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A indeterminação temporal da medida de segurança à luz da Constituição Federal e sua aplicabilidade no Município de Rio Branco-Acre

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A limitação do prazo de cumprimento das medidas de segurança configura-se como uma ferramenta essencial na observância e efetivação dos direitos e garantias fundamentais dos inimputáveis, assegurando-lhes a qualidade de seres humanos dignos.

RESUMO: A pesquisa objetiva o estudo da Medida de Segurança e sua incompatibilidade com a efetivação dos direitos fundamentais em face da indeterminação de seu prazo de duração, a eficácia do tratamento nos hospitais de custódia, utilizando a pesquisa bibliográfica e documental e a coleta de dados realizada nos órgãos responsáveis pela execução. A legislação penal não prevê prazo máximo de cumprimento, o critério utilizado é a verificação da cessação da periculosidade, realizada através de uma perícia médica periódica. Na maioria dos casos, o agente não se recupera e cumpre a medida em um lapso temporal acima do cominado para o crime cometido, ocasionando uma verdadeira violação aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, vedação da pena de caráter perpétuo e da dignidade da pessoa humana. A Medida de Segurança surgiu no Direito Romano devido à necessidade de tratamento diferenciado àqueles que não tinham o necessário discernimento no momento do crime, decorrente de alguma patologia mental. O Estado forneceu um tratamento desprovido de qualquer conhecimento científico a essas pessoas, sem quaisquer políticas públicas e legislações especializadas. Além de realizar uma abordagem da problemática referente à duração do prazo é necessário despertar o senso crítico sobre a ausência de políticas públicas destinadas à saúde mental desses indivíduos nos estabelecimentos de custódia, sobretudo no Município de Rio Branco, em consonância com a Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 10.216/2001.

Palavras - chave: Medida de Segurança. Prazo indeterminado. Cessação da periculosidade. Princípio da vedação da pena de caráter perpétuo. Princípio da dignidade da pessoa humana.


INTRODUÇÃO

O tema medida de segurança enseja muitas discussões no mundo jurídico e a analise de aspectos referentes à sua eficácia, prazo de duração, bem como se os critérios estabelecidos para sua cessação estão de acordo com os direitos fundamentais previstos no texto constitucional.

Inicialmente, pretende-se abordar os aspectos teóricos da pesquisa, enfocando os principais conceitos correlacionados, como o de crime, imputabilidade e medida de segurança, bem como os requisitos e as formas de execução, e, por fim, realizar uma análise da medida de segurança frente aos princípios constitucionais.

O cerne do trabalho será a problemática que gira em torno do aspecto temporal da medida de segurança, ou seja, se a indeterminação da duração pode caracterizá-la como uma pena de caráter perpétuo. Nesse momento, serão abordadas as posições doutrinárias e jurisprudenciais e sua aplicabilidade no Município de Rio Branco.

A importância do referido tema justifica-se devido à discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da medida de segurança no que concerne ao seu limite temporal, aplicação e eficácia no sistema penal brasileiro.

Destaca-se que, apesar de os Tribunais Superiores, ultimamente, frisarem o entendimento de que se deve observar a limitação do prazo de cumprimento da medida de segurança, isso nem sempre é cumprido pelas instituições de custódia de tratamento, que, simplesmente, ignoram a desinternação progressiva, implicando numa verdadeira afronta ao princípio da vedação de pena perpétua, bem como ao princípio da dignidade da pessoa humana estabelecidos na Carta Magna.

Ademais, será possível, a partir desse estudo, verificar se os direitos fundamentais inerentes a todos os indivíduos estão sendo garantidos a estas pessoas, que, por sua condição especial, não podem entender o caráter ilícito de seus atos, mas nem por este motivo podem ser privadas de sua dignidade humana e submetidas à pena perpétua.

Salienta-se ainda que através do conhecimento das principais posições doutrinárias, dos julgados e demais informações referentes ao tema será possível despertar no operador do direito uma crítica acerca dos métodos adotados de repressão pela prática de um delito, e, ainda, se estes estão sendo eficazes quanto ao objetivo de reinserir esses indivíduos no convívio em sociedade.

Em relação aos procedimentos metodológicos, foi utilizada para o desenvolvimento deste estudo a pesquisa qualitativa, pois esta tem por objetivo apresentar como vem sendo aplicada a medida de segurança, principalmente nos estabelecimentos de custódia e tratamento. Foi realizada também a pesquisa quantitativa, pertinente aos dados a serem obtidos nas Varas de Execuções Penais, no Instituto de Administração Penitenciária do Acre e no Hospital de Saúde Mental do Acre acerca do número de detentos que estão cumprindo a pena acima do limite previsto e como ocorre a execução e o acompanhamento da medida de segurança.

O método de abordagem utilizado foi o dedutivo, de base racionalista, que pressupõe que apenas a razão pode conduzir ao conhecimento verdadeiro. Tendo em vista o fato de o núcleo desta pesquisa ser a medida de segurança, num aspecto geral, foi necessário delimitá-lo, no que diz respeito seu critério de temporalidade, averiguando se a indeterminação do prazo afrontaria os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, com ênfase na eficácia ou não do tratamento cominado a esses indivíduos, proporcionando um aspecto particular ao tema.

