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Solidariedade e Seguridade Social

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Agenda 01/01/2003 às 00:00

            O avanço histórico das sociedades humanas, datado do tempo em que, por uma questão de instinto, o animal ereto deixou a caverna em que vivia seu isolamento para juntar-se a outros da mesma espécie, com o intuito de proteção, procriação e alimentação, começou a desenvolver-se quando aquele ser ancestral observou a fragilidade que reinava entre os nascituros, os doentes e os envelhecidos, necessitados que eram de amparo dos membros da comunidade em melhores condições físicas. Nesta primeva era, o sentido do solidarismo ainda não aflorava em quantidade tal a impressionar o ser humano ante os feridos, doentes, neonatos e os anciões, fazendo com que abandonasse seus objetivos para debandar em seu socorro. Muitas das vezes aquele que não pudesse mais acompanhar ao restante da tribus era esquecido à sua própria sorte, o que, no ambiente hostil da pré-história, significava ser abatido por feras dezenas de vezes superiores em força e vitalidade. Mas, a inteligência, fator que separa, ainda que de forma tênue, o humano ser dos outros animais, passou a desenvolver-se, de tal forma que normas de conduta foram eclodindo do seio dos diversos agrupamentos, dando gênese ao Direito, tal qual nos é dado conhecer atualmente. Destarte, cada membro da aglomeração começou a possuir uma visão mais aclarada da vida em comum, o que propiciou o amadurecimento dos tratos sociais, advindo do respeito ao próximo e do repúdio de determinadas atitudes alheias ao contexto societário. Tal leque de pensamento provocou, como principal conseqüência, a preocupação com o futuro da congregação e a previdência passou a ter interesse mais arraigado, sendo este o princípio mãe do solidarismo e da seguridade social.

            Donald Pierson, ao determinar os limites da organização social, elucidou que a mesma é um "proceso por lo cual individuos humanos si unen en unidades mayores capaces de acción conjugada, aceptando cada cual y cada vez más, las actitudes, sentimientos, intereses y propósitos de los otros y las expectativas de comportamiento por ellos impuestas" ("Teoría y pesquisa en sociología". Barcelona: Ediciones Sociales, 1976, p. 76) (1).

            Afirma Ferreira Coelho que "o homem precisa, pois, para a realização deste fim – o aperfeiçoamento da humanidade, limitar os seus instintos naturais pelo respeito às regras sociais, cooperando com os seus semelhantes para a harmonia da coexistência e desenvolvimento da civilização" ("Código Civil dos Estados Unidos do Brasil – comparado, comentado e analisado". Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 1920, v. II, p. 49).

            Para Geraldo Brandão, "quando o indivíduo assimilou os padrões gerais da sociedade, com seus valores e crenças, conceitos de honestidade, justiça, honra, distinção, etc., esses elementos passaram a constituir as diretrizes de sua conduta pessoal". ("Noções de sociologia geral". São Paulo: Editora do Brasil, 1955, p. 27).

            Segundo Halph Linton, "cuando una agregación cualquier hubiere reducido la cooperación de sus miembros a padrones habituales y voluntarios y desarrollar una conciencia de grupo, tenemos una sociedad". ("El hombre – una introducción a la antropología". Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, 1976, p. 79) (2).

            No entender de Erich Fronn, "o caráter social compreende uma seleção de traços, o núcleo essencial da estrutura do caráter da maior parte dos membros de um grupo, que se formou como resultado das experiências básicas e estilo de vida comuns àquele grupo" ("O Medo à liberdade". 9. ed, Rio de Janeiro: Zahar, 1974, p. 219).

            De acordo com Pitirim Sorokin, "las sociedades humanas son progresivas, porque ellas crecen sin cesar en volumén y densidad. Eso conduce al crecimiento de la interación, a la su intensificación, permuta de experiencia adquirida, su acumulación y transmisión de generación a generación". ("Las teorías sociológicas contemporáneas".

            Madrid: Alianza Editorial, 1972, p. 55) (3).

            Ao externar-se sobre o tema em dissecação, Jean-Jacques Rousseau, afirma que "como los hombres no poden crear nuevas fuerzas, más solo unir y dirigir las que yá existen, el medio que tienen para se conservar és formar por agregación una suma de fuerzas que venza la resistencia, con uno solo movil ponerlas en acción y hacerlas obrar en harmonía" ("Del contrato social". Madrid: Technos, 1976, p. 31) (4).

