1-Introdução
01. O PIS (Programa de Integração Social), instituído pela Lei Complementar nº 07 de 07 de setembro de 1970, e o PASEP (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor), instituído pela Lei Complementar nº 08 de 03 de dezembro de 1970, unificaram-se através da Lei Complementar nº 26 de 11 de setembro de 1975.
02. Com o advento da CR/88 - Constituição da República de 1988, embora mantendo o nome anterior, a contribuição para o PIS/PASEP, passou a financiar o seguro-desemprego, o benefício do abono anual para empregados de baixa renda, dentre outros programas de integração do trabalhador no desenvolvimento da empresa.
03. Já a COFINS, inicialmente criada pela Lei Complementar nº 70 de 1991, veio posteriormente ao FINSOCIAL (Fundo de Investimento Social), que foi objeto de uma série de ações judiciais até o reconhecimento de sua inconstitucionalidade[1], em sessão plenária ocorrida no Supremo Tribunal Federal , em 16 de dezembro de 1992.
04. Neste cenário, o art. 195, inciso I, da CR/88 tem fundamental importância, a par das discussões acerca da incidência da contribuição (PIS/COFINS): sobre faturamento ou receita bruta. Posteriormente, com a EC - Emenda Constitucional nº 20 de 1998 e, edição da Lei nº 10.833 de 29 de dezembro de 2003, ocorreram importantes avanços na sistemática da não-cumulatividade.
05. A EC nº 20 de 15 de dezembro de 1998 trouxe o chamado "alargamento" da competência constitucional para instituição de contribuições sobre o faturamento. Além disso, com a edição das Leis nº 9.715 de 25 de novembro de 1998 e nº 9.718 de 27 de novembro de 1998, o tratamento do PIS passou a ser semelhante ao da COFINS.
06. Na esteira deste raciocínio, a Lei nº 10.637 de 30 de dezembro de 2002 também tratou da sistemática da não-cumulatividade, a fim de tentar viabilizar uma política fiscal mais justa, com maior distribuição de riquezas através, todavia, sem deixar de reconhecer e valorizar a importância das habilidades específicas e qualificações técnicas das pessoas para as organizações empresariais.
2- PIS, COFINS e CR/88
07. A CR/88 trouxe o Princípio da Livre Concorrência, previsto no art. 170, inciso IV, na parte que trata da Ordem Econômica e Financeira, dentre outras normas programáticas vinculadas ao Princípio da Legalidade.
08. Não é recente a preocupação com a distribuição de riquezas e redução das desigualdades sociais, especialmente no atual contexto político neoliberal. Desta forma, torna-se proeminente a necessidade de implementação de políticas públicas sustentáveis, sob o ponto de vista ambiental, econômico e político.
09. A verificação do fato gerador in concreto vai além da mera subsunção do fato à norma e se presta a apurar a ocorrência material da hipótese de incidência que, no tocante às contribuições em exame, decorre do faturamento auferido, ou seja, a receita verificada no período (mês/competência).
10. Ademais, a análise acerca da base de cálculo não deve ser puramente econômica e objetiva, o que seria um tanto quanto perfunctório, na medida em que se faz necessário obter o melhor método aplicável ao caso concreto.
11. Assim, para efeito de seguir a coerência da Constituição Cidadã, sem ferir as limitações ao Poder de Tributar, institui-se o PIS e a COFINS, inicialmente, com o escopo de distribuir riquezas e equilibrar a economia, mas com o tempo, uma série de normas passou a influenciar suas alíquotas.
12. Desta forma, o maior desafio para os aplicadores do direito é buscar a correta interpretação [2] dos conceitos integrantes da base de cálculo do tributo (contribuição), especialmente do que pode ser convertido em crédito, sob pena de onerar excessivamente o contribuinte, o destinatário final de bens e serviços, inviabilizar a manutenção da empresa, de empregos diretos e dar azo à recessão.
13. Diversas foram as tentativas em disciplinar métodos justos e proporcionais para cobrança do PIS e da COFINS, até por que, o celeuma jurídico não se restringe a responder como, sobre o que e, por que aplicar certa alíquota ou permitir deduções, mas enfrentar a insegurança jurídica criada pelo legislador ordinário quando da instituições das sucessivas leis que regularam e regulam o tema.
14. Outrossim, as referidas contribuições trouxeram duas sistemáticas distintas: a cumulativa, regido pela Lei nº 9.718/1998 e Leis Complementares nº 7/70 e nº 70/91 (e alterações posteriores) e a não-cumulativa, de que tratam as Leis Ordinárias nº 10.637/02 e nº 10.833/03, as quais resultam da conversão das Medidas Provisórias nº 66/2002 e nº 135/2003, respectivamente.
