3. O TRABALHO COMPULSÓRIO NO BRASIL CONTEPORÂNEO
Deveremos, antes de iniciarmos as considerações à cerca do trabalho análogo ao escravo, conceituar as diferenças que surgem de uma escravidão legal e o trabalho compulsório ilegal.
Primeiramente, na antiguidade ou mesmo no período colonial/imperial brasileiro, o escravo era propriedade do dominus. Dessa forma, poderia ser vendido, alugado, doado, castigado etc., sendo considerado coisa.
(...)pode o senhor alugar escravos, emprestá-los, vendê-los, doá-los, transmiti-los por herança ou legado, constituí-los em penhor ou hipoteca, desmembrar da nua propriedade o usufruto, exercer, enfim, todos os direitos legítimos de verdadeiro dono ou proprietário. Como propriedade, está o escravo ainda sujeito a ser sequestrado, embargado ou arrestado, penhorado, depositado, arrematado, adjudicado, correndo sobre ele todos os termos sem atenção mais que à propriedade no mesmo constituída.38
Já o trabalho análogo ao escravo, no mundo contemporâneo, não mais existe essa relação de propriedade como acontecia nos períodos colonial e imperial, no Brasil. O trabalho escravo contemporâneo pode ser conceituado como:
O estado ou a condição de um indivíduo que é constrangido à prestação de trabalho, em condições destinadas à frustração de direito assegurado pela legislação do trabalho, permanecendo vinculado, de forma compulsória, ao contrato de trabalho mediante fraude, violência ou grave ameaça, inclusive mediante a retenção de documentos pessoais ou contratuais ou em virtude de dívida contraída junto ao empregador ou pessoa com ele relacionada.39
A forma contemporânea de escravidão, generalizada pelo mundo, se dá de modo diversificado. Ela pode se manifestar desde maneiras mais arcaicas, como a escravidão por dívidas, até tipos mais atuais de escravidão, como o originário da imigração.40
No Brasil, ainda escravista e, posteriormente, abolicionista, verificou-se várias formas de trabalho servil, podemos considerar, primeiramente, a grande migração de europeus, no pós-escravismo, que atendia as necessidades da produção cafeicultora da região do Vale da Paraíba, no Sudeste brasileiro.
Tal migração, em um primeiro momento, não tinha uma proteção por parte do governo e, consequentemente, esses trabalhadores sofreram uma exploração muito similar ao que acontecerá com os africanos escravizados, pois das promessas de oportunidades no Novo Mundo, restaram as dívidas com o transporte da Europa para o Brasil, a obrigatoriedade de pagamentos por alojamento e alimentação, alojamento que na maioria das vezes eram precários, por exemplo, nas próprias senzalas as quais abrigavam-se os africanos escravizados.
Porém, o europeu teve, após esse momento desfavorável, um respaldo dos produtores brasileiro e do governo. Esse apoio pode ser confirmado ao constatar a criação da Sociedade Promotora da Imigração, em 1886,41 essa instituição tinha a finalidade de recrutar europeus, principalmente, na Itália.
Mas, fica uma pergunta à ser respondida, por quê o trabalhador negro, que antes era escravo não foi aproveitado na expansão cafeicultura do século XIX e XX.
A resposta para essa pergunta pode ser respondida de várias maneiras, mas tentaremos demonstrar que em primeiro lugar, existia um grande ressentimento por parte dos antigos donos de escravos, pois esses perderam sua propriedade, os escravos, e não receberam uma indenização.
Além disso, no final do século XIX, borbulhavam teorias raciais que defendiam a superioridade do homem branco e nesse turbilhão teórico, que o europeu passou a conclamar em defesa da exploração, esse homem branco apoderou-se das ideias evolucionistas do cientista Charles Darwin para eleger sua supremacia, nessa
perspectiva o Imperador brasileiro teve sua inspiração de branqueamento42 da população brasileira que já era altamente miscigenada.
Em um segundo momento, o trabalho servil, no Brasil, se intensificou nas camadas carentes da população. Esse trabalho é baseado na estrutura latifundiária e nas relações autoritárias de coronelismo que ainda é responsável por parte da escravidão contemporânea encontrada no meio rural. Esse processo exploratório se dá em terras do interior as quais mais se assemelham a grandes feudos, com “leis” próprias, arbitrariedades, certeza da impunidade e compadrio político.
