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Análise da inclusão por quotas de grupos vulneráveis e minorias sob a perspectiva constitucional e internacional

Agenda 12/02/2015 às 11:54

O presente artigo trata do tema inclusão, indagando quais grupos podem ou não ser incluídos por quotas, qual e se haveria um limite constitucional, e se é constitucional a inclusão bem como as leis que a realizam.

1 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS QUE DETERMINAM A INCLUSÃO

Antes que seja realizada uma resposta a todas estas indagações, é preciso a análise, desde a origem, das bases e das formas de inclusão presentes do Direito Internacional e no ordenamento jurídico brasileiro.

Pois bem, três convenções são dignas de nota para o presente trabalho: a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

Conforme Flávia Piovesan, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, possui por precedente o ingresso de dezessete novos países africanos nas Nações Unidas em 1960, além do ressurgimento de atividades nazifascistas na Europa (2013, p. 267). Esta convenção não apenas repudia as teorias que hierarquizam indivíduos  em virtude de diferenças racionais, como adiciona a urgência em se utilizar de medidas essenciais a eliminação da discriminação racial em todas as suas formas (2013, p. 268).

Flávia Piovesan ainda afirma que a referida Convenção proíbe tanto a discriminação direta, ou seja, aquela com o objetivo de prejudicar ou anular os direitos humanos, quanto a indireta, que é aquela que tem apenas por efeito anular ou prejudicar o exercício desses direitos (2013, p. 268). Assim, ao ratificar esta Convenção, os Estados assumiriam o dever de erradicar a discriminação racial, e de promover ações afirmativas, mediante a adoção de medidas especiais de proteção ou incentivo a grupos ou indivíduos (2013, p. 268-269).

E isto se justifica porque, como esclarece Piovesan, não basta apenas proibir a discriminação, mediante a legislação repressiva, já que é primordial a adoção de estratégias promocionais hábeis a estimular a inserção e a inclusão de grupos socialmente vulneráveis dentro do meio social (2013, p. 269). Em outras palavras, esta Convenção já demonstra a ideia de que a inclusão não decorre automaticamente da proibição da discriminação, pois é preciso garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem com a violência e discriminação (2013, p. 269).

Assim, segundo Flávia Piovesan, as ações afirmativas devem ser entendidas tanto sob a ótica retrospectiva, isto é, direcionada a reparar o peso de um passado com discriminação, quanto pela ótica prospectiva, ou seja, com o escopo de construir um presente e um futuro marcados pela pluralidade e diversidade étnico-racial.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por sua vez, como afirma Piovesan, entrou em vigor em 2008, sendo uma resposta a uma longa história de discriminação, exclusão e desumanização das pessoas com deficiência (2013, p. 297). Sob a ótica da referida Convenção, a deficiência é um conceito em construção, que resulta da interação de pessoas com restrições e barreiras que impedem a plena e efetiva participação na sociedade em igualdade com os demais, ou seja, o texto observa as difíceis condições enfrentadas por pessoas com deficiência (2013, p. 297).

Deve-se frisar ainda que, como alerta Piovesan, as pessoas com deficiência devem ter a oportunidade de participar ativamente dos processos decisórios relacionados a políticas e programas que as afetem (2013, p. 297).

Por fim, segundo Joaquim Barbosa, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher é uma norma que também permite expressamente a utilização das medidas positivas inclinadas a reduzir os efeitos da discriminação (2003, p. 23). Dessa maneira, a referida Convenção, ratificada pelo Brasil em 1984, aponta no seu artigo 4º que os  Estados-partes adotarão medidas especiais de caráter temporário com o escopo de otimizar a igualdade entre o homem e a mulher, o que cessará quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados (2003, p. 24).

Daí porque, já se vê a partir da análise das normas acima mencionadas, que há um movimento mundial em prol da defesa das minorias e daqueles que são excluídos do meio social e econômico em razão de suas características. E este movimento é marcado não apenas pela proibição de medidas discriminatórias e de exclusão, mas também por medidas inclusivas e garantidoras da participação, social, econômica e política de determinados grupos dentro da sociedade.

