5. RIGIDEZ DO PROCEDIMENTO EM FAVOR DA SEGURANÇA JURÍDICA E ENTENDIMENTO DO STF QUANTO A SUA FLEXIBILIZAÇÃO
Reza a doutrina que as normas de direito processual, em regra, são de ordem pública e cogentes e por isso o direito processual eminentemente publicístico atende, sobretudo, a interesses públicos. (GAJARDONI, 2008 p.80), tendo em vista que não foi implantado com o propósito de beneficiar as partes, atendendo suas comodidades. De fato, o interesse envolvido na criação do direito processual, parece atender o exercício jurisdicional ao aclamo do Estado deste modo, não pode o juiz atuar de maneira conveniente e pessoal, o procedimento foi criado não para as partes, mas para o exercício da função jurisdicional soberana do Estado. (THEODORO, 2007, p. 84).
Tomando por base as formalidades da justiça, estas se fazem necessárias a ordem e clareza no seu exercício, o legislador teve que lançar mão de algumas exigências técnicas para criação de regras legais, que constituem requisitos mínimos indispensáveis para o cumprimento integral da prestação jurisdicional por parte do Estado. Segundo entendimento doutrinário o formalismo procedimental de forma rígida se mostra necessário a garantia de segurança jurídica.
A realização do procedimento deixada ao simples querer do juiz, de acordo com as necessidades do caso concreto, acarretaria a possibilidade de desequilíbrio entre o poder judicial e o direito das partes. (OLIVEIRA, Carlos Alberto. P.7-8)
Neste sentido, há entendimento que o procedimento para que seja de fato garantista deve ser rígido, isto por que, uma vez sendo deixado o procedimento a cargo discricionário do juiz, mediando a necessidade aplicada aquele caso concreto, levaria, além do comprometimento da celeridade processual, ao desequilíbrio entre o poder judicial e o direito das partes. (GAJARDONI, 2008 p.83).
O principal argumento usado por aqueles que defendem a rigidez do procedimento, encontra-se na garantia de segurança, ordem e previsibilidade do sistema. Não se nega que o rigor formal “é a espinha dorsal do processo” bem como que seria impossível pensar o processo sem uma ordem de atos e um equilíbrio entre a distribuição de poderes entre as partes. No entanto, não parece adequado vincular a emissão de regras procedimentais com apego excessivo ao formalismo e rigidez, como se fosse o juiz “um ser inanimado incapaz de ordenar adequadamente o rito processual”. (GAJARDONI, 2008 p.86)
O Supremo Tribunal Federal tem entendido que não se distingue as normas gerais das normas não gerais em matéria de procedimento, o que conseqüentemente atesta a visão centralizadora, histórica do sistema brasileiro, obstando que os Estados e o Distrito Federal, possam inovar no procedimento. (GAJARDONI, 2008 p.51).
O resultado de uma postura jurisprudencial por parte do Supremo, no qual não há pronunciamento sob o que diz respeito ao excesso cometido por parte da União, quando da edição de normas não gerais, isto é quando a própria União adentra a peculiaridades locais, usurpando a competência suplementar-complementar dos Estados e do Distrito Federal.
O que de fato se espera do Supremo Tribunal Federal, é o estabelecimento de parâmetros concretos, em especial no que toca a poderes e limites, assegurando aos Estados e ao Distrito Federal, uma competência que lhe é constitucionalmente dada, para que possam flexibilizar o procedimento, adequando o processo civil e penal, às realidades locais.
6. FLEXIBILIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO COERENTE COM O ORDENAMENTO JURÍDICO
Torna-se notório que a flexibilização do procedimento deve cumprir o mínimo de critério e rigidez para que possa ser implantada uma variação ritual, objetivando que não culmine em um sistema imprevisível e inseguro, não sabendo o juiz qual o rumo implementar no processo. O que implica dizer, que deve haver um motivo plausível para que se implemente no caso concreto, uma variação ritual. Motivo esse, pautado na existência de um fato que comprove a real necessidade da decisão flexibilizadora e na indispensabilidade de que sejam expostas razões pelas quais a variação será útil para o processo (GAJARDONI, 2008 p. 88).
O desenvolvimento dos atos processuais não é livre e espontâneo, cumpre preceitos predeterminados, sendo deste modo, regrado e organizado; exatamente como forma de garantia da fiel execução da lei em prol da justiça na concretização da prestação da tutela jurisdicional. No entanto, a experiência jurisdicional vem mostrando a necessidade de mudar essa rigidez dos atos processuais, em especial quando sua utilização torna estéril e dissipa os fins do processo.
É lícito afirmar que deve haver um critério, ainda que mínimo para que possa ser concretizada a variação ritual, sob pena de tornar o sistema jurídico imprevisível e inseguro. A primeira condição para implantar a variação ritual é a finalidade da mesma. Isso por que como regra o procedimento seguirá o esquema formal delineado pelo legislador e tão somente em caráter excepcional, a depender dos ditames do caso concreto, se permitirá a flexibilidade. (GAJARDONI, 2008 p. 88).