Como método de procedimento foi utilizado a pesquisa bibliográfica e documental, onde houveram estudos e análises através de materiais já elaborados como: livros de Direito Penal - Parte Geral, Livros específicos de Medida de Segurança e Direitos fundamentais, bem como a Constituição Federal, Lei de Execução Penal, Lei nº 10.216/2001, jurisprudências dos Tribunais Superiores relativos à medida de segurança, consulta de artigos, periódicos, teses de dissertações de mestrado e monografias disponibilizados na internet.

 A pesquisa é dividida em três capítulos. Deste modo, o primeiro capítulo aborda inicialmente o conceito de crime, visto que, o mesmo é o alicerce do Direito Penal e não há como se discutir qualquer matéria inerente a esse ramo sem o citar sob o seu aspecto formal, material e analítico. Posteriormente, fala-se de imputabilidade penal, inimputabilidade e semi-imputabilidade, imprescindível para o desenvolvimento desta pesquisa, pois está relacionada com a capacidade ou não da pessoa de ter consciência sobre seu ato cometido, sendo que a ausência desta constitui um dos pressupostos para a imposição da medida. Por conseguinte, discorre-se sobre os sistemas penais e a alteração do Código Penal que antes adotava o sistema do duplo binário em que havia a cumulação de pena e medida de segurança, ao passo que atualmente adota o sistema vicariante, no qual apenas é aplicada a pena ou a medida de segurança, dependendo do caso concreto, vedando-se a possibilidade de condenação dupla pelo mesmo fato.

O segundo capítulo dedica-se especificamente à medida de segurança, apresentando s conceito, origem, requisitos, modo de execução e sua implicação frente aos dos princípios penais e constitucionais. Ao expor o conceito deste instituto, já se pode ter uma noção inicial das controvérsias que o assunto envolve. A partir do tópico que descreve o breve histórico é possível observar como a medida de segurança originou-se no âmbito jurídico e ganhou relevância ao longo dos tempos. Na parte que trata dos requisitos, espécies e aplicação, verificam-se os pressupostos necessários para a aplicação da medida, bem como os procedimentos correlatos. No tópico que aborda a execução, é possível conhecer como a medida de segurança está inserida na Lei de Execuções Penais. Logo após, discute-se o instituto da medida de segurança, analisando se os princípios penais e constitucionais inerentes aos sujeitos que se encontram nessa situação estão sendo violados.

Por fim, no terceiro capítulo, analisa-se o caráter indeterminado da medida de segurança e o critério de verificação da cessação da periculosidade, através da apresentação das principais concepções doutrinárias a respeito do aspecto constitucional de sua indeterminação temporal e natureza jurídica da medida, bem como traz uma discussão acerca do princípio da vedação da pena de caráter perpétuo e do princípio da dignidade da pessoa humana previstos na Constituição Federal. Também se faz menção à Lei 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. Posteriormente, fala-se do entendimento dos tribunais superiores acerca da matéria e a controvérsia existente em relação ao prazo de duração. Finalmente, conclui-se apresentando o panorama atual de como é aplicada e executada essa espécie sancionatória aos portadores de transtornos mentais, autores de delito no Município de Rio Branco-Acre.

Nesse sentido, uma lei penal que não determina o prazo máximo de cumprimento da medida, em detrimento dos princípios constitucionais da vedação de pena de caráter perpétuo e da dignidade da pessoa humana, dentre outros, envolve não só uma atuação dos operadores de direito, mas também a efetivação de políticas públicas governamentais, dado o direito fundamental à integridade corpórea de todos os indivíduos, independentemente de sua higidez mental, ainda que se baseie no mínimo existencial.


1 CRIME

Neste capítulo, que tem uma finalidade introdutória, estuda-se o crime, fenômeno social de extrema relevância para o ordenamento jurídico, mencionando desde a parte conceitual da matéria até as principais teorias, as quais discutem os elementos e pressupostos para que se possa reconhecer a prática de um delito. Isso porque, faz-se necessária a recapitulação e explicação do objeto da ciência criminológica antes que se adentre na discussão do tema principal.

Em seguida, serão explicadas as definições de imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade dando ênfase ao elemento capacidade, igualmente importante para a configuração da medida de segurança. Em seguida, de forma sucinta, discorre-se sobre os sistemas penais, momento em que é possível notar a evolução do ordenamento jurídico brasileiro ao adotar o sistema vicariante.      

1.1 Conceito de Crime

Antes de tratar de qualquer tema inerente à esfera penal é imprescindível estudarmos os principais conceitos de crime adotados pela doutrina, eis que o crime é o alicerce do Direito Penal e, para presente trabalho, é de suma importância abordar seus principais aspectos conceituais com o escopo de formular um embasamento mais sólido acerca do tema principal Medida de Segurança.

