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O monitoramento do correio eletrônico no ambiente de trabalho

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

XII- Jurisprudência estrangeira

No direito comparado podemos constatar um avanço considerável no quer diz respeito regulamentação e até mesmo jurisprudência envolvendo questões trabalhistas veiculadas a informática, como é o caso de recente decisão da Sala Social do Tribunal Superior de Justiça Catalunya composta pelos doutores. José Quetcuti Miguel, Francisco Javier Sanz Marcos e Rosa Maria Virolés Pinõl no processo de número 4854/2000 onde tiveram a oportunidade de julgar uma caso envolvendo a "informatização da demissão".

Entenderam os julgadores que o envio por parte do empregado sem autorização da empresa de 140 mensagens (e-mail´s) a 298 destinatários de natureza obscena, humorística e sexual a terceiros e a outros colegas de trabalho alheios a sua função gera demissão do empregado sem direito a indenização e salários em tramite e absolvição da empresa.

Uma das justificativas para a decisão colegiada é a de que o empregado concorreu em incumprimento de sua real prestação de serviços uma vez que a empresa demandada só permite a utilização deste sistema de comunicação por motivos de trabalho.

O trabalhador ao utilizar dos meios informáticos por conta da empresa em grande número de ocasiões para fins alheios a sua atividade e comprometendo a atividade laboral de outros empregados, transgrediu a boa-fé contratual, violando os deveres de conduta e cumprimento dos deveres de boa-fé contratual que se impõe ao trabalhador.

No presente caso a natureza e características do ilícito descrito supõem uma clara infração dos deveres de lealdade laboral que justificam a decisão empresarial de extinguir o contrato de trabalho.


XIII- Informatização da demissão

Como podemos perceber já existem discussões na doutrina e jurisprudência sobre o assunto que necessitam de uma grande evolução para conseguir uma correta e justa aplicação do direito posto e preferencialmente do direito que deve ser legislado de maneira específica. Porém enquanto não somos brindados com a normatização específica podermos utilizar aplicando o princípio da subsidiariedade as normas da CLT com vistas a impedir arbitrariedades ou atos contrários ao direito seja por parte do empregador seja por parte do empregado.

Só para que tenhamos uma pequena idéia da importância do assunto podemos constatar que em quase todas as faltas graves mencionadas na CLT podem ser ocasionadas pelo manuseio das máquinas eletrônicas senão vejamos uma por uma por meio de exemplos:

Art. 482 da CLT, práticas que ensejam a justa causa para rescisão do contrato pelo empregador:

a) ato de improbidade- furtar programa desenvolvido pela empresa ou desviar o pagamento de salário dos funcionários para conta corrente do autor do delito;

b) incontinência de conduta- divulgar no site da empresa ou enviar a outros funcionários fotos de natureza sexual; ou mau procedimento- enviar de spams (mensagens não solicitadas);

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregado, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço- quando o empregado se utilizar dos produtos da empresa, bem como de seu site para venda de produtos de outra empresa;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena- no caso do empregado ter sido condenado por pedofilia praticada via internet;

e) desídia no desempenho das respectivas funções- no caso do empregado permanecer horas navegando na internet e prejudicando seus serviços além do prejuízo material para empresa;

g) violação de segredo da empresa; quando o empregado utilizar os meios eletrônicos para violar documentos secretos que não podem ser divulgados sob pena de causar prejuízos ao empregador.

h) ato de indisciplina quando o empregado utilizar o e-mail para fins pessoais mesmo sabendo que existe no regulamento de empresa norma que o proíbe da prática ou de insubordinação no mesmo caso quando o chefe imediato ordena a desconecção do empregado da internet.

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem- quando tais ofensas são instrumentalizadas via e-mail ou em sites da internet;

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k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem- da mesma forma da alínea j quando tais ofensas são instrumentalizadas via e-mail ou sites da internet;

l) prática constante de jogos de azar- jogo de cartas disponível em programa de computador e praticado em horário de expediente pelo empregado.

Tais punições devem ser estabelecidas pelo empregador desde que comprovadas e seguindo a mesma orientação de nexo causal sendo expedidas de forma atual e proporcional ao ato praticado pelo empregado para que possa receber a chancela de validade por parte do judiciário trabalhista, observando, é claro, os meios de apuração de faltas cometidas pelo empregado via e-mail de maneira que não interfira no direito de intimidade e privacidade do empregado.


XIV- Direito Comparado

Nos resta indubitável que o uso desenfreado e abusivo pelo empregado do e-mail fornecido pelo empregador é uma prática condenável. Por isso precisamos de regras claras que direcionem essas questões para que não tenhamos que presenciar arbitrariedades de ambos. Como já salientamos, todas propostas no sentido de vedar ou permitir irrestritamente o uso do correio eletrônico são consideradas extremas, ineficazes e inúteis. O que necessitamos são de regras que sejam pautadas no respeito, proporcionalidade e principalmente equilíbrio na utilização dos aparatos eletrônicos.

