Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Distanciamento da realidade social: uma possível causa da disfuncionalidade da tutela jurisdicional

Agenda 20/07/2016 às 13:24

Para explicar a ineficiência da tutela jurisdicional, pode-se elencar como um motivo o afastamento, em geral, dos profissionais do Direito, e, em especial, dos juízes, da realidade social.

Resumo:O presente artigo objetiva realizar uma análise crítica acerca de um dos possíveis motivos que podem explicar a cada vez mais recorrente ineficiência da tutela jurisdicional: o alijamento, em geral, dos profissionais do Direito e, em especial, dos juízes, da realidade social circundante. Ao final, busca-se oferecer uma alternativa que pode se converter, se não em solução para o problema, pelo menos em algo que pode minorar os efeitos nocivos, à luz de uma perspectiva hermenêutica.

Palavras-chave: Distanciamento social. Disfuncionalidade. Direito.  


 I – Introdução

O estudo realizado para a elaboração deste artigo tem como finalidade analisar uma possível causa da ineficiência da prestação jurisdicional, a saber, o fato do não atendimento nas faculdades jurídicas, em regra, já desde a formação, de ações que estimulem a efetiva inserção destes na realidade social alvo do Direito, o que invariavelmente inviabiliza a compreensão como modo cognitivo da realidade, nos moldes do método empírico-dialético.


II – Breves traços acerca de instituições sociais

É induvidoso que há muito impera uma descrença generalizada nas instituições sociais brasileiras, talvez muito em grande parte pelo fato de sermos ainda uma democracia jovem, pois foi apenas há quase três décadas que saímos de um regime ditatorial. Dessa forma, por mais que não haja riscos iminentes de retornarmos ao regime anterior, o simples fato de se mudar a terminologia “ditadura” para “democracia” não encerra a tarefa de efetivação do ideal democrático, pois que este passa necessariamente pela qualidade e, consequentemente, confiabilidade de nossas instituições sociais. E nossas instituições ainda necessitam avançar, e em muito, rumo a este desiderato.

Para que isso se verifique, há que implementar-se uma nova filtragem do ideal democrático, que passa necessariamente pela releitura das instituições e da função que o Direito deve desempenhar na democracia. Consoante Lenio Luiz Streck:

Em nosso país, não há duvida de que, sob a ótica do Estado Democrático de Direito – em que o Direito deve ser visto como um elemento de transformação social –, ocorre uma disfuncionalidade do Direito e das Instituições encarregadas de aplicar a lei. O Direito brasileiro – e a dogmática jurídica que o instrumentaliza – está assentado em um paradigma liberal-individualista que sustenta essa disfuncionalidade, que, paradoxalmente, vem a ser a sua própria funcionalidade! Ou seja, não houve ainda, no plano hermenêutico, a devida filtragem – em face da emergência de um novo modo de produção de Direito, de cunho transindividual (grifo final nosso). (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica (e)m crise. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2011)

A respeito de instituições sociais, há poucos que possam falar com tanta autoridade, a despeito de já falecido, que Ricardo Yepes Stork. O saudoso catedrático espanhol, em sua brilhante Fundamentos de Antropologia, acaba entendendo por instituição um complexo de atribuições juridicamente reguladas, e posta a serviço de uma tarefa comum, com a qual se alcança algum dos fins da atividade humana.

A nosso ver, constituem as instituições formas sociais de condensação de modelos normativos de agir, pensar e sentir. Vale dizer, vínculos pessoais e transpessoais existentes, responsáveis por uma densificação dos padrões de pensamento e ação, ou representações coletivas. Fixam padrões de comportamento individual e coletivo, simplificando as opções disponíveis, imiscuindo-se na percepção dos indivíduos como algo semelhante a um “instinto.”

Como não nos deixa olvidar Sérgio Cavalieri Filho, em última análise refletem a história da evolução das sociedades e o desmembramento das especificidades de sua cultura, abrangendo desde formas mais coletivistas, que estabelecem normas de conduta indiferenciadas entre direito, moral, religião, economia, política, até formas mais complexas, com normas abstratas e generalizáveis, apanágio de um direito formalmente estruturado. Assim sendo, é imperioso abrangerem diversos campos sociais de comunicação existentes, daí falar-se em instituições sociais em sentido estrito, como as políticas, econômicas, jurídicas, religiosas etc.

Ainda na esteira doutrinária de Yepes Stork, temos que um Estado se aproximará mais fortemente da realização de seus ideais democráticos, e o Direito desempenhará com maior eficiência seu papel ativo de transformador da realidade social para melhor, quanto mais sólidas forem suas instituições.