Ressalta-se que existem várias concepções para o crime. Adiante, serão abordadas as principais concepções adotadas pela doutrina.

A doutrina confere três conceitos ao crime, quais sejam: material, formal e analítico.

Sob o aspecto formal, crime seria toda conduta que atentasse, que colidisse contra a lei penal editada pelo Estado. Esse conceito considera infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, sem se atentar ao seu conteúdo. Neste caso, considera a existência de um crime sem analisar se sua essência ou lesividade material afronta o princípio da dignidade da pessoa humana.

O conceito material aduz que crime é aquela conduta que viola os bens jurídicos mais importantes e baseia-se no princípio da intervenção mínima quando impõe que somente haverá crime quando a conduta do agente atentar contra os bens mais importantes. Convém ressaltar que, mesmo sendo importante e necessário o bem para manutenção e a subsistência da sociedade, se não houver uma lei penal protegendo-o, por mais relevante que seja, não se configurará crime, em face do princípio da legalidade.

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Nesse sentido, a concepção material de crime busca entender a essência, ou seja, a razão de determinado fato ser considerado criminoso e outro não, e, ainda, se esse fato humano lesa ou expõe a perigo a coletividade e a paz social.

Já o conceito analítico analisa todos os elementos estruturais do crime, em que o agente comete o delito caracterizado como fato típico, ilícito e culpável ou a conduta praticada por ele será considerada um indiferente penal. A partir desse estudo analítico, ou seja, em etapas, é possível identificar a infração e formular uma decisão mais justa acerca dela. Deste modo, deverá verificar-se inicialmente a tipicidade da conduta, depois constatar a ilicitude ou não da mesma e, por fim, a culpabilidade do autor do crime, elemento este que será discutido adiante.

O conceito analítico é o mais aceito pela doutrina. Para a concepção de analítica de crime levam-se em conta os elementos estruturais do crime, em que pode ser adotada alguma das teorias a serem abordadas no tópico seguinte, quais sejam: a teoria bipartite, que considera o crime como fato típico e ilícito; a teoria tripartite; que considera o crime fato típico, ilícito e culpável; e a teoria quadripartite; que considera o crime como fato típico, ilícito, culpável e punível.

Portanto, nota-se que o conceito formal e material são insuficientes para permitir ao ramo do direito penal a realização de uma análise dos elementos estruturais do conceito de crime, sendo assim, o conceito analítico, através de um estudo estratificado, é o mais adequado para configurar a existência ou não de infração penal de forma mais segura.

1.2 Teorias do Crime

A teoria do crime estuda todos os elementos e pressupostos para que se possa reconhecer que foi praticado um crime. Foram formuladas pelos doutrinadores a teoria bipartite, tripartite e quadripartite do conceito de crime.

Para Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 220):                                              

Com o finalismo, a teoria do delito encontra um dos mais importantes marcos de sua evolução. A contribuição mais marcante do finalismo, aliás, que já havia sido iniciada pelo neokantismo, foi a retirada de todos os elementos subjetivos que integravam a culpabilidade, nascendo, assim, uma concepção puramente normativa. O finalismo deslocou o dolo e a culpa para o injusto, retirando-os de sua tradicional localização- a culpabilidade-, levando, dessa forma, a finalidade para o centro do injusto. Concentrou na culpabilidade somente aquelas circunstâncias que condicionam a reprobabilidade da conduta contrária ao Direito, e o objetivo da reprovação (conduta humana) situa-se no injusto. Essa nova estrutura sustentada pelo finalismo trouxe inúmeras consequências, dentre as quais se pode destacar: a distinção entre tipos dolosos e culposos, dolo e culpa não mais como elementos ou formas de culpabilidade, mas como integrantes da ação e do injusto pessoal, além da criação de uma culpabilidade puramente normativa.

Na concepção bipartida, adotada por Fernando Capez, o elemento culpabilidade não integra o conceito de crime. Assim, Fernando Capez (2009, p. 114) preconiza:

A Teoria Naturalista ou Causal, mais conhecida como Teoria Clássica, concebida por Franz von Liszt, a qual teve em Ernest von Beling um de seus maiores defensores, dominou todo século XIX, fortemente influenciada pelo positivismo jurídico.Para ela, o fato típico resultava de mera comparação entre a conduta objetivamente realizada e a descrição legal do crime, sem analisar qualquer aspecto de ordem interna, subjetiva. Sustentava que o dolo e a culpa sediavam-se na culpabilidade e não pertenciam ao tipo.

Assim, reforça renomado autor supracitado que a culpabilidade não pode ser considerada como elemento externo de valoração exercido sobre o autor do crime e, ao mesmo tempo, estar dentro dele. Para ele, não existe crime culpado, mas autor de crime culpado.

Doutrinadores como Damásio de Jesus, Celso Delmanto, Renê Ariel Dotti e Julio Fabbrini Mirabete também adotam essa corrente da concepção bipartida (tipicidade, ilicitude), e entendem que culpabilidade é um mero pressuposto de aplicação da pena.

