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Análise crítica do Projeto de Lei Eleições Limpas

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Agenda 18/12/2014 às 14:48

A representatividade democrática é fortalecida pelo Projeto de Lei Eleições Limpas, haja vista todas as medidas que contribuem para aproximar os cidadãos da política.

Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar uma análise crítica acerca da reforma política Democrática estabelecida pelo Projeto de Lei nº 6.316 de 2013 (Projeto de Lei Eleições Limpas), proposto pela OAB e outras entidades da sociedade civil, com o intuito de verificar sua adequação ao atendimento a temas reivindicados nas manifestações de junho de 2013 e nas redes sociais. A análise crítica demonstrou que as medidas presentes na reforma em comento são satisfatórias, por irem de encontro aos principais problemas do sistema eleitoral vigente. Dessa forma, considerou-se o Projeto de Lei Eleições Limpas apropriado para a realização da reforma política esperada pela nação brasileira.

Palavras-chave: Reforma Política Democrática. Projeto de Lei Eleições Limpas. OAB. Sistema político-eleitoral brasileiro. Movimento Eleições Limpas.


1        Introdução

A diversidade de exigências provenientes das manifestações de junho de 2013 e das redes sociais é um indicativo de que as reais necessidades da população não estão sendo supridas pelas leis vigentes e políticas públicas adotadas, o que denuncia a crise de representatividade vivenciada pela sociedade brasileira.

Em resposta a essas manifestações, a OAB e outras entidades da sociedade civil propuseram o Projeto de Lei nº 6.316 de 2013, que ficou conhecido como Projeto de Lei Eleições Limpas, com objetivo de promover a Reforma Política Democrática. Assim, faz-se necessária análise minuciosa das medidas apresentadas por essa proposta, a fim de se aferir sua adequação em atender às expectativas da população, produzindo, assim, contribuição efetiva.

Por isso, propõe-se uma análise crítica do Projeto de Lei Eleições Limpas destinada a verificar a adequação das iniciativas em lidar com as principais reivindicações sociais identificadas neste trabalho, referentes ao controle institucional e social, à liberdade de expressão de opinião política, à representatividade, à inclusão das mulheres e minorias e à participação da sociedade por meio de instrumentos de democracia participativa. Assim, ao final dessa análise, apresentar-se-á avaliação reconhecendo ou não a importância do projeto de lei examinado.

A fim de se alcançarem esses objetivos, iniciou-se pelo levantamento da hodierna conjuntura do sistema político-eleitoral brasileiro, a qual foi estabelecida por meio do estudo sobre as manifestações de junho de 2013 e da análise de documentação correlata ao tema Eleições Limpas. Contribuíram para a elaboração dessa etapa os trabalhos de Cabral (2013), Cavalcante Junior e Coêlho (2010), Guimarães (2013), Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) (2014), Sanson e o Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores (CEPAT) (2013) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (2013).

Os resultados dessa investigação inicial foram fundamentais para a composição do capítulo 2 desta pesquisa.

Em seguida, perquiriu-se o Projeto de Lei Eleições Limpas, o manifesto “Por Eleições Limpas e Democráticas”, a Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas (2014) e a OAB, o MCCE e o Instituto Atuação (2013), de modo a se consolidar o embasamento teórico necessário ao estudo do projeto de lei em comento.

Realizou-se, na sequência, ampla investigação acerca de trabalhos que perscrutassem os diferentes tipos de mecanismos eleitorais e estratégias a serem adotados pelo sistema eleitoral brasileiro. Assim, nessa fase, empregaram-se as pesquisas de Avelar (2008), Barroso (2010), Basile (2010), Caiado (2008), Castro (2014), Cintra (2008), Nicolau (2007; 2008), Otoni (2008), Pinto (2013), Reis, Castro e Oliveira (2013), Siqueira (2002), Soares (2012), Zanfolin (2006) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650 de 2011 (ADIn 4.650/11).

Esses estudos foram utilizados para a elaboração da análise crítica apresentada no capítulo 3 deste trabalho.

Por fim, as conclusões obtidas no decorrer desta pesquisa bem como a avaliação do Projeto de Lei Eleições Limpas foram expostas no último capítulo.


