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A importância do e-mail no rastreamento de IPs na internet

Agenda 06/02/2015 às 09:38

O uso do e-mail binado no rastreamento de IPs na internet, para fins de investigação de práticas digitais ilícitas

A identificação inequívoca de um usuário é um ponto essencial na análise forense computacional. Para que se possa atribuir responsabilidade e autoria de um ilícito a uma determinada pessoa, ou mesmo grupo de pessoas, não é possível restarem dúvidas quanto à questão da identidade.

Porém, em um mundo virtualizado, onde os usuários dispõem de inúmeros recursos para manutenção de total anonimato (como, por exemplo, o TOR (The Onion Router), software livre que dificulta o rastreamento e a interceptação de informações trafegadas em rede), rastrear uma identidade de forma consistente tornou-se um grande desafio para os peritos e investigadores forenses.


Mesmo no meio corporativo, em ambientes que, normalmente, possuem grande aparato tecnológico para a segurança da informação, um “simples” compartilhamento de senha entre usuários pode desencadear um evento desastroso, o qual, por si só, já demandaria uma análise pericial profunda. Nesses casos, as enormes dificuldades de rastreamento do verdadeiro responsável podem, em algumas situações, até inviabilizar sua identificação pela perícia.

Para ilustrar essa problemática forense, vamos tomar como base um caso prático e baseado em fatos reais, em que um gerente de uma grande empresa recebeu diversos e-mails com ameaças baseadas em calúnias e difamações de sua vida pessoal e profissional. O remetente, nesse caso, utilizava-se de uma conta de e-mail falsa para suas atividades ilícitas. Com a técnica apelidada de “e-mail binado” foi possível aos investigadores identificar os dados do criminoso.

É importante salientar que o cenário, fatos e todos os dados encontram-se completamente distorcidos, sem qualquer relação direta com a real ocorrência.

CASO PRÁTICO – RASTREANDO IDENTIDADE COM UM E-MAIL BINADO
 

Em março/2013, o diretor de TI de uma grande companhia de alimentos começou a receber e-mails de um remetente anônimo na tentativa de chantageá-lo. Tratava-se de e-mails caluniosos, que suspostamente denunciavam fatos profissionais e pessoais constrangedores desse diretor. O remetente ordenava que o diretor solicitasse a própria demissão da companhia, caso contrário, todos os “fatos” seriam levados a público.

A reação do diretor foi a de meramente ignorar o que julgava se tratar de uma “brincadeira sem graça”. Como eram fatos infundados, simplesmente não fez questão de levar a conhecimento de ninguém. Mesmo recebendo e-mails do caluniador quase que diariamente, a atitude foi sempre a mesma: desprezar as mensagens.

Passado o prazo limite informado pelo caluniador no e-mail, o “Sr. Silva”, como este assinava, realmente cumpriu sua promessa. Iniciou um ataque, disparando informações caluniosas e difamando o diretor não apenas para todos os e-mails internos da empresa, mas também para o e-mail particular da esposa do diretor. O assunto ganhou os corredores, seu casamento ficou em crise e a situação cada vez mais insustentável. Mesmo sem qualquer prova das acusações, o remetente dos e-mails despejava mensagens diárias caluniando o diretor de TI. Dessa forma, o assunto foi escalonado pela Presidência da empresa à Auditoria Interna, para tratamento da ocorrência.

Delegado um especialista forense computacional para a ocorrência, verificou-se em primeiro lugar, que se tratava de um serviço de webmail russo. Em contato com o administrador do serviço, não se obteve qualquer resposta.

O segundo passo, foi analisar as informações de cabeçalho dos e-mails recebidos, para identificar o endereço IP do remetente das mensagens. A informação não poderia ser mais insatisfatória, pois o endereço IP levava a um servidor de proxy anônimo da Ucrânia.

Nesse momento, sabia-se da complexidade e falta de celeridade ao se optar por um trâmite jurídico para tentativa de obtenção do endereço IP do Brasil, fosse junto ao serviço de webmail Russo, ou mesmo junto ao serviço de proxy na Ucrânia. Muito provavelmente, anos se passariam até um desfecho o qual já se esperava que não conduzisse às informações necessárias dos servidores estrangeiros.

Usando o conhecimento de casos como esse, onde a técnica do “e-mail binado” funcionou com sucesso, o especialista forense decidiu adotá-la.

Com a utilização do serviço de e-mail registrado da RPost, serviço de mensagem eletrônica que registra todo o trajeto de links e servidores percorridos pelo documento, desde a origem até o destino, trazendo informações exatas sobre o instante do envio e chegada da notificação ao e-mail do destinatário, uma estratégia foi traçada.

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Tal como o proxy anônimo usado, o método do envio de um e-mail binado, consiste em se utilizar da funcionalidade de comprovação de envio e leitura da mensagem, presente na solução, para “aguçar” a curiosidade do criminoso enviando um simples e-mail e aguardando a sua LEITURA.

Na maioria das vezes há um cuidado redobrado no envio de e-mails dessa natureza, mas como não se espera que o simples abrir de um e-mail na caixa de entrada possa revelar uma informação de rastreamento, nem sempre a cautela em utilizar o proxy anônimo para leitura pelos criminosos ocorre.

E felizmente, neste caso, o criminoso mordeu a isca e leu o e-mail, sendo assim possível obter um endereço de IP brasileiro: Podemos observar que o assunto e o conteúdo do e-mail foram um simples “OK”. O criminoso não foi “induzido” à leitura, mas o fez por sua própria vontade e curiosidade.

Vale ressaltar que o envio de um e-mail do tipo, com confirmação de recebimento e leitura, não infringe qualquer lei: pode-se dizer que se trata do equivalente em meio virtual, ao envio de uma correspondência registrada e com AR (Aviso de Recebimento pelos Correios), ou mesmo de uma notificação extrajudicial enviada por meio de um Cartório.

Após a abertura de um inquérito policial, para a quebra do sigilo do endereço IP brasileiro obtido, esta foi autorizada judicialmente, e o provedor de acesso informou os dados cadastrais relacionados ao endereço na data / horário da abertura do e-mail binado:

O usuário identificado batia com o cadastro de colaboradores da empresa: era um Gerente Geral da área de TI. Depois de identificado, o mesmo confessou ter enviado os e-mails de calúnia, pois esperava que, com a saída do diretor, iria ele mesmo assumir o cargo o qual aguardava há muitos anos, sem sucesso. O desfecho, no entanto, foi muito diferente do que esperava: munida das evidências, a empresa optou pela demissão do Gerente Geral por Justa Causa, além do mesmo sofrer um processo criminal e cível por parte do diretor de TI, completamente prejudicado com a calúnia e difamação.

Pode-se perceber, com a utilização de métodos como esse, que além do conhecimento técnico e jurídico, é de suma importância na ciência forense computacional um fator às vezes esquecido: a criatividade.

Sobre os autores
Victor Martinelli

Victor Martinelli é pós-graduado em Computação Forense pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Cruzeiro do Sul e Técnico em Informática pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões. Certificado Auditor Líder em ISO 27001:2005, Auditor Líder em ISO 9001:2008, CobiT e ITIL. Membro da HTCIA e da ISACA. Possui grande experiência em casos de forense computacional. Ministrou cursos e palestras da área de Computação Forense e é autor do livro “Introdução à Computação Forense – Teoria e visão prática” – Ed. Bookmakers. Atualmente, é consultor independente nas áreas de Perícia Forense Computacional, Auditoria de T.I. e Segurança da Informação. Contato: br.linkedin.com/pub/victor-martinelli/89/a87/530

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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