Fernando Capez (2009, p. 114) cita ainda:

Quando se fala na aplicação de medida de segurança, dois são os pressupostos: ausência de culpabilidade (o agente deve ser um inimputável) + prática de crime (para internar alguém em um manicômio por determinação de um juiz criminal, é necessário antes provar que esse alguém cometeu um crime). Com isso, percebeu-se que pode haver crime sem culpabilidade.

Convém salientar, a posição de Damásio de Jesus (2009, p. 451) que aduz:

[...] Para a existência do crime, segundo a lei brasileira, é suficiente que o sujeito haja praticado um fato típico e antijurídico. Objetivamente, para a existência do crime, é prescindível a culpabilidade. O crime existe por si mesmo com os requisitos “fato típico” e “ilicitude”. Mas o crime só será ligado ao agente se for culpável. É por isso que o CP, no art. 23, emprega a expressão “não há crime” (as causas de exclusão da antijuricidade excluem o crime); nos arts. 26, caput, e 28, § 1º, emprega a expressão “é isento de pena” (corresponde a “não é culpável”). Se a expressão “é isento de pena” significa “não é culpável”, subtende-se que o Código considera o crime mesmo quando não existe culpabilidade em face do erro de proibição (art.21, caput, 2ª parte). É como se o Código dissesse: “não é culpável quem comete o crime”. Assim, “o legislador penal separou, de forma bem patente, a ilicitude, aparte objecti, da culpabilidade, a antijuricidade objetiva da relação subjetiva com o fato, i.e., do juízo de valor sobre a culpa em sentido lato”. “Entende assim o Código pátrio que havendo fato típico e antijurídico, configurado encontra-se o ilícito penal”.

A corrente da concepção tripartida é majoritária, sendo adotada pelos doutrinadores Rogério Greco, Hans Welzel, Luis Regis Prado, Cezar Bitencourt, Francisco de Assis Toledo, Edgard Magalhães Noronha, Heleno Fragoso, Frederico Marques, Paulo José da Costa Júnior, Aníbal Bruno, Nélson Hungria, Guilherme Nucci, Fernando Galvão, Juarez Tavares, entre outros.

Essa corrente aduz que não somente a tipicidade e ilicitude são pressupostos da pena, mas também a culpabilidade, no entanto, ambas colaboram para que o agente seja responsabilizado ou não pelo delito praticado.

Para seus defensores, crime só pode ser fato típico, ilícito (antijurídico) e culpável, uma vez que, sendo o dolo e a culpa imprescindíveis para sua existência e estando ambos na culpabilidade, por óbvio esta última se tornava necessária para integrar o conceito de infração penal. Todo penalista clássico, portanto, forçosamente, precisa adotar a classificação tripartida, pois do contrário teria de admitir que o dolo e o crime não pertenceriam ao crime, o que seria juridicamente impossível de sustentar.

Portanto, de acordo com essa visão analítica, o conceito de crime pressupõe como o fato típico, ilícito e culpável.

O fato típico, segundo uma visão finalista é composto dos seguintes elementos:

a) Conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva

b) Resultado

c) Nexo de causalidade entre a conduta e o resultado

d) Tipicidade (formal e conglobante)

Em relação à conduta, cabe destacar as teorias mais divulgadas sobre a conduta. São elas: teoria causalista, teoria finalista e teoria social.

Segundo a teoria causalista, a conduta é um comportamento humano voluntário no mundo exterior, que consiste em fazer ou não fazer. Deve-se apreciar o comportamento sem qualquer menção acerca da sua ilicitude ou culpabilidade.

De acordo com a teoria finalista, a conduta é uma atividade final humana e não um comportamento simplesmente causal, ou seja, toda sua conduta tem uma finalidade. Assim, leva-se em consideração se o fato típico tinha como fim esse resultado ou se assumiu conscientemente o risco de produzir o resultado.

Para a teoria social, a conduta deverá ser socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. Assim, só haverá fato típico, portanto, segundo a relevância social da ação.

A conduta penalmente relevante ocorre de forma ativa quando há um movimento qualquer do agente percebido pelo mundo exterior, ou seja, uma ação recebendo o nome de conduta comissiva. A segunda forma de manifestação pode ocorrer mediante uma inação, quando se estará diante de uma conduta omissiva. A conduta comissiva em direito penal implica na existência de um tipo penal proibindo a conduta. O crime comissivo é aquele em que o comando normativo do tipo penal espera do indivíduo uma abstenção. Na verdade, o tipo de um crime omissivo não espera ação alguma, ele espera uma inação um não agir.

As duas formas de manifestação da conduta, portanto, são essas: ação ou omissão. Mas para que esteja configurada uma ação ou omissão, ela deve ser voluntária.

A conduta voluntária é aquela em que não ocorre qualquer força exterior que tenha determinado essa ação ou omissão. É voluntária a conduta em que o agir ou o não agir tenha derivado da vontade do agente. Essa vontade, no entanto, não é a de causar um resultado, mas sim de atuar ou não atuar.