Para que possamos compreender melhor a situação encontrada nos dias de hoje no interior do Brasil, faremos uma breve análise da política de ocupação de terras em conjunto com o processo de extinção da escravidão negra ocorrido no século XIX.
Com o início da colonização, ainda no século XVI, o território pertencente a Coroa Portuguesa foi dividido em capitanias hereditárias, com o passar do tempo percebeu-se que esse sistema não era oportuno para os interesses da Metrópole e iniciou-se a distribuição de cartas de sesmarias43, que eram documentos de doação de terras; entretanto, esses documentos autorizavam apenas a exploração do terreno, sendo a propriedade pertencente ainda a Coroa portuguesa.
Grandes extensões de terras eram ocupadas, ilegalmente, por esses sesmeiros. Para tentar frear as irregularidades a Coroa se viu obrigada a elaborar um regime próprio de terras, obrigando a regularização, o cultivo e a demarcação dos lotes.
Além disso, as terras não cultivadas deveriam ser devolvidas; entretanto, os grandes sesmeiros, ou seja, os grandes proprietários passaram a arrendar as terras não cultivadas, iniciando-se um comércio irregular de aluguel, vendas e doações, isso fortaleceu política e economicamente esses grandes latifundiários. Com a independência brasileira, o regime de sesmarias foi extinto.
Entretanto, a Carta Política de 1824, garantiu o direito a propriedade sem corrigir as distorções das terras devolutas, herança dos desmandos, dosperíodos das sesmarias.
Já em 1850 foi publicado a Lei das Terras, Lei n. 601. de 185044. O principal motivador dessa Lei era atender os grandes proprietários e fazendeiros que não mais poderiam contar com o tráfico negreiro.
Isso porque, a Inglaterra endurecera a fiscalização, do litoral brasileiro, referente ao tráfego negreiro; além de nesse mesmo período ter sido sancionada a Lei Bill Aberdeen. Isso pode ser explicado ao levar em conta que nosso país naquele momento era economicamente agrícola e, portanto, com a falta da costumeira mão de obra escrava, que não mais poderia entrar no país, fez-se necessário garantir outras fontes de recurso para o fazendeiro, ou seja, a Lei de Terras, que impedia as modalidades tradicionais de posse da terra e proibia as doações, vinha resguardar o patrimônio dos poderosos.
Logo, os grandes proprietários poderiam vender as terras já demarcadas, garantindo com os recursos dessas vendas, a contratação do imigrante europeu em substituição ao trabalhador escravo.
Percebe-se que desde o inicio da colonização e, posteriormente, no Império independente, as políticas de terras adotadas sempre favoreceram uma minoria de homens brancos, europeus ou descendentes de europeus e ricos, ou seja, o grande problema brasileiro ligado à terra remonta desse processo colonizador e de interesses que impedia uma distribuição justa dos recursos produtivos da época, a dizer, à terra.
Essa concentração da propriedade de terras, na posse de uma minoria, pode ser considerada como uma das principais causas da desigualdade e atraso econômico do Brasil.
Já no século XX, com a crise do sistema agroexportador e a consequente necessidade de industrialização, ocorreu uma intensificação no êxodo rural, provocado pela falta de trabalho e pela exploração no campo, além de uma seca sem precedentes no Nordeste brasileiro.
Esse êxodo não promoveu a integração econômica dessa população pobre, que era e é composta por descendentes dos escravos, dos indígenas, dos analfabetos, ou seja, dos excluídos de sempre.
Logo, as cidades urbanizadas e em industrialização se tornariam as nossas regiões metropolitanas, que no centro mantém uma estrutura sofisticada de moradias e serviços aos moldes da Europa45, leia-se Paris, e na periferia os guetos e favelas, onde os pobres se sujeitam a uma vida miserável.
Portanto, a Lei de 13 de maio de 1888 não foi capaz de erradicar a exploração servil no território nacional, pois apesar da escravidão ter sido abolida há quase dois séculos no Brasil, a cada ano mais de 25.000 trabalhadores são escravizados por donos de terras nas mais variadas regiões do país, principalmente na região amazônica46.