2        Panorama histórico do Projeto de Lei Eleições Limpas

O final da década de 90 foi marcado pela repercussão nacional de fraudes eleitorais, como a compra de votos, segundo Pimenta (2010).

Em resposta a esse quadro, a OAB, em conjunto com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras entidades da sociedade civil, promoveu o projeto “Combatendo a Corrupção Eleitoral”, que apresentou o primeiro projeto de lei de iniciativa popular anticorrupção, o qual foi consubstanciado na Lei nº 9.840 em 1999 (Lei da Compra de Votos), segundo o MCCE (2014). Essa lei estabelece medidas para impedir a prática da compra de votos e do uso da administração pública para fins eleitorais.

Essa campanha é responsável pelo início do MCCE – do qual a OAB faz parte –, criado com o objetivo de intensificar as ações efetivas que visem a melhorar o sistema eleitoral brasileiro por meio, por exemplo, da mobilização social e propositura de iniciativas populares, além de promover o debate sobre temas relacionados a eleições e incentivar medidas de controle social.

Dando continuidade a esse empreendimento, a OAB, em conjunto com MCCE, mobilizou a sociedade civil na campanha “Ficha Limpa”, de repercussão nacional, com a proposta de lei de iniciativa popular que obteve 1,6 milhão de assinaturas. Essa proposta foi consubstanciada na Lei Complementar nº 135 de 2010 (Lei Ficha Limpa) e estabeleceu uma série de inovações no sistema eleitoral brasileiro, como a proibição de candidatura de pessoas condenadas por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, a fim de promover a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato, consoante discutido por Cavalcante Junior e Coêlho (2010).

Em junho de 2013, uma série de protestos por todo o país e a intensificação do debate político nas redes sociais revelaram a urgência de se realizar uma reforma no sistema político-eleitoral vigente, haja vista a insatisfação da sociedade por não ter suas demandas atendidas, além da indignação com a disseminação de casos de corrupção envolvendo o governo, como o escândalo do mensalão.

Consoante a análise conjuntural realizada, as reivindicações apresentadas podem ser organizadas de acordo com os seguintes temas: controle institucional e social – segundo Cabral (2013), uma das principais bandeiras dos mencionados movimentos foi o combate à corrupção –; liberdade de expressão de opinião política – o debate político nas redes sociais teve papel protagonista nas manifestações, segundo Sanson e CEPAT (2013) –; representatividade – as pesquisas de opinião apresentadas por Cabral (2013) e Guimarães (2013) apontaram índices elevados de insatisfação com a representação política –; inclusão das mulheres e minorias – Sanson e CEPAT (2013) afirmam que as manifestações reivindicaram, também, o reconhecimento de gênero e de minorias –; e participação social por meio de instrumentos de democracia participativa – o interesse da sociedade em participar ativamente da política tornou-se patente com a atuação da população, segundo Sanson e CEPAT (2013) e Cabral (2013).

Assim, em resposta a essas reivindicações é formada a Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas, coordenada pelo Conselho Federal da OAB em conjunto com a CNBB, o MCCE e a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político. Essa coalizão, somada a outras entidades da sociedade civil e aos cidadãos participantes, compõe o Movimento Eleições Limpas.

Esse movimento encontra-se atualmente engajado na promoção da Reforma Política Democrática por meio do Projeto de Lei nº 6.316 de 2013, que ficou conhecido como Projeto de Lei Eleições Limpas. Em síntese, este projeto propõe uma ampla reforma no sistema político brasileiro, uma vez que envolve mecanismos para defesa das instituições republicanas que vão desde o aumento da transparência governamental até a proposição de medidas para aumentar a legitimidade dos representantes.


3          Análise do Projeto de Lei Eleições Limpas

Esta seção tem por objetivo perscrutar as principais medidas propostas pelo Projeto de Lei Eleições Limpas, a fim de verificar sua adequação em lidar com os problemas do sistema eleitoral vigente no Brasil. Para a explanação da análise, identificaram-se nesse projeto os seguintes temas centrais: financiamento de campanhas eleitorais, liberdade de expressão política e propaganda eleitoral, sistema de votação parlamentar, inclusão das mulheres e minorias na política e desenvolvimento de instrumentos de democracia participativa.

