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Ato de improbidade administrativa não é de competência originária do STF nem do STJ

Agenda 01/01/2003 às 00:00

            O tema é polêmico, mesmo passados 10 (dez) anos de vigência da denominada Lei de Improbidade Administrativa.

            E para possibilitar e facilitar, de uma forma didática, o seu estudo técnico-jurídico, convém tratá-lo partindo das seguintes premissas que justificariam, em tese, a competência para o julgamento de ato de improbidade de agente com foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça:

            1ª) considerando que os atos de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92) seriam, necessariamente, crimes de responsabilidade (Lei nº 1.079/50), a competência para o julgamento de autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea "c", da Constituição Federal, seria do Supremo Tribunal Federal;

            2ª) considerando princípio de hierarquia e para evitar incongruências no sistema jurídico vigente, as autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função, para crimes comuns, nos termos do artigo 102, inciso I, alíneas "b" e "c", e artigo 105, inciso I, alínea "a", da Constituição Federal, também teriam direito ao julgamento por atos de improbidade administrativa no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, dependendo do caso; e

            3ª) em suma, a Lei nº 8.429/92 não se aplicaria aos agentes políticos.

            Basicamente, esses são os pontos de partida.

            Para a análise a ser empreendida é preciso voltar no tempo, aos idos de 09 de junho de 1948, quando o projeto de Lei de nº 23 teve sua justificação (hoje conhecida como exposição de motivos) apresentada na Sala da Comissão Mista de Leis Complementares do Senado.

            Naquela justificação, que veio dar origem à Lei nº 1.079/50 (Crimes de Responsabilidade), já constava o entendimento de que o impeachment era uma instituição de direito constitucional que se revestia de uma característica eminentemente política e que o objetivo até histórico desse instituto era o afastamento definitivo do titular da função pública que não revelou aptidões para a exercer.

            Foram exemplificados praticamente todos os casos de impeachment conhecidos no mundo e no Brasil até aquela época, sempre com o enfoque de que esse instituto nasceu para um julgamento político a ser realizado, especialmente, pelo Senado.

            Após essa longa e brilhante exposição histórica, restou dito que a intenção era mesmo criar um processo político para a perda do cargo do agente, e não um processo judicial. Observe-se, em especial, o seguinte trecho:

            "Ao conjunto de providências e medidas que o constituem, dá-se o nome de processo, porque esta é o termo genérico com que se designam os atos de acusação, defesa e julgamento, mas é, em última análise, um processo sui generis, que não se confunde e se não pode confundir com o processo judiciário, porque promana de outros fundamentos e visa outros fins".

            Percebe-se, pois, que a Lei nº 1.079/50 não veio para criar um processo judicial, mas um processo de natureza política. Tanto foi assim que o artigo 42 dispôs que:

            "Art. 42. A denúncia só poderá ser recebida se o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo".

            Não foi estabelecida, portanto, punição para agente público que já tivesse deixado o cargo. Ademais, até mesmo para os agentes que chegassem a ser processados por crimes de responsabilidade, a Lei, em seu artigo 3º, ressalvou que esse procedimento não excluiria o julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal.

            Em suma, crime de responsabilidade, na concepção daquela lei, ensejaria um julgamento político, que ficaria a cargo do Senado Federal para o caso de Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal ou Procurador Geral da República. Para Governadores de Estados a competência foi reservada às Assembléias Legislativas.

            Assim nasceu, portanto, a Lei dos Crimes de Responsabilidade, com as premissas de julgamento apenas de agente que estivesse no cargo, enfoque sobre a perda do cargo e julgamento "político", não interferindo ou excluindo processo judicial.

            E, com efeito, a idéia de criar um processo de natureza judicial para punição dos agentes públicos em geral, e com contornos bem diferentes, somente veio mais adiante.

            Foi na data de 14 de agosto de 1991, com o advento da Exposição de Motivos nº 0388, do então Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça Jarbas Passarinho, dirigida ao então Excelentíssimo Senhor Presidente da República Fernando Collor.