Homens na faixa etária de 18 a 40 anos deixam suas famílias, atraídos pela promessa de uma vida melhor. Percebe-se que o problema do trabalho análogo ao escravo no Brasil, tem um viés econômico e esse trabalho invade tanto o ambiente rural, como o urbano, isso porque, o homem escravizado modernamente é aquele sujeito sem qualificação, de baixa escolaridade ou analfabeto, normalmente oriundo do campo ou do interior.
3.1. NOVAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Para que possamos compreender com maior facilidade o que é o trabalho escravo contemporâneo, torna-se necessário conceituar a questão do trabalho descente, que, atualmente, é uma prioridade da OIT(Organização Internacional do Trabalho), do Governo Brasileiro e dos demais países do continente americano.
(...)é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade de trabalho; ao trabalho em condições justas, incluindo a remuneração justa, a preservação de sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical e à proteção contra os riscos sociais47.
Por essa definição, infere-se que o trabalho é o fomentador da dignidade, da plena liberdade e do respeito humano, pois possibilita ao homem fazer suas escolhas dentro de uma perspectiva de igualdade de direitos. Por isso, que diante da exploração da mão de obra, das violações dos direitos humanos em locais de trabalho, faz-se necessário que os direitos dos homens não só sejam garantidos pela Lei, mas também efetivamente buscado pelos órgãos governamentais, pelas organizações civis e pela sociedade internacional.
Para que se possa erradicar a prática do trabalho análogo ao escravo, faz-se necessário, primeiramente, admitir que tal atitude ainda persista no seio da sociedade.
Nesse sentido, o Brasil, em 1957, ratificou a Convenção no 29, sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório e em 1965, a Convenção no 105, sobre a Abolição do Trabalho Forçado, ambas da Organização Internacional do Trabalho - OIT . As normas de proteção do trabalhador rural só foram editadas em 1963, no Estatuto do Trabalhador Rural, vinte anos após a legislação laboral urbana(CLT) e setenta e cinco anos após a abolição da escravatura.48
Já em 1973, foi editada a Lei 5.889, que substituiu o Estatuto do Trabalhador Rural. A igualdade jurídica, contudo, apenas foi estatuída com o advento constitucional de 1988; subsistindo como válidas apenas algumas distinções com vistas a atender as peculiaridades do trabalho rural.
Não obstante, esses tratados e Lei sobre a exploração da mão de obra continuaram ineficazes no tocante à escravidão contemporânea, pois só em meados de 1971, que pela primeira vez, ocorreu uma denúncia pública referente aos abusos cometidos contra trabalhadores, essa denúncia foi feita por meio da Carta Pastoral de Dom Pedro Casaldália, Bispo da Prezalia de São Felix do Araguaia, no Estado do Mato grosso. (Carta Pastoral – “Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social).49
Nessa mesma linha de denúncia foi criada a primeira instituição não governamental voltada ao combate do trabalho servil, em 1975, foi criada a Comissão Pastoral da Terra – CPT, órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, essa comissão atua junto aos trabalhadores rurais, com serviços de assessoria jurídica e coleta de informações para posteriores denúncias50.
Infelizmente, o Governo brasileiro, só começou a reconhecer e enfrentar esse problema nos anos de 1985/1986, no Governo de José Sarney, pois nesse período o Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário divulgou relatórios e defendeu a desapropriação de imóveis rurais onde havia a prática de trabalho escravo. Além de encaminhar denúncias à anti-Slavery Internacional.51
Outro passo importante na luta contra a exploração desumana do trabalho, ocorreu com a entrada em vigor da Constituição Federal, de 1988; pois nessa Carta constitucional foi introduzido o conceito de “função social da propriedade” - (artigo 5o, inciso XXIII e artigos 170 e 186) - esse dispositivo evidência, no âmbito rural, a função social da terra. Além de determinar a obediência das disposições que regulam as relações do trabalho rural, com a utilização de um modelo que cause bem-estar social aos trabalhadores e proprietários.
Além disso, em 1991, o Ministério da Justiça, instituiu uma comissão para investigar os casos de violência no campo e as denúncias de trabalho escravo, Comissão Especial de Inquérito no âmbito do Conselho de Defesa da Pessoa Humana – CDDPH.52
Apesar dos esforços governamentais, o panorama da degradação do trabalhador e a prática da escravidão contemporânea, no Brasil, continuou e continua sendo uma realidade nessa sociedade.
