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O projeto de Código de Processo Civil e os princípios jurídicos

Agenda 10/02/2015 às 08:03

O projeto de CPC, com seu viés principiológico, potencializa a problemática já existente no campo constitucional acerca da concretização/aplicação dos princípios jurídicos, tornando mais agudo o debate sobre a natureza dos princípios: axiológica ou deontológica.

RESUMO: O pós-positivismo consagra a concepção principiológica do direito, numa reaproximação com o ideal de justiça do jusnaturalismo. Os princípios positivados nas Constituições adquirem força normativa e criam um sistema de direitos fundamentais com uma base ética universalista. O projeto do novo CPC potencializa essa visão no ordenamento pátrio, tanto por fazer menção expressa a ela quanto por trazer uma quantidade bem maior de referências a princípios do que o atual, o que tem reflexo no âmbito dos poderes do juiz e no modo de atuação judicial. Isso tudo evidencia a importância da definição da natureza dos princípios jurídicos, se axiológica ou normativa, para a legitimidade da atividade jurisdicional e do processo.

PALAVRAS-CHAVE: Projeto de novo Código de Processo Civil. Princípios jurídicos. Pós-positivismo. Natureza dos princípios jurídicos. Poderes do juiz. 


INTRODUÇÃO 

Os princípios jurídicos assumiram distintos papéis no Direito ao longo da história, de acordo com a força normativa que lhes atribuíam. A função dessas normas no ordenamento jurídico constitui tema sempre atual e indispensável à correta compreensão do mundo jurídico. Ante à iminência de aprovação de um novo Código de Processo Civil, mostra-se imperioso analisar como o projeto de novo código cuida dessa questão. Para tanto, comentamos primeiro a noção de princípios dentro do contexto pós-positivista e depois adentramos nossa observação no campo dos princípios dentro do Código projetado, o que leva a uma última digressão tratando da natureza dos princípios jurídicos.


1.      PÓS-POSITIVISMO E OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

O pós-positivismo consagra a força normativa dos princípios, estampados nas constituições. Tal corrente de pensamento, que se consolida após a II Guerra Mundial, almeja uma reaproximação com a moral, buscando nos princípios constitucionalmente positivados e dotados de força normativa uma possibilidade de justificação moral para a aplicação do direito sem referência direta a um direito natural, suprapositivo.

Os autores do pós-positivismo buscam uma junção dos pontos positivos do jusnaturalismo e do positivismo, que são respectivamente a busca do ideal de justiça e a segurança jurídica. Essa reaproximação com a justiça é operada por meio dos princípios jurídicos positivados nas Constituições, que ganham força normativa e hegemonia axiológica. Nessa fase, forma-se a concepção de que tantos os princípios quanto as regras são capazes de impor obrigações, de reger diretamente situações jurídicas. Trata-se da refutação do modelo de regras do positivismo. Por outro lado, a segurança jurídica é assegurada pela positividade dos princípios e pelos modelos ou métodos racionalizados de aplicação ou concretização dos mesmos

A concepção principiológica do direito, em resposta ao positivismo, rejeita a equiparação do juiz e do legislador nos chamados “hard cases”, que são aquelas situações em que não se verifica uma norma especifica para regula-la, em que se nota o caráter lacunoso do direito. Tal leitura principiológica do Direito resolve o problema da (discricionariedade) lacuna na medida em que a insuficiência das regras para prever todas as condutas possíveis é suplantada pelo papel dos princípios, de carga semântica indeterminada, com maior grau de abstração e generalidade. Sempre haveria um princípio a reger determinada situação.

Nesse contexto, necessário observar que mediante a positivação de princípios nas Constituições foi possível que um sistema de direitos fundamentados em bases éticas universalistas fossem assegurados e que tais princípios funcionaram como verdadeiras portas de entrada de valores supra positivos de observância obrigatória por todas as sociedades. Além disso, a compreensão principiológica do direito foi alcançada também com a formação da moral de nível pós-convencional (orientação por um princípio ético universal) e perda da legitimação pela religião ou pela metafísica.

A concepção principiológica do direito também traz consigo a necessidade conjunta de uma equação especifica ou equilíbrio quanto a separação entre os poderes, enquanto funções do Estado, especialmente nos limites das atividades de criação (legiferante) e de aplicação (administrativa/judicial) do direito. É preciso afastar os argumentos que apontam para discricionariedade ou arbitrariedade na aplicação do direito e consequente usurpação da função legiferante pela jurisdicional, na tarefa de concretização dos princípios, na busca de uma fundamentação racional e consequente legitimidade da atividade de aplicação dos mesmos.