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O Projeto de Lei Eleições Limpas propõe que as campanhas eleitorais passem a ser financiadas exclusivamente pelo governo e pelos cidadãos. Tornar-se-ia, assim, proibida a contribuição de pessoas jurídicas.

Essa medida tem por objetivo combater a desigualdade política gerada pelo poder econômico, uma vez que candidatos cujas campanhas possuem mais recursos financeiros tendem, geralmente, a levar vantagem no pleito eleitoral – devido, por exemplo, ao aumento da sua capacidade de investir em propaganda. Nesse sentido, o financiamento público visa a promover, também, a inclusão de candidatos com baixo poder aquisitivo, conforme discutido pela ADIn 4.650/11, apresentada pela OAB.

O intuito de se desautorizar a participação de empresas no financiamento de campanhas políticas é evitar a criação de vínculos que ensejem favorecimento de uma minoria doadora em detrimento do interesse geral da população. Segundo matéria apresentada por Lambranho (2013) na Revista Congresso em Foco, por exemplo, as quatro empresas de construção civil que mais doaram dinheiro nas eleições entre 2002 e 2012 integram, também, consórcios que administram estradas.

Além disso, a ADIn 4.650/11 defende que pessoas jurídicas, por serem entidades criadas pelo Direito, não deveriam possuir legitimidade para exercer influência sobre o pleito, uma vez que, de acordo com as premissas que regem o Estado Democrático de Direito, os direitos políticos são exclusivos dos cidadãos.

O Relatório do Seminário sobre a Reforma Política apresentado por Barroso (2010) à OAB indica ampla adesão dos participantes do seminário à proposta de financiamento público das campanhas. Esse resultado foi confirmado ao se analisarem os trabalhos de Soares (2012), Caiado (2008) e Siqueira (2002), que também se posicionaram contra o financiamento privado de campanhas.

Contudo, o referido relatório de Barroso (2010) apresenta dois argumentos contra a adoção dessa medida: “(i) o risco de perpetuação do caixa-dois e de fraudes diversas; e (ii) o aumento da despesa pública [...]” (BARROSO, 2010, p. 20).

Em relação ao primeiro argumento, vale notar que Zanfolin (2006) oferece crítica similar, mostrando-se cético de que a proibição do financiamento privado consiga inibir, de fato, o financiamento por parte de empresas. Assim, segundo esse autor, tal medida acabaria ocultando o vínculo existente entre os candidatos e a iniciativa privada.

Não obstante, entende-se que o fato de haver corrupção não deve servir de justificativa para que se deixe de tomar iniciativas que visem a corrigir as distorções legitimadas pelo atual sistema eleitoral. Dessa forma, conclui-se que a melhor maneira de se combaterem as fraudes eleitorais é por meio da adoção de medidas de controle que envolvam toda a sociedade.

Nesse sentido, o Projeto de Lei Eleições Limpas estabelece ações de controle específicas, como a publicação, na internet, da movimentação da verba utilizada pelos partidos e a formação de um fórum de controle social com a finalidade de administrar os recursos das campanhas. O referido fórum seria constituído pela OAB, pelo Ministério Público Eleitoral, por representantes dos partidos políticos e outras entidades e por organizações da sociedade civil interessadas.

Já o segundo argumento apresentado por Barroso (2010) é por ele mesmo refutado, conforme se depreende do excerto a seguir:

A segunda objeção é refutada quando se constata o enorme custo da corrupção. Tanto no sentido imaterial – custo político e democrático –, dado o falseamento da representação popular, quanto no sentido puramente contábil. Não é incomum que os financiadores privados condicionem suas contribuições, especialmente as ocultas, à obtenção de vantagens indevidas, beneficiando-se muitas vezes de licitações viciadas e verbas orçamentárias sem controle adequado. (BARROSO, 2010, pp. 20-1).