É de se ressaltar ainda que tanto a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência[1], quanto a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial[2] e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher[3] estão atualmente em vigor no Brasil, o que apenas demonstra as ideias acima tratadas são plenamente aplicáveis ao ordenamento jurídico pátrio.

Já na Constituição brasileira, vemos a aplicação das ações afirmativas como modo de implementação da igualdade material.

Nessa linha, como sustenta Luiz Alberto David Araujo, podemos dizer que existe a igualdade formal, que é a igualdade perante a lei e a igualdade material, que é o que chamamos de igualdade na lei (2011, p.80).

A igualdade perante a lei é aquela enunciada no art. 5º da Constituição, fixada como um princípio constitucional cuja posição no texto demonstra ser pressuposto de entendimento de todos os demais, além de significar que a aplicação do direito deverá ser idêntica em relação a lei ou ato normativo (2011, p. 83). Vale ressaltar ainda que a igualdade formal não vêm enunciada apenas no art. 5º sendo reafirmada, ainda que de modo desnecessário, em vários outros artigos, tais como o art. 7º, inciso XXXI da Constituição que trata da proibição da discriminação para os trabalhadores urbanos ou rurais (2011, p. 85).

Nenhuma lei, portanto, poderá ser fixada ferindo o referido o referido princípio e essa regra constitucional sustenta que não pode haver qualquer discriminação sem lógica entre a situação discriminada e o bem protegido (2011, p. 86).

Por outro lado, segundo Luiz Alberto, a igualdade material, ou igualdade na lei, é "[...] a explicitação de princípios constantes nos fundamentos e objetivos do Estado Brasileiro, enunciados respectivamente, nos artigos primeiro e terceiro [...]" (2011, p. 87). Em outras palavras, este princípio inclui o grupo protegido em condições de inclusão social, de modo que são formuladas regras que discriminam, protegem, colocam privilégios e benefícios imprescindíveis na perspectiva da Constituição para igualar determinadas situações ou grupos (2011, p. 89).

Assim, conforme Luiz Alberto David Araújo, a igualdade material pode ser considerada como a exposição de princípios presentes nos artigos 1ª e 3º da Constituição, isto é, nos fundamentos e objetivos do Estado Brasileiro (2011, p. 87). Daí porque se pode dizer que a regra isonômica da igualdade material não é apenas norma de proteção mas a instituição do próprio princípio democrático, extensível a todos (2011, p. 88).

Conforme Joaquim Barbosa, é clara na Constituição uma maior preocupação com os direitos e garantias fundamentais, em especial com a questão da implementação da igualdade substancial (2003, p. 17). Símbolo deste fato, seria: i) a "topografia" de destaque que receberiam os diretos fundamentais e deveres em relação às Constituições anteriores bem grupo de direitos (fundamentais) e deveres em relação às Constituições anteriores; ii) a elevação à  categoria  de cláusula pétrea dos direitos e garantias individuais; iii) a elevação dos bens merecedores de tutela e da titularidade de novos sujeitos de direito (‘coletivo’); iv) a previsão expressa, em sede constitucional, da igualdade entre homens e mulheres, e em certas situações a permissão expressa para utilização das ações afirmativas para que seja efetivada a igualdade (2003, p. 17).

Daí porque fica claro que, de acordo com Barbosa, o princípio da igualdade tal como previsto na Constituição impõe ao Estado o abandono a passividade, a inércia, para adotar um comportamento ativista, positivo e afirmativo na busca da concretização da igualdade material (2003, p. 18). E este posicionamento, de medidas corretivas e redistributivas, foi adotado após a Constituição de 1988 o que já foi, inclusive, absorvido em sede normativa, por meio de leis destinadas a erradicar os efeitos da discriminação (2003, p. 18).

