Inicialmente, salienta-se que existem duas acepções para a não cumulatividade: como princípio e como regra. Na qualidade de regra, ela representa apenas um sistema de compensação de saldo credor e devedor, permitindo ao contribuinte a dedução daquilo que a legislação estipula como crédito.
Por outro lado, como princípio, a não cumulatividade se mostra mais que uma simples forma de orientar o cálculo do quantum debeatur. Em sua acepção principiológica, a não cumulatividade persegue valores que, por sua relevância dentro do ordenamento jurídico, elevam-na ao status constitucional.
Na qualidade de princípio, um dos valores perseguidos pela não cumulatividade é a neutralidade fiscal. Assim, no que tange os tributos plurifásicos (ICMS e o IPI), é mandatória, em teoria, a não variação/acumulação da carga tributária ao longo da cadeia de circulação da mercadoria/serviço.
A forma de perseguir a neutralidade fiscal é fornecer ao contribuinte do imposto não cumulativo o direito de se creditar, quando da circulação da mercadoria por ele comercializada, dos impostos incidentes sobre as operações precedentes. Assim, o imposto plurifásico incidirá somente sobre o valor agregado pelo comerciante ao bem vendido.
Em contrapartida, caso o direito ao crédito seja demasiadamente restrito, gerar-se-á um acúmulo da carga tributária ao longo da cadeia de circulação da mercadoria/serviço, a qual se denomina cumulatividade residual. Nessa esteira, salienta-se que os conceitos de matéria prima e produto intermediário, aplicáveis para fins de ICMS, podem ser descritos, de maneira geral, da seguinte forma: Matéria-prima — bem consumido durante a produção e que agrega a mercadoria fabricada; Produto intermediário — bem consumido de forma imediata (contudo sem integração ao produto final) e integral na fabricação da mercadoria, e que guarde relação de essencialidade com o processo produtivo.
Contra a conceituação de matéria-prima não há o que se insurgir. Contudo, em relação aos produtos intermediários, verifica-se que a interpretação hodiernamente dada foi excessivamente exclusiva. Isso porque, no que tange o ICMS, a jurisprudência concernente à relação de essencialidade entre o produto intermediário e o processo produtivo tem sido demasiadamente rígida, de forma a evitar o creditamento de diversos produtos que estão de fato envolvidos na fabricação da mercadoria comercializada. Isso impede o contribuinte de direito de transladar o imposto incidente em cada etapa de circulação da mercadoria/serviço, o que gera a cumulatividade residual e contraria, por conseguinte, o princípio da não cumulatividade.
A situação se agrava ainda mais quando se trata do ICMS incidente sobre a atividade de comerciante e a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Da leitura da definição de produtos intermediários, observa-se que esta, além de excessivamente restritiva, guarda próxima relação com a atividade industrial. Este fato decorre das próprias origens da não cumulatividade no Brasil, introduzida na legislação do extinto Imposto de Consumo, precursor do IPI.
Em virtude disso, verifica-se nos setores de comércio e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação uma alta acumulação da carga tributária ao longo da cadeia de circulação da mercadoria/serviço, uma vez que, além de já ser restritivo o conceito vigente de produto intermediário, este em grande parte das vezes não se aplica em relação às atividades supramencionadas.
Assim, em virtude da abrangência da hipótese de incidência do ICMS, a qual circunscreve a atividade de comerciante e prestação de serviço de transporte interestadual e de comunicação, conclui-se que seria necessária uma definição de produto intermediário mais flexível, de modo a abarcar, também, os aludidos setores, possibilitando a consecução da neutralidade fiscal. Apesar das considerações tecidas, nota-se que os Tribunais coadunam com a restrição do direito de crédito dos comerciantes e prestadores de serviço de transporte interestadual e de comunicação. Tome-se, por exemplo, a possibilidade de creditamento de energia elétrica. O assunto já foi julgado no Superior Tribunal de Justiça em 2010. O relator do caso foi o ministro Mauro Campbell Marques. O STJ decidiu que “as atividades desenvolvidas pela agravante (supermercado varejista) não se enquadram no conceito de industrialização, o que impossibilita o creditamento de ICMS sobre a energia elétrica consumida dentro desse estabelecimento comercial”.
A posição, data venia, corrobora para a geração de cumulatividade residual em relação à atividade comercial e à prestação de serviço de transporte interestadual e de comunicação, sendo, dessa forma, contrária ao objetivo da neutralidade fiscal. Todavia, observa-se que o tema ora proposto ainda não foi pacificado nos órgãos judiciais. Há a necessidade de se elaborar um conceito de produto intermediário que seja condizente com a persecução da neutralidade fiscal e previna a geração da cumulatividade residual.