ICMs (no caso brasileiro), visa evitar que os Países signatários venham a burlar o Acordo pela manipulação das bases de cálculo dos impostos que se agregam ao Imposto sobre a Importação. Tal princípio encontra-se expresso, claramente, nas disposições do artigo VIII do GATT:

"Art.VIII - I) a) - Todas as rendas anuais e tributações de qualquer natureza, que não os direitos aduaneiros e as taxas do artigo III, percebidas pelas partes contratantes quando da importação ou da exportação serão limitadas ao custo aproximado dos serviços prestados e não deverão constituir uma proteção indireta dos produtos nacionais ou das taxas de caráter fiscal na importação ou na exportação".

Significa, meridianamente, que o Acordo não veda outras incidências que eventualmente recaiam sobre as importações, mas exige que, em havendo tal, a base de cálculo adotada seja o valor de transação ajustado. E, de fato, se a carga tributária total for de 20% esta há de incidir sobre a mesma base de cálculo dos direitos aduaneiros, por exemplo, 20% de R$ 1.000,00 = 200,00 (20%). Não é aceitável que esses vinte por cento se distribuam parte sobre o valor e parte sobre valores arbitrários, como, por exemplo, 10% sobre R$ 1.000,00 e 10% sobre R$ 2.000,00, porque aí estar-se-ia aplicando uma proteção suplementar de R$ 100,00 o que alteraria a carga tributária global de 20% para 30%.

Por isso que o Artigo VII, parágrafo 2 (a) do GATT, preceitua;

"(a) O valor aduaneiro das mercadorias importadas deverá basear-se no valor real da mercadoria importada a que se aplica o direito, ou de uma mercadoria similar e não o valor dos produtos de origem nacional ou valores arbitrários ou fictícios."

Além do mais é importante perceber que no particular universo do comércio internacional o vendedor há de ter informações confiáveis quanto à formação do custo final da mercadoria no país importador, raciocínio tanto válido para exportadores estrangeiros quanto para os brasileiros. Uma dessas variáveis, é, sem dúvida, a carga tributária global exigida no país do comprador.

Nesse sentido opera a regra do mesmo artigo VII, 5, a qual não apenas reitera o critério de basear todo e qualquer imposto sobre a mesma base impositiva, como também permitir o conhecimento da carga fiscal por parte dos operadores econômicos.

"5. Os critérios e os métodos, que servem para determinar o valor dos produtos sujeitos a direitos aduaneiros ou a outras imposições ou restrições baseadas no valor ou fixados de algum modo em função deste, deverão ser constantes e objeto de publicidade necessária para permitir aos comerciantes calcular o valor aduaneiro com suficiente aproximação".

Em suma, o Acordo Valorativo e as regras do GATT preconizam que a proteção a uma dada economia só é admissível através da Pauta Aduaneira. Tributos internos que venham a recair sobre operações de importação haverão de adotar como base de cálculo o valor de transação de modo a não se introduzirem, pela via indireta, distorções à Pauta Aduaneira avençada.


Parte IV

Prevalência dos Tratados e Convenções sobre a legislação tributária interna

Indubitável que a adoção, no plano do direito interno, do Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT - 1994, atendeu os postulados constitucionais. Foi editado o Decreto Legislativo nº 30/94 aprovando a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais do GATT, assinada em Marraqueche em 12 de abril de 1994, texto promulgado, com força executória, pelo Decreto nº 1.355/94.

Incluído, na referida Ata Final, o Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT, 1994, constante de seu anexo 1, em razão do qual foi baixado o Decreto nº 2.498/98, dispondo sobre sua implementação.

Essa última norma, de caráter eminentemente processual, inaugura no plano do direito interno a valoração aduaneira, ou seja, adota a metodologia valorativa preconizada no Acordo, de modo que toda e qualquer importação há de ter sua base de cálculo determinada segundo esse parâmetro legal para os efeitos de incidência dos direitos alfandegários.

Ocorre, como vimos anteriormente (vide terceira parte, publicada em ) que o Acordo, à força do Artigo VII, 2 (a) e VII parágrafo 5, exige que o valor de transação (ou do preço efetivamente pago ou a pagar) seja igualmente adotado como base de cálculo de outras imposições que incidindo sobre operações de importação sejam baseadas no valor ou fixados de algum modo em função deste, caso evidente do ICMs.

Sendo assim e uma vez atendidos os requisitos de constitucionalidade restaria verificar, no plano do direito positivo interno, se as normas baixadas pela União Federal co-obrigam os Estados Federados.

A esse ponto conveniente será recorrer ao magistério de J.F.Rezek (in-"Direito Internacional Público, 2a.Edição, Ed.Saraiva, 1991), o qual ao ponderar sobre a Prevalência dos tratados sobre o direito interno infraconstitucional, assim se expressa:

"Não se coloca em dúvida, em parte alguma, a prevalência dos tratados sobre leis internas anteriores à sua promulgação. Para primar, em tal contexto, não seria preciso que o tratado recolhesse da ordem constitucional o benefício hierárquico. Sua simples introdução no complexo normativo estatal faria operar, em favor dele, a regra "lex posterior derogat priori". A prevalência de que fala este tópico é a que tem indisfarçado valor hierárquico, garantido ao compromisso internacional plena vigência, sem embargo de leis posteriores que o contradigam." (grifei)

Aliomar Baleeiro (in-"Direito Tributário Brasileiro", 10a.edição, Ed.Forense, 1986), a propósito dos comentários ao artigo 98 do CTN (Lei 5.172/65), pelo qual "Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observadas pela que lhes sobrevenha", em concisa definição - e no mesmo sentido - esclarece que; "O artigo 98 do CTN expressa a hierarquia do tratado sobre a legislação tributária antecedente ou superveniente".

