Sumário: Introdução. 1. Direito Material e o Direito Instrumental. 1.1 Conceito de Direito Material e Direito Instrumental. 1.2 A complementação do Direito Administrativo e do Direito Processual Civil. 2. Elementos constitutivos do ato de improbidade administrativa. 3. Ação Judicial de Improbidade Administrativa. 3.1 Ação Judicial de Improbidade Administrativa ou Ação Civil Pública? 3.2 Natureza Jurídica. 3.3 Processo. 3.4 Sentença. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como finalidade analisar a questão de como se encontra compreendida a improbidade administrativa na ordem jurídica brasileira, bem como a ação judicial de improbidade administrativa no direito brasileiro.
De início faremos uma abordagem detalhada do conceito de direito material e instrumental, explicando que o direito objetivo é o conjunto de normas e princípios que buscam o regramento da vida em sociedade, regulando as diversas relações jurídicas e o direito processual chamado de subjetivo, sendo o complexo de normas e princípios que regem o exercício da jurisdição, buscando organizar o trâmite do processo.
Em seguida, abordamos o Direito Administrativo como direito material, sendo este nas palavras da Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, um ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública e que vai ser a base jurídica para o instituto da improbidade administrativa e sua ação correspondente.
Sem esquecer-se da complementação para a efetividade do direito e neste caso, do tema deste trabalho, qual seja a improbidade administrativa em citar a importância do Direito Processual Civil, sendo esta a matéria que regula a instrumentalização do direito, que será disciplinado por esta, e terá como principal escopo, o estudo do processo. Sendo que se de um lado, o Estado define as normas de conduta por intermédio do direito material ou objetivo, por outro lado existem normas instrumentais, previstas precipuamente no Código de Processo Civil.
1. DIREITO MATERIAL E O DIREITO INSTRUMENTAL
1.1 - CONCEITO DE DIREITO MATERIAL E DE DIREITO INSTRUMENTAL
Iniciamos nosso trabalho fazendo uma abordagem inicial sobre os conceitos de Direito Material e Processual.
Sabemos de início que o direito material também denominado objetivo é o conjunto de normas e princípios que buscam o regramento da vida em sociedade, regulando as diversas relações jurídicas, atribuindo os bens aos indivíduos.
Ou seja, o direito processual também chamado de subjetivo é o complexo de normas e princípios que regem o exercício da jurisdição, buscando organizar o trâmite do processo.
Maria Helena Diniz [1] faz uma abordagem propedêutica, que delimita de forma precisa o tema:
“O direito objetivo é o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano, de modo obrigatório, prescrevendo uma sanção no caso de sua violação (jus est norma agendi).
O direito subjetivo para Goffredo Telles Júnior é a permissão dada por meio de alguma norma jurídica, para fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não ter algo, ou, ainda, a autorização para exigir, por meio dos órgãos competentes do poder público ou por meio de processos legais, em caso de prejuízo causado por violação da norma, o cumprimento de norma infringida ou reparação do mal sofrido. P.ex.: são direitos subjetivos as permissões de casar e constituir família; de adotar pessoa como filho; de ter domicilio inviolável; de vender seus pertences; de usar, gozar e dispor da propriedade; de alugar uma casa sua; de exigir pagamento do que é devido, de mover uma ação para reparar as consequências de ato considerado ilícito.”
Restando claro a diferença básica entre eles, enquanto um é o direito instrumental, chamado de Direito Processual ou Subjetivo, o outro é a norma que busca regrar a sociedade.