Mas há casos em que o sujeito até age ou não age, mas não se pode dizer que a sua conduta foi voluntária, é o caso, do disparo de uma arma de fogo causando a morte de uma pessoa - não estará configurada a voluntariedade se outra pessoa, com uma força irresistível, tenha segurado a mão do agente forçando o disparo da arma e, com isso, causando a morte.

Exclui a voluntariedade a coação física irresistível, que é diferente do conceito de coação moral, porque esta não exclui voluntariedade alguma, ela pode excluir a culpabilidade do agente.

Na seara dos crimes omissivos próprios ou impróprios também não haverá o elemento voluntariedade da conduta omissiva se o sujeito não tiver condições de agir.

Nos crimes omissivos, a impossibilidade física de agir exclui a voluntariedade da omissão, não havendo, assim, conduta penalmente relevante.

Em relação ainda aos crimes omissivos próprios, essa situação de real impossibilidade de agir não deve ser observada no plano físico, mas sim no plano normativo, pois no plano físico é impossível, na medida em que os crimes omissivos próprios não têm resultado naturalístico algum, sendo crimes de mera conduta, daí, pois, esse aspecto é analisado na esfera normativa, no dolo.

Também não haverá conduta penalmente relevante quando esta for inconsciente. Ou seja, além da voluntariedade, a consciência é requisito fundamental para existência de conduta penalmente relevante.

No tocante aos crimes omissivos, também não haverá conduta, por faltar consciência, quando o sujeito estiver dormindo. Ele não agiu porque estava inconsciente.

A ilicitude ou antijuricidade é aquela relação de contrariedade que se estabelece entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. A licitude ou a juridicidade da conduta praticada é encontrada por exclusão, ou seja, somente será lícita a conduta se o agente houver atuado amparado por uma das causas excludentes da ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal.

Além das causas legais de exclusão da antijuricidade, a doutrina ainda cita outra, de caráter supra legal, qual seja, o consentimento do ofendido. No entanto, para que se possa excluir a ilicitude, são necessários alguns requisitos, quanto ao consentimento:

a) Que o ofendido tenha capacidade para consentir;

b) Que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível; e

c) Que o consentimento tenha sido anteriormente, ou pelo menos numa relação de simultaneidade à conduta do agente.

Se não estiverem presentes os requisitos, o consentimento do ofendido não tem o poder de afastar a ilicitude do ato em questão.

Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do agente. São elementos integrantes da culpabilidade:

a) Imputabilidade;

b) Potencial consciência sobre a ilicitude do fato; e

c) Exigibilidade de conduta diversa.

Rogério Greco é um dos doutrinadores que entende que não só a culpabilidade, mas também o fato típico e a antijuricidade são pressupostos para aplicação da pena.

A corrente da concepção tetrapartida aduz que os elementos tipicidade, ilicitude, culpabilidade e a punibilidade integram o conceito de crime, é adotada pelos doutrinadores Basileu Garcia e Claus Roxin, entre outros.

Esta concepção, que é minoritária e nunca foi adotada pelo Código Penal Brasileiro, sustenta que a responsabilidade do autor do fato punível também deve ser elemento do conceito analítico do delito.

Mesmo com divergência doutrinária existente acerca dos elementos que integram o conceito de crime, a teoria adotada pelo nosso Código Penal é a teoria tripartite. No entanto, deve-se relevar o considerável número de penalistas que a corrente da teoria bipartite, enquanto a teoria quatripartida é bastante minoritária. Portanto, para se caracterizar a existência de um crime é necessário que estejam presentes todos os elementos do crime, quais sejam, o fato típico, ilícito e culpável.

1.3 Imputabilidade Penal

A imputabilidade está relacionada com a capacidade de a pessoa ter consciência sobre seu ato cometido.

É penalmente imputável aquele que entende a ilicitude do ato, devendo responder por suas ações, pois possui consciência da antijuricidade do ato criminoso.

O renomado autor Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 379) ensina:

Nosso Código Penal não define a imputabilidade penal, a não ser por exclusão, ao estabelecer as causas que a afastam, definido, em outros termos, a inimputabilidade de quem, “por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (art. 26, caput). Nessa redação, a Reforma Penal de 1984 substituiu somente a expressão “caráter criminoso” por caráter ilícito do fato. Embora não se possa negar que a nova redação seja mais correta, tecnicamente, não deixa de ser ao mesmo tempo mais abrangente, na medida em que nem todo fato ilícito é igualmente criminoso, passando, assim, a alcançar também ilícitos não definidos como crime.

[...] O sistema biológico condiciona a responsabilidade à saúde mental, à normalidade da mente. Se o agente é portador de uma enfermidade ou grave deficiência mental, deve ser declarado irresponsável, sem necessidade de ulterior indagação psicológica. O método psicológico não indaga se há perturbação mental mórbida: declara a irresponsabilidade se, ao tempo do crime, estava abolida no agente, seja qual for a causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do fato (momento intelectual) e de determinar-se de acordo com essa apreciação (momento volitivo). Finalmente, o método biopsicológico é a reunião dos dois primeiros: a responsabilidade só é excluída, se o agente, em razão de enfermidade ou retardamento mental, era, no momento da ação, incapaz de entendimento ético-jurídico e autodeterminação.