A essa solidez das instituições sociais denominamos “qualidade institucional”, que se encontra visceralmente ligada ao atendimento das exigências coletivas, o que, em última análise, nada mais significa que o atendimento das demandas imanentes ao bem comum, se aproximando este de uma função social, entendida como a compatibilização entre interesses de ordem individual com interesses de ordem coletiva.

Assim, é corolário lógico que quanto mais capacidade de efetivação do bem comum se verificar, maior será a qualidade institucional. Vale dizer, são “grandezas” diretamente proporcionais, que espelham com regular fidedignidade as pessoas que compõem as instituições.

O professor Carlos Alberto Piedra Buena, catedrático da Universidad del Museo Social Argentino e da Universidad de Buenos Aires, em sua obra La función de gobierno en una antropología realista, afirma que

...calidad institucional [...] más Allá de los aspectos formales del sistema democrático desarrollado en la actualidad en el mundo como nunca antes, lo que verdaderamente importa es el desenvolvimento concreto de sus instituciones básicas...” “El problema que nos ocupa no es nuevo, la magnitud de su gravedad refleja palidamente la crisis de nuestro sistema de valores, de la política, de las instituciones ..., y en extrema sintesis de Estado-nación.

La peculiariedad de la actual coyuntura impone nuevos desafios a la dirigencia e instituciones de nuestro país; encontrar respuestas adecuadas a problemáticas sociopolíticas propias de esta época signada por la incertidumbre de un mundo en cámbio, no siempre ha sido viable.

A la aguda crisis política, económica y cultural instalada en nuestra sociedad en las últimas décadas, se la ha vinculado con la calidad de las instituciones. (PIEDRA BUENA, Carlos Alberto. La función de gobierno en una antropología realista. Abeledo Perrot: Buenos Aires, 2007)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Todas estas considerações acerca de instituições sociais se fazem necessárias para que possamos compreender na plenitude a problemática a que nos propusemos trabalhar, em razão da fragilidade das mesmas. Senão vejamos.


III – A disfuncionalidade da prestação jurisdicional à luz de uma perspectiva hermenêutica

Quando falamos de disfuncionalidade da tutela jurisdicional não há como não falar da falência de nossas instituições democráticas, motivo pelo qual tecemos as ponderações supra. Todavia, não é pretensão deste modesto ensaio esgotar o tema, mas apenas analisar uma parcela específica dessas instituições: as instituições jurídicas. Vejamos.

Por mais que a função primordial do Direito seja a de prevenir conflitos de interesses, não se pode ignorar a sua função secundária, que é a composição de conflitos, quando falha a prevenção. E nos últimos tempos esta última ganhou tanto relevo que diversas ações do Poder Judiciário foram adotadas no sentido de estimular os meios alternativos de soluções de conflitos, para que a função preventiva readquirisse o papel de protagonismo. Vale dizer, houve uma inversão na ordem de importância das funções desempenhadas pelo Direito.

Dessa forma, os órgãos do Poder Judiciário ganharam cada vez mais notoriedade, em razão da banalização da utilização da Justiça pelos cidadãos, que esperam desta respostas satisfatórias aos seus anseios.

Todavia, para que as respostas lavradas pelo Judiciário sejam verdadeiramente adequadas, há a imperiosa necessidade de se imprimir às normas jurídicas um sentido que se coadune com as exigências da justiça social. Isto pelo fato de inexistirem normas jurídicas “inocentes”, pois do ponto de vista pragmático do discurso decisório, a norma jurídica visa findar um embate.

Ocorre que não há como se atribuir um sentido como esse caso não se conheça a fundo as estruturas socioeconômicas em que estas relações se estabelecem. Isso muito em razão das normas jurídicas serem “silentes”, somente passando a exprimir algo quando nós, hermeneutas, assim o fazemos.

E como as normas jurídicas através das quais o Direito se expressa são signos linguísticos dotados intrinsecamente de incerteza significativa, a figura do intérprete assume papel vital no processo interpretativo que tende a oferecer respostas aos problemas jurídicos, daí a necessidade de estar o profissional do Direito inserido na realidade social alvo da norma, em especial o magistrado, pois é este que diz o direito aplicável ao caso concreto, retirando das vísceras da norma sua essência, a sua verdade.