Para ilustrar ainda mais os institutos do direito material do direito processual, nos valemos, num segundo momento, da doutrina de Jônatas Luiz Moreira de Paula [2] que exemplifica a diferenciação entre direito material e processual, inserindo o direito natural, e chamando a atual denominação de direito subjetivo e objetivo e refere:
“Logo, pertine a questão da dualidade do direito material e direito processual. Pois, imprescindível para o aprofundamento do estudo, mister se faz a divisão de direito natural, direito subjetivo e direito objetivo. Das várias doutrinas a respeito, opta-se por aquela que determina ser o direito natural todas as aspirações do indivíduo, como valores máximos e inalienáveis para a satisfação de suas necessidades, consubstanciadas em princípios naturais. Nesse ponto, o direito natural segue como fonte de um modelo perfeito para as legislações positivas. Numa etapa seguinte, tem-se a recepção e a transformação dos princípios naturais em norma escrita, abstrata e impessoal. Essa transformação pode ser definida em norma subjetiva. [...]
Contudo, pode surgir um litígio versando sobre direito de propriedade em que, por exemplo, João se diz senhor de um imóvel de propriedade de José. Face o nosso sistema de tutela de direitos, haverá a propositura da ação reivindicatória de propriedade, seguido de um processo até a sentença, na qual, concluirá com base no art. 5º, caput e inciso XXII, da CF,e artigo 524, do CC, que João é o proprietário do referido imóvel. Percebe-se que através de um ato jurisdicional, estabeleceu uma relação jurídica pessoal, direta e concreta, definida por direito objetivo.”
Restando claro que pelo direito processual, temos as regras dentro do processo e seu procedimento, como por exemplo, o Código de Processo Civil e Código de Processo Penal.
Já no direito material teremos o direito a ser aplicado ao caso concreto, no direito material é que esta o direito legislado e posto, como por exemplo, o Código Civil e o Código Penal. Ou seja, essas normas legislativas criadas pelo Estado, que disciplinam as relações jurídicas bem como a vida do homem na sociedade, são denominadas direito material.
Importa em nosso trabalho diferenciar o Direito Administrativo como Direito Material e o Direito Processual Civil, haja vista que são as matérias que prioritariamente englobam o tema da Ação Judicial de Improbidade Administrativa.
Ressaltamos essa breve abordagem das diferenças entre os direitos objetivo e subjetivo, para que destaquemos a sempre necessária aproximação entre eles, que se complementam para que se efetive a prestação jurisdicional.
1.2 A complementação do Direito Administrativo e o Direito Processual Civil
Sabemos que o direito é interdisciplinar, ou seja, é necessário que as disciplinas conversem entre si e se complementem baseada na dependência que uma matéria tem da outra entre os ramos do direito, devemos buscar uma integração harmônica.
A interdisciplinaridade surge para efetivar esta conversa entre as disciplinas e os saberes para buscar a comunicação entre os campos dos saberes e construir um conhecimento articulado e universal do direito.
Desta forma, citamos João Ribeiro Júnior[3]:
“O Direito, portanto, relaciona-se interdisciplinarmente com o conjunto dos problemas universais da própria vida humana, diante de valores e conceitos comuns às mais variadas disciplinas, dentre eles a liberdade, a moralidade, a justiça, a segurança, a equidade, e ecologia, e assim por diante, na busca de uma concepção total do mundo e da vida. Com a interdisciplinaridade interligando os conteúdos, é possível atingir uma visão mais ampla da realidade e da totalidade do conhecimento.”
E assim, resta claro que é sempre necessário ao se falar e explicar a disciplina de Direito Administrativo, explicar que a efetividade deste direito material, se fará pelo instrumental, qual seja na maioria das vezes, o Processo Civil, pois estas são matérias intrinsicamente ligadas.
Haja vista que toda vez que o Estado ajuizar uma ação judicial para garantir algum direito, o fara pelo instrumento do processo, da mesma forma que um particular, ao exigir algum direito previsto em face da Administração Pública, como por exemplo, um Mandado de Segurança, o fará seguindo as normas do Código de Processo Civil.
Pois bem, o direito administrativo é uma matéria que basicamente possui a mesma origem do direito constitucional, sempre ao lado do Estado de Direito, tem como bandeira a legalidade e a garantia dos direitos fundamentais e faz do principio da legalidade a limitação da atuação estatal e também a preservação da Administração Pública, garantindo a sociedade a manutenção da honestidade, probidade das coisas públicas, ou seja, o múnus publicum.