            Ensina Émile Durkheim que "el que las representaciones colectivas traducen és la manera como el grupo se pensa en sus relaciones con los objetos que lo afectan. Ora, el grupo és constituido de modo distinguido del individuo, y las cosas que lo afectan son de otra naturaleza" ("Las reglas del método sociológico". Madrid: Imprenta Góngora, 1976, p. 21) (5).

            Assegura Charles Blondel que "toda idea o creencia nueva, ténde a ser repetida o imitada por otros individuos, dando origen a una ola de imitación que si despaja por toda la sociedad" ("Introducción a la psicología colectiva". Madrid: Imprenta Góngora, 1986, p. 63) (6).

            Apregoa Louis Josserand que "con bastante rapidez, aunque progresivamente, en toda agrupación humana, se abre paso un modus vivendi, un conjunto de reglas directivas" ("Derecho civil". Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1950, tomo I, v. I, p. 3) (7).

            Moris Ginsberg, ensina que "las bases de la vida social son el lazo social, los sentimientos de paternidad o progenie, amor y agresión, lo interés social, lo interés propio, lo entrelazamiento del interés propio con lo interés social, fines comúnes y divergentes, la interpretación psíquica de la vida social, la finalidad social" ("Manual de sociología". Barcelona: Editorial Ariel, 1982, p. 69) (8).

            Willian Sumner, afirma que "toda la vida de los seres humanos, en cualesquier edades o grados de cultura, és controlada primariamente por una grande masa de hábitos, oriundos de la existencia más primitiva de la raza" ("Caminos del pueblo". Madrid: Technos, 1986, p. 49) (9).

            A primeira manifestação social, sem dúvida, foi a família que, constituída de grupos pequenos, era mais fácil de ser formada e podia, em face da pouca necessidade territorial, ser mais profícua em sua própria defesa.

            Segundo Jean-Jacques Russeau, "la familia és la más antigua de las sociedades, y también la única natural; los mismos hijos solo al padre se sujetán mientras necesitán de el para se conservar y, finda la precisión, desprendese el lazo natural; exentos los hijos de la obediencia debida al padre, exento ese de los cuidados que requer la infancia, todos quedán independientes" (1976, p. 24) (10).

            Discorre Louis Josserand que "la historia enseña que los pueblos más fuertes han sido siempre aquellos en que la familia estaba más fuertemente constituída" (1950, tomo I, v. II, p. 4) (11).

            No entanto, com o avançar das necessidades, advindas do aumento dos grupos formados, houve a necessidade de expansão destes limites, o que promoveu a aproximação de diferentes famílias, formando, com isto, as primeiras tribos.

            Era preciso multiplicar as forças existentes, não só porque os bandos de outros animais haviam crescido consideravelmente em face da abundância de alimento e da própria força física, como também algumas das unidades familiares começaram a lançar-se sobre as demais, usurpando campos de caça, assenhorando-se de pertences e, até mesmo, dos próprios membros.

            Thomas Hobbes ensina que:

            "en la naturaleza del hombre encontramos tres causas principales de la discordia. Primero, la competición; segundo, la desconfianza; y, tercero, la gloria. La primera, lleva los hombres a atacar los otros visando lucro. La segunda, la seguridad. La tercera, la reputación. Los primeros practicán la violencia para si tornaren señores de las personas, mujeres, hijos y rebaños de los dominados. Los segundos, para defendelos. Los terceros por niñerías, como una palabra, una sonrisa, una diferencia de opinión y cualquier outro señal de desprecio, yá sea directamente enderezado a sus personas, yá indirectamente a sus parientes, amigos, nación, profesión o su nombre" ("Leviatán". Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, 1974, p. 97) (12).

            Um dos primeiros modos de reunião girou em torno da crença religiosa, onde a identidade de divindades estabelecia o elo entre os diversos grupos.

            Adverte Fustel de Coulanges que "la confrontación entre las creencias con las leyes muestra como una religión primitiva formó las familias, estableció el casamiento y la autoridad paterna, fijó los grados del parentesco, consagró el derecho de propiedad y el derecho sucesorio". ("La ciudad antigua". Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, 1950, v. I, p. 7) (13).

            Pensa Alexis Carrel que "la inspiración religiosa dejó vestigios bien más profundos en la humanidad de lo que el pensamiento filosófico" ("El hombre, ese desconocido". Madrid: Imprenta Góngora, 1944, p. 182) (14).