            Essa Exposição de Motivos foi acolhida e enviada pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, através da Mensagem nº 406, de 14 de agosto de 1991, que deu origem ao que hoje se conhece como "Lei de Improbidade Administrativa". Tendo números de Projeto de Lei 94/91 e 1.446/91, respectivamente, no Senado e na Câmara, o texto foi aprovado e sancionado, nascendo a Lei nº 8.429/92.

            Nesse caso, é importante ressaltar que um Ministro de Estado da Justiça propõe a um Presidente da República, que encaminha projeto ao Congresso Nacional, e, posteriormente, os Senadores e Deputados Federais aprovam um texto no qual todos eles se sujeitam a serem julgados, em processo judicial comum, perante um juiz de primeira Instância, pelos "atos de improbidade".

            Será que todas essas autoridades, quando redigiram ou aprovaram a nova lei, estavam esquecidas de que detinham foro por prerrogativa por função para crimes comuns no Supremo Tribunal Federal, e algumas delas para crimes de responsabilidade, também nesse mesmo Tribunal?

            Evidente que não.

            Estavam apenas agindo dentro dos limites do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal, que não fez qualquer distinção quanto aos atos de improbidade administrativa de agentes políticos e dos outros agentes públicos ("comuns"). Na verdade, analisando o mencionado dispositivo constitucional, ao tratar de atos de improbidade, nenhuma ligação ele fez dos mesmos com a antiga figura política dos crimes de responsabilidade.

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            O artigo 102, inciso I, alíneas "b" e "c", da Constituição Federal também não estabeleceu qualquer prerrogativa por função aos agentes políticos para serem julgados por atos de improbidade administrativa no Supremo Tribunal Federal. Se quiserem tê-lo feito, quando da Assembléia Nacional Constituinte de 1988, os Deputados e Senadores poderiam, mas não o quiseram, deixando as prerrogativas de função no Supremo Tribunal Federal apenas para os casos de crimes comuns e os crimes de responsabilidade (Lei nº 1.079/50). Nada mencionaram quanto aos "atos de improbidade administrativa", que nasciam com contexto próprio, no artigo 37, § 4º, da mesma Constituição, e que, posteriormente, foram tratados, especificamente, na Lei nº 8.429/92.

            De forma semelhante aconteceu no artigo 105, inciso I, alínea "a", da Carta Magna, que somente mencionou o foro por prerrogativa de função para crimes comuns de governadores de Estado e outras autoridades. E, nesse caso, sequer tratou de crime de responsabilidade para Governadores, mas apenas para magistrados de tribunais de justiça e regionais e tribunais de contas, além de membros do Ministério Público que oficiem perante tribunais.

            É importante lembrar, nesse contexto, que em nenhuma das dezenas de emendas sofridas pela Constituição Federal foi aventada essa questão de modificar a competência para o julgamento de atos de improbidade.

            Percebe-se, portanto, que não havia mesmo razão para qualquer distinção, nem na Constituição, nem na Lei de Improbidade, entre ato de improbidade administrativa cometido por agente político daquele cometido pelo agente público comum.

            A própria Exposição de Motivos do Projeto que deu origem à Lei nº 8.429/92 já mencionava que era preciso criar um procedimento legal adequado - o devido processo legal. Nesse particular, percebe-se que a lei nova não foi criada para ser adaptada à antiga lei de crimes de responsabilidade. As duas tinham finalidades próprias e deveriam conviver absolutamente distintas.

            De outro lado, a exposição de motivos da nova lei registrou que "todo agente público" deveria apresentar declaração de bens e valores, como condição prévia indispensável à posse e ao exercício em cargo, emprego ou função pública. E, ainda na mesma Exposição de Motivos foi mencionada a criação de procedimento tendente a apurar os casos de enriquecimento ilícito, sem distinção entre agente político e qualquer outro agente público.