Isso pode ser comprovado ao perceber as diversas denúncias de órgãos nacionais, internacionais, ONG e instituições religiosas, que expõem as mazelas sociais brasileiras, por exemplo, em 1992, ocorreu o pronunciamento da CPT sobre o trabalho escravo no Brasil, esse pronunciamento foi realizado no plenário da Subcomissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU- em Genebra.53
Já no mesmo ano, no mês de junho, a OIT, em sua conferência anual, ao tratar da convenção no 29 sobre o trabalho forçado, cobrou explicações do Governo Brasileiro acerca das varias denúncias encaminhadas àquela Organização desde 1985.54
No ano seguinte, 1993, novamente a OIT, pronuncia-se em relatório que demostrou dados alarmantes referentes a denúncias de escravidão no território brasileiro, foram cerca de 8.986 relatos de transgressões trabalhistas.
No mesmo ano, a Central Latino-Americana de Trabalhadores - CLAT – apresentou reclamações contra o Brasil por inobservância das convenções 29 e 105, da OIT.55
Apesar de todas essas denúncias o problema não foi enfrentado de maneira satisfatória pelo Governo, isso refletiu em novos pronunciamentos e apontamentos referentes a conduta do Brasil, a CPT e as ONGs Centro de justiça e o Direito Internacional – CEIJ e Human’s Right Watch apresentaram denúncias junto à Organização dos Estados Americanos – OEA, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos – CIDH, contra o Brasil, por descumprimento de suas obrigações de proteção aos direitos humanos.56
Frente a essas denúncias o Governo Brasileiro reagiu, adotando medidas pontuais como, por exemplo, o decreto no 17, de 3 de setembro de 1992, que instituiu o Programa de Erradicação do Trabalho Forçado e do Aliciamento de Trabalhadores – PERFOR, esse programa não teve os resultados esperados por falta de vontade política.
Além da reação do Governo Federal, o Legislativo, também, tentou atuar na prevenção e fiscalização do trabalho análogo ao escravo, em 1993, foi realizado um seminário sobre Relações do Trabalho, na Comissão de trabalho, Administração e Serviço Público, na Câmera dos Deputados, quando foi estabelecido que o dia 13 de Maio, tornaria a ser a data dedicada ao tema do trabalho escravo.
Como desdobramento, foi criada uma subcomissão e um grupo de trabalho composto por entidades como a CPT, a CONTAG, a Procuradoria da República, entre outras instituições, para elaborar um projeto de Lei voltado para a conceituação mais precisa do crime, a competência para investigá-lo e julgá-lo, além da previsão de aplicação de penalidades mais severas, inclusive multas administrativas.
Na mesma época, foi apresentado projeto de Lei concernente à expropriação de terras onde fosse constatada a prática do crime de trabalho escravo.
Na luta contra o trabalho exploratório, em 1994, foi editada a primeira Instrução Normativa(IN no 24, de 24/3) no âmbito do Ministério do Trabalho, contendo normas procedimentais para a atuação da fiscalização no meio rural, cuja elaboração contou com a participação de entidades do Fórum Nacional Permanente contra a Violência no Campo.14 No mesmo ano, foi instituído uma força tarefa entre Ministério do Trabalho e Emprego(MTE), Ministério Público Federal(MPF), Ministério Público do Trabalho(MPT), Polícia Federal(PF), com a finalidade de garantir conjunções de esforços no sentido da prevenção, repressão e erradicação do trabalho escravo57.(www.mte.gov.br)
Podemos perceber que a atuação governamental no sentido de evitar e fazer cumprir a legislação constitucional e trabalhista até certa medida, foi complacente com o trabalho análogo ao escravo, isso pode ser confirmado ao perceber que o Governo Brasileiro apenas em 1995, na administração federal do Presidente Fernando Henrique Cardoso declarou publicamente, pela primeira vez, a existência do trabalho escravo e a criação da primeira estrutura oficial para discussão e adoção de medidas preventivas sobre esse assunto – edição do Decreto 1.538, que criou o Grupo Interministerial para a Erradicação do Trabalho Forçado, GERTRAF58.