Outro ponto importante desse projeto relaciona-se à possiblidade de contribuição de pessoa física, obedecendo ao teto de setecentos reais por eleitor. Essa medida tem por objetivo reduzir o dispêndio público com o financiamento das campanhas, bem como estimular os candidatos a buscar a confiança e o apoio do maior número possível de eleitores por meio da elaboração de projetos eleitorais que atendam às reais demandas da sociedade; com isso, aumentam-se as chances de se receber essa contribuição extra para a campanha.

Tal iniciativa serve, também, para aumentar a participação cívica dos cidadãos, uma vez que estimula a cooperação e o engajamento em causas da esfera pública. Segundo a ADIn 4.650/11, “eleições nas quais as campanhas sejam financiadas por uma grande quantidade de pequenas doações de eleitores podem ser vistas como um momento virtuoso de mobilização cívica” (ADIn 4.650, 2011, p. 9).

Além disso, a estipulação de um valor máximo pequeno para doações inibe distorções provenientes do poder econômico, como a possibilidade de que uma ínfima parcela da sociedade, responsável por deter a maior parte dos recursos financeiros, seja capaz de influenciar decisivamente o resultado das eleições.

Castro (2014) posiciona-se igualmente a favor da medida relacionada ao financiamento de campanhas públicas presente no Projeto de Lei Eleições Limpas, apoiando, inclusive, o estabelecimento de limites baixos de doação para pessoas físicas de acordo com o que está sendo proposto pelo Movimento Eleições Limpas.

Finalmente, a adoção dessa proposta também resolve o problema da desigualdade de gênero no que toca ao financiamento de campanhas apontado por Avelar (2008), já que a distribuição da verba é feita de forma igualitária. Segundo a autora, a constatação de que as mulheres atualmente recebem menor montante de financiamento político deve-se ao fato de elas não representarem, necessariamente, os interesses econômicos das empresas, já que costumam reivindicar outros direitos, como os de equidade e cidadania.

No que se refere à liberdade de expressão política e propaganda eleitoral, o Movimento Eleições Limpas apresenta instrumentos que visem ao acesso democrático aos meios de comunicação. Dessa forma, propõe-se que a distribuição do tempo reservado à propaganda entre as siglas representativas dos partidos ou coligações seja feita de forma proporcional, considerando-se o número de candidatos efetivamente em disputa.

Tal iniciativa é acompanhada pela vedação do somatório de tempo. Assim, no caso específico das coligações, considerar-se-ia o tempo destinado ao partido que dispusesse do maior número de representantes, inibindo, com isso, a utilização das coligações como instrumentos de manobra política.

Por fim, o projeto de lei também prevê a ampliação da liberdade de manifestação de opiniões e críticas políticas por parte do eleitor no que se refere, por exemplo, à edição de imagens e à abordagem cômica de partidos ou candidatos. Além disso, com o objetivo de estimular o debate político e impedir que propagandas eleitorais ilícitas, diretas ou indiretas, interfiram no equilíbrio do pleito, o uso da internet para fins políticos-eleitorais seria regulamentado.

Essas medidas recebem amplo apoio de Castro (2014), que defende a democratização da discussão política em ambientes eletrônicos.

Em relação ao modelo de votação parlamentar para a eleição de vereadores e deputados estaduais e federais, o Projeto de Lei Eleições Limpas propõe um novo sistema eleitoral proporcional de dois turnos, denominado “Voto Transparente”. Nesse sistema, o primeiro turno é utilizado para o eleitor votar na sigla representativa dos partidos ou coligações, devendo cada sigla divulgar, com antecedência, uma lista preordenada de candidatos.

O montante de votos recebidos pela sigla determinará, de forma proporcional, o número de cadeiras que o partido ou coligação irá obter. Em posse desse número, cada sigla deverá reduzir a quantidade de candidatos da lista preordenada respeitando a ordem inicial, de tal forma que a lista final contenha apenas o corresponde ao dobro de cadeiras obtidas.

No segundo turno, o eleitor escolherá os candidatos dos partidos ou coligações por meio do voto nominal, a partir da lista preordenada proveniente do primeiro turno, preenchendo, assim, as cadeiras obtidas pelas siglas.