            Acerta Jean-Jaques Rousseau quando afiança que "los hombres al principio no hubieran otros reys sino los dioses, ni otro regimiento sino el teocrático" (1976, p. 117) (15).

            Max Weber, anuncia que "los dioses antiguos abandonan sus tumbas y, bajo la forma de poderes impersonales, porque desencantados, esforzanse por ganar poder sobre nuestras vidas, volvendo a empezar sus luchas eternas" ("Ciencia y política – dos vocaciones". Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, 1973, p. 49) (16).

            Virgílio evidencia a importância religiosa, quando descreve, assim, a efetivação de um tratado de paz: "colocase entre los dos ejércitos un lar, levantase el altar a las divinidades que les son comunes. Un sacerdote, vestido de blanco, conduce la víctima, los dos jefes hacen la libación, invocan los dios, y enuncian la su promesa; después és degollada la víctima y las carnes son colocadas en la llama del altar" ("Obras completas". Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, 1976, p. 13) (17).

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            Ao pronunciar-se sobre o tema, Maximilien Robespierre declara que "Dios és la gran idea protectora del orden social, de los principios imutables de todas las sociedades humanas. El hombre és incapaz de distinguir el bien del mal, siendo necesaria la religión para hacer entrar en las almas la idea de una sanción dada a los preceptos de la moral por un poder superior al hombre" ("Obras completas". Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, 1976, p. 33) (18).

            Expende Ovídio que "en la religión estaba la fuente donde enanaban sus derechos civiles y políticos. El desterrado, en perdendo la religión de la patria, dejaba de gozar de todo aquilo" ("Tristes". Barcelona: Anagrama, 1976, p. 76) (19).

            Na ilação de Karl Marx, "el hombre hace la religión; la religión no hace el hombre. Más el hombre no és un ser abstracto, acobardado fuera del mundo. Y la religión és de hecho la autoconciencia y el sentimiento de si del hombre que, o no si encontró aún o volvió a perderse" ( "Manuscritos económico-filosóficos". Barcelona: Ediciones Sociales, 1972, p. 45) (20).

            A necessidade de acolher aos nascituros, aos doentes e aos anciões, que, por aspectos de desenvolvimento ou declínio físico, não conseguiam defender-se das hostes contrárias, inauguraria, então, as primeiras manifestações de solidariedade.

            Neste primo canto social, tal abraço comunitário restringiu-se aos próprios membros das tribos, na tentativa de preservar seu número ante a carnificina dos combates e a impedir a delapidação de seus pertences, o que faria fenecer o ideal e perpetuar a comunidade.

            Não era, portanto, divergente dos outros animais que defendem suas crias, enfermos e envelhecidos, colocando-os sob uma barreira de indivíduos fortes e capazes, tal qual os búfalos e os gnus na inóspita África.

            Com o desiderato da ampliação dos vínculos sociais, reunindo diversas tribos em cidades, passou-se a exigir de cada um de seus membros esforços no sentido de tornar mais profícuo o cerne do agrupamento, através da distribuição das tarefas necessárias entre todos os indivíduos.

            Tal fato encontra-se regiamente discutido por Arístocles (Platão), ao indagar "¿como és que la ciudad bastará para la obtención de tantas cosas? ¿Existirá otra solución que no sea haber uno que sea labrador, otro pedrero, outro tejedor? ¿Le acrecentaremos, también, un zapatero o cualquier otro artífice que si ocupe do que és relativo al cuerpo?" ("La república". Madrid: Alianza Editorial, 1974, p.56) (21).

            A vontade coletiva sobrepunha-se à individual de tal forma que, no dizer de Plutarco, "en Rodes, la ley impedia de hacer la barba, y, en Bizâncio, castigabase con multa quién poseese, en su casa, una navaja de barba, más en Esparta, por el contrario, yá la ley exigia si rapase el bigote" ("Cleómenes". Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, 1972, p. 9) (22).

            Com o avançar das lides societárias, o advento da criação de um governo para gerir aos anseios e necessidades do conglomerado social, e as constantes guerras, que promoviam a miséria, as enfermidades e os destroços mentais e físicos da população, onde ninguém reunia forças financeiras para o auxílio eficaz ao próximo, o Estado passou a ser, ao lado das iniciativas de cunho particular, o responsável pela manutenção dos indivíduos sob sua guarda, assumindo para si a tarefa da assistência social.