O Direito Penal Brasileiro adota, como regra geral, o sistema biopsicológico e, como exceção, o sistema puramente biológico para hipótese do menor de dezoito anos (arts. 228 da CF e 27 do CP).

Deste modo, a imputabilidade torna o agente responsável pela prática do crime, sujeitando-o à imposição da pena, desde que presentes os demais elementos da culpabilidade.

Assim, podemos concluir que, no direito penal, o fundamento da imputabilidade é a capacidade de entender e de querer. Somente o somatório da maturidade e da sanidade mental confere ao homem a imputabilidade penal. O seu reconhecimento depende da capacidade para conhecer a ilicitude do fato e determina-se segundo esse entendimento.

1.3.1 Conceito de Inimputabilidade e Semi-imputabilidade

A inimputabilidade penal é a incapacidade que tem o agente de responder por sua conduta delituosa, ou seja, o sujeito não possui o necessário discernimento para saber que o fato é ilícito e agir conforme esse entendimento.

Nesse sentido, a inimputabilidade é considerada causa de exclusão da culpabilidade, ou seja, mesmo sendo o fato típico e antijurídico, não é culpável, tendo em vista que inexiste o elemento comprobatório da capacidade psíquica do autor para compreender a reprovabilidade de sua conduta, não incidindo, desta forma, a imposição de pena ao infrator.

Então, foram formulados três critérios para aferição da inimputabilidade:

a) Critério biológico;

b) Critério psicológico; e

c) Critério biopsicológico ou misto.

De acordo com o critério biológico, a inimputabilidade decorre da simples presença de causa mental deficiente. Não há qualquer indagação psicológica a respeito da capacidade de autodeterminação do agente. Se estiver presente uma das causas mentais deficientes (doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado e embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior), exclui-se a imputabilidade penal, ainda que o agente tenha se mostrado lúcido no momento da prática do crime.

Já no critério psicológico, a inimputabilidade só ocorre quando o agente, ao tempo do crime, encontra-se privado de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com este entendimento. Neste sistema, não há necessidade que a incapacidade de entender ou querer derive de uma causa mental preexistente.

Por fim, para o critério biopsicológico, a inimputabilidade é decorrente da junção dos dois critérios anteriores. Nesse caso, será inimputável o sujeito que ao tempo do crime, apresenta uma causa mental deficiente, não possuindo ainda capacidade de compreender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com este entendimento.

Nosso Código filiou-se ao critério biopsicológico, no qual para a pessoa ser considerada inimputável não basta a doença mental, devendo ainda, ao tempo do crime, a pessoa não se encontrar em situação de entender o ato ilícito.

Porém, há uma exceção a este critério biopsicológico, no que se refere aos menores de 18 anos, em que não é necessária a incapacidade de entender ou querer, pois, o Código, para este caso específico, adotou o critério biológico, fixando uma presunção absoluta de inimputabilidade, sem qualquer indagação acerca da real incapacidade de entender ou querer o fato praticado.

Ainda, de acordo com as lições de Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 380):

Pode se afirmar de uma forma genérica, que estará presente a imputabilidade, sob a ótica do Direito Penal brasileiro, toda vez que o agente apresentar condições de normalidade e maturidade psíquicas. A falta de sanidade mental ou falta de maturidade mental, que é a hipótese da menoridade (18 anos), podem levar ao reconhecimento da inimputabilidade, pela incapacidade de culpabilidade. Podem levar, dizemos, porque a ausência da sanidade mental ou maturidade mental constitui um dos aspectos caracterizadores da inimputabilidade. Embora a imaturidade mental, isoladamente, esgote o conceito de inimputabilidade, porque, por presunção constitucional (art.228 da CF e art.27 do CP), o menor de dezoito anos é mentalmente imaturo e, consequentemente, incapaz de culpabilidade, ou, na velha terminologia, irresponsável penalmente. Nessa hipótese, é suficiente que se faça a comprovação da idade do menor, isto é, do aspecto puramente biológico, para estar caracterizada a sua inimputabilidade. Para o reconhecimento da existência de incapacidade de culpabilidade é suficiente que o agente não tenha uma das duas capacidades: de entendimento ou de autodeterminação. É evidente que, se falta a primeira, ou seja, nem a capacidade de avaliar os próprios atos, de valorar sua conduta, positiva ou negativamente, em cotejo com a ordem jurídica, o agente não sabe e não pode saber a natureza valorativa do ato que pratica. Faltando essa capacidade, logicamente também não tema de autodeterminar-se, porque a capacidade d autocontrole pressupõe a capacidade de entendimento. O indivíduo controla ou pode controlar, isto é, evita ou pode evitar aquilo que sabe que é errado.