E o Processo Civil, como dito de forma exaustiva, é a instrumentalização do direito, e terá como principal escopo, o processo. Sendo que se de um lado, o Estado define as normas de conduta por intermédio do direito material, – neste caso o direito administrativo - por outro lado existem normas instrumentais, previstas precipuamente no Código de Processo Civil.
Para ilustrar essa complementariedade entre as matérias mais especificamente no tema deste trabalho, citamos o trabalho de Silvio Marques [4] ao explicar a natureza jurídica da Ação Judicial de Improbidade Administrativa:
“A constatação da prática de atos ímprobos em inquéritos civis, procedimentos administrativos ou processos de ações cautelares não exaure a atuação do Ministério Público e dos órgãos da Administração Pública direta e indireta incumbidos da investigação.
Para que as cominações legais possam ser efetivamente aplicadas pelo órgão jurisdicional competente, é necessária a propositura da ação judicial cabível, cujo processo deve se desenvolver sob os auspícios da ampla defesa e do contraditório.
...
A lei 8.429/92 delineou os atos de improbidade administrativa e também disciplinou o procedimento do processo da ação tendente à aplicação das sérias cominações legais, consistentes em obrigações civis extracontratuais e sanções que foram analisadas alhures.
O processo da ação segue um procedimento híbrido, pois se inicia na forma prevista da lei especial, até o recebimento da petição inicial, mas a partir da fase de citação, segue o rito comum ordinário do Código de Processo Civil, com possibilidade de aplicação de algumas regras do Código de Processo Penal, no que concerne à oitiva de pessoas que gozam de prerrogativa de foro no âmbito penal.”.
Desta forma, para se propor uma Ação Judicial de Improbidade Administrativa, se deverá construir elementos materiais, que se encontrará na legislação administrativa e constitucional e assim usar os mecanismos do Direito Processual Civil, bem como observar as condições da ação, quais sejam: Legitimidade Ad Causam, possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir.
Ou seja, o direito administrativo, direito público e material, com o escopo de regular as funções públicas administrativas exercidas pelo Estado, Administração Pública e organizar as relações deste com o particular e o direito processual civil, instrumento da prestação jurisdicional, encontram-se de mãos dadas na busca da efetividade e realização da justiça social.
2 - ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Cabe neste momento, estudarmos os elementos constitutivos do ato de improbidade administrativa, ou seja, o momento em que o ato lesivo ocorre e que cabe, a partir daí, a propositura da Ação Judicial de Improbidade Administrativa.
O artigo 9.º da referida LIA [5], é didático ao dispor que:
“Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.”
Ou seja, com este rol exemplificativo, fica claro que o agente publico que se beneficiar de sua função para auferir para si ou para outrem e receber dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica estará enquadrado na presente lei e se fará estabelecido o ato de improbidade administrativa.
Sendo que cabe destacar que no caput do referido artigo, configura-se a improbidade administrativa quando o agente público (político, autônomo, particular ou em colaboração com o Poder Público) aufere dolosamente vantagem patrimonial ilícita, destinada para si ou para outrem, em razão do exercício improbo do cargo, mandato, função, emprego ou atividade na administração pública (direta ou indireta, incluindo a fundacional) dos entes da Federação e dos poderes do Estado, inclusive em empresas incorporadas ao patrimônio público, em entidades para cuja criação ou custeio o Erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual. E também em entidades privadas de interesse público que recebem ou manejam verbas públicas. Ou seja, os atos improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito exigem para sua caracterização a ocorrência dos seguintes requisitos mínimos:
Recebimento de vantagem econômica indevida por agente público, acarretando, ou não, dano ao Erário ou ao patrimônio de entidades públicas ou de entidades privadas de interesse público. (No caso de verbas públicas por essas recebidas).