            Assim se pronuncia José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente, sobre o tema estudado:

            "Desde que as sociedade é fundada, a idéia de proteção é como que sinônimo da de governo em favor dos associados, quer no interior do Estado, em suas fronteiras, ou mesmo fora delas; essa proteção acompanha o cidadão, e o anima em toda a parte.

            Dentro do Estado o poder público tem o dever de proteger sua vida, sua segurança social, e a de seus bens e direitos. Nas fronteiras deve ele manter o respeito devido ao território nacional, a paz e a inviolabilidade dos direitos de seus súditos, em relação a agressões dos povos vizinhos." ("Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império". Brasília: Senado Federal, 1978, p. 430).

            De acordo com o pensamento de Wladimir Novaes Martinez, assistência social é um conjunto de atividades particulares e estatais direcionadas para o atendimento dos hipossuficientes, consistindo os bens oferecidos em pequenos benefícios em dinheiro, assistência à saúde, fornecimento de alimentos e outras pequenas prestações". ("Subsídios para um modelo de previdência social". São Paulo: LTr, 1992, p. 83).

            Para Sérgio Pinto Martins, "a assistência social é, portanto, um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer uma política social aos hipossuficientes, por meio de atividades particulares e estatais, visando a concessão de pequenos benefícios e serviços, independentemente de contribuição por parte do próprio interessado". ("Direito da seguridade social". 17. ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 484).

            Dois grandes momentos do ideal solidário podem ser assinalados. O primeiro, veio com a ideologia de Jesus Cristo, que pregava a doação aos necessitados como caminho para o reino dos céus, o "amai-vos uns aos outros":

            "Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos" (João, 13, 34-35, in: "Bíblia sagrada – edição pastoral". São Paulo: Paulus, 1990, p. 1375).

            O segundo, com a revolução francesa, onde os ideais de "igualdade, fraternidade e liberdade" acirraram o espírito de apoio aos hipossuficientes em todo o mundo, gerando uma inacreditável onda de solidarismo, que atingiu até hoje, a todos os povos do planeta.

            Para Fustel de Coulanges, "con el cristianismo, no solo el sentimiento religioso si reavivó, más tomó aún expresión más elevada y menos material. Mientras otrora si habián fabricado dioses de la alma humana o de las grandes fuerzas físicas, comenzose ahora a concebir Dios como siendo, por su esencia, verdaderamente extraño a la naturaleza humana, por un lado, y al mundo, por otro lado" (1950, v. II, p. 236) (23).

            Desvincula-se a religião do Estado, quando Jesus Cristo concita aos cidadãos a dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus:

            "Dize-nos, então o que pensas: è lícito ou não é, pagar imposto a César?. Jesus percebeu a maldade deles, e disse: Hipócritas! Por que vocês me tentam? Mostrem-me a moeda do imposto. Levaram então a ele a moeda. E Jesus perguntou: De quem é a figura e inscrição nesta moeda? Eles responderam: È de César. Então Jesus disse: Pois devolvam a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus" (Mateus, 22, 15-21, idem, ibidem, p. 1269).

            Prega Jesus o solidarismo irrestrito, ao ensinar que: "tudo o que vocês desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a eles" (Mateus, 7, 12, idem, ibidem, p. 1246), ou quando, na narrativa de Marcos, informa, a um homem, como entrar no Reino dos Céus: "Quando Jesus saiu de novo a caminhar, um homem foi correndo, ajoelhou-se diante dele e perguntou: Bom mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna? Jesus respondeu: Por que você me chama de bom? Só Deus é bom, e ninguém mais. Você conhece os mandamentos: não mate; não cometa adultério; não roube; não levante falso testemunho; não engane; honre seu pai e sua mãe. O homem afirmou: Mestre, desde jovem tenho observado todas essas coisas. Jesus olhou para ele com amor, e disse: Falta só uma coisa para você fazer: vá, venda tudo, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me" (Marcos, 10, 17-21, idem, ibidem, p. 1296).

            Jesus esmaga as diferenças entre os homens, impedindo a segregação racial, que destinava aos estrangeiros um isolamento, uma ausência de direitos que perdurava desde os antanhos tempos da Grécia, quando, no dizer de Fustel de Coulanges, não tinha acesso aos cultos religiosos, não eram protegidos pelos deuses locais não podendo, sequer, invocá-los (1950).