Na visão de Gajardoni, três situações especificas autorizarão a variação. A primeira ligada ao direito material: sempre que o sistema não for apto à tutela eficaz do direito reclamado, o que ocorre, por exemplo, quando da necessidade de se postergar os prazos para garantia a defesa das partes, entre outras situações. A segunda esta diretamente relacionada rigidez a utilidade do procedimento, que implica na possibilidade de dispensa de alguns empecilhos formais irrelevantes composição do iter sem causar qualquer prejuízo as partes, como ocorre na possibilidade de inversão da ordem da provas. Por fim a terceira, que tem relação com a condição das partes, quando, por exemplo, não se impede ao juiz que em prol da proteção dos hipossuficientes e equilíbrio dos contendores, altere o procedimento para a composição de uma igualdade processual e material, tendo em vista valores constitucionais. (GAJARDONI, 2008 p. 88).
Nestes moldes, busca-se da ênfase na necessidade da flexibilização do procedimento coerente com o ordenamento jurídico; tendo em vista que não se tem pretensão de menosprezar a solenidade e importância apregoada aos ritos, o que se busca, em verdade, é a possibilidade de flexibilização do procedimento como salvaguarda da garantia do direito material em questão.
CONCLUSÃO
Diante de tudo que foi aqui exposto é salutar concluir, que diante da forma sob a qual foi implantado o modelo federalista brasileiro, é marcante o excesso de concentração de poderes na União, em especial no que diz respeitos a concentração de rendas e competências em matérias legislativas. No âmbito da repartição vertical de competência, isto é da competência concorrente elencada no artigo 24 da Constituição Federal, a União limitar-se-á a editar normas gerais, o que não obsta aos Estados, bem como ao Distrito Federal, ainda que haja normas gerais já estipuladas pela União, estabelecerem normas específicas, no exercício de sua competência suplementar complementar, em atenção as suas particularidades e necessidades locais.
As normas gerais editadas pela União, no exercício da competência legislativa, são normas de caráter abrangente, no qual são elencadas disposições gerais, genéricas e abstratas, e por assim serem, oportunizam-se aos Estados e ao Distrito Federal, complementar essas normas, em termos de detalhamentos, particularidades e minúcias, adequando-as a suas necessidades locais, sem, no entanto, desrespeitar as diretrizes gerais já impostas pela União. Torna-se inconstitucional, por violação ao pacto federativo e ao próprio texto constitucional, a edição por parte da União de normas não gerais no que toca ao procedimento em matéria processual, bem como o fato dos Estados ou Distrito Federal, editar normas gerais, na existência destas propostas pela própria União.
Grande parte das normas procedimentais editadas pela União tende a ultrapassar os limites da generalidade e abstração, adentrando de forma peculiar no rito, disciplinando por inteiro os atos processuais, muitas delas inclusive, incorporadas ao CPC, sendo deste modo, inconstitucionais.
Nestes termos, toma-se como premissa o processo como um instrumento, sobretudo, instrumento indispensável para concretização do direito material, em especial sobre a égide de um Estado Democrático de Direito. O que se busca é evitar a mera reprodução de verdades ritualísticas produzidas ao longo do tempo, afastando afirmativas de que o procedimento processual é rígido e não cabem as partes e ao próprio Estado dispor da sua forma, como condição indispensável à obtenção da segurança jurídica.
O principal argumento usado por aqueles que defendem a rigidez do procedimento, encontra-se na garantia de segurança, ordem e previsibilidade do sistema. Não se têm aqui pretensão de menosprezar a desejada solenidade e importância apregoada aos ritos; o que não parece adequado é vincular a emissão de regras procedimentais com apego excessivo ao formalismo e rigidez, sem de algum modo, se preocupar de fato, em salvaguardar a necessidade de garantia do direito material em questão.
O ideal aqui se encontra na capacidade dada pelo legislador para adequar os procedimentos processuais às realidades do serviço judicial local, para isso foca-se na defesa da possibilidade plena dos Estados e do Distrito Federal legislarem com afinco a respeito desta matéria; Pautando-se na necessidade de adaptação do procedimento as peculiaridades do caso concreto, tendo por fim, elucidação do princípio da instrumentalização do processo, como meio da efetivação da tutela a ser prestada.
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Formas de Estado e de Governo. Disponível em: <https://164.41.147.200/ensino/introducao_a_ciencia_politica/12_Paulo_Bonavides_incompleto.pdf >. Acesso em: 15 de maio de 2013.
CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. v. 1. ed. 8º. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2002.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado federal. São Paulo: Ática, 1996.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilidade procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. 2008.
JELLINEK, Georg. Teoría General Del Estado. Buenos Aires: Albatroz, 1954.
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 25º Ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 4. ed., 2010.
THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
SOUZA, Celina. Federalismo, desenho constitucional e instituições federativas no brasil pós-1988. Disponível em:<https://www.scielo.br/pdf/rsocp/n24/a08n24.pdf>. Acesso em: 15 de maio de 2014.
Nota
1 BONAVIDES, Paulo. Formas de Estado e de Governo. Disponível em: <https://164.41.147.200/ensino/introducao_a_ciencia_politica/12_Paulo_Bonavides_incompleto.pdf >. Acesso em: 15 de maio de 2014.