Vantagem patrimonial decorrente de comportamento ilegal do agente público.
Ciência do agente público da ilicitude da vantagem patrimonial pretendida e obtida;
Conexão entre o exercício funcional abusivo do agente público nas entidades indicadas no artigo 1º da LIA e a vantagem econômica indevida por ele alcançada para si ou para outrem[6].
Vale destacar que a jurisprudência já firmou entendimento da necessidade de conduta de má-fé do ato improbo. Diante disso o Ministro Luiz Fux [7] prescreveu que: "É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade”.
3 – AÇÃO JUDICIAL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
3.1 – AÇÃO JUDICIAL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA OU AÇÃO CIVIL PÚBLICA?
Ato contínuo aplicação da sanção administrativa e do trânsito em julgado administrativo, os autos serão encaminhados para o Ministério Público o qual poderá propor a ação cabível, tanto na esfera cível, quanto na esfera penal.
Para a presente pesquisa importa explorar a ação de natureza cível, possui eminemente caráter de Ação Civil Pública, uma vez que fere um direito difuso, qual seja, especificamente, a moralidade administrativa.
Aliás, na prática é assim que o Ministério Público vem propondo as ações de improbidade administrativa, para que se aplique as sanções de natureza política (como a suspensão dos direitos políticos) ou de natureza econômica (perda de bens ou dever de devolver ou indenizar o erário) [8]
Algumas medidas de natureza cautelar estão previstas na Lei de Improbidade: a indisponibilidade dos bens, cabível quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito (art. 7º), devendo recair sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito; o sequestro, quando houver fundados indícios de responsabilidade; devendo processar-se de acordo com o disposto nos artigos 822 e 825 do CPC; investigação, exame e bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indicado no exterior; afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual [9]
A legitimidade ativa para propositura da ação principal cabe ao Ministério Público ou à pessoa jurídica interessada, dentro de 30 (trinta) dias contados da efetivação da medida cautelar (art. 17). Proposta a ação, é expressamente vedada pelo artigo 17, §1º, a transação, acordo ou conciliação. A norma se justifica pela relevância do patrimônio público, seja econômico, moral, protegido pela ação de improbidade. Trata-se de aplicação do princípio da indisponibilidade do interesse público [10]
Por fim, importante destacar que o artigo 20 da Lei n. 8.429/92 assevera que a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Isso significa que as demais penalidades pode ser objeto de execução provisória, na forma da legislação processual, a menos que se consiga efeito suspensivo aos recursos, com fundamento no artigo 14 da Lei n. 7.347/85.
Portanto, o processo que apura a improbidade administrativa possui duas fases uma administrativa e uma judicial, sendo que tanto a esfera administrativa, com as esferas judicias (cível e penal) são independentes entre si, não vinculando especificamente uma as outras, salvo se ficar provado que o fato não aconteceu, que o sujeito ativo do ato de improbidade não cometeu o ilícito.
Quanto ao embate da nomenclatura da presente ação, o Professor Mário Pazzaglini Filho[11] explica que:
“Há controvérsia e muitas vezes, preocupação doutrinária em atribuir nome ou qualificativo a ação civil que tem por objeto (imediato) a declaração de ocorrência de ato de improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito (artigo 9.º), ou causa prejuízo ao erário (artigo 10), ou atenta contra os princípios da administração pública (artigo 11) e, comprovada sua existência, a condenação dos sujeitos passivos (agentes públicos e terceiros) às sanções de ordem política, administrativa e civil, previstas no artigo 12 da LIA (objeto mediato.
Em geral, é intitulada ação civil pública (qualificação majoritária), ação de responsabilidade civil ou, simplesmente, ação civil de improbidade administrativa.