No Reino Unido, por exemplo já existe forma legal a polêmica questão da intervenção do correio eletrônico dos trabalhadores as chamadas Lawful Business Pratices Regulations, em desenvolvimento da Regulation of Investigatory Powers Act 2000. Esta norma autoriza a empresa a controlar, interceptar e gravar qualquer chamada telefônica, correio eletrônico ou a navegação pela internet, sem anuência do trabalhador, sempre que a finalidade de tal interceptação esteja determinada em algum preceito legal

Esse procedimento legal como era de se esperar trouxe a baila uma série de discussões por trazer dispositivos que vão de encontro com normas superiores a nível internacional como o artigo 8 (direito a privacidade) da Convenção Européia de Direito Humanos, que foi integrada ao ordenamento jurídico britânico (Human Rigts Act), como a normativa vigente de proteção de dados (Cata Protection Act). Las Lawful Business Practices Regulations.

Na Gran Bretaña a Regulation of Investigatory Powers Act 2.000, vigente desde 24 de outubro permite o acesso do correio eletrônico do empregado utilizado de forma indevida (uso não autorizado) pelo empregador.

Na França no caso Tareg Al Baho, Ministere Public / Francoise V, Merc F et Hans H o Tribunal Correcional de Paris condenou os demandados (Diretores da Escola Superior de Física e Química Industrial de Paris) por violação do segredo de correspondência do demandante, porque suspeitaram que o mesmo estava sendo usado para fins pessoais, pois que a Justiça Francesa entende que as contas de correio eletrônico estão amparadas pelo segredo de correspondência.

Na Bélgica o Tribunal do Trabalho de Bruxelas proferiu sentença em 02 de maio de 2000, baseado no artigo 8º do Convênio Europeu de Direito Humanos, entendendo que o envio de correio eletrônico pessoal enviado da empresa pertence a vida privada do trabalhador, considerando que o mero atestado do número de correios, seu tamanho e seu caráter privado, são dados suficientes para proceder a sansão sem necessidade de intervir no conteúdo do mesmo.

Na Holanda a lei de proteção de dados pessoais de 2001, permite o monitoramento das atividades eletrônicas dos trabalhadores desde que haja a participação do sindicato ou representante dos trabalhadores para acompanhar ou elaborar o sistema de controle. Assim mesmo obriga a empresa a fazer publicas suas metas de controle aos trabalhadores.

No Japão em agosto do ano de 2000 entrou em vigência a lei de intercepção das comunicações, pela qual permite o acesso dos correios eletrônicos no curso da investigação de crimes sérios, como o assassinato, dentre outros

Os Estados Unidos da América conta com leis de proteção como: The federal Wiretapping Act y Electronic Communications Privacy Act de 1986 que proíbe a interceptação de comunicações eletrônicas, porém permite excessões como a dada através do consentimento do afetado. Muitos Estados tem adotado leis similares a esta lei federal como o Estado de Maryland e o da Flórida, que requerem o consentimento de ambas as partes antes de que o empregador possa vigiar o correio eletrônico. Assim a jurisprudência americana tem resolvido na maioria dos casos a favor do monitoramento do correio eletrônico pelas empresas.

No Brasil não possuímos regulamentação legal da matéria. Temos conhecimento apenas de algumas decisões sobre o assunto dos Tribunais do Trabalho de São Paulo e Brasília passíveis de comentários anteriores de maneira específica.

De todo o demonstrado devemos entender que não podemos, principalmente em matéria jurídica dar soluções as questões virtuais de forma radical, concordamos com o autor espanhol

Villahermosa quando assevera que o segredo das comunicações não deve ser tratado e aplicado da mesma forma com o correio eletrônico na esfera trabalhista. Não podemos dizer que o trabalhador possa utilizar indiscriminadamente o e-mail para fins pessoais (salvo o que diz respeito a teoria do usos social do e-mail), porém tampouco o empresário pode proibir radicalmente seu uso. O mais aconselhável é que seja estabelecido um espécie de "Código de Conduta" para a utilização do e-mail no ambiente de trabalho com instruções claras, regras de uso do e-mail, consultas e mesas redondas com os representantes dos sindicatos dos trabalhadores, etc...

O monitoramento deve seguir uma espécie de caminho que leve ao conhecimento do conteúdo do e-mail em último caso e desde que existam suficientes indícios de conduta ilegítima por parte do empregado. Nosso entendimento vai de encontro com o de Villahermosa [19] quando diz que uma coisa é o controle do "assunto" ou "destinatário" da mensagem e outra, bem diferente é acessar indiscriminadamente o conteúdo das mensagens salientes ou estranhas. O acesso ao conteúdo deve ser restrito e conhecido somente quando conduza irremediavelmente a um possível ato ilícito ou que enseje uma das modalidades de falta grave prevista na Consolidação das Leis do Trabalho. Aconselhamos sempre que seja evitado o conhecimento do conteúdo do correio eletrônico recorrendo-se primeiramente para a certificação da falta grave através das verificação do "subject" ou o "destinatário" do mesmo, para que mediante suspeitas seja adentrado no seu conteúdo para a comprovação dos indícios sugeridos.