Isso não significa dizer que aquela seja a única solução possível para o caso, e que o juiz possa interpretar a norma da maneira que melhor lhe aprouver, pois se desse modo fosse, abertas estariam as portas para que se instalasse a arbitrariedade, dada a descomunal importância que seria atribuída à subjetividade.

Dessa forma, na esteira de Lenio Streck, temos que interpretar é hermenêutica, e hermenêutica é compreensão, e através dessa compreensão se produz o sentido, pois as coisas ficam assim interpretadas ou explicitadas quando são entendidas como tais coisas, e não pelo fato de oferecerem-se à vista, nem tampouco por usá-las. Por isso, a presença das coisas “como tais” á a aparição do sentido. A interpretação faz surgir o sentido.

Quando os entes do mundo são compreendidos, dizemos que tem sentido, ainda que o compreendido não seja o sentido, mas os mesmos entes. Dessa forma, sentido, de acordo com a doutrina de Heidegger, é aquilo no que se apoia a compreensão de algo. Como tal, não há que imaginar-se que o sentido esteja flutuando sobre as coisas, nem escondido nelas tal qual um tesouro.

Assim, como nos adverte Lenio Streck:

...não há um sentido escondido na norma/texto, que possa ser alcançado de forma essencialista; tampouco há um sentido imanente, inerente, como uma espécie de elo (fundado/fundante) que liga o significante ao significado, como um objeto que possa ser buscado, através de um processo interpretativo-objetivante, pelo sujeito cognoscente. Igualmente, o intérprete não estará livre para atribuir qualquer sentido ao texto. (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2011)

O que ocorre é que, desde sempre, o sujeito interpretante está inserido no mundo, em um mundo linguisticamente constituído, de onde é impossível a emergência de um cogito desindexado da tradição. Somente compreendendo é que se pode interpretar.

Dessa forma, fazer hermenêutica jurídica é realizar um processo de compreensão do Direito. Fazer hermenêutica é desconfiar do mundo e de suas certezas, é olhar o texto de soslaio, rompendo-se tanto com uma hermenêutica jurídica tradicional-objetivante como de um subjetivismo advindo do idealista paradigma epistemológico da filosofia da consciência.

Ainda na esteira do referido mestre gaúcho, temos que com essa nova compreensão hermenêutica do Direito recupera-se o sentido possível de um determinado texto, e não a construção ou reconstrução do texto advindo de um significante primordial fundante.

Exemplificativamente, temos que não há um dispositivo constitucional que seja, em si e por si mesmo, de eficácia plena, contida ou limitada. Isto pelo fato de a eficácia do texto dispositivo advir de um trabalho de atribuição de sentido, que será feita pelo hermeneuta, obviamente que a partir de sua inserção no mundo através da intersubjetividade.

Vale dizer, não há sentidos apriorísticos ou verdades inquestionáveis, como querem fazer crer aplicadores do Direito, inseridos na já delineada crise de paradigma de dupla face, no dizer de Streck, conseguem produzir e reproduzir decisões sem se darem conta das repercussões sociais e da própria função social deles, juristas, e do potencial descumprimento do texto constitucional.

Isso porque não se apercebem do devir histórico, espaciotemporal, da consciência exposta aos efeitos da história e de sua situação hermenêutica, ou seja, não têm a compreensão prévia, a antecipação do sentido do que seja, v.g., a função social do Direito e do Estado.

E é exatamente neste instante em que chegamos ao ponto alto de nossa exposição, pois que basicamente existem dois modos cognitivos dos objetos que compõem a realidade circundante, seja a realidade natural seja a realidade cultural. Respectivamente temos a explicação e a compreensão.

No que se refere aos objetos naturais, estes somente admitem a explicação, o que se obtém referindo tais fenômenos a uma causa. Por isso, a explicação pode ser vista, genericamente, como algo extremamente objetivo, neutro e refratário à esfera axiológica.

Por isso é que não raro temos notícias de verdadeiros gênios da matemática, física etc. com dez ou doze anos de idade, já lecionando nas mais conceituadas universidades do mundo. Tudo isso pelo fato de não se exigir dos mesmos experiência, vivência. Tal fato jamais ocorreria em âmbito de ciência social.

Quanto aos objetos culturais, há a imperiosa necessidade de compreender-se, o que pressupõe um conhecimento mais íntimo, porquanto é possível ter e vivência de revivê-los. Pelo fato de os objetos culturais refletirem uma determinada cultura humana, a interpretação do Direito opera uma verdadeira compreensão, desenvolvendo-se numa dimensão axiológica. Observe-se que toda atividade interpretativa tem de visar, na ordem, aquilo que é compreensível, inteligível em sentido concreto.

