I – Dano psicológico x Dano moral
Não obstante alguns autores afirmarem o contrário, este estudo cientifico tem por escopo demonstrar que o dano psicológico é distinto do dano moral. Isso por que, o dano psicológico configura patologia, diferente do dano moral, sendo certo que este segundo não implica na presença de doença.
Parte da doutrina entende que o dano psicológico não é passível de análise objetiva, atribuindo ao julgador o dever de considerar aspectos subjetivos para a análise de extensão do dano psicológico, vejamos:
“A responsabilidade civil, no âmbito do direito de família, recai sobre as formas de interações familiares que venham a prejudicar algum de seus membros, deste modo, para aferirmos a incidência da responsabilidade civil no âmbito da família, devemos nos ater ao fato de que as relações familiares são compostas por uma pluralidade de interações entre seus membros, como já exposto anteriormente, algumas destas formas de interações podem causar danos a um ou mais dos componentes desta família, este danos podem ser de natureza material, ou de natureza psicológica, onde, neste caso são subjetivas, os danos causados à psique de um dos membros da família, não pode ser aferidos por critérios unicamente objetivos.”[1]
Entretanto, este não é o entendimento adotado pelos Peritos Judiciais. O dano psicológico, não obstante ser tipo um dano extrapatrimonial, não é considerado necessariamente de natureza moral:
“O dano psicológico é definido como sendo extrapatrimonial, mas não necessariamente de natureza moral. Nesse sentido, é possível dizer que o dano psicológico é perfeitamente caracterizável e avaliável, haja vista, que as consequências psicológicas são demonstráveis (ex: alterações perceptivas, depressão, fobias, tentativas de suicídio, dentre outros). O dano psicológico pode ser objeto de indenização, desde que fique caracterizado como uma incapacidade que importe uma lesão de tal entidade que implique alteração ou perturbação significativa do equilíbrio emocional da vítima, cujas consequências resultem em descompensação que afete gravemente sua integração ao meio social.” [2] (grifou-se)
Conforme será a seguir demonstrado, o fator que distingue o dano moral do dano psicológico é justamente a existência de aspectos objetivos passíveis de análise técnica judicial.
Nesse contexto, a valoração e extensão do dano moral é tarefa atribuída ao julgador, vez que o dano moral afeta o íntimo do ofendido, sem possibilidade de análise técnica, sendo que as alegações devem ser capazes somente de atingir o livre convencimento do magistrado. Carlos Roberto Gonçalves define o dano moral[3]:
“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (grifou-se)
Essa situação vem sendo vastamente abordada pela doutrina. A dificuldade no julgamento de causas com pedido de indenização por danos morais ocasionou a grande divergência jurisprudencial atualmente encontrada, principalmente do que tange ao quantum arbitrado em condenações dessa natureza.
Diante disso, ao longo do tempo, os julgadores se viram na obrigação de criar determinados parâmetros, elaborando instrumentos interpretativos para a aplicação em cada caso concreto, a fim de mensurar de forma mais objetiva a extensão do dano moral sofrido pelo sujeito:
“Esta subjetividade, por vezes, impede que determinadas questões sejam valoradas de forma correta sob o prisma jurídico, torna-se um fato extremamente complexo mensurar a extensão de um dano, bem como as implicações negativas deste à vida de determinado indivíduo, deste modo, através de conjecturas objetivas com a função precípuo de elaborar instrumentos interpretativos que possam ser aplicado na grande maioria dos casos concretos, temos o surgimento de novas teorias que vislumbram sanar este descompasso hermenêutico.”[4]
Assim, uma vez que o quantum do dano moral é arbitrado pelo juízo da causa através do livre convencimento dos fatos narrados, o dano psicológico deve ser submetido à análise técnica de profissionais da saúde mental.
O dano psicológico é uma deterioração, disfunção, distúrbio, transtorno ou desenvolvimento psicogênico ou psicorgânico que afeta a esfera afetiva e/ou volitiva. Esta patologia limita a capacidade de prazer individual, familiar, laboral, social e/ou recreativa:
“Do ponto de vista da ciência psicológica, o dano psicológico é evidenciado pela deteriorização das funções psicológicas, de forma súbita e inesperada, surgida após uma ação deliberada ou culposa de alguém, e que traz para a vítima tanto prejuízos morais quanto materiais, face à limitação de suas atividades habituais ou laborativas. A caracterização do dano psicológico requer, necessariamente, que o evento desencadeante se revista de caráter traumático, seja pela importância do impacto corporal e suas conseqüências, seja pela forma de ocorrência do evento, podendo envolver até a morte.”[5]
O psicólogo forense, em sua investigação e elaboração do laudo, deve expor detalhadamente o quadro psíquico da vítima, apresentando, se houver, o nome da psicopatologia que foi gerada pela agressão, inclusive indicando o número atualizado da doença no Código Internacional de Doenças (CID) ou no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM):
“No exame pericial e, especificamente, no laudo resultante deve-se deixar claro a descrição das seqüelas, a existência do nexo causal com o fato descrito na exordial, a necessidade de tratamento com eventual duração e custo.” [6]
No âmbito jurídico, a fim de caracterizar a efetiva ocorrência de dano psíquico, devem ser acusadas a presença do (i) sujeito causador do dano, (ii) sujeito que sofre o dano, e (iii) nexo de causalidade entre o dano e o agente.