            Virgílio, assim se manifesta sobre o tema ora proposto: "és preciso que delante de los fuegos sagrados, en el acto religioso que será ofrecido a los dioses nacionales, no presentese a los ojos del pontífice el rostro de alguno extranjero; serián perturbados los auspícios" ("Eneida". Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, 1976, p. 23) (24).

            Jesus, no entanto, prega que "todo aquele que faz a vontade do meu Pai que está no céu, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Mateus, 12, 50, idem, ibidem, p. 1255).

            Os ensinamentos de Jesus, mudaram, inclusive, a idéia de propriedade privada, que vinha desde os tempos da Roma antiga, conforme afirma Thomas Moore, ao informar a troca do pluralismo religioso dos habitantes da ilha de Utopia pelo cristianismo, que: "pienso, pero, que lo que más poderosamente contribuió para eso fué nos teneren oído decir, entre otras cosas, que Cristo instituió la comunidad de todos los biens y que esa misma comunidad aún hoy és seguida en las sociedades verderamente cristianas". ("La utopía". Madrid: Technos, 1974, p. 101) (25).

            A Revolução Francesa, burguesa em sua essência marcou uma vibrante participação popular em vários de seus episódios. De seus resultados, ficou a certeza de luta pelos princípios básicos: liberdade, igualdade e fraternidade.

            Todavia, Daniel Guerín, informa que "en teoría, todo poder emanaba del pueblo; pero, en la práctica, se negaba a éste el derecho de ejercerlo por sí mismo: únicamente tenía permiso para delegarlo" ("La lucha de clases en el apogeo de la revolución francesa, 1793-1795". Madrid: Alianza Editorial, 1974, p. 72) (26).

            Henry C. Wallich, ao tratar do assunto, adverte que:

            "entre las tres virtudes hermanas, libertad, igualdad y fraternidad, que la Revolución Francesa lanzó al mundo, fraternidad poseeía originalmente mucho del contenido emocional refrenado actualmente por igualdad. Esa última, por su turno, estaba más próxima de libertad – libertad de la opresión y igual tratamiento bajo de la ley. Más la fraternidad – quizá buena demás para ese mundo – aposentóse temprano de la vida pública" ("El costo de la libertad". Madrid: Civitas, 1960, p. 93) (27).

            Apesar disto, a Revolução Francesa lança, em definitivo, a semente do solidarismo, que passou a ser a mola mestra da maior parte das sociedades organizadas desde então.

            Para Simões da Fonseca, solidariedade é a "responsabilidade mútua entre duas ou mais pessoas" ("Dicionário enciclopédico da língua portuguesa". Rio de Janeiro: Livraria Garnier, [s. d.], p. 1085).

            De acordo com Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, solidariedade é:

            "qualidade de solidário; ligação recíproca de pessoas ou coisas independentes; adesão ou apoio à causa, empresa, opinião, etc., de outro ou de outros; (jur.) vínculo jurídico existente entre os credores (ou entre os devedores) de uma mesma obrigação, cada qual com direito (ou obrigado) a exigir (ou cada devedor é obrigado a pagar) integralmente a prestação objeto daquela obrigação; responsabilidade mútua; nexo moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses e às responsabilidades de um grupo social, de uma nação ou da própria humanidade; (Filos.) dependência mútua entre os homens, em virtude da qual uns não podem ser felizes e desenvolver-se, sem que os outros também o possam" ("Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa". 11. ed., supervisionada e consideravelmente aumentada, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969, p. 1127).

            Com as grandes guerras e a constante ameaça de conflitos, não só no âmbito mundial, mas em diversos setores do globo terrestre, a idéia do solidarismo – aliada ao fato de que a existência de crises futuras passou a ser muito possível – evoluiu para um contexto que tinha como escopo prevenir os desajustes sócio-econômicos que poderiam ter lugar em face dos desarranjos estatais, que originou, então a seguridade social.

            Variadas tentativas de minimizar os efeitos da miséria e das catástrofes que assolavam o mundo, desabrigando milhares de pessoas, foram levadas a termo, como a de Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos da América, com a adoção da doutrina do Wellfare State, que preconizava a importância de um estado voltado para o bem estar social (GALBRAIT, John Kenneth. "La sociedad afluente". Barcelona: Anagrama, 1976).

            Precisava-se de uma maior garantia de ajuda e de apoio aos países mais atingidos pelos infortúnios, pelo que, os mais abastados, num louvável apadrinhamento aos mais pobres, criaram a Organização das Nações Unidas, garantindo, com isso, o fim da exploração cruel dos menos afortunados pelos mais abastados.

