I – A CONDUÇÃO COERCITIVA
A condução coercitiva é o meio pelo qual determinada pessoa é levada à presença de autoridade policial ou judiciária.
É comando impositivo, que independente da voluntariedade da pessoa, admitindo-se o uso de algemas nos limites da Súmula 11 do Supremo Tribunal Federal.[1]
Discute-se a realização desse procedimento em sede de inquérito policial ou ainda de processo judicial, onde o investigado, o réu, é notificado para comparecimento no objetivo de depor e não quer comparecer.
Bem acentua Uadi Lammego Bulos[2] que há um privilégio contra autoincriminação, que retrata o princípio de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Sendo assim tal privilégio, inserido em verdadeira garantia constitucional, como se lê do artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal, é manifestação:
- Da cláusula da ampla defesa (artigo 5º, LV, da Constituição Federal);
- Do direito de permanecer calado (artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal);
- Da presunção da inocência (artigo 5º, LVII, da Constituição Federal);
O direito do acusado ao silêncio assume, como revelam Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho[3], uma dimensão de verdadeiro direito, cujo exercício há de ser assegurado de maneira plena, sem acompanhamento de pressões, seja de forma direta ou direta, destinadas a induzi-lo a prestar um depoimento.
Por certo, as perguntas sobre a qualificação do acusado não estão acobertadas pelo direito ao silêncio, uma vez que não se está aqui diante de uma atividade defensiva.
Assim a leitura que deve ser feita do artigo 186 do Código de Processo Penal quando exige do juiz, ao informar ao acusado sobre a faculdade de não responder às perguntas formuladas, leva a considerar inconstitucional a parte que, de forma velada, esclarece que seu silêncio pode ser interpretado em prejuízo da defesa.
O direito ao silêncio não pode ser invocado, não pode servir como fundamento, para decretação de prisão preventiva.
De toda sorte, ao permitir-se, como regra legal, o silêncio no curso da ação penal, o sistema processual pátrio impede a utilização pelo julgador de critérios exclusivamente subjetivos na formação do convencimento judicial. Evita-se a conclusão que vem da cultura de nosso povo de que ¨quem cala consente.¨
Notável nesse sentido é a ilação que se tem da modificação trazida pela Lei 11.689/08, no bojo da reforma processual, onde não mais se contempla a exigência da presença do acusado nos processos do Tribunal do Júri, nos casos antes previstos na regra revogada do artigo 451 do Código de Processo Penal, questão esta já discutida pelo Superior Tribunal de Justiça(RT 710/344) e ainda no Supremo Tribunal Federal(HC 71.923 – 6/PE, DJU de 24 de fevereiro de 1995).
II – A CONDUÇÃO COERCITIVA DO INDICIADO E DA TESTEMUNHA NA FASE DO INQUÉRITO
A oitiva do suspeito na fase do inquérito observa, no que for aplicável o que é constante dos artigos 185 a 196 do Código de Processo Penal, que tratam do interrogatório na chamada fase judicial, onde é assegurado ao acusado o direito ao silêncio, consoante o que se lê do artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal.
Tem-se o artigo 6º, V, do Código de Processo Penal que determina, dentro do que chamamos característica da discricionariedade que é dada à autoridade policial para conduzir o inquérito, que pode ouvir o indiciado.
Caso o indiciado não atenda à notificação para comparecer, nem justifique a sua ausência, poderá, em tese, ser conduzido coercitivamente à presença da autoridade, independente de representação do delegado de polícia ao juiz, consoante posição majoritária da doutrina e da jurisprudência.[4]
Afinal, o que é o interrogatório?
Trago as posições doutrinarias:
- Meio de prova, fundamentalmente (Camargo Aranha);
- É meio de defesa (Galdino Siqueira, Pimenta Bueno, Ada Pellegrini Grinover, Tourinho Filho, Adriano Marrey, Alberto Silva Franco, Bento de Faria, Rui Stoco, Antônio Magalhães Gomes Filho);
- Meio de prova e defesa (Frederico Marques, Hélio Tornaghi, João Batista Lopes, Mirabete, Greco Filho, Carnelutti, Borges da Rosa, Paulo Lúcio Nogueira);
- É meio de defesa, primordialmente; em segundo plano é meio de prova (Guilherme de Souza Nucci e Hernando Londoño Jiménez).
Ora, o interrogatório é um meio de defesa, fundamentalmente.
Firme em sua posição está Eugênio Pacelli de Oliveira[5] para quem o interrogatório é meio de defesa – incluído na denominada autodefesa, que consiste no desenvolvimento de qualquer ato ou forma de atuação em prol de interesses da defesa.
Ora, o interrogatório, é meio de defesa, como se lê da redação que lhe é dada pela Lei 10.792/2003.