Sobre este ponto, Luiz Alberto David Araújo afirma que a igualdade material irá vincular tanto o intérprete como o legislador infraconstitucional, para que possam preservar os valores contidos nas normas específicas de proteção constitucional, de modo que no âmbito legal se irá tratar sempre de modo diferente, privilegiado e dentro dos limites constitucionais, o grupo ou o valor protegido (2011, p. 89).

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Por derradeiro, apenas a título de comentário, conforme Joaquim Barbosa, muito embora tenha sido importante a acolhida das ações afirmativas, a experiência do Direito brasileiro tem contemplado experiências ainda tímidas quanto ao alcance e amplitude deste instituto (2003, p. 18).

Portanto, resta demonstrada a constitucionalidade das leis que determinam a inclusão. Elas são decorrentes da própria opção política da Constituição e de normas de Direito Internacional que se mobilizam no sentido de erradicar a exclusão social e a opressão de determinados grupos.

E é assim, que tais leis, sob a perspectiva da Constituição - que vincula o legislador e intérprete - garantem a igualdade substancial não apenas por meio da proibição da discriminação e exclusão, mas também por meio da aplicação de atitudes afirmativas por parte do Estado, que culminam na inclusão de determinados grupos na sociedade.

2 QUAIS GRUPOS VULNERÁVEIS OU MINORIAS PODEM SER INCLUÍDOS A PARTIR DA ANÁLISE CONSTITUCIONAL

Ana Maria D`Avila Lopes esclarece que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi o grande primeiro salto para a proteção e segurança das minorias (2006, p. 55). Este pacto, no art. 27, estabeleceu a proteção das minorias étnicas, linguísticas e religiosas (2006, p. 55).

D`Avila Lopes, citando Capotorti, aduz ainda que existiriam dois critérios para se definir minorias: i) critérios objetivos, relativos a existência no interior de um Estado de um grupo de pessoas com características diferentes ou distintas do resto da população; a diferença numérica do grupo minoritário e a posição não dominante desse grupo; ii) critério subjetivo, que abarca o desejo das minorias de preservarem os elementos particulares que os caracterizam, ou seja, a vontade comum de todo o grupo de conservar seus rasgos distintivos (2006, p. 55).

Contudo, D`Avila Lopes alerta para o fato de que esse critério objetivo numérico é insuficiente para delimitar o conceito de minoria, uma vez que certas minorias são maiorias numéricas, a exemplo do que ocorria na África do Sul com a população negra na época do apartheid (2006, p. 56). Além do mais, o conceito tradicional de minoria tem sido colocado em xeque nos dias atuais, haja vista que tem sido colocada a importância de considerar outras características passíveis de serem aplicadas, levando-se em consideração a cultura e a realidade de cada sociedade (2006, p. 56). Daí porque, uma das análises do conceito de minoria poderia ser aquela em que minoria é todo grupo humano, cujos membros tenham seus direitos limitados ou negados somente pelo fato de pertencerem a esse grupo (2006, p. 56).

Jaime Domingues Brito, citando Élida Seguin, afirma que os elementos de identificação de uma minoria seriam: a) o numérico; b) o da não dominância; c) o da cidadania; d) o da solidariedade entre seus membros, tudo com vistas à preservação de sua cultura, tradições, religião e idioma (2009, p. 100). Assim, os imigrantes poderiam ser uma minoria a depender do modo como são recepcionados no país que os acolhe, de maneira que se verifica se um grupo é ou não uma minoria mais pela ótica humanitária do que em relação à conotação territorial (2009, p. 102).

Por outro lado, ainda citando Élida Seguin, Jaime Domingues Brito afirma que os grupos vulneráveis apresentam as seguintes características que poderiam distingui-los das minorias: i) se consideram muitas vezes como grande contingente, a exemplo das mulheres, das crianças e dos idosos; ii) são destituídos de poder; iii) mantém a cidadania; iv) não possuem consciência de que estão sendo vítimas de discriminação e desrespeito; v) não sabem que têm direitos (2009, p. 101).