            Sem sombra de dúvidas, entretanto, o marco da história da seguridade social encontra fincas na "Declaração Universal dos Direitos do Homem", firmada em 1948, quando a idéia previdenciária se torna mais cristalina.

            Cria-se, portanto, uma nova conceituação de liberdade, voltada não apenas para o desprezo pelo autoritarismo governamental, mas para o repúdio à miséria, ao sofrimento, ao empobrecimento das relações humanas.

            Informa Henry C. Walilich que "el hombre pode estar dispuesto a morir por la libertad más, seguramente, no de hambre. La sociedad que quier ser libre no debe exponer los sus miembros a tal alternativa" (1960, p. 31) (28).

            Passa-se a disseminar a idéia de que todos devem contribuir para que todos possam ser atendidos em suas necessidades futuras de assistência médica e social, evitando que, por falta de recursos, o Estado deixe de promover tal ajuda aos carentes e que seu padrão de vida desça a níveis insustentáveis.

            É este o princípio da igualdade, tão bem definido por Rui Barbosa, quando leciona que "a regra da igualdade consiste senão em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que sejam desiguais. Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar como desiguais a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real". ("Oração aos moços". Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1956, p. 32).

            No Brasil, a idéia previdenciária teve sua primeira manifestação na Carta Constitucional de 1824, quando em seu Art. 179, § 3., estabelece a criação dos "socorros públicos".

            José Antônio Pimenta Bueno, ao analisar tal artigo, ensina que:

            "O governo, em circunstâncias ordinárias, não tem a obrigação de sustentar ou manter os particulares, nem ele teria recursos para cumprir essa tarefa; eles devem viver de sua indústria e previdência.

            Em casos, porém, excepcionais, ou de calamidades públicas, de peste, inundação, secas, falta de colheitas, grandes incêndios, ou outros males semelhantes, é dever da sociedade socorrer os seus membros, ir em seu auxílio, dar-lhes a sua proteção; não é só o dever social, como a humanidade, e o próprio interesse da segurança pública, o exige imperiosamente.

            Em casos especiais os socorros públicos vão amparar os nacionais, mesmo no país estrangeiro, como prescreve o nosso regimento consular.

            Além dos socorros diretos, um governo ilustrado ministra outros muitos valiosos mediatamente, pela proteção com que anima e auxilia os hospitais de caridade, os asilos de expostos e de mendigos, e muitos outros estabelecimentos pios.

            Seu zelo pelo estabelecimento de caixas econômicas, de bancos de socorro em favor das classes pobres, de montepios, e outras instituições de previdência, é uma outra proteção valiosa outorgada aos cidadãos que têm poucos recursos, e que assim obtêm novas vantagens e benefícios de sua sociedade, que se moralizam, e conseguem meios de melhor educar seus filhos e amparar suas famílias" (1978, p. 431).

            Na Constituição de 1891, surge, pela primeira vez o termo aposentadoria, que somente poderia ser destinada aos funcionários públicos em caso de invalidez à serviço da Nação (Art. 75).

            Em 24 de Janeiro de 1923, através o Decreto n. 4682 – que ficou conhecido como Lei Eloy Chaves, em face de seu autor – instituiu-se a previdência social em solo brasileiro, com a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários, com o objetivo de acalmar os ânimos exaltados dos trabalhadores deste setor, de ímpar importância naquela época, já que o transporte por via da estrada de ferro era o mais desenvolvido e dele dependia, praticamente, toda a circulação de mercadorias.

            A partir daí, com a reunião dos trabalhadores em categorias específicas, começaram a surgir diversas entidades mutualistas, abrangendo cada casta profissional, o que promoveu a extensão da Lei Eloy Chaves a outras parcelas de obreiros, embora estruturados por empresa.

            Evoluindo, as Caixas de Pensão e Aposentadoria foram genética para o surgimento dos Institutos de Previdência.

            Para Sérgio Pinto Martins, "os Institutos e Pensões surgiram nos moldes italianos. Cada categoria profissional passava a ter um fundo próprio. Havia tríplice contribuição: do empregado, do empregador, do governo. A gerência do fundo era exercida por um representante dos empregados, um representante dos empregadores e um do governo. Além dos benefícios de aposentadorias e pensões, o instituto prestava serviços de saúde, internação hospitalar e atendimento ambulatorial" (2002, p. 33).