Parece-me menos adequada a denominação ação civil pública, pois tradicionalmente designa a ação, disciplinada pela Lei n.º 7.347/85, de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente; ao consumidor; a bens e direitos de valor artístico, histórico, turístico a paisagístico; a qualquer outro interesse difuso e coletivo (v.g defesa das pessoas portadoras de deficiência, das crianças e dos adolescentes, dos investidores no mercado de valores mobiliários); e por infração da ordem econômica e da economia popular, enquanto a tutela do interesse difuso da probidade administrativa é regida pela LIA, que apresenta procedimento especial e objeto diverso daquela.”
Pensamento semelhante ao nosso, pois entendemos ser esta uma ação civil de improbidade administrativa, diferente daquela regrada pela Lei n.º 7.347/85, pois na ação civil pública já existe um rol estabelecido quanto às questões que abarcam a propositura desta ação.
Como bem ressalta Francisco Octávio de Almeida Prado [12]:
“Seu objetivo imediato é a declaração da existência de um ato de improbidade administrativa tipificado em lei. O ressarcimento do dano, o perdimento de bens, o pagamento de multa civil, a perda da função pública, a suspensão de direitos políticos ou; ainda; a proibição de contratar e de receber benefícios ou incentivos.
Por outra banda, a ação civil pública regida pela Lei n. 7.347/85, é de procedimento especial, e que tem como objeto imediato o direito à proteção de valores específicos prefigurados pelo legislador, que são, respectivamente, o meio ambiente, os direitos do consumidor, a integridade do patrimônio cultural e natural, outros interesses difusos ou coletivos, bem como a ordem econômica. Seu objetivo mediato será a reparação pecuniária, em favor de um fundo especial, ou imposição de obrigação de fazer ou não fazer.”
Sendo, por fim, nosso entendimento de que se trata de uma Ação Judicial de Improbidade Administrativa para fins didáticos, sendo que a Ação Civil Pública, muitas vezes utilizada na prática pelo Ministério Público e aceita pelo Poder Judiciário, têm seu fim especifico e rol estabelecido na Lei n.º 7.347/85.
3.2 – NATUREZA JURÍDICA.
Muitos têm dúvidas quanto à natureza jurídica da ação de improbidade administrativa, pois esta tem como objeto a proteção de vários institutos de direitos difusos, à defesa a Administração Pública e do patrimônio publico, levantando a bandeira da honestidade por parte dos agentes públicos.
Porém entendemos que esta tem natureza jurídica civil, sem prejuízo da sanção penal, conforme disposto no artigo 37 da Constituição Federal.
Alexandre de Moraes [13] observa que a natureza civil dos atos de improbidade administrativa decorre da redação constitucional, que é bastante clara ao consagrar a independência da responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e a possível responsabilidade penal, derivadas da mesma conduta, ao utilizar a fórmula ... sem prejuízo da ação penal cabível.
Em contraponto, citamos o Professor Fábio Konder Comparato [14] que tem outra posição, a de a ação judicial de improbidade administrativa, tem natureza jurídica de ação penal e afirma que se, por conseguinte, a própria Constituição distingue e separa a ação condenatória do responsável por atos de improbidade administrativa às sanções por ela expressas, da ação penal cabível, é, obviamente, porque aquela demanda não tem natureza penal.
Para ilustrar nossa posição de que a referida ação tem natureza da ação civil de improbidade, Arthur Mendes Lobo [15] analisa que: “Parece-nos mais acertado, destarte, afirmar que a ação de improbidade é uma ação civil, cujo objeto de direito material vem a ser um misto de responsabilidade civil e administrativa, ficando a responsabilidade criminal reservada à ação penal. Portanto, a ação de improbidade administrativa tem natureza civil e coletiva, já que tutela a probidade administrativa, que é um interesse difuso de toda a sociedade.”
Diante disso, entendemos que a ação de improbidade é de natureza civil, apesar das sanções previstas na Lei n.º 8.429/92 não se esgotar na questão do ressarcimento do dano, havendo, também, outras sanções previstas de natureza política, administrativa e penal, a redação constitucional é demasiadamente clara em seu artigo 37 ao consagrar a independência da responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa.