É certo que, como afirma Luiz Alberto David Araújo, o constituinte, por uma escolha política, teve atenção especial para a gestante, o trabalhador, as populações indígenas, dentre outros grupos (2011, p. 87). Foram, assim, criadas "[...] regras que, de fato, discriminam, protegem, colocam privilégios, benefícios imprescindíveis sob a ótica política do constituinte, para a equiparação de certas situações ou grupos [...]" (2011, p. 89).

Contudo, nos parece que não há como indicar, taxativamente, quais grupos grupos vulneráveis ou minorias poderiam ser incluídos nas quotas a partir da análise constitucional. Isto porque, tal conclusão levaria ao afastamento de várias situações de exclusão que podem - e devem - ser  eliminadas pelo Estado. Entendemos então pela análise, caso a caso, de quais grupos poderiam ser incluídos nas quotas ou não.

Nesse sentido tanto um grupo que, aparentemente excluído, pode não estar apto a uma vaga reservada, como um grupo, aparentemente incluído, poderá se revelar carente de especial ajuda do Estado. A esse respeito, é preciso lembrar o exemplo que Luiz Alberto David Araújo traz sobre a hipótese de se haver um candidato muito preparado, de um grupo aparentemente excluído, com uma notável qualificação profissional e acadêmica (2011, p. 97). Não será para ele que uma determinada vaga para grupos excluídos foi reservada, pois ela foi criada para aquele que precisa de suporte do Estado (2011, p. 97).

Sendo assim, a Constituição, muito embora atribuiu especial proteção a determinados grupos, não excluiu a possibilidade de proteção de outros.

A título de exemplo, como menciona Joaquim Barbosa, um dos grupos protegidos pela Constituição é a mulher, que durante uma longa tradição patriarcal tem sido discriminada, e agora tem a ser favor a modalidade de ação afirmativa contida nas Leis nº. 9.100/95 e 9.504/97, que estabeleceram cotas mínimas de candidatas mulheres para as eleições (2003, p. 19). Estas leis representam o reconhecimento pelo Estado da existência de discriminação contra as brasileiras, que se verifica claramente na sub-representação feminina na política, um dos campos mais importantes da vida no país (2003, p. 19).

Por outro lado, há quem defenda a proteção dos ciganos, sequer mencionados pela Constituição de 1988, mas considerados como minorias. Estes atualmente são, inclusive, objeto de proteção da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público, como lembra Frans Moonen (2014, p. 18).

Portanto, até mesmo do força do Estado Democrático, dos seus fundamentos e objetivos, os grupos vulneráveis e as minorias que poderão ser incluídos nas quotas serão aqueles onde se verificar a necessidade do apoio do Estado, de acordo com os ditames da Constituição de 1988.

3 ANÁLISE CONSTITUCIONAL PARA LIMITES DE INCLUSÃO E PERCENTUAIS DE QUOTAS

Neste terceiro e último ponto, para respondermos sobre critérios de aplicação do principio da igualdade e os limites de inclusão e percentuais de quotas, vamos nos socorrer primeiro a Celso Antônio Bandeira de Mello.

Isto porque, analisando o princípio da igualdade, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que a igualdade é princípio que visa a duplo objetivo, qual seja, propiciar a garantia individual contra perseguições e, de outro, afastar favoritismos (2012, p. 23). Assim, para se investigar se há efetiva violação ao princípio da isonomia, é preciso verificar, de um lado, qual é o critério adotado como discriminatório e, de outro lado, se há fundamento lógico para tal critério, ou seja, uma justificativa racional para se atribuir um tratamento jurídico determinado construído em função de determinada desigualdade (2012, p. 21). Por fim, é preciso verificar se o fundamento racional abstratamente existente guarda harmonia com o sistema normativo constitucional (2012, p. 22).