            Na Lex Fundamentalis de 1934, em seu Art. 5., XIX, encontramos inserta a competência da União para elaborar leis que tratassem da previdência social, dividindo, entretanto, a responsabilidade de "cuidar da saúde e assistência públicas" e fiscalizar a aplicação de tais leis com os Estados-Membros (Art. 10, II e V). ("Constituições federais". Brasília: Senado Federal, 1967, p. 214).

            Aparece a tríplice obrigatoriedade contributiva, envolvendo os empregados, os empregadores e o Estado, estampada no Art. 121, § 1., "h" (BRASIL. Senado Federal, 1967, p. 246).

            Assegura a aposentadoria compulsória para os funcionários públicos ao completarem sessenta e oito anos, aposentadoria por invalidez a estes mesmos funcionários, desde que contassem com, no mínimo, trinta anos de labor, defere benefícios integrais a esta categoria, em caso de acidente do trabalho e equiparava os proventos do pessoal da ativa com os aposentados (Art. 170).

            Com pertinência à Lex Legum de 1937, explica Sérgio Pinto Martins:

            "A Carta Magna de 1937, outorgada em 10 de novembro, é muito sintética em matéria previdenciária. Não evoluiu nem um pouco em relação às anteriores, ao contrário, regrediu.

            A previdência social é disciplinada apenas em duas alíneas do art. 137. A alínea m menciona ‘ a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidente do trabalho’. A alínea n trata que ‘as associações de trabalhadores têm o dever de prestar aos seus associados auxílio ou assistência, no referente às práticas administrativas ou judiciais relativas aos seguros de acidentes do trabalho e aos seguros sociais’." (2002, p. 35).

            A Constituição da República de 1946 inaugura um sistema de constitucionalização da previdência social, apesar de incluí-la entre os regramentos inerentes ao Direito do Trabalho (Art. 157).

            Este mesmo fascículo constitucional, em seu inciso XVI, determina o estabelecimento de "previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte", mantendo o tripé eclodido em 1934 (BRASIL. Senado Federal, 1967, p. 262).

            Determina a "obrigatoriedade de instituição do seguro pelo empregador contra os acidentes do trabalho", em seu Art. 157, XVII (idem, ibidem, p. 263).

            A Carta Política de 1967, obteve avanço pouco consistente em relação à sua antecessora, limitando-se a repetir os mesmos textos da mesma, que tratavam do assunto previdenciário.

            No entanto, prevê, em seu Art. 158, inserto no Título III, "da ordem econômica e social", equivalente ao Art. 7., do atual Estatuto Régio, entre outros direitos operários, em seu inciso XV, XVI e XVII, que:

            "Art. 158..

            XV – assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva;

            XVI – previdência social, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, para seguro-desemprego, proteção da maternidade e nos casos de doença, velhice, invalidez e morte:

            XVII – seguro obrigatório pelo empregador contra acidentes do trabalho." ("Constituição do Brasil". Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1967, p. 71).

            A Emenda Constitucional n. 1, de 17 de Outubro de 1969, repete, praticamente, os ditames insertos na Lei Fundamental de 1967, não apresentando nenhuma inovação convincente, mormente na seara previdenciária (Jornal do Brasil. 1. Caderno, Rio de Janeiro, Sábado, 18 de Outubro de 1969, p. 13).

            A Lei Maior em vigor, promulgada em 05 de Outubro de 1988, considerada por muitos a Constituição mais cidadã de todas a que o Brasil esteve sujeito, apesar de ser a que mais dispositivos não característicos da matéria constitucional, que deveriam figurar em legislação ordinária, trouxe alguns avanços em termos de previdência social.

            O primeiro deles, é – sem sombra de dúvida – a elaboração de um capítulo inteiro sobre a seguridade social (Da ordem Social, Capítulo II), ao invés de, como anteriormente, fazer-se inserir tal matéria no hemisfério da ordem econômica e social, esparsa e sem expressão, como nas anteriores (BRASIL. Senado Federal, 1967).

            O segundo, a alegoria do gênero Seguridade Social, que abrange a previdência, a assistência social e a saúde, evidenciada pelo Art. 194, que determina que "a seguridade social compreende um sistema integrado de ações de iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social".