3.3 – DO PROCESSO
De início, cumpre informar que o processo da LIA, será realizado por meio de Procedimento Especial, em outras palavras, tal lei, quanto a sua simetria processual, adota o procedimento especial de jurisdição contenciosa para o processo (conhecimento) das ações civis de improbidade administrativa. E sua especialidade em relação ao procedimento-padrão ordinário é acentuada, em especial, quanto à fase preliminar, de cunho contraditório, de admissibilidade da ação de improbidade administrativa [16].
Superado isso, cabe lembrar que há a fase inicial de admissibilidade da ação de improbidade administrativa proposta, a LIA, quer trazer ao bom arbítrio do magistrado, poder frear processos que não convém à sociedade, a qualquer tempo, conforme o artigo 17, parágrafo 11 da referida legislação.
O objetivo do novo procedimento, que a princípio pode parecer repetitivo, é o de filtrar as ações que não tenham base sólida e segura, obrigando o juiz – com a possibilidade de recurso ao tribunal – a examinar efetivamente, desde logo, com atenção e cuidado, as alegações e os documentos da inicial, somente dando prosseguimento àquelas ações que tiverem alguma possibilidade de êxito e bloqueando aquelas que não passem de alegações especulativas, sem provas ou indícios concretos. O instituto da defesa preliminar, existente no direito penal para os funcionários públicos (CPP, art. 514), como antecedente ao recebimento da denúncia, funciona como proteção moral para o agente público acusado, para quem o simples fato de ser réu pode já implicar mancha na sua reputação. Abre-se a possibilidade de uma defesa antes de a ação ser recebida, de molde a cortar pela raiz aquelas ações que se mostrem levianas ou totalmente sem relação com a realidade dos fatos. [17]
Quanto à petição inicial, resta claro que esta deve dispor dos indícios da pratica do ato nocivo à sociedade, enquadrado como de improbidade administrativa.
Segundo Waldo Fazzio Júnior [18], além de indicar o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, a petição inicial deve indicar, usualmente, as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados (CPC, art. 282, III e VI).
Claro, não se trata de ajuizar ação civil de improbidade cumpridamente provada, na medida em que a prova será produzida no momento adequado, no curso do processo. A produção da prova deve se subordinar ao contraditório. A inicial indica as provas que serão produzidas na instrução processual.
Quando a ação tem o Ministério Público como autor, certamente este instruirá a postulação, juntando os autos de inquérito civil ou as peças de informação que possuir e, eventualmente, cópia de procedimento administrativo disciplinar, perícias, depoimentos e declarações – enfim, documentos aptos a indiciar improbidade administrativa do réu. É o que se entende como demonstração de que está aforando causa justa.
Diante disso, será arbitrado ao réu, o prazo para sua contestação preliminar, que será exercido no prazo de quinze dias.
Considerando a inicial em devida forma, o Magistrado ordenará sua autuação e a notificação do requerido para manifestação por escrito, dentro do prazo de quinze dias, sobre os termos da ação proposta, cuja defesa pode ser instruída com documentos e justificações (parágrafo 7º). Trata-se, pois, de chamamento inicial do requerido para oferecer defesa previa contra a ação proposta.
A inobservância do disposto no paragrafo 7º, artigo 17 da LIA, vale dizer, a falta de notificação do requerido para a apresentação de defesa preliminar antes do recebimento da petição inicial da ação civil de improbidade administrativa, configura nulidade absoluta e insanável do processo, que não se convalida pela não arguição tempestiva, porque afronta o principio fundamental da ampla defesa [19].
Em se tratando de competência e prerrogativa de foro por exercício de função pública, na ação civil de improbidade administrativa, não prevalece tal foro por prerrogativa de função em matéria penal. Sendo certo que não há competência originaria para processar e julgar ação de improbidade administrativa.