Isto não levaria ao raciocínio adequado se não fosse devidamente exemplificado. Então Bandeira de Mello sugere uma hipótese em que hipotética lei permitisse a funcionários gordos afastamento remunerado para assistir a congresso religioso e, por outro lado, o vedasse aos magros (2012, p. 38). Nesse caso, Bandeira de Mello afirma ser a gordura ou a esbeltez o elemento tomado como critério distintivo (2012, p. 38).

Ora, como reconhece Bandera de Mello, não faz sentido algum facultar aos obesos a possibilidade de falta só porque irão a um congresso religioso pois não há qualquer nexo plausível (2012, p. 38). Daí porque inferir que essa lei seria inadmissível (2012, p. 38).

É com base nesta análise que Celso Antônio Bandeira de Mello chega a conclusão de que há ofensa ao princípio constitucional da isonomia quando: a) a norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada; b) a norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas; c) a norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados; d) a norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissociantes dos interesses prestigiados constitucionalmente e; e) a interpretação da norma extrai dela distinções, discrimens, desequiparações que não foram professadamente assumidas por ela de modo claro, ainda que por via implícita (2012, p. 46).

Contudo, estas conclusões, ainda que interessantes ao estudo dos limites do princípio da igualdade, não chegam a exaurir os questionamentos que foram propostos. É preciso, dessa maneira fazer uma digressão maior quanto ao tema da inclusão e estabelecer critérios mais objetivos para que se possa definir até onde vai a inclusão e quais são os limites das cotas.

Pois bem, Joaquim Barbosa, tratando sobre o tema, afirma que há uma dificuldade em se determinar os critérios a partir dos quais uma diferenciação pode ser aceita como constitucional (2003, p. 24). Utilizando-se dos ensinamentos de Joaquim Falcão, Joaquim Barbosa afirma que a constitucionalidade da diferenciação poderia ser resolvida por meio de sua justificação (2003, p. 24).

E esse processo de justificação, segundo Barbosa, seria constituído da seguinte forma: a) a justificação tem que ter um conteúdo baseado na razoabilidade; b) a justificação deve ser baseada na racionalidade; c) deverá ser objetiva, racional e suficiente e, por fim; d) deverá ser baseada na proporcionalidade, ou seja, deverá ser um reajuste de situações desiguais (2003, p. 24).

Além do mais, segundo Barbosa, é preciso que a legislação infraconstitucional respeite três critérios concomitantes para que atenda ao princípio da igualdade material: i) a diferenciação deverá decorrer de um comando-dever constitucional, de modo que se ser obediente a uma norma programática que determina a redução das desigualdades sociais; ii) a diferenciação deverá ser específica, definindo de modo explícito aquelas situações ou indivíduos que serão abarcados com a diferenciação e, por fim; iii) ser eficiente, ou seja, é necessário que haja um nexo causal entre a prioridade legal concedida e a igualdade socioeconômica pretendida (2003, p. 25).

Contudo - e aqui é o ponto em que queremos chegar -, os critérios acima estabelecidos, ainda que interessantes para o estabelecimento de critérios de ações afirmativas no Brasil, não são suficientes para estabelecer os limites específicos para aplicação do sistema de inclusão e quotas. O próprio Joaquim Barbosa, aliás, admite que "[...] falta ao Direito brasileiro um maior conhecimento das modalidades e das técnicas que podem ser utilizadas na implementação de ações afirmativas [...]" (2003, p. 25).

A esse respeito, Joaquim Barbosa esclarece que o próprio sistema de quotas, a não ser que venha atrelado a um outro critério inquestionavelmente objetivo, será ser objeto de utilização marcadamente marginal (2003, p. 25). Exemplo disso, segundo Barbosa, seria alguns planos de ação afirmativa na esfera dos Estados, instituindo cotas nas universidades estatais para alunos egressos das escolas públicas, onde coexistem lado a lado: a) um critério objetivo (aluno de escola pública); b) a cota; c) um fator oculto: o fator racial (2003, p. 25). Dessa maneira, o fator oculto representaria uma forma evasiva, fugidia, envergonhada, de lidar com a questão racial, muito embora os negros serão os maiores beneficiados pois, infelizmente, uma maioria estuda em escolas públicas (2003, p. 25).

