Apesar de o foco aqui não ser História do Brasil, não poderíamos deixar de trazer alguns fatos históricos para poder explicar a edição da norma e tentar trazê-la para a nossa realidade jurídica atual.
O Código de Processo Penal Militar foi instituído pelo Decreto-Lei nº 1002/69, ou seja, durante o período do Ato Institucional nº 5, época em que o Brasil atravessava um período muito conturbado da nossa história.
Dessa forma, seus artigos foram notadamente inspirados no espírito reacionário que alimentava o sistema político-social daquela época. Poucos eram os direitos dos acusados, dos presos, dos indiciados e dos investigados. Esses eram vistos como inimigos do Estado.
O § 1º do art. 441 do Código de Processo Penal Militar traz em seu bojo o reflexo de um momento acautelado pela remota possibilidade de quebra da ordem. Temia-se que uma legislação frágil e branda destinada aos militares pudesse por em cheque a continuidade daquele regime, principalmente porque os militares conspiradores e subversivos, in tese, poderiam ser potencialmente muito mais lesivos ao governo do que os cidadãos comuns, pois detinham a máquina estatal a seu favor.
Verdade seja dita, os códigos militares são infinitamente mais rígidos dos que os códigos comuns. E não poderia ser diferente, pois o Estado deve ser inflexível com os desvios de conduta praticados por seus agentes. Não seria razoável permitir que, aquele que tenha o dever de zelar pelo fiel cumprimento da lei, fosse o autor da infração dessa mesma lei.
Assim, o § 1º do Art. 441 do CPPM trouxe esse espírito incomplacente do legislador da época.
§ 1º do Art. 441 - Se a sentença for absolutória, por maioria de votos, e a acusação versar sobre crime a que a lei comina pena, no máximo por tempo igual ou superior a vinte anos, o acusado continuará preso, se interposta apelação pelo Ministério Público, salvo se se tiver apresentado espontaneamente à prisão para confessar crime, cuja autoria era ignorada ou imputada a outrem.
Através de uma interpretação literal do dispositivo acima, infere-se que, mesmo absolvido por maioria de votos da acusação de crime que lhe imputava pena igual ou superior a 20 anos, o acusado continuaria preso por tempo indeterminado, se houvesse interposição de recurso pelo Ministério Público, excetuando-se os casos de apresentação espontânea, ou seja, sua prisão teria efeito automático na sentença absolutória.
Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 05 de Outubro de 1988 houve a recepção parcial do Código de Processo Penal Militar. Alguns de seus artigos, por serem incompatíveis com o atual sistema democrático adotado pela nova ordem jurídica, não foram recepcionados pela atual Constituição Federal. Foi o que ocorreu com o dispositivo em comento, face à adoção do primado da presunção de inocência pela Carta Magna, insculpido no artigo 5º, LVII, que assevera que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
O Estado Social e Democrático de Direito, eleito pelo constituinte de 88, desautoriza toda e qualquer forma de prisão sem fundamento. A Liberdade Provisória, atendidas aos seus requisitos, passou a ser um direito do acusado, para que este pudesse responder ao processo em liberdade. A prisão passou a ser o último recurso a ser empregado na persecução penal.
Art. 5º - LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;
A Constituição Federal de 88 até autoriza a prisão cautelar provisória em alguns casos, mas em todas elas deverão estar presentes os requisitos próprios de cada prisão, revestidas da razoabilidade. Assim, na prisão preventiva deverão estar presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora e na prisão temporária, os requisitos previstos na Lei 7.960/89, para que o acusado não prejudique as investigações. Todas essas devidamente fundamentadas pelo autoridade judiciária.
A prisão, assim, deixou de ser regra, e passou a ser extrema exceção no ordenamento jurídico brasileiro. Passou a ser uma medida excepcional na nova ordem jurídica.
Em 2011 foi editada a Lei 12.403, que alterou alguns dispositivos do Código de Processo Penal e instituiu as medidas cautelares diversas da prisão preventiva. No Art. 282, § 6o do Código penal, alterado pela aludida lei, o legislador infraconstitucional estabeleceu que "A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)". Ou seja, a referida lei só reafirmou o que o constituinte de 88 já havia proclamado lá atrás. A prisão é ultima ratio.
Esse é ensinamento do saudoso Julio Fabbrini Mirabeti:
"Sabido que é um mal a prisão do acusado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, o direito objetivo tem procurado estabelecer institutos e medidas que assegurem o desenvolvimento regular do processo com a presença do imputado sem o sacrifício da custódia, que só deve ocorrer em casos de absoluta necessidade."
Ademais, o próprio Código Penal no seu art. 386, parágrafo único, determina que na sentença absolutória, o juiz mandará, se for o caso, por o réu em liberdade.
Parágrafo único. Na sentença absolutória, o juiz:
I - mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade;
Ora, quando o legislador determina, se for o caso, a soltura do réu, é porque podem estar presentes os requisitos da preventiva. E mesmo assim, neste caso, não seria uma prisão ilegal, grosso modo, como ocorre com a prisão prevista no § 1º do Art. 441 do CPPM, que determina a prisão automática do réu absolvido.
Não recepcionalidade do § 1º do art. 441 do CPPM
A ideia é justamente demonstrar a não recepcionalidade do § 1º do Art. 441 do Código de Processo Penal Militar, comparando-se o momento histórico em que o CPPM foi instituído com o atual sistema jurídico proclamado pela Constituição Federal de 1988.
Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, formado pela APMBB. Formado em Direito e pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FIG UNIMESP. Atualmente exercendo a função de juiz militar no Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo.
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Artigo de minha autoria, extraído do site: www.bernardiniartigosjuridicos.com.br