Em relação ao semi-imputável, podemos dizer ser aquele que tem discernimento reduzido, e, portanto, responsabilidade diminuída.

Considerou-os o Código Penal, no parágrafo único do art. 26, que assim preceitua:

Art. 26, parágrafo único: A pena pode ser reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços), se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 2013a)

O artigo citado possui uma fundamentação biológica, eis que se utiliza da expressão “perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado”. De acordo com o nosso Código, a expressão “doença mental”, utilizada no art. 26, caput, refere-se à incapacidade total, ao passo que a “perturbação da saúde mental”, prevista no parágrafo único do referido art. 26, significa apenas uma incapacidade parcial.

Cabe ressaltar que para o reconhecimento da semi – imputabilidade deve-se haver a presença de dois requisitos:

a) Base biológica: perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto ou então embriaguez completa ou acidental;

b) Base psicológica: diminuição da capacidade de entender ou de querer.

Deste modo, é necessário que a referida diminuição seja proveniente de perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto.

Acerca do acometimento por patologias mentais, é importante remeter-se ao ilustre pensamento de Michel Foucault (1972, p. 335-568).

Na outra extremidade da natureza, o corpo humano também é considerado, até pleno século XVIII, como um dos remédios privilegiados da loucura. Na estranha mistura que constitui o organismo, a sabedoria natural sem dúvida escondeu segredos que são os únicos que podem combater aquilo que a loucura humana inventou de desordem e fantasmas. Aqui, novamente, o tema arcaico do homem-microcosmo, no qual se vêm encontrar os elementos do mundo, que ao mesmo tempo são princípios vitais e da saúde.

Lemery constata em "todas as partes do homem, suas excrescências e seus excrementos", a presença de quatro corpos essenciais: "óleo e sal volátil mistura dos e envolvidos em fleuma e terra"12. Remediar o homem com o homem é lutar através do mundo contra as desordens do mundo, pela sabedoria contra a loucura, pela natureza contra a antiphysis.

Porém a análise geral tem ainda uma outra importância: a falta, com tudo o que nela pode haver de interior e de oculto, logo encontra seu castigo e seu lado objetivo no organismo. Esse tema é muito importante para a psiquiatria do século XIX: a loucura fecha o homem na objetividade. Durante o período clássico, a transcendência do delírio assegurava à loucura, por mais manifesta que fosse, uma espécie de interioridade que nunca se espalhava pelo exterior, que a mantinha num irredutível relacionamento consigo mesma. Agora, toda loucura e o todo da loucura deverão ter seu equivalente externo ou, melhor dizendo, a essência mesma da loucura será objetivar o homem, escorraçá-lo para fora de si mesmo, estendê-lo finalmente ao nível de uma natureza pura e simples, ao nível das coisas.

De acordo com o autor na era clássica, a loucura era entendida como desorganização familiar, desordem social e oferecia perigo ao Estado. Aos poucos, este conceito evoluiu e chegou-se à conclusão de que a loucura era uma doença de natureza médica. Sendo que todas as formas de liberdade eram banidas para que o louco não ameaçasse a sociedade. Dentro das instituições ele era vigiado em todas as suas ações

Atualmente, no que diz respeito à inimputabilidade, a única sanção cabível é a medida de segurança, sendo que na semi–imputabilidade o magistrado pode aplicar pena reduzida ou medida de segurança, conforme a necessidade do agente.

Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2009, p. 199) salientam:

Embora se fale, no caso, de semi-imputabilidade, semirresponsabilidade ou responsabilidade diminuída, as expressões são passíveis de críticas. Na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma consciência da ilicitude da conduta, mas é reduzida a sanção por ter agido com culpabilidade diminuída em consequência de suas condições pessoais. O gente é imputável mas para alcançar o grau de conhecimento e de autodeterminação é-lhe necessário maior esforço. Se sucumbe ao estímulo criminal, deve ter-se em conta que sua capacidade de resistência diante dos impulsos passionais é, nele, menor que em sujeito normal, e esse defeito origina uma diminuição da reprovabilidade e, portanto, do grau de culpabilidade.

Destarte, a imputabilidade diminuída não significa ausência de responsabilidade, tendo em vista que o semi–imputável é penalmente responsável, sendo submetido às consequências jurídico – penais da prática do crime, sendo, a redução da pena mera faculdade do juiz. O montante de redução de um a dois terços varia conforme a maior ou menor diminuição da capacidade de autodeterminação do réu em relação ao crime cometido.

1.4  Sistemas Penais

Trata-se, nesta parte, de forma breve, sobre os sistemas penais existentes no Direito Penal brasileiro.

A partir do Código Penal de 1940, a legislação brasileira sofreu uma alteração em relação à medida de segurança, que passou a seguir uma tendência mundial, começando a tratar os infratores como portadores de doenças mentais, em padrões dos dias atuais. Logo, o instituto penal da medida de segurança começou a figurar como uma forma de sanção penal diferenciada para indivíduos portadores de doenças ou distúrbios mentais, tendo por fim o tratamento e a prevenção de novas infrações penais de sujeitos que apresentem algum grau de periculosidade.