            E assim sobreveio a Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) bastante diferente da antiga Lei nº 1.079/50 (Lei dos Crimes de Responsabilidade). Enquanto aquela primeira criava um processo político de julgamento no Senado Federal e nas Assembléias Legislativas, a segunda criava, em verdade, um procedimento judicial, de natureza cível, a tramitar na Justiça Comum ou Federal de Primeira Instância, independente da autoridade envolvida, seguindo o rito ordinário do Código de Processo Civil.

            Observe-se, em especial, os seguintes artigos da nova Lei (nº 8.429/92):

            Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

            (...)

            Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

            Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

            Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

            A interpretação dessas disposições deve ser feita lembrando-se do disposto no artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, verbis:

            "§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule matéria de que tratava a lei anterior.

            § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior."

            O que se pode concluir de toda essa análise, em primeiro lugar, é que, com o advento da Lei nº 8.429/92, que é lei mais nova do que a Lei nº 1.079/50, independentemente de nível ou hierarquia, agente público eleito ou não, político ou não, em cargo, emprego ou função, e até mesmo aquele que não seja servidor público, todos passaram a se sujeitar ao novo procedimento criado para apuração de atos de improbidade administrativa, perante juiz singular (de 1ª Instância);

            A mera alegação de que todo ato de improbidade administrativa (conceito recente) é um crime de responsabilidade (conceito da lei antiga) é insubsistente. Não adianta, simplesmente, afirmar que o artigo 4º, inciso V, e o artigo 9º, da Lei nº 1.079/50 prevêm como crime de responsabilidade o ato que atente contra a probidade na Administração. Isso não basta para que se deixe de aplicar o novo procedimento judicial trazido pela Lei nº 8.429/92.

            Não é a lei mais antiga que prevalece sobre a nova, mas sim a nova que prevalece sobre a antiga, sendo certo que elas vieram com características e finalidades absolutamente distintas.

            É bom lembrar que:

            - a lei antiga tratava apenas de um processo de julgamento político, seguindo um rito próprio e com o foco na perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública; e

            - ao contrário, a lei nova criou, expressamente, um procedimento de natureza judicial, uma ação civil (art. 18), a seguir o rito ordinário do CPC (art. 17), com punições não apenas de perda do cargo ou suspensão de direitos políticos, mas também de aplicação de multa civil por acréscimo patrimonial indevido do agente, multa civil por dano causado ao erário, multa civil por ato contrario à moralidade, a ser aplicada sobre o valor da remuneração percebida pelo agente, ressarcimento do dano causado pelo agente, e ainda proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez, cinco ou três anos, conforme o caso.

            Ademais, é importante frisar que, enquanto a lei antiga, dos crimes de responsabilidade, permitia a perda do cargo pelo julgamento político, sem maiores desdobramentos, a lei nova, que criou um procedimento judicial para apuração de atos de improbidade, somente permite a perda do cargo após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, em última análise, todos os agentes políticos, de qualquer hierarquia, sempre poderão recorrer até o Supremo Tribunal Federal antes de perderem o cargo e até mesmo de sofrerem as outras cominações da Lei nº 8.429/92.

            A abrangência dessa nova lei e a aplicação do procecimento nela previsto a todos os agentes públicos, políticos ou não, servidores ou não, indistintamente, já é reconhecida pela doutrina brasileira, a exemplo dos seguintes ensinamentos:

            "O conceito de agente público, para efeitos da LIA, é mais abrangente do que o comumente adotado em outros institutos do Direito Público.

            (...)

            Diante desse conceito, cabe classificar os agentes públicos em quatro categorias:

            a) agentes políticos

            b) agentes autônomos

            c) servidores públicos; e

            d) particulares em colaboração com o Poder Público".

            (Pazzaglini Filho, Marino. Lei de Improbidade Administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal: legislação e jurisprudência atualizadas - São Paulo: Atlas: 2002 - pg. 23).

            "Pergunta-se: qual é o problema de um Juiz de 1º grau julgar a ação civil impetrada contra qualquer executivo municipal por atos de improbidade? Se condenado em primeira instância, o prefeito poderá recorrer ao Tribunal de Justiça, cumprindo-se a garantia processual do duplo grau de jurisdição".