15. No regime cumulativo não há possibilidade de utilização de créditos, na medida em que se calcula o valor das contribuições diretamente sobre a base de cálculo, o que não ocorre no regime não-cumulativo, que tem como característica a possibilidade de realizar deduções decorrentes de custos com fatores de produção, qualificados como insumos [3], que concorreram para o resultado final da produção de um bem ou serviço.
16. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça STJ, no voto do Min. Mauro Campbell Marques, Recurso especial nº 1.246.317 - MG (2011/0066819-3) enfrentou a questão da definição e conceituação de insumo [4].
17. A política tributária é operada de acordo com a análise do enquadramento fiscal e do regime contábil de apuração de lucros e resultados. Todavia, no que toca a atividade de terceirização de mão-de-obra é necessário distinguir atividade fim e meio.
18. No segmento de terceirização de mão-de-obra [5] o objetivo é deslocar a execução de atividade meio para sociedade empresária prestadora de serviços, a fim de que a sociedade contratante, chamada tomadora, possa dedicar-se, com maior atenção, a sua atividade fim, ou seja, visa enfatizar a descentralização empresarial de atividades.
19. Na prática, a prestadora de serviços assume a maior parte dos riscos com gestão de pessoas, financeiros e, inclusive, trabalhistas, já que, não raro, os encargos desta ordem representam uma considerável margem de aprovisionamento de despesas, não obstante a responsabilidade subsidiária da sociedade tomadora [6].
20. Neste sentido, o trabalho executado pela pessoa humana é sua principal fonte de insumo, até por que, numa simples análise o custo com dobras e contratação de freelancer para cobrir eventuais faltas representam encargo suportado pelas prestadoras de serviço, que deslocarão trabalhador para cobrir o posto temporariamente vago.
21. Ocorre que, há verdadeira lacuna quanto à correta interpretação dos fatores de produção que podem ser classificados como insumos e que afetam não só a base de cálculo do PIS e COFINS, mas o próprio resultado final da contribuição a ser recolhida.
22. A dificuldade do tema decorre do elevado casuísmo de relações jurídico-tributárias frente à escassez de instrumentos normativos que permitam a compreensão do que pode vir a ser considerado insumo [7] na sistemática da não-cumulatividade, sob a égide do lucro real [8].
23. Desta forma, custos operacionais e encargos integrantes da cadeia produtiva que, de alguma forma, contribuíram para o resultado da produção devem ser entendidos como insumos para efeito de se alcançar a justiça tributária, mas a questão é saber como decantar o sentido etimológico da palavra insumo de forma responsável.
24. O art. 195, I, b, da CR/88, com a redação dada pela EC 20/98, norteado pelo Princípio da Solidariedade dispõe acerca das receitas admitidas para integrar os programas do PIS e COFINS e abre um precedente para discussão acerca do conceito de insumo e a interpretação a ser utilizada para alcançar seu escopo valorativo.
25. As sociedades de terceirização de mão-de-obra têm direito ao crédito com as despesas incorridas com uniformes, vale-refeição, vale-transporte, ou seja, insumos pacificamente considerados [9]. Contudo, pretende-se trazer à reflexão o disposto no artigo 3º, inciso II, da Lei nº 10.637/02, sob uma perspectiva mais crítica.
26. A justificativa é que o fator "ser humano", compreendendo-se uma universalidade de conhecimentos, experiências e habilidades, é o principal insumo neste segmento de negócio, seja sob o aspecto quantitativo ou qualitativo e, por esta razão, deve ensejar direito de crédito para dedução da base de cálculo do PIS e COFINS.
27. Todavia, como a modalidade de lançamento [10], no caso das contribuições em exame, deve ocorrer por homologação, ao Poder Judiciário fica a missão de aplicar o direito no caso concreto, já que a lei não forneceu a melhor sistemática jurídico-hermenêutica compatível, eis que deixou de inserir a folha de pagamento como insumo próprio da atividade de terceirização de mão-de-obra.
28. Não se almeja discutir possível concessão de benefício fiscal, mas sim chamar atenção para a necessidade de se buscar uma interpretação mais técnica no sentido de alcançar a correta apuração da base de cálculo do PIS e COFINS, à luz dos Princípios constitucionais da Capacidade Contributiva, Isonomia e Livre concorrência.