Portanto, ante a ausência de verificação de critérios objetivos na doutrina para se indicar, com precisão, quais são os limites para o legislador ordinário para a inclusão e para aplicação de quotas, resolvemos analisar as conclusões de Luiz Alberto David Araujo a respeito do tema.

Com efeito, segundo Luiz Alberto David Araujo, a interpretação possível nestes casos deverá ser a sistemática, pois não se pode olvidar dos valores privilegiados pelo constituinte originário (2011, p. 94).

Assim, conforme David Araujo, para se estabelecer limites ou percentuais para as quotas - e aqui aplicamos como uma regra geral, muito embora se esteja tratando neste ponto da obra sobre fixação de empregos e cargos públicos para pessoas com deficiência - determinados princípios e valores devem ser levados em conta na fixação desse percentual (2011, p. 94).

Como se vê pela lição de David Araujo, o legislador ordinário não poderá fugir das regras existentes no art. 1º, caput (Estado Democrático), inciso I (cidadania), II (dignidade da pessoa humana), art. 3º, inciso I (construir uma sociedade livre, justa e solidária), inciso II (erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais), inciso III (promover o bem de todos, se preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade), e inciso IV (quaisquer outras formas de discriminação) (2011, p. 94).

Portanto, de acordo com David Araujo, para que a norma seja democrática, deverá considerar a realidade numérica das pessoas do determinado grupo excluído, de outra raça, credo, cor etc (2011, p. 94). Deverá ainda levar em conta a questão da igualdade, exigindo condições de habilitação para o emprego ou cargo público (2011, p. 94). Dessa maneira, fica claro que o legislador infraconstitucional estará atuando nos espírito da Constituição, quando considerar os valores numéricos que envolvem o determinado grupo excluído no Brasil (2011, p. 95).

Contudo, como alerta David Araujo, o critério numérico não deverá ser o único, já que para se preservar o Estado Democrático, que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e a cidadania, o legislador infraconstitucional deverá estar atento para a circunstância de que haverá de se questionar quantas pessoas daquele grupo excluído poderiam estar habilitadas para as funções (2011, p. 95).

Assim, David Araujo afirma que o percentual deve se basear em estatísticas tais como o censo, onde se verificará, de modo objetivo, quanto da população brasileira poderia estar habilitada para um emprego ou cargo público (2011, p. 95). Dessa maneira, os limites para a delimitação do percentual seriam apenas de ordem democrática, de modo que o legislador está limitado a números estatísticos, deles não podendo escapar (2011, p. 95).

Outra questão que David Araujo coloca seria quanto ao critério de admissão, que consiste também em outro ponto atribuído ao legislador ordinário para integração da norma (2011, p. 95-96). Assim, a decorrência lógica do princípio da igualdade indicaria o concurso público como meio para admissão da pessoa do grupo excluído (2011, p. 96). Daí porque o concurso público dirigido a todos os cidadãos deveria reservar o percentual determinado às pessoas daquele determinado grupo tido como excluído (2011, p. 96 ).

A forma de identificar quem precisará da vaga e quem não precisará, conforme David Araújo será o concurso público (2011, p. 96). Dessa maneira, se um candidato de um grupo tido por excluído fica na classificação dentro do número de vagas reservadas para candidatos do grupo não excluído, não irá se valer da especial (2011, p. 97). É que esta vaga foi criada pelo Estado para quem necessita de seu suporte (2011, p. 97).

É claro, como afirma David Araújo, que haverá uma nota mínima para o candidato poder adquirir a vaga (2011, p. 97). Assim, não atingida esta nota mínima, o candidato não poderá ser aprovado, seja do grupo excluído ou não (2011, p. 97).