            (Fazzio Júnior, Waldo. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos: de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal. 2 ed. São Paulo: Atlas: 2001 - pg. 34)

            A propósito, nesse ponto cabe mencionar o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no precedente:

            "...3. Conquanto caiba ao STJ processar e julgar, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os membros dos Tribunais Regionais do Trabalho (Constituição, art. 105, I, a), não lhe compete, porém, explicitamente, processá-los e julgá-los por atos de improbidade administrativa. Implicitamente, sequer, admite-se tal competência, porquanto, aqui, trata-se de ação civil, em virtude de investigação de natureza civil. Competência, portanto, de juiz de primeiro grau...."

            (RCL 591/SP - Rel. Min. Nilson Naves - DJ 15/05/2000 - PG 00112)

            Seria, portanto, uma inobservância de princípio básico de hermenêutica jurídica, afirmar de forma simplória que todo ato de improbidade é crime de responsabilidade e que agentes políticos somente se sujeitam à lei mais antiga, de julgamento político, não sendo passíveis do processo judicial cível criado pela nova lei.

            Nessas circunstâncias, poderia se perguntar:

            - porque os agentes políticos deveriam ser privilegiados?

            - porque eles não poderiam sofrer todas aquelas punições da lei nova, se elas possuem natureza diversa?

            - qual o fundamento para esse benefício?

            - onde está dito ou excepcionado na Constituição Federal e na Lei nº 8.429/92 que apenas os agentes políticos não respondem ao procedimento judicial civil criado para apuração de atos de improbidade, se todos os outros, servidores ou não, se sujeitam?

            - se todos os agentes públicos, inclusive os políticos, apresentam declaração de bens e rendas quando assumem o cargo, em cumprimento ao que diz a Lei nº 8.429/92, porque a segunda parte dessa lei não se lhes aplica, ou seja, aquela em que prevista a a ação civil que pode apurar exatamente o acréscrimo indevido desse patrimônio declarado? a lei se aplica pela metade?

            - e se o ato do agente político, efetivamente, causar dano ao erário ou implicar em indevido acréscimo patrimonial, ele vai se sujeitar apenas a uma lei mais antiga, de um processo político, apenas para perda do cargo; não responderá à ação judicial de natureza civil, para ressarcimento do dano, aplicação de multas (civis) e proibição de contratar com o Poder Público?

            - no item anterior, em especial, repita-se, porque os agentes políticos não poderiam se sujeitar à Lei nº 8.429/92 para possibilitar a ação civil de ressarcimento do dano causado ao erário, à aplicação de multa (civil) e à proibição de contratar com o Poder Público?

            - que desigualdade é essa em que, para agentes políticos se aplica apenas uma Lei dos idos de 1950, com perda de função pública, mas para os agentes públicos comuns se aplica severamente uma Lei do ano de 1992, com possibilidade de cominação de uma série de outras sanções?

            - como se pode "pegar" um elemento de uma lei mais nova (o ato de improbidade), equipará-lo a um item de uma lei bem anterior, dizer que é apenas um crime de responsabilidade, fazendo com que o agente político não possa sofrer a aplicação das sanções criadas pela lei nova? e

            - onde está dito que um julgamento político pode substituir um judicial?

            - se o julgamento político de um agente, por crime de responsabilidade, não exclui o julgamento na esfera judicial criminal (crime comum), porque excluiria o julgamento na esfera judicial civil (procedimento de ressarcimento de dano, multas, impedimento de contratar com o Poder Público, etc..., conforme a Lei nº 8.429/92)?

            É imperativo reconhecer que tanto são distintos os crimes de responsabilidade (da lei antiga) dos atos de improbidade (da lei nova), que o Supremo Tribunal Federal possui competência apenas para processo e julgamento de alguns poucos agentes por crimes de responsabilidade. E a Constituição não menciona julgamento por ato de improbidade administrativa no Supremo Tribunal Federal.

            Já no caso do Superior Tribunal de Justiça, ele sequer detém competência para processar Governadores, por exemplo, por crimes de responsabilidade. Esses crimes de responsabilidade continuam entregues às Assembléias Legislativas, ou seja, a um mero julgamento político.

