1 INTRODUÇÃO
Este trabalho visa a um apanhado conciso acerca das linhas gerais dos princípios basilares do Direito Comercial brasileiro, abordando suas principais características e direcionamento interpretativo. Tem como objetivo primordial, apontar a vasta gama de princípios informadores deste ramo jurídico descritos pela legislação pátria e é baseado principalmente na Lei 10.406/2002 (Código Civil), trazendo apenas algumas peculiaridades da legislação esparsa.
A pesquisa justifica-se por ser, o assunto, de grande importância para cotidiano do Bacharel em Direito, pois tem grande aplicação no dia-a-dia prático de um profissional da área.
O tema será abordado inicialmente com enfoque em cada um dos princípios mais comentados na doutrina e jurisprudência com intensão de despertar o interesse pelo aprofundamento de seus conceitos norteadores ajudando na melhor compreensão do funcionamento da Sistemática Comercial em vigor.
Será utilizado o método indutivo, em que, através da coleta e correlação de dados isolados, conclui-se uma premissa universal.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. PRINCÍPIOS GERAIS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA APLICÁVEIS AO DIREITO EMPRESARIAL
a) Princípio da Valorização do Trabalho Humano:
A valorização do trabalho humano vem demosntrada de diversas maneiras na Constituição Federal de 1988, em especial em seu artigo primeiro, que eleva fundamento da República Federativa do Brasil “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Para o Ministro Eros Grau:
“resulta que valorizar o trabalho humano e tomar como fundamental o valor social do trabalho importa em conferir ao trabalho e seus agentes (os trabalhadores) tratamento peculiar.
Esse tratamento, em uma sociedade capitalista moderna, peculiariza-se na medida em que o trabalho passa a receber proteção não meramente filantrópica, porém politicamente racional” (GRAU, 2007 p. 198).
O Ministro, dessa forma, faz importante síntese do significado do Princípio da Valorização do Trabalho Humano, que norteia as ações do Estado em vários eixos de trabalho, garantindo a dignidade da pessoa humana. Para ele, não basta que o Estado apenas proteja o trabalhador, mas deve agir de forma objetiva para garantir seus direitos.
b) Princípio da Livre Iniciativa:
A Livre Iniciativa está inserta no mesmo dispositivo constitucional do Princípio anterior, com status, portanto, de fundamento da República Federativa do Brasil.
O Princípio ganha contornos mais claros no artigo170 da Carta Magna. Para Juliana Nascimento (2011, p. 7):
“considerada direito fundamental do homem por garantir o direito de acesso ao mercado de produção de bens e serviços por conta, risco e iniciativa própria do homem que empreende qualquer atividade econômica. Por definição, significa direito à livre produção e circulação de bens e serviços e, consequentemente, o respeito dos demais (Estado e terceiros) a essa liberdade, garantido pelo princípio da livre concorrência.”
Na visão de Eros Grau:
“Importa deixar bem vincado que a livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mais também pelo trabalho. A Constituição, ao contemplar a livre iniciativa, a ela só opõe, ainda que não exclua, a “iniciativa do Estado”; não a privilegia, assim, como bem pertinente apenas à empresa.” (GRAU, 2007 p. 206)
Neste ponto, o Ministro demonstra a origem do princípio em questão, constituindo um dos ideais da Revolução Francesa e incorporado ao ordenamento pátrio com status de grande relevo na Carta Maior.
c) Existência digna
Sem dúvida é um dos principais pilares de todo o Ordenamento Jurídico brasileiro, senão o maior, que origina toda a caracterização do Estado Democrático de Direito vivido atualmente.
“Embora assuma concreção como direito individual, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio, constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos humanos. [...]
A dignidade da pessoa humana comparece, assim, na Constituição de 1988, duplamente: no art. 1º como princípio político constitucionalmente conformador (Canotilho); no art. 170, caput, como princípio constitucional impositivo (Canotilho) ou diretriz (Dworking)[1].