 No caso das pessoas com deficiência, Luiz Alberto David Araújo ainda diz que dois concursos deverão ser realizados, para se evitar a desvantagem, utilizando-se dos critérios acima mencionados (2011, p. 97).

Portanto, a forma de se saber com precisão qual será o limite de inclusão e percentuais de quotas observará as seguintes etapas: a) verificar, de um lado, qual é o critério adotado como discriminatório e, de outro lado, se há fundamento lógico para tal critério, ou seja, uma justificativa racional para se atribuir um tratamento jurídico determinado construído em função de determinada desigualdade; b) analisar se está sendo obedecido o comando-dever constitucional, ou seja, não se pode violar o espírito da Constituição; c) averiguar, por meio de uma interpretação sistemática, se a norma é democrática, isto é, se considera a realidade numérica das pessoas do determinado grupo excluído e se leva em conta a questão da igualdade e, por fim; d) quanto ao critério da admissão, deverá se obsevar aqueles que realmente necessitam do apoio do Estado.

4 CONCLUSÃO

Sendo assim, ante as análises acima traçadas, conclui-se que as leis que determinam a inclusão são constitucionais, derivadas da opção política da Constituição e de normas de Direito Internacional no sentido de erradicar a exclusão social e a opressão de determinados grupos.

Desta feita, tais leis vinculam o legislador e intérprete, garantindo a igualdade substancial não apenas por meio da proibição da discriminação e exclusão, mas também por meio da aplicação de atitudes afirmativas por parte do Estado, que culminam na inclusão de determinados grupos na sociedade.

Como se vê, a Constituição teve atenção especial para determinados grupos, tais como a gestante, o trabalhador, as populações indígenas, dentre outros, razão pela qual foram criadas que protegem e colocam privilégios, além benefícios para a equiparação de certas situações ou grupos.

Contudo, nos parece que não há como indicar, taxativamente, quais grupos grupos vulneráveis ou minorias poderiam ser incluídos nas quotas a partir da análise constitucional. Isto porque, tal conclusão levaria ao afastamento de várias situações de exclusão que podem - e devem - ser eliminadas pelo Estado. Entendemos então pela análise, caso a caso, de quais grupos poderiam ser incluídos nas quotas ou não.

Ora, tanto um grupo que, aparentemente excluído, pode não estar apto a uma vaga reservada, como um grupo, aparentemente incluído, poderá se revelar carente de especial ajuda do Estado. Ou seja, a nosso ver, a Constituição, muito embora tenha atribuído especial proteção a determinados grupos, não excluiu a possibilidade de proteção de outros.

Portanto, até mesmo do força do Estado Democrático, dos seus fundamentos e objetivos, os grupos vulneráveis e as minorias que poderão ser incluídos nas quotas serão aqueles onde se verificar a necessidade do apoio do Estado, de acordo com os ditames da Constituição de 1988.

Por fim, a forma de se saber com precisão qual será o limite de inclusão e percentuais de quotas é observar uma justificativa racional para se atribuir um tratamento jurídico em função de determinada desigualdade, com observância do comando-dever constitucional e a averiguação, por meio de uma interpretação sistemática, da realidade numérica do determinado grupo excluído, para se considerar o caráter democrático da norma e a questão da igualdade. Ademais, quanto ao critério da admissão, deverá se observar aqueles que realmente necessitam do apoio do Estado.

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[1] BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>. Acesso em 12 mai. 2014.

[2] BRASIL. Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969. Promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=94836>. Acesso em 12 mai. 2014.

[3] BRASIL. Decreto nº. 4.316, de 30 de julho de 2002. Promulga o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4316.htm>. Acesso em 13 mai. 2014.

Sobre o autor
Luiz Fernando Picorelli

Mestrando em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (Bolsa CAPES/CNPQ). Possui graduação pela Faculdades de Direito de Vitória(2010). Atualmente é Sócio do Aleixo Pereira Advogados Associados. Tem experiência na área de Direito.

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