Segundo Reis, Castro e Oliveira (2013), o Voto Transparente consiste em um modelo híbrido, por envolver características do sistema de lista preordenada – primeiro turno – e de lista aberta – segundo turno. Assim, esse sistema herda as vantagens de ambos os modelos, como o fortalecimento dos partidos e a formação de maiorias políticas, decorrentes do modelo de lista fechada, e a possibilidade de escolha do candidato, proveniente do modelo de lista aberta, o qual “permitiria aos eleitores utilizar o voto como instrumento de punição e recompensa” (NICOLAU, 2008, p. 133).

Basile (2010) destaca a importância do desenvolvimento de campanhas eleitorais inteligíveis:

[...] caso os cidadãos não sejam capazes de discernir claramente os programas partidários e a identidade política das agremiações, sua capacidade de influenciar os processos decisórios com seus votos será prejudicada. Isso diminui a representatividade, aproximando o mandato eletivo de uma efetiva delegação de poder. (BASILE, 2010, p.80).

No entanto, no sistema de lista aberta em vigor, segundo o manifesto “Por Eleições Limpas e Democráticas”, o eleitor, muitas vezes, realiza seu voto sem a devida fundamentação, uma vez que desconhece as propostas dos candidatos. A esse respeito, Basile (2010) também aponta como problema a falta de programas bem definidos e de conteúdos programáticos associados às legendas partidárias, o que acaba comprometendo a representação parlamentar.

Em decorrência disso, as medidas apresentadas pelo Movimento Eleições Limpas têm por objetivo tornar as propostas que subsidiam a escolha dos eleitores mais inteligíveis, ao separá-las em dois turnos, sendo o primeiro turno destinado exclusivamente à exposição do conteúdo programático e dos projetos defendidos por cada sigla.

No segundo turno, o quantitativo reduzido de candidatos favoreceria o entendimento da campanha individual por parte do eleitor, dado que os candidatos teriam mais tempo para se apresentar e discutir seus projetos. Segundo divulgação realizada pela OAB, pelo MCCE e pelo Instituto Atuação (2013), uma simulação do sistema Voto Transparente em eleições municipais de 2012 apontou redução de 73,5% no número de candidatos concorrendo no segundo turno.

Esse número restrito de candidatos propicia, também, a redução dos custos eleitorais com propaganda, uma vez que a quantidade de candidatos é fator relevante para a definição do custo das eleições, consoante o manifesto “Por Eleições Limpas e Democráticas”.

O Voto Transparente visa a combater o principal problema, segundo Nicolau (2007), do hodierno sistema eleitoral brasileiro de lista aberta, qual seja: a transferência de votos entre os candidatos de uma mesma sigla. Segundo o autor, a eleição de Éneas Carneiro em 2002 e de Clodovil Hernandez em 2006 são exemplos disso, uma vez que esses candidatos, mesmo concorrendo por partidos pouco expressivos, obtiveram mais votos do que o quociente eleitoral e, assim, ajudaram outros candidatos que receberam poucos votos a se eleger.

Outro exemplo desse problema relaciona-se ao fato de menos de 10% dos parlamentares serem eleitos pelo voto individual, sendo os demais eleitos pela transferência de votos, segundo Barroso (2010). Uma evidência disso remonta às eleições de 2010, em que apenas 35 dos 513 deputados da Câmara obtiveram votos suficientes para se eleger sem necessitar transferência de votos, segundo divulgado pela OAB, pelo MCCE e pelo Instituto Atuação (2013).

Dessa forma, o Voto Transparente, ao adotar o sistema de lista ordenada no primeiro turno, inviabiliza a transferência de votos entre candidatos de uma mesma sigla, haja vista ser o voto do eleitor direcionado à sigla. O segundo turno, por sua vez, também inibirá a ocorrência desse problema, já que o voto será nominal, ou seja, serão eleitos apenas os candidatos que realmente receberem mais votos.

Castro (2014) posiciona-se a favor da reformulação do sistema de votação parlamentar apresentada pelo Projeto de Lei Eleições Limpas. Contudo, realiza uma crítica à manutenção das coligações, uma vez que elas, segundo esse autor, enfraquecem e descaracterizam as siglas partidárias, facilitam distorções no tempo destinado à propaganda e na forma como ela é feita, possibilitam a eleição de membros de partidos pouco expressivos e viabilizam a existência de “partidos de aluguel”, usados exclusivamente para manobras políticas que visem a favorecer outros partidos.