Nesta sua segunda consagração constitucional a dignidade da pessoa humana assume mais pronunciada relevância, visto comprometer todo exercício da atividade econômica, em sentido amplo – e em especial, o exercício da atividade econômica em sentido estrito – com o programa de promoção da existência digna, de que, repito, todos devem gozar. Daí porque se encontram constitucionalmente empenhados na realização deste programa – desta política pública maior – tanto o setor público, quanto o setor privado. Logo, o exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo não adequado àquela promoção expressará violação ao princípio duplamente contemplado na Constituição.” (GRAU, 2007 p. 196 – 197)
Importante lembrar que a Dignidade da Pessoa Humana tem sua vertente Comercial exatamente da forma como salientado pelo eminente jurista, pois através da criação de empregos, por exemplo, esse ramo proporciona uma dignidade ao cidadão que não pode ser alcançada de maneira diversa.
d) Princípio da Justiça Social:
Mais uma vez, o Ministro Eros Grau faz importante digressão sobre o princípio, conceituando-o com da seguinte forma:
“Justiça social, inicialmente, quer significar superação das injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tempo, referidos à repartição do produto econômico, não apenas inspirados em razões micro, porém macroeconômicas: as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista.” (GRAU, 2007 p. 224)
Assim, fica claro entender que o significado do princípio da Justiça Social está no seu próprio nome. Segundo o autor, justiça significa linearizar o comportamento econômico distribuindo equitativamente seu produto. Esta justiça deve ser a base da política econômica capitalista aplicada pelo Governo.
e) Princípio da Propriedade Privada
A propriedade privada é característica essencial ao capitalismo. Sem ela, o sistema não faria sentido e é em função dela que todo a cadeira produtiva é impulsionada. Na lavra de Eros Grau:
“O primeiro ponto a salientar, no tratamento da matéria, respeita ao fato de que, embora isso passe despercebido da generalidade dos que cogitam da função social da propriedade, é seu pressuposto necessário a propriedade privada.” (2007, p. 232)
Ora, se a propriedade privada tem que existir para impulsionar a engrenagem do capitalismo, de outro lado, é imprescindível que ela objetive uma função social, pois assim exige o próprio Princípio da Função Social.
O autor em comento continua sua obra com a seguinte digressão:
“Aí, enquanto instrumento a garantir a subsistência individual e familiar – a dignidade da pessoa humana, pois – a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre função individual. Como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo, capitalistas e, como vimos, socialistas. A essa propriedade não é imputável função social; apenas aos abusos cometidos no seu exercício encontram limitações, adequada, nas disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal.” (GRAU, 2007 p. 235)
Dessa forma, infere-se que a propriedade privada é garantida ao indivíduo de forma bastante ampla, limitada, apenas, quando quebrados alguns limites, onde o Poder de Polícia exige que atinja a função social.
f) Princípio da Função Social da Propriedade
Como já dito, a função social serve de limitador à garantia da propriedade, caso sejam extrapolados seus limites. Dessa forma, as Constituições modernas vêm sistematicamente exigindo que a propriedade atinja sua função social, caso contrário sofrerão restrições pelo Poder Público.
“O fenômeno da constitucionalização da função social da propriedade se originou com as Constituições do México de 1917 e da Alemanha de 1919 (Constituição de Weimar). A primeira estatui, no artigo 27, que ‘A Nação terá, a todo tempo, o direito de impor à propriedade privada as determinações ditadas pelo interesse público (...)’, enquanto esta última chega a afirmar, no seu artigo 153 que ‘A propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse social’.
Vê-se, assim, que a doutrina da função social da propriedade está intimamente ligada às Constituições do welfare state, que consagram o bem-estar social. Ao mesmo tempo, corresponde a uma manifestação do direito de solidariedade: ‘É também com fundamento na solidariedade que, em vários sistemas jurídicos contemporâneos, consagra-se o dever fundamental de se dar à propriedade privada uma função social’ [2]. [...]