Tais preocupações e a visão principiológica do direito foram encampadas pelo projeto do novo CPC, conforme se passa a expor.


2.      O CÓDIGO PROJETADO E OS PRINCÍPIOS

Esse equilíbrio na concretização de princípios jurídicos se potencializa no ordenamento jurídico nacional com o Projeto de Código de Processo Civil, na medida em que este consagra uma matriz principiológica de compreensão do direito, dentro do contexto pós-positivista que se sedimenta na teoria jurídica nacional especialmente após a Constituição de 1988. Tal se pode deferir desde o artigo 1º do Projeto, que assim dispõe: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.”

Mas além de se referir aos princípios estampados no texto constitucional, o projeto ainda positiva outros princípios de natureza processual. Os comentadores do projeto não divergem dessa visão. Com efeito, João Batista Lopes (FUTURO CPC: BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A PARTE GERAL Revista de Processo | vol. 214 | p. 219 | Dez / 2012DTR\2012\450920) aponta igualmente a leitura principiológica que o Código projetado apresenta:

Não colhe o argumento de que as garantias constitucionais do processo já constam da Lei Máxima e, por isso, seria despicienda sua repetição no Código de Processo Civil (LGL\1973\5). A leitura do Projeto torna patente a preocupação em oferecer uma versão processual dos princípios, o que é salutar e deve ser aplaudido (v.g., a exigência do contraditório prévio para o conhecimento, de ofício, de questões de ordem pública; a tentativa de simplificação do sistema processual, que atende ao princípio da razoável duração do processo; a preocupação com a uniformização da jurisprudência, que se harmoniza com o princípio da segurança jurídica; a menção expressa aos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência)

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Acerca da carga principiológica do novo código, Marcos Paulo Passoni (BREVE ABORDAGEM SOBRE ALGUNS PRINCÍPIOS CONSTANTES NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Revista de Processo | vol. 211 | p. 239 | Set / 2012DTR\2012\450588) mostra que o código projetado traz uma quantidade bem maior de referências a princípios do que o anterior:

O CPC/1973 (LGL\1973\5), em todos os seus 1.220 artigos, traz apenas 2 artigos com a expressão princípios (art. 126 e art. 548). Por sua vez, o Projeto, dentre os seus 1.008 artigos, traz considerável aumento, pois são 8 artigos a prestigiar expressamente o vernáculo princípio, quais sejam:

“Art. 1.º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República (LGL\1988\3) Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

(…)

Art. 6.º Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

(…)

Art. 33. Consideram-se autênticos os documentos que instruem os pedidos de cooperação jurídica internacional, inclusive as traduções para a língua portuguesa, quando encaminhados ao Estado brasileiro por meio de autoridades centrais ou pelas vias diplomáticas, dispensando-se ajuramentações, autenticações ou quaisquer procedimentos de legalização.

Parágrafo único. A norma prevista nocaputdeste artigo não impede, quando necessária, a aplicação pelo Estado brasileiro do princípio da reciprocidade de tratamento.

(…)

Art. 119. O juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico, cabendo-lhe, no julgamento, aplicar os princípios constitucionais, as regras legais e os princípios gerais de direito, e, se for o caso, valer-se da analogia e dos costumes.

(…)

Art. 144. Cada tribunal pode criar setor de conciliação e mediação ou programas destinados a estimular a autocomposição. § 1.º A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da neutralidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade e da informalidade.

Art. 477. O juiz proferirá a sentença de mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes. Nos casos de sentença sem resolução de mérito, o juiz decidirá de forma concisa.

Parágrafo único. Fundamentando-se a sentença em regras que contiverem conceitos juridicamente indeterminados, cláusulas gerais ou princípios jurídicos, o juiz deve expor, analiticamente, o sentido em que as normas foram compreendidas.

(…)

Art. 882. Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando o seguinte:

(…)

IV – a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia;

(…)

Art. 885. Far-se-á a distribuição de acordo com o regimento interno do tribunal, observando-se os princípios da publicidade, da alternatividade e do sorteio.”