Somos favoráveis a criação de leis que estabeleçam normas para a utilização do e-mail, porém não podemos conceber que uma norma dê total liberdade a uma parte restringindo o direito das demais. Não podemos nem permitir o uso irrestrito do e-mail pelo empregado e muito menos permitir em qualquer hipótese o monitoramento por parte do empregador. Devemos nos pautar como já salientamos em soluções mais equilibradas e de respeito aos direitos dos atores sociais.


XV- Diretrizes para utilização dos meios eletrônicos no ambiente de trabalho

Aqui limitaremos apenas a estabelecer abaixo normas e diretrizes que auxiliem o sindicato, a empresa e o trabalhador a lidar com a utilização dos meios eletrônicos evitando assim a criação e perpetuação de situações difíceis de serem resolvidas uma vez estabelecidas. Assim indicaremos tais diretrizes com uma espécie de prevenção de futuros litígios. Utilizando dos ensinamentos do Prof. Rodríguez-Piñero[20] o conteúdo do Código de postura seria disposto da seguinte forma:

A) Comunicação sindical

1- O Comitê de empresa, o sindicato e seus representantes tem o direito de acessar as ferramentas informáticas da empresa e utilizá-las para suas atividades asseguradas na Constituição Federal de 1988 e na Consolidação das Leis do Trabalho, tanto de maneira interna como externa.

2- Isto inclui o direito de enviar informação ao sindicato/comitê de empresa a todos os empregados usando os meios de comunicação eletrônica a sua disposição.

3- Os empregados tem direito a utilizar as ferramentas informáticas da empresa para comunicação com seu sindicato/comitê de empresa e seus representantes.

B) Comunicação com fins não profissionais

1- Os empregados tem o direito de utilizar as ferramentas informáticas da empresa com fins não profissionais, tanto de uma maneira interina como externa desde que não abusiva e com a condição de que não interfiram em suas responsabilidades profissionais (uso social do e-mail).

C) Controle e vigilância da comunicações

1- O empregador se compromete a que o uso das ferramentas informáticas da empresa pelos empregados não seja objeto de controle ou uma vigilância sistemática.

2- A comunicação será vigiada e controlada unicamente se o patrão estiver obrigado legalmente a fazê-lo ou tem razões suficientes para crer que o empregado esta cometendo uma infração penal ou uma falta disciplinar grave. Nesses casos, a vigilância e controle terão lugar com a presença do representante do sindicato e um representante designado pelo empregado.

D) Condições relativas ao uso de ferramentas informáticas- Os empregados tem o direito de usar as ferramentas informáticas da empresa com a seguintes condições:

1- A comunicação deve ser legal e não deve conter declarações ofensivas e difamatórias.

2- As ferramentas informáticas da empresa não devem ser usadas para acusar sexualmente a outros membros do pessoal, nem com fins ofensivos relacionados a sua sexualidade, a idade, a etnia, ou impedimentos a aparência do indivíduo. Enfim, não poderá o e-mail ser utilizado para fins nocivos a empresa ou terceiros.

3- O empregador pode pedir que se inclua uma cláusula de não responsabilidade quando os empregados nas comunicações internas ou externas, especificando que os pontos de vista expressados são do autor e não o da empresa.

Outras premissas que também podem ser observadas como as expostas pelo Prof. Mauro Cesar[21] que delineiam a política efetiva de comunicações eletrônicas, nos EUA, adaptada as particularidades locais de cada empresa, com expressa anuência por escrito dos empregados, que poderia ser composta dos seguintes elementos essenciais:

Atenta o Professor que devem ser analisadas com bastante cuidado a conveniência de acesso à Internet pelos funcionários no local de trabalho e, enquanto não há legislação específica, é de bom alvitre que se adote regulamentação interna, de forma bilateral, ou, ainda, que seja regida a questão em contrato e ou norma coletiva.

Entretanto, como já mencionado alhures, o fator segurança e conseqüente monitoramento das mensagens dos e-mail´s dos empregados de empresas que disponibilizam acesso à Internet e endereços eletrônicos aos mesmos, não é absoluto e confronta com o direito de privacidade dos usuários.

Sobre o autor
Mario Antonio Lobato de Paiva

Sou advogado há mais de 20 anos e trabalho com uma equipe de 10 advogados aptos a prestar serviços jurídicos em todas as áreas do Direito em Belém, Brasília e Portugal. Advogado militante em Belém, foi Conselheiro e Presidente da Comissão em Direito da Informática da OAB/PA, Ex-Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, especialista em Direito da Informática; Assessor da OMDI- Organização Mundial de Direito e Informática; Membro do IBDI- Instituto Brasileiro de Direito da Informática; Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico -IBDE ; Colaborador de várias revistas e jornais da área jurídica nacionais e estrangeiros tendo mais de 400 (quatrocentos) artigos publicados; autor e co-autor de livros jurídicos; palestrante a nível nacional e internacional. Site: www.mariopaiva.adv.br email: mariopaiva@mariopaiva.adv.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIVA, Mario Antonio Lobato. O monitoramento do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3486. Acesso em: 18 mai. 2024.

Mais informações

Palestra proferida no Congresso Internacional de Direito e Tecnologia da Informação, realizado pelo Conselho da Justiça Federal.

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