A função social, hodiernamente, cumpre o papel de elemento inibidor e repressor das distorções jurídicas originárias da degenerada e ilegítima utilização da propriedade. Trata-se de um agrupamento sistematizado de regras constitucionais que objetiva manter ou repor a propriedade na sua destinação normal, de forma que a mesma seja benéfica e útil a todos, e não apenas ao proprietário.” (ANJOS Fº, 2005)
Portanto, de acordo com a obra de Anjos, a Função Social da Propriedade vem demonstrar a solidariedade no Estado Democrático de Direito, em que é garantida a propriedade, mas ela há de cumprir determinados preceitos sociais, visando a um bem social, e não unicamente de seu proprietário.
g) Livre Concorrência
A livre concorrência está prevista no rol do art. 170 da Constituição Federal, o que lhe confere um status de grande relevo.
Juliana Nascimento (2011, p.10) salienta que este princípio é a manifestação do princípio da livre iniciativa, que deve ser exercido ao lado da lealdade na competição, ou boa-fé.
Eros Grau, em digressão acerca do Princípio da Livre Concorrência, nos remete a uma interessante reflexão sobre o tema:
“A afirmação, principiológica, da livre concorrência no texto constitucional é instigante.
De uma banda porque a concorrência livre – não liberdade de concorrência, note-se – somente poderia ter lugar em condições de mercado nas quais não se manifestasse o fenômeno do poder econômico. Este, no entanto – o poder econômico – é não apenas um elemento da realidade, porém um dado constitucionalmente institucionalizado, no mesmo tempo que consagra o princípio. [...]
De outra banda, é ainda instigante a afirmação do princípio porque o próprio texto constitucional fartamente o confronta. A livre concorrência, no sentido que lhe é atribuído – “livre jogo das forças de mercado, na disputa de clientela” -, supõe desigualdade ao final da competição, a partir, porém, de um quadro de igualdade jurídico-formal. Essa igualdade, contudo, é reiteradamente recusada, bastando, para que o confirme, considerar as disposições contidas no art. 170, IX, no art. 179 e nos §§ 1º e 2 º do art.171.” (GRAU, 2007 p.208 -209)
É considerado, também, um mecanismo de limitação à livre iniciativa, que deve ser observado quando da instalação de entidade comercial, segundo Juliana Nascimento (2011, p. 07).
h) Defesa do Consumidor
A Defesa do Consumidor segue a linha de raciocínio do Princípio acima, sendo considerada limitadora ao livre exercício. Considera a disparidade de forças entre o estabelecimento comercial e a consumidor, garantindo-lhe privilégios que os colocam em igualdade de condições.
“Sua inserção entre os direitos fundamentais erigiu os consumidores à categoria de titulares de direitos constitucionais fundamentais. Conjugando essa previsão à do art. 170,V, que eleva a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica, ‘(...) tem-se relevante efeito de legitimar todas a medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista. Isto naturalmente abre larga brecha na economia de mercado, que se esteia, em boa parte, na liberdade de consumo, que é a outra face da liberdade do tráfico mercantil fundada na pretensa lei da oferta e da procura(...)’[3] .
(...) O art. 1º do CDC estabelece que as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social. Por conseqüência, conforme anotam Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ‘o juiz deve apreciar de ofício qualquer questão relativa às relações de consumo, já que não incide nesta matéria o princípio dispositivo. Sobre elas não se opera preclusão e as questões que dela surgem podem ser decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jurisdição’. [4] ”(LENZA, 2009 p. 694-696)
Dessa forma, fica amplamente demonstrado que a livre iniciativa não é ampla e irrestrita, mas deve considerar algumas situações excepcionais, para que não haja abusos.
i) Defesa do Meio Ambiente
Modernamente, as constituições também vêm se preocupando com novos aspectos, como é o caso do Meio Ambiente que, antigamente, pouco era citado nesse âmbito.
“A Constituição, destarte, dá vigorosa resposta às correntes que propõem a exploração predatória dos recursos naturais, abroqueladas, sob o argumento, obscurantista, segundo o qual as preocupações com a defesa do meio ambiente envolvem proposta de ‘retorno à barbárie’. [...]