Vejamos entendimento jurisprudencial [20]:
“Improbidade administrativa (Constituição, art. 37, § 4º, Cód. Civil, arts. 159 e 1.518, Leis n°s. 7.347/85 e 8.429/92). Inquérito civil, ação cautelar inominada e ação civil pública. Foro por prerrogativa de função (membro de TRT). Competência. Reclamação.
1. Segundo disposições constitucional, legal e regimental, cabe a reclamação da parte interessada para preservar a competência do STJ.
2. Competência não se presume (Maximiliano, Hermenêutica, p. 265), é indisponível e típica (Canotilho, in REsp-28.848, DJ de 2.8.1993). Admite-se, porém, competência por força de compreensão, ou por interpretação lógico-extensiva.
3. Conquanto caiba ao STJ processar e julgar, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os membros dos Tribunais Regionais do Trabalho (Constituição, art. 105, I, a) não lhe compete, porém, explicitamente, processá-los e julgá-los por atos de improbidade administrativa. Implicitamente, sequer, admite-se tal competência, porquanto, aqui, trata-se de ação civil, em virtude de investigação de natureza civil. Competência, portanto, de juiz de primeiro grau.
4. De lege ferenda, impõe-se a urgente revisão das competências jurisdicionais.
5. À míngua de competência explícita e expressa do STJ, a Corte Especial, por maioria de votos, julgou improcedente a reclamação
(RCL n°591/SP, DJ de 15.5.2000, p. 112, rel. Min. Nilson Naves, julgamento de 1.12.1999. CE – Corte Especial).”
O Supremo Tribunal Federal também decidiu nesse sentido, senão vejamos o estabelecido na Reclamação n° 1.110, de que teve como relator, o Min. Celso de Mello [21]:
“EMENTA: SENADOR DA REPÚBLICA. INQUÉRITO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEDIDA PROCESSUAL A SER EVENTUALMENTE ADOTADA CONTRA EMPRESAS QUE ESTIVEREM SUJEITAS AO PODER DE CONTROLE E GESTÃO DO PARLAMENTAR, ATÉ A SUA INVESTIDURA NO MANDATO LEGISLATIVO. ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. MEDIDA LIMINAR CASSADA. O Supremo Tribunal Federal - mesmo tratando-se de pessoas ou autoridades que dispõem em razão do ofício, de prerrogativa de foro, nos casos estritos de crimes comuns - não tem competência originária para processar e julgar ações civis públicas que contra elas possam ser ajuizadas. Precedentes. A competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional- e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida - não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Constituição da República. Precedentes.”
Por conta destes julgados, quando agentes públicos, políticos ou servidores tiverem praticado atos ilícitos no exercício de função publica para benefícios e vantagens pessoais, entendemos do primeiro grau de jurisdição a competência absoluta para julgar e processar ação de improbidade administrativa.
Diante disso, resta abordar a questão do pedido a ser realizado na petição inicial da ação judicial de improbidade administrativa.
O pedido que é o ato fundamental do processo de conhecimento. Com ele se delimita a prestação jurisdicional que se conterá na sentença, uma vez que é o pedido que fixa a áreas da prestação a ser decidida e que constitui o objeto da ação proposta. A ação, que é atividade do autor, que é ato jurisdicional, tem no pedido uma espécie de denominador comum. E o mesmo se diga da defesa, pois a contestação do réu é contra a pretensão constante do pedido.
Isso significa que o pedido, em última análise, constitui o próprio objeto do processo, além de ser a sua mola propulsora, a ratio essendi de sua instauração[22].
Sendo certo no Direito Processual Civil, que o pedido é fundamental para que se tenha uma demanda formulada, e para que consiga atender os objetivos da petição inicial, de forma que o magistrado entenda objetivamente o que quer a parte, ou para se alcançar satisfatoriamente a boa prestação jurisdicional, deve ser o pedido realizado de forma correta.
