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Neoinstitucionalismo e instrumentalismo: como um pretende superar o outro

Agenda 23/12/2014 às 11:41

Em torno do debate sobre a legitimidade das decisões judiciais, importante destacar a contribuição do neoinstitucionalismo para a teoria do processo.

RESUMO

O instrumentalismo, para superar o dedutivismo-lógico, promove uma visão do processo por meio de seus escopos externos, encarando-o como meio para a realização dos fins sociais, políticos e jurídico da jurisdição. Por sua vez, o neoinstitucionalismo busca efetivar o ambiente discursivo habermasiano no processo e com isso amparar a legitimidade das decisões judiciais. Trata-se de uma mudança de foco da decisão para o procedimento.

PALAVRAS-CHAVE: Instrumentalismo. Neoinstitucionalismo. Decisão judicial. Processo. Legitimidade.

 

INTRODUÇÃO

            A fim de explicar a crítica à teoria instrumentalista do processo operada pela teoria neoinstitucionalista, esboçamos primeiramente os contornos de cada uma dessas duas correntes de pensamento. Ao final, então, passamos à comparação de ambas e identificação de como esta última pretende superar a primeira.

1.      INSTRUMENTALISMO

 

            A teoria instrumentalista teve suas bases fixadas pelo processualista Cândido Rangel Dinamarco, por meio principalmente de sua obra A instrumentalidade do processo. Acredito que a forma mais adequada para se resumir a tese instrumentalista é a exposição de suas conclusões mais amplas, que se restringem a três.

            O eixo central da tese é a ideia de que o processo deve ser considerado como instrumento para o acesso à ordem jurídica justa. Essa instrumentalidade tem um duplo sentido. Pelo negativo o processo não pode ser visto como um fim em si mesmo ou como um valor em si mesmo. Nesse ponto vale observar que o aspecto negativo guarda semelhança com a noção de instrumentalidade das formas, na medida em significa a oposição aos chamados exageros processualísticos. Por sua vez, pelo sentido positivo o processo deve servir para a busca dos escopos da jurisdição. Deve, portanto, ser apto a cumprir sua função sócio-política-jurídica, ou seja, deve atingir objetivos que extravasam a simples esfera do jurídico. Dessa forma, essa noção deve imprimir, no plano prático, um novo método de pensamento do processualista, divergente do modelo lógico, matemático, dedutivista, que considera o processo como um sistema fechado de conceitos. Essa é uma das conclusões amplas da obra.

            Via de consequência, como exigência do raciocínio acima, temos o segundo fecho geral, segundo o qual se faz necessário esclarecer quais seriam os fins da jurisdição (ou do processo, como sistema). Para o autor é muito pobre a fixação de um escopo meramente jurídico para a jurisdição, já que o que se deve destacar é a destinação social e política do exercício da jurisdição. Assim, devem ser afirmados seus escopos sociais (pacificação com a justiça, educação), políticos (liberdade, participação, afirmação da autoridade do estado e do seu ordenamento) e jurídico (atuação da vontade concreta do direito).

            Por fim, com última conclusão, temos que a visão instrumentalista acaba por relativizar ou flexibilizar, sem negar, a autonomia entre direito material e processual, pois por ela são considerados planos distintos, mas interligados. Isso porque na medida em que o processo deve ser encarado como instrumento, como meio para a realização dos fins sociais, políticos e jurídico da jurisdição, a interpretação das normas processuais deve ocorrer à luz do direito material e dos valores nele consagrados. Assim, os princípios e garantias constitucionais do processo são predispostos à efetiva fidelidade aos desígnios do direito material. A interligação entre direito e processo se dá pela via dos escopos já mencionados, os quais, na visão instrumentalista, são comuns a ambos, já que o processo é apenas o meio. Destarte, o instrumentalismo processual é proposto como superação da fase autonomista do direito processual, a qual já havia suplantado a fase sincretista. O avanço é identificado também pela negação da postura puramente técnica e dogmática, com a defesa do acréscimo de uma visão do processo por um ângulo externo (escopos da jurisdição), o que engloba o uso da interdisciplinaridade, adentrando-se ao campo da ciência política e da sociologia, por exemplo.