O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo do ser), informando substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do pleno emprego. Além de objetivo, em si, é instrumento necessário – e indispensável – à realização do fim dessa ordem, o de assegurar a todos existência digna. Nutre também, ademais, os ditames da justiça social. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo – diz o art. 255, caput.” (GRAU, 2007 p. 251)
Fica assegurado, dessa forma, o direito de toda a coletividade de fruir do Meio Ambiente, através de sua especial proteção, conferida por esse Princípio.
j) Redução das Desigualdades Regionais e Sociais
A redução das desigualdades Regionais e Sociais é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, inscrito no art. 3º da sua Constituição. Eros Grau, sintetiza o tema da seguinte maneira:
“A erradicação da pobreza e da marginalização, bem assim redução das desigualdades sociais e regionais, são objetivos afins e complementares daquele atinente à promoção (= garantir) do desenvolvimento econômico. [...]
O enunciado do princípio expressa, de uma banda, o reconhecimento explícito de marcas que caracterizam a realidade nacional: pobreza, marginalização e desigualdades, sociais e regionais. [...]
O princípio inscrito no art. 3º, III e parcialmente reafirmado no art. 170, IV prospera, assim, - ainda que isso não seja compreensível por muitos – no sentido de, superadas as desuniformidades entre os flancos moderno e arcaico do capitalismo brasileiro, atualizá-lo. Aqui também atua como fundamento constitucional de reivindicação, da sociedade, pela realização de políticas públicas.” ( GRAU, 2007 p. 218-219)
K) Busca do Pleno Emprego
O princípio constitucional da busca do pleno emprego é apresentado pela Carta Magna de 1988 no inciso VIII de seu art. 170. Relaciona-se tal princípio com o ideal keynesiano do pleno emprego dos fatores de produção, ligando-se, desta forma, ao princípio da função social da propriedade:
“A propriedade dotada de função social obriga o proprietário ou o titular do poder de controle sobre ela ao exercício desse direito-função (poder-dever), até para que se esteja a realizar o pleno emprego.” (Grau, 2008, p. 254).
Pode, ainda, o princípio da busca do pleno emprego ser interpretado como uma garantia ao emprego humano, do trabalhador, como explica Eros Grau :
“[...] consubstancia, também, o princípio da busca do pleno emprego, indiretamente, uma garantia para o trabalhador, na medida em que está coligado ao princípio da valorização do trabalho humano e reflete efeitos em relação ao direito social ao trabalho[...]”(Grau, 2008, p.254).
l) Tratamento Favorecido às Empresas de Pequeno Porte
O princípio do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País é apresentado pela Constituição Federal de 1988 no inciso IX do art. 170, dispositivo acrescentado pela emenda constitucional nº 6, de 1995. O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte foi trazido pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
Como afirma Eros Grau (2008, p. 255), este princípio “[...] fundamenta a reivindicação, por tais empresas, pela realização de políticas públicas.”
2.2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
a) Princípio da Socialidade
O princípio da socialidade pode ser encontrado nos parágrafos 4º e 5º do Código Civil de 2002. Marca este princípio o predomínio do interesse social sobre o interesse individual, superando o individualismo característico do anterior Código Civil de 1916.
Como afirma André Soares Hentz (2006):
Dessa forma, a finalidade do princípio da socialidade é afastar a mera aplicação do Direito Civil às relações dos particulares, eis que esses vínculos, em diversas oportunidades, podem interessar à sociedade como um todo, autorizando, por conseguinte, a intervenção estatal. Em suma: o princípio da socialidade objetiva afastar a visão individualista, egoística e privatística do Código Civil de 1916.
b) Princípio da Eticidade
O princípio da eticidade está contido nos artigos 113, 187 e 422 do Código Civil de 2002. Referido princípio, baseado na boa-fé, é outro fator que diferencia o atual Código Civil do caracteristicamente individualista Código Civil de 1916, que o antecede.
