Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Denúncia espontânea e compensação: análise crítica do posicionamento da Receita Federal do Brasil

Agenda 24/02/2015 às 23:10

Análise crítica do posicionamento da Receita Federal do Brasil ao lidar com o instituto da denúncia espontânea nos casos de compensação.

I – Breve conceito do instituto da Denúncia Espontânea

Luís Eduardo Schoueri, ao analisar o instituto da Denúncia Espontânea, diz que o pressuposto do dispositivo é a espontaneidade da atuação do sujeito passivo, assim, a partir do momento em que se iniciar a fiscalização, não caberá mais falar em denúncia espontânea[1].

O instituto supramencionado tem como finalidade retirar o contribuinte da impontualidade, devendo, assim, ser afastada a aplicação de multa ao contribuinte. Todavia, embora o contribuinte não pague multa, não será vedada a cobrança dos “juros” e nem a deixará de ocorrer a “correção monetária” na denúncia espontânea.[2]

Assim, brevemente, conclui-se como Denúncia Espontânea a comunicação feita pelo infrator da legislação tributária à autoridade competente, do fato que gerou a infração, acompanhada do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou quando o valor depender de apuração, do depósito da quantia arbitrada pelas autoridades administrativas.

I – Breve conceito acerca da Compensação

Trata-se a compensação de um encontro de contas entre o sujeito que é credor e devedor, ao mesmo tempo, podendo a compensação ser de forma parcial ou integral, e tendo como principal finalidade a extinção de uma obrigação recíproca entre as mesmas pessoas que se estimam pagas.

Ressalta-se que a compensação não pode ser feita de vontade única do contribuinte, uma vez que necessita de lei autorizativa.

Nas palavras de Hugo de Brito Machado, “o Código Tributário Nacional refere-se à compensação como causa de extinção do crédito tributário” [3].

III – Análise Crítica do posicionamento da Receita Federal do Brasil

Ainda que o instituto da Denúncia Espontânea tenha previsão legal no artigo 138[4] do Código Tributário Nacional ("CTN"), de forma que atribui expressamente à Denúncia Espontânea efeito excludente da responsabilidade pelas infrações denunciadas, infelizmente, os contribuintes estão tendo dificuldades para conseguir os benefícios da Denúncia Espontânea.  A Secretaria da Receita Federal do Brasil ("SRF") entende que só o pagamento é meio hábil a excluir a responsabilidade do sujeito passivo da obrigação tributária principal.

Antigamente, o entendimento acerca da compensação por meio de Denúncia Espontânea era dado pela Coordenação Geral de Tributação (“COSIT”) da SRF, que editou em 18/01/2012 a Nota Técnica nº 01, consignando de forma expressa que a compensação acarretaria os mesmos efeitos do pagamento em casos de Denúncia Espontânea.

No entanto, recentemente, em suas decisões, o Fisco federal também tem interpretado o artigo 138 do CTN de forma literal, alegando que não configura Denúncia Espontânea o débito quitado por meio de compensação, sendo condição indispensável o pagamento ou o depósito do débito.

O entendimento do Fisco desestimulou essa prática tão interessante, tanto para o contribuinte como para o próprio Fisco, da denúncia espontânea, uma vez que tem gerado entraves ao contribuinte ao se valer do instituto.

O Fisco federal, ao interpretar o instituto da Denúncia Espontânea de forma literal (conforme orienta o artigo 111, I[5], do próprio CTN), acaba cometendo erro técnico.

O artigo 138 do CTN, a nosso ver, deve ser interpretado por analogia, (metodologia de interpretação e integração da legislação tributária expressamente autorizada pelo artigo 108, I[6], também do CTN), pois a compensação possui a mesma natureza do pagamento e da conversão do depósito em renda, qual seja a extinção do crédito tributário (artigo 156, II[7], também do CTN).

A norma tem como finalidade estimular o contribuinte a regularizar seus débitos, antes que ocorram conflitos fiscais, de forma que o contribuinte evite a aplicação de multa pelas autoridades fiscais.

Uma interpretação teleológica do dispositivo revela que o verdadeiro alcance do dispositivo legal acaba visando um benefício ao próprio Fisco que não necessita de um contencioso administrativo ou um litigioso necessário.

Ao antecipar-se em relação à fiscalização o contribuinte regulariza seus débitos de forma que poupa a máquina pública, aumentando arrecadação. O Fisco, assim, recebe as importâncias sem a necessidade do Fisco de mobilização de servidores para fiscalizar esses contribuintes.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Portanto, a SRF não deve interpretar a compensação de forma literal, pois, a compensação se equipara ao pagamento, pelo fato de ambas serem modalidade de extinção do crédito tributário e porque a efetiva quitação do débito dependerá de ulterior verificação por parte do Fisco (ou homologação tácita).

Quanto à possibilidade de compensação para configurar a Denúncia Espontânea, já decidiu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ("CARF") em acórdãos recentes:

"DENÚNCIA ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO. MULTA DE MORA. A denúncia espontânea também se configura com a quitação do tributo formalizada por meio de compensação, pleiteada anterior ou contemporaneamente à declaração do débito, devendo ser afastada a imposição da multa de mora." (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais / 1ª Turma Especial / 1ª Seção / Acórdão 1801-002.053 / Sessão de 30 de julho de 2014)

"DCOMP. PAGAMENTO. EQUIVALÊNCIA. A compensação pressupõe um pagamento anterior, ocorrido a maior ou indevidamente. A DCOMP é apenas a afetação desse pagamento, surtindo o mesmo efeito e merecendo equivalência." (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais / 3ª Turma Especial / 1ª Seção / Acórdão 1803-002.091 / Sessão de 11 de março de 2014).

Indubitavelmente, pelo exposto acima, é possível verificar que a atual postura das autoridades administrativas fiscais tem gerado um problema desnecessário para ambas as partes relacionadas ao processo administrativo.

Muito embora esteja claro no artigo 156 do CTN que a compensação é uma das modalidades de extinção do crédito tributário, a SRF tem entendido que essa modalidade extintiva de obrigação não produz os efeitos decorrentes da Denúncia Espontânea, o que de fato atrapalha a finalidade de restabelecimento do equilíbrio jurídico na relação entre o Fisco e o contribuinte.

[1] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. [693/694].

[2] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3 ed.  São Paulo: Saraiva,2011, pp. [749/751].

[3] MA CHADO, Hugo de Brito. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pp [213/218].

[4] "Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração." [...]

[5] Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; [...]

[6] Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia; [...]

[7] Art. 156. Extinguem o crédito tributário: [...]

II - a compensação; [...]

Sobre o autor
Thiago Marini

Estudante de direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e estagiário em contencioso administrativo tributário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!