2.      NEOINSTITUCIONALISMO

Já a teoria neoinstitucionalista do processo procura construir a tese de uma procedimentalidade democrática, por meio da aplicação do princípio do discurso (Habermas) no âmbito da teoria processual.

Referida teoria tem seus contornos definidos pelas obras do processualista Rosemiro Leal, para quem a explicação de habermasiana acerca da institucionalização jurídica do princípio do discurso é insuficiente. Para Leal, Habermas não informa como seria possível a passagem do princípio do discurso para o princípio da democracia se efetivando ou se resguardando, assim, os direitos fundamentais. A teoria neoinstitucionalista, dessa forma, procuraria preencher essa lacuna.

Segundo o neoinstitucionalismo, o processo deve ser visto como uma instituição (neoinstituição, para diferenciar da anterior tese institucionalista de cunho privatista), que se faz constitucionalizada para assegurar um legítimo controle popular soberano dos procedimentos em que se operam as tarefas de criar, recriar, fiscalizar, aplicar etc. os direitos, através da garantia dos princípios do contraditório, ampla defesa e isonomia.

A efetividade desses princípios, para a teoria, é responsável pela implementação do ambiente discursivo (em que os destinatários se sentem também autores), único apto a conferir legitimidade à atividade jurisdicional. Tudo isso faz com que categorias com ação, coisa julgada, jurisdição e processo sejam reconfiguradas, com a defesa do “direito-de-ação” irrestrito e da flexibilização da coisa julgada, para a formação de um “juízo discursivo processualizado” (sem conteúdo pré-determinado, portanto), em vez da busca de realização de respostas de base liberal ou social.

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3.      SUPERAÇÃO DO INSTRUMENTALISMO PELO NEOINSTITUCIONALISMO

Isso posto, exploradas as ideias de cada teoria, percebe-se que a teoria neoinstuticionalista pretende superar a instrumentalista apontando um novo fundamento de legitimidade da atividade jurisdicional: o devido processo legal consubstanciado por princípios que garantem a formação do ambiente discursivo (ampla defesa, isonomia e contraditório) processual, o que chama de verdadeira constitucionalização do processo. A legitimidade, portanto, não está centrada na substância (na decisão judicial), mas no procedimento. Por conseguinte, a legitimidade não vem da vontade do juiz, corretamente adequada a um ideário social por meio de uma abertura hermenêutica das regras processuais, como defende o instrumentalismo, mas da construção democrática (no sentido de que os destinatários se entendam também como autores) da criação e aplicação do direito.

Tudo isso mediante a reconfiguração de categorias jurídicas processuais como ação, coisa julgada, jurisdição e processo, através da defesa do “direito-de-ação” irrestrito, da flexibilização da coisa julgada etc., para a formação de um “juízo discursivo processualizado”, sem conteúdo pré-determinado, portanto.

CONCLUSÃO

 

Em suma temos a tentativa de superação de uma visão material ou substancial de justiça, suportada pelo instrumentalismo, por uma visão procedimental, levantada pelo neoinstitucionalismo. Trata-se de debate importante dentro do contexto da discussão acerca da racionalidade, e consequentemente justça, das decisões judiciais. A mudança de foco (da decisão para o procedimento) operada pelo neoinstitucionalismo constitui contribuição importante para uma compreensão aprofundada sobre a legitimidade das decisões judiciais.

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Referências

DINAMARCO, Cândido Dinamarco. A instrumentalidade do processo. 11ª ed. Malheiros.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da decisão jurídica. Landy: São Paulo, 2002.

SOUSA, Isabella Saldanha e GOMES, Magno Frederici. A efetividade do processo e a celeridade do procedimento em detrimento dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da isonomia: o mito da urgencialidade. Disponível em www.conpedi.org.br/manaus/.../isabella_saldanha_de_sousa.pdf.

Sobre o autor
Igor Costa de Miranda

Graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2003). Pós-graduação em Direito Público pela Universidade de Brasília (2014). Procurador Federal desde 2004, atualmente com exercício na Procuradoria Seccional Federal em Sobral/CE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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