Segundo Miguel Reale (2003):
É a boa-fé o cerne em torno do qual girou a alteração de nossa Lei Civil, da qual destaco dois artigos complementares, o de nº 113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, e o Art. 422 que determina: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Como se vê, a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas conseqüências.
Além da boa-fé, também pode-se destacar a relação que guarda a eticidade com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, assim lembrado por André Soares Hentz, quando afirma que “[...] referido princípio, apesar de inserido na Constituição Federal, é, pela sua origem e pela sua concretização, um instituto de direito privado” (Hentz, 2006).
c) Princípio da Operabilidade
O princípio da operabilidade disciplina a possibilidade de se recorrer a elementos exteriores, como forma de facilitar a aplicação do novo Código Civil. Desta forma, fica afastada a ideia impossível de completude trazida pela codificação anterior, de 1916.
Como afirma Hentz (2006), “o Código Civil de 2002 pretendeu se livrar do rótulo das 'leis que não pegam' ”. O autor ainda acrescenta, citando José Augusto Delgado, que, “com a entrada do novo Código Civil em vigor, as normas passaram não apenas a existir, mas também a serem válidas, eficazes e efetivas, já que o poder conferido aos juízes teve por escopo -- além de garantir a busca da solução mais justa para o caso concreto --, conferir maior executividade às sentenças e decisões judiciais.” (Hentz, 2006)
2.3. PRINCÍPIOS DO DIREITO EMPRESARIAL
- Princípio Autonomia Patrimonial
Esse princípio visa a resguardar o patrimônio do sócio em relação ao patrimônio da sociedade. Quando uma pessoa jurídica é instituída, seu passivo deve ser suportado pelo seu patrimônio, mantendo o patrimônio dos sócios, em regra, intocável.
Para Áurea Moscatini (2011, p. 19):
“A verdade é que até pouco tempo justificou-se a forma como vinham sendo aplicados, pelas regras do neoliberalismo, diante dos valores estabelecidos, pois sua principal função foi a de garantir a independência e limitação do patrimônio dos investidores e assim o direito de mantê-lo intacto, com a invasão no patrimônio dos sócios, como, por exemplo, diante da afronta à lei, ao contrato ou em casos de fraude declaradamente comprovada. Dentro de uma visão individualista e apoiada na proteção do direito da propriedade, até então, não ocorreu qualquer problema, mas atualmente, o quadro que se apresenta é bem diferente.”
Segundo a autora, esse princípio vem sendo mitigado quando se fala em “credores não negociáveis”, como é o caso dos trabalhadores e dos consumidores. A autora vê essa mitigação de forma cautelosa, pois o princípio visa a proteger o patrimônio dos sócios em busca de investimentos.
- Princípio da preservação da empresa
Este princípio, como seu próprio nome dia, visa a que a empresa não tenha solução de continuidade, persistindo continuamente, para que possa cumprir sua função social. É com base nele que são instituídos inúmeros benefícios à sua Pessoa Jurídica.
“é preciso preservar a empresa para que ela cumpra a sua função social. Pontua-se, assim, a existência de um interesse público na preservação da estrutura e da atividade empresarial, isto é, na continuidade das atividades de produção de riquezas pela circulação de bens ou prestação de serviços, certo que a empresa atende não apenas aos interesses de seu titular, de seus sócios (se sociedade empresarial), e de seus parceiros negociais” (MAMEDE, 2007 p. 57)
Podemos encontrar seus reflexos em vários dispositivos do Diploma Consolidado Civil, especialmente nos abaixo elencados por Mamede:
“O artigo 974 do Código civil reflete o princípio da preservação da empresa, chegando a permitir que o incapaz continue na empresa após a interdição civil ou após a sucessão hereditária. O mesmo se diga do artigo 1033, IV, a permitir unicidade de sócios pelo prazo de 180 dias, evitando-se, assim, a dissolução da sociedade” (MAMEDE, 2007 p. 57)
Todavia, Mamede (p.57) esclarece que não é um princípio absoluto, ou seja, não pode servir como óbice para o encerramento de atividades empresariais, tampouco para subsidiar excessos cometidos pela entidade comercial.