            O terceiro, o reajuste dos benefícios de prestação continuada, para evitar-se o seu dilapidamento financeiro (Art. 58, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e a determinação da feitura legislativa de um plano de custeio e de benefícios, no máximo prazo de seis meses (art. 59, do mesmo ato constitucional). (BRASIL. "Constituição da República Federativa do Brasil", 27. ed., atualizada e ampliada, São Paulo: Saraiva, 2001).

            A Emenda Constitucional n. 20, de 15 de Dezembro de 1998, insere diversas modificações na Previdência Social, transformando, de forma substancial o sistema então operante.

            O homem vive sempre em uma grande asfixia social, onde os mais poderosos alijam das oportunidades os desprovidos de dinheiro, decretando a falência de seu futuro.

            Para Claude Julien, "el contraste entre los países ricos y los pobres és brutal y, a pesar de una indiferencia bastante generalizada, tornase cada vez más una amenaza para los ricos" ("El suicidio de las democracias". Barcelona: Editorial Ariel, 1974, p. 19) (29).

            Segundo Ken Coates e Richard Silburn, "las causas más importantes de la pobreza no son la indolencia, ni la fecundidad, ni las enfermedades, ni mismo lo desempleo ni cualquier otra vileza, son simplesmente los salarios bajos" ("Pobreza: la mañana de los ingléses". Barcelona: Anagrama, 1975, p. 21) (30).

            De acordo com John Kenneth Galbraith, " las personas son pobres cuando su renta, mismo permitindo sobrevivir, és visiblemente más baja do que la comunidad. Esas personas no poden tener aquello que la comunidad en su conjunto considera como siendo el mínimo necesario para una vida decente" (1976, p. 252) (31).

            A máquina, cada vez mais toma o lugar de destaque que deveria pertencer ao homem, em nome de uma produtividade que promove o avanço financeiro mas cerceia o social.

            No pensamento de Lewis Mumford, "para ponerse a salvo realmente la sociedad deberá substituir la imagem de un mundo mecánico por la imagem de un mundo orgánico, y dar a la personalidad humana, como más alta manifestación conocida de la vida, la preferencia que dona actualmente a las máquinas y a los cerebros electrónicos" ("El mito de la máquina". Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, 1974, p. 96) (32).

            A única saída para a sociedade humana é voltar-se para o solidarismo, onde todos visam ao bem comum, ao invés de seus próprios anseios, impedindo, assim, que parte da estratosfera social seja massacrada em favor de alguns poucos, como na alegoria da sorte lotérica de Adan Smith, que preconiza que "en una lotería, los que ganan los premios ganan todo lo que és perdido por los que quedan con las tarjetas en blanco" ("La riqueza de las naciones". Barcelona: Editorial Ariel, 1972, p. 94) (33).

            Destarte, o homem, enquanto sociedade procura, sempre, abastecer os farnéis sociais com boas dosagens de ajuda aos mais carentes, de divisão de bens, dízimos e esmolas, não só para calar aos que são excluídos como, também, para amolecer a dureza de seus próprios pensamentos, que os crucificam ante as realidades que explodem nas calçadas e a indelével certeza de que todos temos culpa.

            Outrossim, cada rosto faminto que nos cerca, no diário convívio social, é um emblema, uma cicatriz, um aviso funesto de que, se nada fizermos, amanhã poderemos ser um deles.

            Partimos então, para a previdência, que, antes de ser um apelo ao carinho, ao desejo de ajuda ao próximo, ao erradicar das dificuldades sanitário-financeiras de nossos semelhantes, é uma tentativa individual de salvar-se a si mesmo, amparando-se na tabula rasa de um futuro assegurado.

            Por fim, chegamos à conclusão de que, embora vivendo em sociedade, desde a primeira reunião da espécie, o homem nunca deixou de ser o indivíduo, a partícula isolada que pretende para si todos os prazeres da terra, sem se importar a que custo ou a de quem servir-se-á para tanto.

            Na verdade, o que queremos é o prêmio final, sem nos importarmos – a não ser esporadicamente – com quem devam ficar os "bilhetes em branco", desde que não seja conosco.

            Este o ideal que move o ser social e, infelizmente, é ele que dita as normas emanadas não de todos, mas dos que detém o poder.

Sobre o autor
Guilherme Alves de Mello Franco

advogado trabalhista em Juiz de Fora (MG), assessor jurídico de sindicatos, especializando em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Guilherme Alves Mello. Solidariedade e Seguridade Social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3612. Acesso em: 22 nov. 2024.

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