Segundo Silvana Bussab Endres (tese de mestrado, inédita,PUC/SP);

"As normas dos tratados que tratam de matéria tributária ocupam um lugar especial no ordenamento interno. Devem obediência às normas constitucionais, não podem ser revogadas pelas leis internas posteriores e revogam as leis que lhes são contrárias, (art.98 do Código Tributário Nacional). Esse entendimento decorre da análise sistemática de todas as normas constitucionais que cuidam da questão dos tratados internacionais e de norma do Código Tributário Nacional, que o confirma.

Senão vejamos:

Dispõem sobre a matéria de forma direta ou indireta os seguintes dispositivos da Carta Magna: a) artigo 4º, inciso IX e seu parágrafo único, que estabelecem a forma como a República Federativa do Brasil deve reger suas relações internacionais visando a cooperação entre os povos e a busca da integração econômica, política, social e cultural com os povos da América Latina; b) artigo 5º, parágrafo 2º, que dispõe que os direitos e garantias previstos na Constituição não excluem outros decorrentes de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte; c) artigo 21, inciso I, que estabelece competir à União manter relações com Estados estrangeiros; d) artigo 84, inciso VIII, que dispõe ser competência exclusiva do Presidente da República celebrar Tratados sujeitos ao referendo do Congresso; e) artigo 49, inciso I, que dispõe que os tratados que acarretem compromissos gravosos ou encargos ao patrimônio nacional serão resolvidos definitivamente pelo Congresso; f) artigo 102, inciso III, que estabelece que o Supremo Tribunal Federal decidirá sobre a inconstitucionalidade de Tratado ou lei federal em grau de recurso extraordinário; g) e o artigo 105, inciso III, que dispõe que cabe ao Superior Tribunal de Justiça decidir em grau de recurso especial sobre decisão que contrariar tratado ou lei federal."

Não padece duvidar, com base nesses assentos, que os tratados prevalecem sobre normas de direito infraconstitucional, inclusive, de caráter fiscal, mormente quando atendidos os requisitos constitucionais de forma e substância. Baixada a lei nova - Decretos 1.355/94 e 2.498/98 - prima o princípio de que a lei nova derroga a anterior (lex posterior derogat priori), bem como que aos compromissos internacionais há de se garantir plena vigência, sem embargo de leis posteriores que o contradigam (pacta sunt servanda).

Assim é que, no âmbito federal, foram revogadas as sistemáticas anteriores à regra valorativa. No estadual, porém, permaneceu-se fixado num plano de autonomia tributária, de modo que os Estados da Federação continuaram - e continuam - a legislar sobre a determinação da base de cálculo do ICMs incidente sobre as operações de importação.

No entanto, dita o artigo 24 da Constituição que:

"Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal, legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.; (grifei)

...........................

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais;

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados;

§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender suas peculiaridades;

§ 4º - A superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. (grifei)

Pareceria que as leis federais aqui tratadas tem esse caráter de norma geral requerido pelo mandamento constitucional, uma vez que dispõem sobre a base de cálculo dos tributos que, independentemente da competência tributária, incidem sobre as importações, entre eles o ICMs.

Tenho, em razão do aqui exposto a convicção de que as leis estaduais e federais (ICMs e IPI) que normatizam a base de cálculo desses tributos sobre as importações, encontram-se derrogadas pelos Decretos 1.355/94 e 2.498/98, bem como de que o Acordo de Valoração prevalece sobre as normas de direito interno porventura editadas após a promulgação daquele.

Em assim sendo pode-se, finalmente, estabelecer uma sistemática de cálculo que preserve os objetivos da política comercial externa, de modo que o Imposto de Importação obedecerá, para sua determinação, uma equação do tipo: I.I = valor aduaneiro x % do I.I; O IPI e o ICMS terão como base de cálculo o Valor Aduaneiro (o valor que serviu de base ao cálculo do I.I.) acrescido do I.I., e multiplicado por suas respectivas alíquotas. (IPI=Valor aduaneiro x % IPI e ICMS=Valor Aduaneiro x % ICMS).

Nem se dirá, coerentemente, que a determinação baseada no Acordo de Valoração produzirá grandes perdas arrecadatórias aos Estados da Federação, até porque, se recuperarão à medida que o bem entre em circulação comercial, quando então se nivelam aos bens da lavra nacional. A única perda perceptível decorre da não realização de receitas antecipadas e da não inclusão, considerando-se a atual forma de cálculo, de rubricas não contempladas no Acordo Valorativo.

Alerte-se, todavia, que a questão levantada nesta série de artigos visa acrescer subsídios temáticos à incidência do ICMS nas importações, limitando-se a demonstrar que a base de cálculo de quaisquer impostos "vinculados" às importações deveriam jungir-se ao modo de cálculo disposto pelo Acordo de Valoração, assunto que, evidentemente, carece de maiores aprofundamentos.

Sobre o autor
Roosevelt Baldomir Sosa

diretor e consultor da Sosa Aduana e Comércio Exterior

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOSA, Roosevelt Baldomir. A incidência do ICMS nas importações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3484. Acesso em: 26 nov. 2024.

Mais informações

Este artigo foi publicado originalmente no site www.sosa.com.br

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