“é indispensável proceder-se a uma avaliação de custos e benefícios das iniciativas. Em muita circunstâncias, os jurídicos necessários para a preservação da empresa são de tal ordem custosos que a prudência – e o Direito – recomendam não insistir nos mesmos, pois os danos provocados pela preservação não compensam os respectivos benefícios” (MAMEDE, 2007 p. 58)
c) Princípio da função social da empresa
Já abordamos o Princípio da Função Social em sua vertente ampla, mas é de interesse demonstrar a interessante lavra de Mamede sobre o tema:
“Uma tendência hodierna do Direito é a consideração obrigatória do interesse publico como referência, como baliza que dá limites ao interesse privado, evitando que o arbítrio individual se estenda ao ponto de prejudicar a coletividade. [...]
“É uma relação jurídica que liga o proprietário e o restante das pessoas (erga omnes), próximas ou distantes, conhecidas ou não, naturais ou jurídicas, já que estão todos obrigados a respeitar seu direito” (MAMEDE, 2007 p. 53)
Agora, passemos à análise da função social aplicada exclusivamente ao âmbito empresarial, também na concepção do Professor Mamede:
“O mesmo princípio aplica-se na empresa, falando-se, via de conseqüência, em função social da empresa, expressão e princípio que traduz a necessidade de considerar, sempre, o interesse que a sociedade como um todo, organizada em Estado, tem sobre a atividade econômica organizada, ainda que se trate de atividade privada, regida por regime jurídico privado. Não se pode deixar de considerar o interesse da coletividade na existência e no exercício, ou não, das faculdades privadas: a cada faculdade, mesmo individual, corresponde uma razão de ser (uma função) dentro da sociedade” [..]
“No âmbito específico do princípio da função social da empresa, parte-se da percepção de que a atividade econômica organizada pra a produção de riqueza, pela a produção e circulação de bens e /ou pela prestação de serviços, embora tenha finalidade imediata de remunerar o capital nela investidos, beneficiando os seus sócios quotistas ou acionistas, beneficia igualmente ao restante da sociedade – ou seja, tem e cumpre uma função social -, no mínimo por ser um instrumento para a realização das metas constitucionalmente estabelecidas” (MAMEDE, 2007 p. 54)
Por fim, o eminente doutrinador analisa o princípio sobre o enfoque da livre iniciativa:
“a consideração do princípio da função social conduz ao enfoque da livre iniciativa não por sua expressão egoística, como trabalho de um ser humano em benefício de suas próprias metas, mas como iniciativa que, não obstante individual, cumpre um papel na sociedade, papel esse que deve ser valorizado, merecendo a proteção do Estado em sentido largo, por todos os seus poderes e órgãos. Facilmente se verifica que o princípio da função social da empresa assenta-se primordialmente sobre considerações do empreendimento e suas relações com a sociedade” (MAMEDE, 2007 p. 55)
Portanto, a função social, como já dito, serve de limite, de baliza a toda e qualquer ação humana, possuindo vertentes nos mais diversos ramos do Direito. Em sua vertente empresarial, porém, leva a uma série de outros princípios, garantindo o interesse da sociedade como um todo em última instância.
d) Princípio da responsabilidade ilimitada do empresário individual
O Princípio da Responsabilidade Ilimitada do Empresário Individual se aplica exclusivamente a esta modalidade de empresário e acaba por confundir o patrimônio da pessoa jurídica com o de seu titular (pessoa física).
Luciano Batista de Oliveira (2011) de oliveira faz interessante digressão sobre o tema:
“O empresário individual está subjugado ao princípio da responsabilidade ilimitada, que está expresso no artigo 591 do Código de Processo Civil, o que significa que, caso não cumpra voluntariamente as obrigações assumidas, responderá com todos os bens pessoais presentes e futuros, sejam eles empresariais ou pessoais” [...]