Na ação judicial de improbidade administrativa, isso não é diferente, sendo que neste caso pode haver a cumulação ou alternatividade de pedidos, senão vejamos definição de Marino Pazzaglini Filho [23]:
“A cumulação, por sua vez, pode ser de duas espécies: subjetiva e objetiva. A subjetiva nada mais é que o litisconsórcio passivo, isto é, quando o autor ajuíza ação contra vários agentes públicos e/ou terceiros envolvidos na prática do ato de improbidade administrativa impugnado.
A objetiva verifica-se quando há cumulação de pedidos contra o mesmo réu. Assim, caso o agente público promova a contratação de serviços pelo ente público que representa o preço superfaturado, com fraude no procedimento licitatório, recebendo do terceiro beneficiado percentagem da vantagem lesiva aos cofres públicos por ele auferida, o agente público e o terceiro responderão tanto por ato de improbidade administrativa que importa em enriquecimento ilícito (art. 9.º) quanto por ato lesivo ao erário (art.10º), devendo o autor pleitear as sanções que pretenda sejam aplicadas entre as previstas no art. 12, I e II da LIA, em especial a restituição de todos os bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio deles e o ressarcimento integral do dano ao Erário. Frise-se que a sanção não pleiteada na petição inicial não pode ser aplicada pelo Juiz.
A alternatividade dos pedidos na ação judicial de improbidade administrativa ocorre quando um dos pedidos formulados (subsidiário) for somente examinado caso o primeiro pedido (principal) não seja acolhido.”
Restando claro ser o pedido, instrumento fundamental para o correto andamento da ação de improbidade administrativa, sendo este o fiel condutor ao bem da vida pretendido pela parte até a decisão do magistrado, ou seja, o pedido certamente é o objeto, é aquilo que a parte realmente deseja obter; no seu sentido jurídico, por meio do braço do Poder Judiciário.
3.3 - DA SENTENÇA
A sentença, como sabemos, é a decisão do magistrado de primeiro grau que poe fim (provisório) à relação processual de primeira instancia, a sentença decide ou não, o merito da causa. Caso a senteça decida o mérito, é chamada de definitiva, caso contrário, é chamada de terminativa.
Segundo o Código de Processo Civil, “sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito [24].”.
Sendo que sentença para Chiovenda [25] é “a provisão do juiz que, recebendo ou rejeitando a demanda do autor, afirma a existência ou inexistência de uma vontade concreta de lei que lhe garanta um bem ou respectivamente a inexistência ou existência de uma vontade de lei que garanta um bem ao réu.”
De forma que Nelson Nery Júnior e Andrade Nery [26] afirmam que sentença “é o ato do juiz que, em primeiro grau de jurisdição, extingue o processo com ou sem julgamento do mérito (CPC 267 e 269). No primeiro grau, pois se houver apelação, o processo continua no segundo grau de jurisdição”.
Cumpre informar que no caso da ação civil de improbidade administrativa, a sentença tem efeitos, quais sejam o declaratório, constitutivo e condenatório, vejamos a lição de Marino Pazzaglini Filho[27]:
“O declaratório consiste no reconhecimento de que o ato praticado por agente público, no exercício funcional, impugnado pelo autor, constitui improbidade administrativa enquadrável em uma das modalidades previstas nos artigos 9.º, 10 e 11 da LIA.
O constitutivo compreende a declaração do direito de desconstituição do ato considerado ímprobo e a constituição de nova situação jurídica, com anulação daquele.
O condenatório, resultante do capítulo declaratório quanto ao reconhecimento do ato de improbidade, diz respeito à aplicação das sanções civis, administrativas e políticas previstas no artigo 12 da LIA, que, de um lado, deve obedecer ao principio da correlação entre o pedido, vale dizer, as sanções qualitativas e quantitativas postuladas pelo autor, e o conteúdo da sentença (artigo 460 do CPC), e de outro, guardar proporcionalidade entre o ato improbo e a extensão do efetivo dano financeiro demonstrado nos autos.”
Sendo certo que a sentença é ato fundamental do processo de primeiro grau, sendo o instrumento jurídico que põe fim provisório à causa.