Por sua vez, Leonardo Carneiro Cunha (O PROCESSO CIVIL NO ESTADO CONSTITUCIONAL E OS FUNDAMENTOS DO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Revista de Processo | vol. 209 | p. 349 | Jul / 2012DTR\2012\44851) expõe que o código projetado apresenta uma nova concepção jurídica ao mostrar que o novo CPC se insere no contexto daquilo que chama de Estado Constitucional, o qual se caracteriza pela garantia de direitos fundamentais como valores informativos e diretivo ou normas de otimização do sistema jurídico, no dizer do Robert Alexy.

Assim, segundo o articulista, os Códigos anteriores pertenciam a uma época o padrão do direito era o legislador, cingindo-se o direito à lei e impondo à atividade judicial uma natureza meramente declaratória dos enunciados normativos. O novo código, por sua vez, está num ambiente de constitucionalização do direito, com reconhecimento da força normativa da Constituição e ampliação da jurisdição constitucional. Eis a lição do autor:

Reconhece-se, no atual momento doutrinário, que a Constituição efetivamente ocupa o centro do sistema jurídico, de onde passa a irradiar valores objetivos através dos quais devem ser criadas, interpretadas e aplicadas as normas jurídicas, aí incluídas aquelas que dizem respeito ao direito processual civil. O novo CPC (LGL\1973\5), a ser editado em breve, insere-se nesse contexto, devendo refletir os valores e os fundamentos do Estado Constitucional.

Assim, podemos ver em Leonardo Cunha uma ligação entre o viés principiológico e a atuação judicial, que se amplia por estar incumbida da aplicação/concretização dos princípios. Indo além, é possível perceber que o código projetado também promove uma mudança da atuação judicial na condução do processo (não apenas no momento do julgamento).

No artigo “a magistratura no projeto do novo código de processo civil” (NETO, Odilon Romano. Revista de Processo. vol. 208. p. 265. Jun\2012DTR\2012\44723) é analisada a disciplina normativo do código de processo civil projetado acerca da relação do magistrado com as partes, do comportamento do juiz na condução do processo e da sua atuação ao fornecer a prestação jurisdicional.

No que diz respeito ao relacionamento com as partes o código projetado consagra a abertura ao diálogo, o que ocorre por meio do fortalecimento do princípio do contraditório com a vedação das chamadas decisões-surpresa, expressa na regra do artigo 10 do Projeto do novo Código: “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício”.

Essa orientação do projeto somente é mitigada quando confrontada pela celeridade processual. Esta prevalece em duas hipóteses: tutela de urgência e julgamento de improcedência de plano.  No entanto, as exceções não infirmam a regra geral, motivo pelo qual pelo código projetado as partes não podem ser surpreendidas por decisões fundamentadas em argumentos não submetidos ao diálogo processual. Ademais, a busca do diálogo processual também pode ser vista no prestígio e valorização conferidos à atividade conciliatória pelo novo código.

Quanto à condução do processo o código projetado aclamou a necessidade de se eliminarem as delongas processuais. Imprimiu, portanto, ao juiz o dever de agir com eficiência (artigo 6º) e de promover o andamento célere da causa (artigo 118, I). Trata-se de reflexo das emendas constitucionais nº 19/98, que incluiu a eficiência entre os princípios norteadores da Administração Pública, e nº 45/2004 (Reforma do Judiciário), que proclamou o princípio da duração razoável do processo.

Por fim, naquilo pertinente à atuação do juiz, o código projetado mantém o dever de imparcialidade como fator legitimador da função jurisdicional como forma heterônoma de resolução de conflito que é. Assim, o comando presente no atual Código de tratamento igualitário às partes (artigo 125, I) restou manifestado nos imperativos de impessoalidade (artigo 6º) e de paridade no tratamento dispensado às partes (artigo 7º), previstos no novo código.

Podemos ver, portanto, que ao abordar os principais aspectos normativos do código projetado, o articulista se serviu de princípios, sejam eles previstos na constituição ou no próprio projeto de código, quais sejam: da razoável duração do processo, da eficiência, da imparcialidade e do contraditório, os dois primeiros apontando para a efetividade da tutela jurisdicional e os dois últimos para a legitimidade da mesma.