Esse princípio vincula os bens da pessoa ao cumprimento de suas obrigações e atua, sem quaisquer restrições ou limites, e no caso do empresário, cujo patrimônio pessoal responde pelas obrigações pessoais, suporta, ele só, a totalidade dos riscos próprios do empreendimento, concomitantemente”.
Como alternativa a este princípio, para que se possa proteger o patrimônio pessoal em caso de titular único da pessoa jurídica, surgiu a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, instituída pela Lei nº 12.441/2002. Essa modalidade resguarda o patrimônio do seu titular, que somente pode ser atingida em caso de desconsideração da personalidade jurídica.
e) Princípio da boa-fé
A boa-fé consiste basicamente na confiança depositada nos sujeitos. O direito empresarial pauta-se neste princípio, pois os atos de uma Empresa devem ser orientados de acordo com a boa-fé, permitindo aos contratantes confiar uns nos outro.
“A boa-fé pode ser subjetiva ou objetiva. A boa-fé subjetiva consiste em crenças internas, conhecimentos e desconhecimentos, convicções internas. Consiste, basicamente, no desconhecimento de situação adversa. Quem compra de quem não é dono, sem saber, age de boa-fé, no sentido subjetivo. [...]
A boa-fé objetiva baseia-se em fatos de ordem objetiva. Baseia-se na conduta das partes, que devem agir com correção e honestidade, correspondendo à confiança reciprocamente depositada. As partes devem ter motivos objetivos para confiar uma na outra” (FIUZA, 2007 p. 410-411)
Desta forma, o ordenamento jurídico brasileiro confere proteções àquele que foi enganado, em caso de infração do princípio da boa-fé. Neste caso, pode haver o desfazimento do negócio ou sua alteração para que a equidade entre as partes seja restabelecida.
f) Princípio da Função Social do Contrato
O princípio da função social do contrato está contido no art. 421 do Código Civil, segundo o qual a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, e tem como um de seus pilares o princípio constitucional da função social da propriedade. O Código acrescenta ainda, em seu art. 422, que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Mais uma vez, tem-se no ordenamento trazido pelo novo Código Civil o instituto do interesse da coletividade prevalecendo sobre os interesses individuais, trazendo o princípio da função social do contrato o cuidado com que os contratantes se beneficiem, porém sem prejudicar o interesse público.
Sobre este princípio, afirma Miguel Reale (2006):
Como se vê, a atribuição de função social ao contrato não vem impedir que as pessoas naturais ou jurídicas livremente o concluam, tendo em vista a realização dos mais diversos valores. O que se exige é apenas que o acordo de vontades não se verifique em detrimento da coletividade, mas represente um dos seus meios primordiais de afirmação e desenvolvimento.
CONCLUSÃO
O trabalho em apreço demonstra que o arcabouço de princípios é deveras amplo no ramo do Direito Comercial e se baseia em princípios que não são exclusivos, utilizando-se de conceitos e balizas apontadas por outros ramos. Dessa forma, forma uma rede sólida e concreta para suportar a legislação aplicável, bem como norteia os processos deciosionais dos órgãos judiciários.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 10ª Ed.rev. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 12ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. . São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro. V. 1. 2 ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
MOSCATINI, Áurea. Princípios do direito societário In: FÁBIO ULHOA COELHO e MARCELO GUEDES (Orgs.) Princípios do Direito Comercial. São Paulo, 2011.
NASCIMENTO, Juliana. Princípios gerais do direito comercial In: FÁBIO ULHOA COELHO e MARCELO GUEDES (Orgs.) Princípios do Direito Comercial. São Paulo, 2011.
OLIVEIRA, Luciano Batista de. Limitar a responsabilidade do empresário individual é juridicamente possível? Análise crítica da limitação da responsabilidade do empresário individual mediante separação patrimonial.Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2764, 25 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18346>. Acesso em: 4 mar. 2012.
[1] V. meu Direito, conceitos e normas jurídicas, cit., pp 72 e ss.
[2] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.
[3] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 23 ed., 2004, p.261-262
[4] Novo Código Civil…, p. 719, comentários ao art. 1º do CDC.