            E aqui mais uma vez cabe um exemplo como pergunta:

            - se o Governador de Estado cometer um ato de improbidade administrativa que implique em seu enriquecimento ilícito ou dano ao Erário ele vai ser beneficiado apenas com um julgamento político na Assembléia Legislativa, não sofrerá as multas, não terá que devolver nenhum valor percebido ilegalmente e ainda sequer ficará proibido de contratar com o Poder Público, se tiver uma empresa de sua propriedade, por exemplo?

            Ora, a interpretação integrada e mais razoável da Lei nº 1.079/50, da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.429/92, vistas em seqüência histórica e compatíveis entre si é a seguinte:

            - o agente político que detenha foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal para julgamento por crime de responsabilidade (julgamento político) e por crime comum (julgamento técnico-jurídico) responde perante aquela Corte por tais crimes, mas também se sujeita, em paralelo, a uma ação judicial de natureza civil, perante um juiz comum ou federal de primeiro grau, para fins de aplicação das outras sanções da Lei nº 8.429 (Improbidade Administrativa); e

            - o agente político que detenha foro por prerrogativa de função no Superior Tribunal de Justiça para julgamento por crime comum responde perante aquela Corte por tal crime, e, dependendo do caso, também responde por crime de responsabilidade (julgamento político) junto à respectiva Assembléia Legislativa, e, ainda em paralelo, se sujeita também a uma ação judicial de natureza civil, perante um juiz de primeiro grau, para fins de aplicação das outras sanções da Lei nº 8.429 (Improbidade Administrativa).

            Cabe lembrar, mais uma vez, que a Lei de Improbidade Administrativa nasceu de iniciativa e pelas mãos dos próprios agentes políticos (Ministro da Justiça, Presidente da República, Senadores e Deputados Federais), todos detentores de foro por prerrogativa por função. Tais agentes, portanto, tinham plena ciência do processo judicial civil que estavam criando e de que, a partir da vigência da nova lei, todo ato de improbidade seria apurado, em relação a todos, perante juízo de primeiro grau, comum ou federal, independentemente de apurações diversas por crimes de responsabilidade e crimes comuns.


CONCLUSÃO

            É possível então resumir:

            Uma mesma conduta do agente pode sujeitá-lo:

            - a um julgamento político (Lei nº 1.079/50);

            - a um julgamento judicial criminal (Código Penal e leis esparsas); e

            - a um julgamento judicial cível (Lei nº 8.429/92).

            Cada um deles possui características e finalidades diferentes.

            Seja por falta de previsão no texto constitucional (e competência não pode ser presumida), seja por todas essas outras circunstâncias, não compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal nem ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar ato de improbidade administrativa de qualquer que seja o agente público. O julgamento da matéria em questão, por esses Tribunais, somente pode ocorrer em grau de recurso extraordinário, ordinário ou especial.

            Assim é o sistema jurídico vigente.

            "Dura lex, sed lex". É isso mesmo: a lei é dura, mas é a lei, e a todos se aplica, sem distinções.

Sobre o autor
Jonas Lima

Advogado, especialista em Compliance Regulatório pela Universidade da Pennsylvania, pós-graduado em Direito Público pelo IDP, ex-professor de Direito Administrativo da UDF, ex-assessor da Presidência da República (CGU) e da Procuradoria-Geral da República, contando com 25 anos de experiência em licitações nacionais e internacionais. É autor de 5 (cinco) livros, incluindo “Licitação Pública Internacional no Brasil” (Editora Negócios Públicos, 2010), e do guia AMCHAM “How to do Government Contracts in Brazil” (2010/2014), palestrante em mais de 150 eventos em 18 Estados, para mais de 6.000 participantes, além dos internacionais em Washington, Nova Iorque, Houston, Miami, Boston, Buenos Aires e Hong Kong.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Jonas. Ato de improbidade administrativa não é de competência originária do STF nem do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3633. Acesso em: 23 nov. 2024.

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