Seguindo essa linha argumentativa, o modelo de coligações vigente também é criticado por Caiado (2008), por Otoni (2008) e por Barroso (2010). Assim, uma questão que surge é a seguinte: se a formação de coligações pode gerar deturpações no sistema eleitoral, por que a proposta do Movimento Eleições Limpas a manteve?

Para responder a essa pergunta, faz-se necessário entender a importância assumida pelos pequenos partidos no que se refere à manutenção da pluralidade democrática, uma vez que a diversidade partidária propicia o amplo debate entre os diferentes segmentos da sociedade. Assim, restringir a formação de coligações implicaria tolher a participação de minorias nas decisões políticas, favorecendo, com isso, a existência de um número restrito de partidos, conforme discutido pela Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas (2014).

Por isso, o movimento Eleições Limpas optou por inviabilizar apenas a formação de coligações que visem à realização de manobras políticas por meio da tomada de medidas como a vedação do somatório de tempo reservado à propaganda entre os partidos de uma coligação e a proibição da soma de recursos do fundo partidário.

Além disso, com a adoção do Voto Transparente, a formação de coligações ocorrerá entre partidos que realmente tiverem afinidade programática e política, haja vista o número de cadeiras obtidas por cada sigla depender da coerência do conteúdo político-ideológico apresentado no primeiro turno.

Finalmente, o problema apresentado por Castro (2014) de um candidato pertencente a um partido pouco expressivo ser eleito por meio da transferência de votos, ocasionada pela formação de coligação, foi resolvido pelo modelo de dois turnos adotado pelo Voto Transparente, de acordo com o que foi discutido anteriormente.

Conforme abordado por Barroso (2010), o problema da concorrência entre candidatos de um mesmo partido, existente no sistema eleitoral de lista aberta vigente, reside no fato de as campanhas individuais fragilizarem o partido ao estimular rivalidades internas e possibilitarem o comprometimento do embate programático. Esse problema também está parcialmente presente no sistema Voto Transparente, já que este consistiu em sistema híbrido de votação.

Não obstante, destaca-se que as consequências negativas geradas pela rivalidade são mitigadas, uma vez que a disputa individual entre os candidatos é limitada ao segundo turno, não havendo, assim, prejuízo ao embate programático entre os partidos.

Barroso (2010) aponta como desvantagem do sistema de lista preordenada “o risco de dominação dos partidos pelas respectivas lideranças, reduzindo sua democracia interna e dificultando o processo de renovação dos quadros” (BARROSO, 2010, p. 16). Contudo, esse problema foi superado na proposta do Voto Transparente por dois motivos.

O primeiro refere-se à forma democrática como as listas são preordenadas, devendo os partidos escolher seus candidatos em eleições abertas à participação de todos os filiados, fiscalizadas pelo Ministério Público e pela Justiça Eleitoral.

O segundo motivo refere-se à adoção do voto individual para a eleição de candidatos no segundo turno. Assim, os eleitores atuariam ativamente na definição dos candidatos eleitos e promoveriam a renovação do quadro partidário quando julgassem necessário.

Por fim, o principal problema da lista preordenada, segundo Nicolau (2008), é o enfraquecimento do vínculo entre eleitor e candidato – accountability personalizada. Conquanto o Voto Transparente promova esse sistema de votação no primeiro turno, o estímulo de uma ligação mais direta entre o candidato e seus eleitores é promovido no segundo turno, devido ao voto nominal.

A inclusão das mulheres e minorias na política é outro tema abordado pelo Projeto de Lei Eleições Limpas. Com relação às mulheres, dados divulgados pelo TSE (2013; 2014) evidenciam que a presença feminina na política é baixa comparada a dos homens, uma vez que, nas eleições municipais de 2012, apenas 11,84% dos cargos de prefeito e 13,32% dos de vereador foram preenchidos por mulheres, além disso, nas últimas eleições gerais, em 2010, elas conseguiram somente 9% das vagas para deputado federal e 13% das vagas para senador.