Um confronto entre os princípios constitucionais da segurança jurídica e da efetividade também é observado por Trícia Navarro Xavier Cabral ao tratar dos poderes do juiz no código projetado (PODERES DO JUIZ NO NOVO CPC. Revista de Processo | vol. 208 | p. 275 | Jun / 2012DTR\2012\44724): “Outrossim, a Comissão tentou a harmonização entre os princípios constitucionais da segurança jurídica e o da efetividade”. A autora insere o projeto de um novo Código de Processo Civil num contexto ideológico principiológico, condizente com a Constituição de 1988. Assim afirma:

“O Projeto para um novo CPC (LGL\1973\5) também inovou ao trazer logo no seu início, um rol de artigos relativos aos princípios e garantias do processo civil, exteriorizando as premissas basilares que devem pautar o direito processual, todos, obviamente, frutos da ideologia constitucional que refletiu sobre a matéria após 1988.”

Os poderes do juiz são considerados no sentido de técnicas processuais colocadas como ferramentas dos magistrados para a efetivação da prestação jurisdicional, motivo pelo qual tais poderes estão relacionados à condução ou gerenciamento do processo pelo juiz e não propriamente ou especificamente ao ato final de julgamento, ou seja, aos limites da decisão judicial, neste último caso como ocorre no texto de Odilon Neto, acima analisado, ao comentar a subordinação ao princípio da impessoalidade da atuação do juiz ao fornecer a prestação jurisdicional.

Nesse âmbito particular do gerenciamento do processo a autora defende uma maior amplitude de poderes para que o juiz possa conduzir o processo da forma mais adequada à lide e mais célere, deixando de lado um formalismo excessivo. No entanto, avalia que a figura do juiz gerenciador, adotada em legislações de outros países, não restou contemplada pelo código projetado, que esvaziou o potencial de flexibilização procedimental ao prever apenas a possibilidade de dilação de prazos processuais e de modificação da ordem de produção dos meios de prova.

Num sentido convergente, Maria Elizabeth de Castro Lopes (ativismo judicial E NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Revista de Processo | vol. 205 | p. 301 | Mar / 2012DTR\2012\2317) destaca que o ativismo judicial consagrado pelo código projetado é aquele que se entende por postura dinâmica do juiz, relativa à condução do processo, não correspondendo ao uma hipertrofia dos poderes do juiz. Ao contrário da ampliação de poderes o Projeto, na sua visão, mostra preocupação com as garantias dos jurisdicionados e com o princípio da colaboração entre as partes e o juiz, na medida em que contempla diversos princípios processuais, muitos dos quais de índole constitucional.

Ademais, na seara do confronto de princípios processuais, é possível destacar o embate entre o princípio da efetividade da tutela jurisdicional e o do princípio do contraditório, no sentido de vedação de “julgamento surpresa”. Nesse sentido, Leonardo Carneiro Cunha, anteriormente já mencionado (O PROCESSO CIVIL NO ESTADO CONSTITUCIONAL E OS FUNDAMENTOS DO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Revista de Processo | vol. 209 | p. 349 | Jul / 2012DTR\2012\44851) mostra que tal enfrentamento ocorre nos casos das tutelas de urgência, em que se necessita um provimento jurisdicional de pronto sob pena de perecimento do direito da parte. O autor defende que o confronto deve ser resolvido mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, ressaltando que no caso de se dispensar o prévio contraditório, este fica diferido para o momento posterior à apreciação do pedido formulado. Além disso, assim como João Batista Lopes, acima citado, o articulista expõe que a adoção de mecanismos de uniformização da jurisprudência pelo código projetado, com o respeito aos precedentes, concretiza a segurança jurídica, na medida em que garante previsibilidade e evita a existência de decisões divergentes para situações jurídicas homogêneas ou para situações de fato semelhantes.


3.      NATUREZA DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Todas essas confrontações de princípios, relacionadas tanto à atuação judicial no gerenciamento do processo quanto à própria atividade de julgar, evidenciam quão ainda mais importante se mostrará a definição de qual concepção acerca da natureza dos princípios se adotará. Isso porque, dentro do próprio pós-positivismo, linhas de pensamento divergentes se formaram, muito embora no âmbito nacional tenha se consolidado a teoria de Robert Alexy.

Para Robert Alexy, os princípios se confundem com valores, não detendo carga deontológica, mas apenas servindo como mandamentos de otimização, a serem realizados na medida do possível, fática e juridicamente. Para tal autor, a medida da realização é obtida mediante o uso da ponderação ou balanceamento entre os valores a partir da análise do caso concreto, situação em que, nenhum valor teria seu conteúdo totalmente anulado. A adoção de tal metodologia garante a racionalidade da tarefa de concreção dos valores. Esta é a concepção atualmente dominante nas jurisprudência e doutrina brasileiras.