Entretanto, como estamos procurando demostrar que as ações e leis não rompem com a tradição, esse grupo de Interministerial não foi capaz de alcançar os seus objetivos, pois os diversos ministérios não tinha poder de decisão, nem o acesso necessário aos escalões superiores para adoção e implementação de medidas efetivamente eficazes.
O Governo Federal continuou sua batalha ao longo dos anos na prevenção e repressão do trabalho escravo, no Brasil, por exemplo, em 1995, foi criado o Grupo Móvel de Fiscalização; em 1998 59.
Já em 2002, ocorreu o aperfeiçoamento da legislação, com mudanças na Lei 9.77760; foi instituída a Comissão Especial no âmbito do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH – para discutir mecanismos de combate à violência no campo, o trabalho escravo e o trabalho infantil(resolução no 5, de 28/01/2001).
Em 2003, foi alterado o Art. 149. do Código Penal com a explicitação das condutas que caracterizam a redução de alguém à condição análoga à escravo(Lei 10.803, alterou o Código Penal); no ano de 2008, foi lançado o Segundo Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, após analise e avaliação do primeiro Plano pela CONATRAE61.
Dando um pequeno salto no tempo, em novembro de 2013, o Senador Cristovam Buarque defende no plenário do senado a PEC 57A/1999, que determina o confisco de propriedades rurais e urbanas, em caso flagrante de trabalho escravo, as primeiras para reforma agrária e as últimas para construção de moradias populares.
Pode parecer que o problema do escravismo contemporâneo é uma exclusividade do campo, mas isso não se sustenta, pois diversas denúncias relativas ao escravismo urbano são diariamente vinculadas por organismos internacionais, imprensa e pela fiscalização das autoridades públicas.
Na indústria têxtil, em setores urbanos e industrializados, por exemplo, a partir da década de 80 iniciou-se um intenso fluxo migratório de bolivianos para a cidade de São Paulo com a finalidade de suprir a demanda de mão de obra mais barata.
Entretanto, após fiscalizações de instalações da indústria têxtil, na década de 90, o que ficou comprovado foi um abuso no tratamento dos trabalhadores boliviano, que viviam em ambiente totalmente insalubre, cumpriam uma carga horária de mais de 15 horas diárias, em condições sub-humanas de alimentação e moradia62.
A principal maneira de aliciar esses trabalhadores é muito parecida ao que acontece no campo, por exemplo, as redes de agenciamento dessa mão de obra situam- se em La Paz e em Santa Cruz de La Sierra, ao serem aliciados, os trabalhadores recebem promessas de bons rendimentos e chance de melhoria no padrão de vida; não obstante, ao chegarem no território brasileiro, esses trabalhadores, normalmente, irregular do ponto de vista migratório, ficando a mercê dos industriários.
Para combater o problema do imigrante boliviano utilizado no trabalho escravo, em 1988 e em 2009, ocorreram diversas políticas no intuito de regularizar a situação desses estrangeiros63.
Em 2005 foi assinado Acordo Brasil/Bolívia para regularização dos imigrantes64 “indocumentados”; no mesmo ano, foi instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a exploração de trabalho análogo ao escravo, na Câmara Municipal de São Paulo.
Outro setor urbano que sofreu denúncias de utilização do ser humano de maneira análoga ao escravo, foi a indústria da construção civil, em 2009, na cidade de Campinas – SP, várias denúncias contra empresas que realizavam obras infraestrutura foram divulgados pela imprensa, na mesma região, já nos anos de 2009 e 2010, foram denunciados 42 casos de exploração, o que gerou uma CPI na Câmera Municipal de Campinas.65
A similaridade da exploração do trabalhador rural e urbano ao longo do tempo é de fácil constatação. Desde os períodos da colonização e do momento imperial existiu o escravo rural – mão de obra no campo e nas minas e o escravo urbano - chamado escravo de ganho. E com a ilegalidade da escravidão surgiu a exploração escrava contemporânea no campo e nas cidades.
Portanto, a mudança do perfil da exploração do trabalhador é apenas conceitual, pois a realidade do excluído social ainda é extremamente desfavorável do ponto de vista dos Direitos da Pessoa Humana promulgado pelas Nações Unidas.