A atividade hermenêutica é um verdadeiro modo de conhecimento da vida humana, sendo o fundamento mesmo de objetos culturais como o Direito, pois que a atividade interpretativa vislumbra-se no plano histórico, vez que as interpretações dos fenômenos humanos emanam da própria experiência vivida, experiência essa concreta, histórica e viva.

Desse modo, nos aproximando de Wilhelm Dilthey, devemos, em atividades interpretativas, primar por modos históricos de compreensão, mais do que para modos científicos, somente podendo compreender-se por uma referência à própria vida, em toda a sua historicidade e temporalidade.

E para a apreensão da ordem jurídica, como qualquer outra humana, exige-se a utilização de um método adequado, de natureza empírico-dialética, constituído pelo ato gnosiológico da compreensão.

Remontando ao imortal mestre argentino Carlos Cossio, criador da Teoria Egológica do Direito, temos que é empírico pelo fato de se tratar de feitos, já que os objetos culturais são reais espaciotemporais, e o modo de captarmos é realmente vivendo-os, palpavelmente.

É dialético porque sua compreensão se dá através de um eterno diálogo entre o seu substrato e sua vivência espiritual. Esse ir e vir dialético manifesta-se através do confronto entre o texto normativo e a realidade normada, mediante um processo aberto a novos significados.

Isso ocorre da mesma forma na hermenêutica jurídica, pois como o significado jurídico é coparticipado pelos atores sociais, o intérprete do Direito atua como verdadeiro porta-voz do entendimento societário, à proporção que exterioriza os valores fundantes de uma comunidade jurídica.

Carlos Cossio percebe a norma jurídica como um conceito que revela em si mesma a conduta humana em sua interferência intersubjetiva, o que constituía uma ruptura com o modo kelseniano de enxergar a natureza do Direito, seu objeto e forma de aplicação.

Dessa forma, para Cossio, o juiz, ao aplicar a lei, atribui ou retira sentido na conduta considerada pela norma. Interpreta-a de acordo com a ciência e consciência, movidas que estão ambas pela vocação para os valores jurídicos.

O juiz, portanto, não deve ser um indivíduo alijado da realidade jurídica, pois seu poder de ação o conduz a construir também o próprio direito, pois se insere no ordenamento e por ele está condicionado. A sentença não é o direito concluso, mas é obra vinculada a um processo de conhecimento circular e contínuo, através do qual o substrato empírico (conduta humana), quando retratado na norma, é posto à prova pela dialética.

Destarte, a finalidade precípua é a de proferir-se a sentença com conhecimento que compreende a realidade do objeto e sua manifestação normativa. Isto caracteriza o egologismo existencial, no qual a norma é construção de juízos hipotéticos que refletem o objeto do Direito, vale dizer, a experiência interpsicológica do indivíduo no convívio social.

Essa posição de Cossio se aproxima do jusfilósofo espanhol Recaséns Siches e da teoria da razão vital de Ortega y Gasset aplicada ao Direito. Na concepção vitalista, o Direito é fato histórico produzido pela vida humana vinculada à época e à cultura na consecução de propósitos específicos.

Difere-se, para tanto, a vida humana autêntica, imbuída de caráter psíquico, cultural e fisiológico, da vida humana objetivada, incutida de abstração linguística para traduzir a primeira.

A lógica formal, infundida na linguagem, é inaplicável no processo decisório. Ela serve à compreensão dos termos e conceitos técnico-científicos, objetos de uma teoria geral do Direito.

O juiz, na aplicação da lei ao caso in concreto, precisa motivar as valorações legais, sociais e pessoais, a partir das quais resultar-se-á na convicção social motivada pela razão vital construída pelo existir humano.

Assim, a realidade originária que fez construir uma norma, deve ser revista pelo juiz quando da aplicação para a realidade vigente à sua época. E já que se lhe impõe analisar a existência humana por intermédio da convicção do dinamismo histórico, é inoperante fornecer ao Direito um caráter de segurança e solidez imutável, pois as relações humanas estão isentas de segurança objetiva, haja vista a complexidade das ações de um mesmo indivíduo dentro do meio social.

As construções históricas são caracterizadas pelo inusitado, e não pelo comodismo seguro operações matemáticas. É a razão vital que opera a razoabilidade no trato com as questões jurídicas.