 No entanto, Ronald Dworkin e Jurgen Habermas criticam tal posicionamento. Para estes não se deve retirar dos princípios sua obrigatoriedade, sua imperatividade, sob pena de se permitir ao Judiciário que aplique argumentos de política, discursos de justificação na concretização do Direito. Para estes autores uma correta leitura da separação de Poderes é aquela que deixa ao Legislativo os argumentos de políticas (definição das políticas públicas e concretização dos valores na medida do possível) e ao Judiciário os argumentos de justificação ou de princípio. Para tanto ao Judiciário incumbe verificar o princípio adequado a ser aplicado diante do estudo da situação fática em toda sua complexidade. Não seria o caso, portanto, de se usar da proporcionalidade ou ponderação.

Para Dworkin, os juízes não podem atuar como legisladores porque não foram democraticamente eleitos e não prestam contas ao eleitorado, razão por que a criação de direito por eles viola o princípio democrático do governo da maioria. Dessa forma, para que a parte sucumbente não se submeta à situação de ser punida por descumprimento de um dever criado após os fatos, a atuação jurisdicional deve ser a menos original possível, devendo estar subordinada à legislação, o que leva ao entendimento de que os juízes devem ser legisladores suplentes e não os próprios legisladores, o que ocorre quando se utilizam dos argumentos de princípio, que descrevem direitos e não fins. Por sua vez, Habermas também defende que criação do Direito deve estar reservada ao legislador democraticamente legitimado, enquanto que ao judiciário se deve conferir a aplicação do direito, não nos termos liberais (aplicação de regas), mas com a reafirmação do paradigma principiológico do Estado de Bem-Estar Social.

A crítica de Habermas à jurisprudência dos valores, desenvolvida e aplicada pela Corte Constitucional Federal da Alemanha e teorizada de forma mais exponencial por Robert Alexy, decorre do entendimento de que nas situações de conflito normativo (entre valores), a atividade de ponderação, destinada a determinar o valor preponderante, constitui-se numa verdadeira análise de “custo-benefício”, na qual argumentos não jurídicos (políticos) adentram o discurso de aplicação relativizando direitos constitucionalmente estabelecidos. Habermas explica ainda que essa avaliação ocorre de forma arbitrária ou irrefletida, mesmo que sob os ditames de um procedimento metodológico pré-estabelecido (princípio da proporcionalidade), pois argumentos funcionalistas se sobrepõem a argumentos normativos. Ora, tais argumentos políticos ou funcionalistas, sejam de natureza moral, ética ou pragmática, são próprios do processo de criação das normas e devem permanecer circunscritos à racionalidade do processo legislativo, cabendo à jurisdição apenas a utilização dos argumentos jurídicos (devido e não devido), sob pena de concorrer com o legislativo na função criadora do direito.


CONCLUSÃO

De todo o exposto, defere-se que o Projeto de Código de Processo Civil, com seu viés principiológico, potencializa a problemática já existente no campo constitucional acerca da concretização/aplicação dos princípios jurídicos, tornando mais agudo o debate sobre a natureza dos princípios: axiológica ou deontológica, com reflexos imediatos para atuação judicial, não somente no que se refere ao ato de julgar, mas também à condução ou gerenciamento do processo.


Referências (além das já citadas no texto)

COURA, Alexandre Castro. Hermenêutica Jurídica e Jurisdição Inconstitucional: para uma análise crítica da “jurisprudência” de valores à luz da teoria discursiva de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2009.

CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Habermas e o Direito Brasileiro. 2ª ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008.

DOS SANTOS, Fernando Ferreira. Direitos Fundamentais e Democracia, o debate Habermas-Alexy. Juruá Editora: Curitiba, 2010.

Sobre o autor
Igor Costa de Miranda

Graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2003). Pós-graduação em Direito Público pela Universidade de Brasília (2014). Procurador Federal desde 2004, atualmente com exercício na Procuradoria Seccional Federal em Sobral/CE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Igor Costa. O projeto de Código de Processo Civil e os princípios jurídicos . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4241, 10 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35152. Acesso em: 22 dez. 2024.

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