Lúcida a opinião de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar[6] quando consideram a condução coercitiva do indiciado, na fase do inquérito policial, uma medida de duvidosa constitucionalidade, mercê da garantia fundamentada no silêncio, que torna sem propósito a condução daquele que não deseja participar do interrogatório. Para eles, caso a autoridade policial repute indispensável a oitiva do indiciado que recusou atender a notificação, deverá noticiar tal fato ao juiz, pleiteando a condução coercitiva.
Outra indagação se faz com relação a condução coercitiva da testemunha no Inquérito Policial.
A esse respeito tem-se a lição de Paulo Rangel[7] quando indaga: “Qual a providência que deve adotar a autoridade policial quando, no curso do inquérito, desejar ouvir uma testemunha que se recusa a comparecer para ser ouvida: Aplica-se o art. 218 do CPP? Ou seja, pode a autoridade policial conduzir coercitivamente a testemunha utilizando esse dispositivo, analogicamente?”. Por certo, que a resposta seria não.
Realmente, a resposta negativa se impõe para a pergunta. As regras restritivas de direito não comportam interpretação extensiva ou analógica; a duas, a condução coercitiva da testemunha implica a violação de seu domicílio, conduta proibida pela Constituição da República.
Deve a autoridade policial representar ao juiz competente, demonstrando o periculum in mora e o fumus boni iuris, a fim de que o juiz conceda a medida cautelar necessária.
III – A CONDUÇÃO COERCITIVA DO RÉU
Expresso, de início, que o réu não tem direito ao silêncio no tocante à sua qualificação. O juiz pode determinar que o réu seja levado à sua presença para ser qualificado e expressar, diretamente, o seu direito de permanecer calado, se for o caso.
Todavia, como bem esclareceu Guilherme de Souza Nucci[8], se o acusado for conhecido e devidamente qualificado, pode optar por não comparecer, fazendo valer o seu direito ao silêncio, sem a necessidade de qualquer medida coercitiva para obrigá-lo a ir a juízo.
Entendido o interrogatório como meio de defesa, há uma impossibilidade de haver prejuízo ao imputado por ter invocado o direito ao silêncio, pois este não pode levar à presunção de culpa.
Há assim a impossibilidade de condução coercitiva daquele que, mesmo citado pessoalmente, deixa de comparecer ao ato. A ausência deve ser interpretada como uma manifestação de autodefesa, evitando-se o constrangimento de se trazer o réu, contra a sua vontade, para a audiência.
Há ainda a impossibilidade de decretação da revelia do réu ausente, pois o seu não comparecimento não poderá trazer prejuízos processuais, como bem alertou Eugênio Pacelli.[9]
É ainda Eugênio Pacelli[10] que faz a correta distinção entre o direito à oportunidade do interrogatório e, de outro, o direito à realização obrigatória. Uma vez intimado o réu(artigo 399 do CPP), regularmente, ele não comparece à audiência uma(artigo 400 do CPP), não se pode mais falar em um direito futuro, à repetição do interrogatório, Isto é, a ser exercido em outra fase do processo, uma vez que há superação da etapa procedimental prevista o exercício da autodefesa. O réu tem direito de ser ouvido, mas não quando for conveniente apenas ao acusado.
Diverso, em tudo, é condenar o réu sem dar a ele a oportunidade de defesa, em interrogatório. Aí haveria nulidade absoluta, por violação do contraditório, por não se dar a ele a ampla defesa, a manifestação da autodefesa. Anote-se, contudo, que o Supremo Tribunal Federal já entendeu que a ausência do interrogatório seria causa de nulidade relativa, sujeita à preclusão(HC 82.933 – 3/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie, 29.08.2003).
Sendo assim deve o juiz deixar ao acusado a mais ampla liberdade, quando não quiser indicar as razões pelas quais prefere o silêncio, adaptando com a devida razoabilidade e bom senso as razões de sua ausência de forma a não efetuar a condução coercitiva. Lembre-se que a testemunha pode ser conduzida coercitivamente, pois tem o dever de colaborar com a Justiça dizendo a verdade. Tudo é diverso para a atuação do acusado, que tem o direito de se defender e uma das hipóteses que pode adotar é do silêncio.
Notas
[1] Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade de prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
[2] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, São Paulo, Saraiva, 6ª edição, pág. 325.
[3] GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal, São Paulo, Malheiros, 1992, pág. 67.
[4] No poder legal dos delegados de policia, iniludivelmente, se encontra o de interrogar pessoa indiciada em inquérito, para tanto podendo mandá-la conduzir à sua presença, caso considere indispensável o ato e o interessado se recuse à comparecer(RT 482/357).
[5] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, São Paulo, Atlas, 17ª edição, pág. 45.
[6] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, Salvador, Editora Jus Podivm, 7ª edição, pág. 123.
[7] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, São Paulo, ed. Atlas, 20ª edição, pág. 151.
[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, São Paulo, ed. RT, 10ª edição, pág. 424.
[9] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, Belo Horizonte, Del Rey, 3ª edição, pág. 379.
[10] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, São Paulo, Atlas, 17ª edição, pág.380.