Dessa forma, se essa exigência de efetiva inserção no meio social pelos atores sociais, e em especial pelos juízes, tem de ser satisfeita, para que se atribua uma correta significação da norma jurídica aos problemas concretos que se lhe apresentam, é evidente que o distanciamento desta realidade implica necessariamente em uma prestação jurisdicional deficiente, pois que não se consegue ter a exata noção das estruturas sociais nas quais as relações se verificam.

Isso porque o magistrado deve cotejar a sua percepção acerca da norma jurídica com as impressões desta pelo social, o que não significa um “judicar ao sabor das manifestações sociais”, muitas vezes maléficas, pois que potencialmente motivadas por uma exigência de “justiça” que beira a barbárie.

Mas o magistrado deve “deixar a janela aberta” para que o vento das impressões sociais lhe possam arejar as ideias, e assim ajudar no processo de formação de seu convencimento, pois quando o juiz submete suas visões às visões da sociedade sobre determinado fato (contrastação da realidade à realidade normada), para que possa ser confirmada ou refutada, estará mais se aproximando da verdade, do ideal de justiça, que nada mais é que a aceitação de determinado padrão de conduta, por expressiva camada social, durante determinado lapso temporal.

O problema é que este tipo de conduta, por parte dos profissionais do Direito, é desestimulada já desde a graduação, pois que a esmagadora maioria das faculdades jurídicas, infelizmente, transformaram-se em verdadeiros “cursinhos preparatórios para concursos públicos”, ao invés de proporcionar uma formação holística ao discente.

Isso se verifica, dentre outros, pelo fato de serem quase nulos os estudos, no âmbito acadêmico, que não tenham por base uma pesquisa puramente bibliográfica, vale dizer, uma percepção fria a respeito da realidade social circundante. Quase não se observam pesquisas de campo, que primam pela observação da realidade social tal qual ela ocorre, ou, no dizer de Recaséns Siches, da vida humana autêntica/real.

Assim, como querer que nossos profissionais, em especial os juízes, que são quem possuem a prerrogativa constitucional de dar o direito ao caso concreto, atribuam sentidos adequados à norma jurídica, já que se desestimula o conhecimento da realidade onde estas relações sociais se desenvolvem? Seria quase exigir o inexigível. Esse um vício que se verifica em nossas instituições jurídicas de ensino e consequentemente o Poder Judiciário, por isso as analisamos anteriormente, e vimos que o Estado será tanto melhor quanto mais qualidade suas instituições possuírem. Logo, urge sanar tal vício, que tem como corolário lógico inquinar o Estado brasileiro.


IV – Conclusão

Portanto, a forçosa conclusão a que se chega é a de que constitui exigência premente uma reformulação do saber jurídico desde as faculdades, com o estímulo a atividades de campo, tornando-as obrigatórias, para que aí sim, se possa ter uma percepção mais acertada sobre os problemas que assolam o social, bem como a efetiva inclusão dos profissionais do Direito, em especial os magistrados, em todos os nichos sociais (reuniões periódicas com estes setores, através de seus representantes, v.g. líderes comunitários etc.) que possuem visões parciais a respeito do fenômeno jurídico, pois que isso lhes será vital no processo de formação do convencimento e consequentemente, nas tomadas de decisão e invariavelmente fará com que se aproximem da almejada justiça, sem o que nossa prestação jurisdicional tenderá a continuar, em boa parte, disfuncional.


REFERÊNCIAS

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica. 13. ed. São Paulo: Forense, 2013.

COSSIO, Carlos. El principio en la axiología egológica. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1947.

COSSIO, Carlos. El Fundamento Filosófico de los Métodos Interpretativos. Buenos Aires: G. Kraft, 1948.

DILTHEY, Wilhelm. Psicologia da Compreensão. Lisboa: Edições 70, 2012.

HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e Interesse. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez. Madrid: Trota, 1996.

HART, H.L.A. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.

PIEDRA BUENA, Carlos Alberto. La función de gobierno en una antropología realista. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2007.

SICHES, Luís Recaséns. Tratado de Sociologia. Porto Alegre: Globo, 1970.

SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e Interpretação Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010.

STORK, Ricardo Yepes. Fundamentos de Antropologia: um ideal de excelência humana. São Paulo: Cultura, 2010.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

Sobre o autor
Diego Sabóia e Silva

Advogado (OAB/CE nº 21.221). Procurador Jurídico Efetivo do Município de Forquilha/CE. Professor do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais. Pós-graduado, lato sensu, nível de especialização, em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Diego Sabóia. Distanciamento da realidade social: uma possível causa da disfuncionalidade da tutela jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4767, 20 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35388. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!