O Código Penal de 1940 adotava o sistema do duplo binário, também conhecido por dois trilhos, no qual a medida de segurança era um complemento da pena. Assim, com a adoção desse sistema havia a cumulação da pena e da medida, onde o condenado inimputável, além de cumprir pena, tinha de, em seguida, submeter-se à medida de segurança.

Dessa forma, o acusado era condenado a cumprir pena em estabelecimento fechado e, em seguida, caso fosse declarada sua periculosidade, cumprir medida de segurança antes de voltar ao convívio da sociedade.

O sistema do duplo binário sofria diversas críticas por impor ao condenado a pena privativa de liberdade, que deveria ser cumprida por completo, e somente após seu cumprimento, se entendesse necessário o juiz, deveria se cumprir a medida de segurança, ficando recluso o indivíduo por muito mais tempo. Por essa prática o sujeito seria punido com duas sanções por uma única ação delitiva, ferindo o princípio do “non bis in idem”, ou seja, ninguém poderá ser condenado mais do que uma vez pela prática do mesmo fato.

De acordo com Durso (1993 apud BORELLI, 2011, p. 14):

Na verdade, o sistema do duplo binário era utilizado para segregação de determinados indesejados do convívio social, vez que o criminoso, além de cumprir uma pena por tempo determinado, era em seguida ao cumprimento da pena submetido, por uma duração indeterminada, à medida de segurança.

Com a Reforma Penal de 1984, nosso Código Penal adotou o sistema vicariante, para as medidas de segurança, que consiste na vedação de cumulação simultânea das penas e na determinação de uma das sanções, dependendo do grau de periculosidade do sujeito e da cominação de alguma enfermidade mental.

Com esse novo sistema, a pena é cabível para os imputáveis, a medida de segurança para os inimputáveis, já para os semi-imputáveis uma ou outra, dependendo do grau de periculosidade a ser avaliada por peritos mediante decisão do juiz.

Diante disso, nota-se que o sistema vicariante vigente em nosso ordenamento jurídico brasileiro, em comparação ao anterior, mostra-se muito mais apropriado para regular a situação dos inimputáveis e semi-imputáveis.

Nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 379):

A aplicação conjunta de pena e medida de segurança lesa o princípio do ne bis in idem, pois, por mais que se diga que o fundamento e os fins de uma e outra são distintos, na realidade, é o mesmo indivíduo que suporta as duas consequências pelo mesmo fato praticado.

Nesse sentido, através do sistema vicariante, o fundamento da pena é unicamente a culpabilidade, enquanto a medida de segurança encontra base no elemento da periculosidade, havendo a necessidade que o agente seja internado ou posto em tratamento ambulatorial a fim de que o mesmo não incorra em novas práticas criminosas.

Frisa-se que no âmbito dos semi-imputáveis, durante na escolha entre pena ou medida de segurança o magistrado deve levar em consideração a necessidade ou não de tratamento médico por parte do paciente. Então, caso a situação do paciente exija cuidados médicos, o mesmo deverá ser submetido à medida de segurança. Caso contrário, ser-lhe-á aplicada pena com redução de um a dois terços, consoante disposto pelo parágrafo único do art. 26 do Código Penal.

Por fim, observa-se uma evolução nos sistemas penais brasileiros, pois, no Código Penal antigo, o sujeito teria de cumprir duas penas distintas em decorrência da prática de um mesmo crime, regime este que se mostrava totalmente incorreto, devido à violação do então princípio citado “non bis in idem”. Enquanto isso, no sistema atual apenas é aplicada ou a pena ou a medida de segurança dependendo do caso concreto, pelo menos preservando-se a vedação de condenação dupla pelo mesmo fato.

Sobre as autoras
Ana Carolina Couto Matheus

Doutoranda em Ciência Jurídica pela UNIVALI - SC. Mestre em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR-PR. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Tributário pela UNP-RN. Pós-Graduada em Direito Constitucional (Temas Avançados do Direito Contemporâneo) pela UVB-SP. Graduada em Direito pela Toledo-SP. Advogada. Consultora Jurídica. Professora efetiva do Curso de Direito da UFAC. Lecionou em diversos módulos do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito da UNINORTE – AC e em vários Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Membro do Conselho Consultivo da Revista Nobel Iuris. Autora do livro Direito Ambiental e Cidadania. Autora de diversos capítulos de livro e artigos publicados em revistas jurídicas especializadas. Conferencista. Orientadora Jurídica. Pesquisadora.

Natasha Cristina Henrique de Aguiar

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Acre.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Ana Carolina Couto Matheus; AGUIAR, Natasha Cristina Henrique. A indeterminação temporal da medida de segurança à luz da Constituição Federal e sua aplicabilidade no Município de Rio Branco-Acre. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4213, 13 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35457. Acesso em: 25 nov. 2024.

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