Assim, objetivando-se elevar a participação das mulheres na política, o projeto de lei garante a paridade de gênero durante o pleito eleitoral ao se definir que as listas de candidatos serão compostas segundo o critério da alternância de sexo. Tal possibilidade decorre do fato de se fazer uso de lista preordenada, consoante discutido por Avelar (2008) e Cintra (2008).

Já em relação à inclusão de minorias, o projeto de lei em comento oferece incentivo às siglas que incluírem candidatos pertencentes a segmentos sociais sub-representados, como afrodescendentes e indígenas. Esse incentivo consiste na majoração da dotação do fundo de campanha em 3%.

Finalmente, Otoni (2008) defende o sistema proporcional, alegando que esse modelo promove a democracia ao oferecer às minorias o direito de participar no governo. Logo, o Voto Transparente, por ser um sistema proporcional, ainda apresenta essa vantagem: distribuindo-se o número de cadeiras de forma proporcional ao número de votos recebidos por cada sigla, viabiliza-se a representação das minorias.

Tendo em vista os instrumentos de democracia participativa, a reforma em comento propõe alteração da Lei nº 9.709 de 1998, que regulamenta a execução do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular previstos no art. 14 da Constituição Federal. Entre as medidas propostas, destacam-se o abrandamento das exigências para a realização da democracia participativa, o aumento do rol de matérias que podem ser seu objeto e a concessão de regime de urgência para tramitação de iniciativa popular.

Basile (2010), contudo, estabelece uma ressalva à adoção de mecanismos de democracia participativa em substituição ao aperfeiçoamento da representação política. Segundo o autor, tais instrumentos podem dar ensejo a movimentos autoritários ou a abusos majoritários, como ocorreu na Venezuela, Bolívia e Equador, países que aumentaram as consultas populares não “acompanhadas pelas garantias de independência do Judiciário, do pluralismo político, da liberdade de imprensa e do respeito aos direitos fundamentais, servindo primariamente à legitimação [...] de governos autoritários, concentradores de poder” (BASILE, 2010, p. 87).

A argumentação de Basile (2010) remete à importância dos instrumentos de democracia direta e semidireta em uma democracia. Tal tema tem sido amplamente discutido na literatura, como em Benevides (1991). Sendo assim, não é intuito deste trabalho esgotar esse assunto.

Não obstante, estabelecem-se alguns comentários sobre a relevância desse tema no contexto do Projeto de Lei Eleições Limpas. Primeiramente, é necessário reconhecer a importância que os instrumentos de democracia participativa têm no que se refere à inserção da população na esfera pública, considerando-se que aumentam a legitimidade da democracia representativa, conforme discutido por Pinto (2013). Assim, a ampliação e consolidação desse direito fundamental de participação democrática vão de encontro ao problema de representatividade exposto pelas manifestações de junho de 2013 e pelas redes sociais.

Por fim, o Estado Democrático de Direito pelo qual optamos e que se encontra consubstanciado pela Constituição Federal de 1988 pressupõe a participação de todos no governo, de forma direta ou por meio de representantes eleitos. Com isso, as decisões tidas como democráticas perdem a razão de ser, caso não possam, de fato, considerar de forma justa – ou seja, sem violar os direitos das minorias – a opinião de todos.

Dessa forma, o que Basile (2010) não considerou foi que, conquanto a ditadura ocorra quando a vontade da maioria não observa os limites constitucionais, não há que se falar em “constitucionalismo sem legitimidade popular” (CARVALHO NETTO, 2005, p. 79). Além disso, como discutido por Pinto (2013) e Otoni (2008), o voto periódico, devido ao problema de identificação do povo com seus representantes eleitos, não basta para determinar um regime democrático de direito. Assim sendo, os instrumentos de democracia participativa devem ser aperfeiçoados.

Sobre o autor
Thiago Rais de Castro

Acadêmico de Direito na Universidade de Brasília – UnB. Obteve o diploma de Mestrado em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo – USP (2011).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Thiago Rais. Análise crítica do Projeto de Lei Eleições Limpas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4187, 18 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35075. Acesso em: 22 nov. 2024.

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