29. Isto por que, a ausência de disposição legal expressa vem trazendo sérias consequências práticas para as sociedades empresárias dedicadas a este segmento, demandadas por entes públicos e privados, haja vista o preço final nem sempre mostra-se viável ao tomador ou interessante para o prestador de serviços.
30. E, para isso, o referido conceito deve partir de uma combinação de fatores de produção, que são os custos necessários à produção de um bem ou serviço, como matérias-primas, materiais secundários, MOD (mão-de-obra direta) e os GGFs (gastos gerais de fabricação) ou CIFs (custos indiretos de fabricação), diretos (matérias-primas) e indiretos (mão-de-obra, energia).
31. Desta forma, o rol previsto no art. 3º da Lei nº 10.833/2003, segundo a Teoria Constitucionalista[11], deve ser considerado exemplificativo e não, taxativo [12], a fim de sanar a lacuna legislativa quanto ao direito de crédito de PIS/COFINS que, no ramo da atividade em debate, não deve ficar restrito ao seu inciso X.
3- Conclusão
32. O conceito de custo operacional, incorrido pelas sociedades do segmento de terceirização de mão-de-obra, deve passar por uma interpretação teleológica e sistemática, a fim de se inferir uma perspectiva não restritiva ao que pode vir a ser considerado INSUMO.
33. Ademais, imperioso que, em apreço ao Princípio da Segurança Jurídica, contemplado no atual Estado Democrático de Direito, coexistam a lei, objetiva, positiva, com os demais princípios e regras [13] previstos no ordenamento jurídico vigente, sob pena de se ceifar a sistemática da não-cumulatividade.
34. A valorização do ser humano e o reconhecimento de sua essencialidade para o segmento de negócio engendrado pela terceirização de mão-de-obra constitui premissa válida para a aceitação da folha de pagamento como insumo no contexto da não-cumulatividade.
35. Por fim, a utilização do insumo (folha de pagamento , salário e encargos) como crédito para dedução da base de cálculo do PIS e COFINS incrementará o faturamento líquido das sociedades empresárias em questão e, com isso, aumentará a arrecadação de Imposto de Renda, ou seja, na realidade, o contribuinte não obterá colossal economia, mas, apenas, transferirá ao ente público, detentor do Poder de Polícia, a responsabilidade pela manutenção da justiça fiscal, equilíbrio financeiro e distribuição de riquezas.
4- Bibliografia
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[1] Recurso Extraordinário nº 150764-1-PE
[2] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3.ed. s.l.: Fundação Calouste Gulbenkian, s.d., p. 10/11: "o intérprete precisa de se colocar na posição do legislador e deixar que se formem, por esse artifício , os respectivos ditames. Para este fim a interpretação precisa de três elementos: um elemento lógico, um elemento gramatical e um elemento histórico".
[3] IN nº 404 de 12 de março de 2004 da SRF. A Instrução Normativa em questão limitou o conceito de insumo, basicamente, à matéria-prima e alguns fatores de produção tipificados em lei.
[4] "São "insumos", para efeitos do art. 3º, II, da Lei nº 10.637/2002, e art. 3º, II, da Lei n. 10.833/2003, todos aqueles bens e serviços pertinentes ao, ou que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços, que neles possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa, ou implica em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes".
[5] DELGADO. Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. LTR, 9º Edição, 2010, p.414.
[6] Enunciado da Súmula 331 do TST.
[7] Art. 35-A. Nos casos de lançamento de ofício relativos às contribuições referidas no art. 35 desta Lei, aplica-se o disposto no art. 44 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
[8] Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, Regulamento do Imposto de Renda, art. 247.
[9] Soluções de Divergência números: 8/2006, 15/2008, 17/2008, 24/2008, 25/2008, 33/2008 e 43/2008; Fonte: http://www.abat.adv.br/pdf/Abat_agosto_2013.pdf. Consulta realizada em 06-09-2014.
[10] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27. ed. revista, atualizada e ampliada. Brasil: Malheiros Editores, 2006.; p. 429:" O lançamento das contribuições sociais é feito, em regra, por homologação. O sujeito passivo antecipa o pagamento respectivo sem que a autoridade administrativa tenha examinados os elementos com base nos quais foi a mesma calculada".
[11] BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. Editora Saraiva, 2ºEdição.2014.
[12] Processo nº 0010551-33.2012.4.03.6100 do TRF3, São Paulo.
[13] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8.ed. ampliada e atualizada. Brasil: Malheiros Editores. 2008, p.26.