Uma vez caracterizado o dano, para o cálculo do quantum indenizatório, é possível que a sua extensão seja medida com o uso de instrumentos de avaliação técnica, sendo certo que seus aspectos são objetivos e avaliados do ponto de vista da medicina. Esta é a principal diferença entre o dano psicológico do moral, que é um conceito mais subjetivo, o qual abarca uma percepção pessoal do prejuízo, principalmente na questão dos bens imateriais da honra e liberdade.
O processo de avaliação do dano psicológico envolve um estudo de reconstrução do estado de equilíbrio mental da vítima no período anterior ao trauma, e quais as mudanças psicológicas decorrentes da ação causadora do dano. A reconstrução deve responder se o sujeito, após as perdas do trauma, mantém a mesma habilidade funcional como antes do fato lesivo.
A fim de realizar a avaliação da vida da vítima antes de eventual dano psíquico, o psicólogo forense deve realizar uma análise completa da vida do periciado, buscando várias fontes de informação (ex.: trabalho, atendimentos clínicos, internações hospitalares, processos judiciais, experiência escolar, contato com colegas, vizinhos, amigos, familiares, análise de documentos, etc.), buscando traçar um perfil anterior ao dano, para a análise do perfil atual e uma eventual mudança de comportamento da vítima.
“Dentre os aspectos importantes a serem verificados na peritagem psicológica, citamos os recursos cognitivos e/ou intelectuais, coordenação motora geral e específica, potencial energético, vitalidade e habilidades para ação. Em termos de estruturação egóica, é fundamental a verificação dos sentimentos vivenciados ao nível de conduta social, onde se engloba o afetivo e social; o grau de comprometimento da autoestima e da auto imagem e o modo de reação do periciando frente às situações de seu cotidiano. Considera-se também relevante para a avaliação pericial o impacto que a eventual deformidade física causa no perito) enquanto agente social, servindo este dado como termômetro para uma análise refinada da discriminação social.” [7](sic.)
Essa avaliação é necessária para que seja demonstrado o vinculo entre a ação ou omissão do agente, e o dano eventualmente sofrido pela vítima. Este vínculo, denominado nexo causal, é a relação entre o dano traumático e as sequelas psicológicas, e imperioso para que as consequências jurídicas possam ser aplicadas, ainda que esta seja uma questão delicada e complexa.
Acerca do nexo causal, o código penal trata em seu artigo 13 da “relação de causalidade”, e deixa evidente que o resultado do crime somente é imputável a quem lhe deu causa:
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
O Código Civil, por sua vez, traz em seu artigo 186 os requesitos para a configuração do dano indenizável. Dentre eles encontra-se o nexo de causalidade, conditio sine qua non para a responsabilização civil do sujeito pelo fato danoso.
Art. 186. - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Nessa esteira, é fundamental a demonstração da existência do nexo de causalidade entre a ação ou omissão realizada por uma pessoa e o dano psicológico causado à outra. Somente dessa maneira um indivíduo poderá ser responsabilizado pelos danos sofridos por outrem, conforme aponta os psicólogos forenses Roberto Evangelista e Ivani Valarelli Menezes:
“Na realização da perícia psicológica busca-se determinar esta sequela, como também vinculá-la ao fato traumatizante (na maioria das vezes acidentes de trabalho e acidentes de trânsito). Esta vinculação é o chamado nexo causal que é o pressuposto indispensável para existir a responsabilidade civil.”[8]
Ou seja, para que exista o dever de indenizar, é necessário que exista o liame entre os atos/fatos omissivos ou comissivos do autor do dano, e os prejuízos psicológicos sofridos em decorrência desse ato/fato.
Para tanto, é necessária muita atenção, pois a causalidade pode não ser única. Há variáveis que podem colaborar com a ocorrência do dano, denominadas “concausas”.
[1] GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Responsabilidade Civil II. São Paulo: Editora Fiuza, 2013, pg. 82
[2]Estudos e pesquisas em psicologia, UERJ - RJ, ano 5, n.2, 2° semestre de 2005 – pg. 123 - http://www.revispsi.uerj.br/v5n2/artigos/aj06.pdf - Acessado em 23.10.2014
[3] GONCALVES, 2009, p.359
[4] GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Responsabilidade Civil II. São Paulo: Editora Fiuza, 2013, pg. 93
[5]Estudos e pesquisas em psicologia, UERJ - RJ, ano 5, n.2, 2° semestre de 2005 – pg. 123 - http://www.revispsi.uerj.br/v5n2/artigos/aj06.pdf - Acessado em 23.10.2014
[6] Revista IMESC n° 2, 2000. pp. 45-50.
[7] Revista IMESC n° 2, 2000. pp. 45-50.
[8] Revista IMESC n° 2, 2000. pp. 45-50.