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Justiça Militar - uma Justiça de Exceção

Agenda 09/03/2015 às 18:04

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu expressamente que a Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal é um dos órgãos do Poder Judiciário. A Justiça Militar não é uma criação ocorrido no ano de 1964, mas em um período anterior a esta data.

A Justiça Militar Estadual, e no mesmo sentido a Justiça Militar do Distrito Federal, ainda continua recebendo críticas segundo as quais estas seriam uma Justiça surgida no regime de exceção, que foi instalado no Brasil a partir do dia 31 de março de 1964 em decorrência de uma revolução, conforme constou do preâmbulo da  Constituição Federal outorgada no ano de 1967, que afastou do Poder Executivo o então Presidente da República João Goulart, que era o Vice-Presidente na chapa encabeça por Jânio Quadros.

Uma análise da história, sentido técnico e científico, demonstra de forma clara que a Justiça Militar Estadual, compreenda-se também a Justiça Militar do Distrito Federal, não surgiu no período de 1964, e nem mesmo serviu aos interesses do governo autoritário que se instalou naquele período, que não respeitou às garantias fundamentais do cidadão, conforme reconhecido por meio de Lei Federal que determinou o pagamento de indenizações aos presos políticos, após a observância do devido procedimento.

A Justiça Militar no Brasil existe de 1808 quando D. João VI veio para o Brasil juntamente com a família Real abandando a Corte sediada em Lisboa em decorrência de hostilidades que estavam sendo praticado por Napoleão Bonaparte, Imperador dos Franceses e que impôs o bloqueio continental contra a Inglaterra.

A denominada Justiça Especializada Militar possui previsão constitucional desde a Constituição Federal de 1934, ou seja, em data muito anterior ao movimento de 1964. Os juízes auditores militares integram o Poder Judiciário, Federal ou Estadual, com todas as garantias asseguradas aos magistrados, vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos. A Constituição Federal de 1988 seguindo a tradição constitucionalista novamente fez previsão expressa tanto no aspecto federal como estadual da Justiça Militar.

Afirmar que a Justiça Militar Estadual é originária do regime de exceção é contrariar os textos constitucionais que foram promulgados durante a República instalada no dia 15 de novembro de 1889. A Justiça Militar possui autonomia e independência e não pertence a Polícia Militar ou ao Corpo de Bombeiros Militares. A Justiça Militar integra o Poder Judiciário e no decorrer dos anos vem cumprindo com as suas funções constitucionais.

É importante se esclarecer ainda, para se evitar a divulgação de dados divorciados da realidade, que no período de 1964 a 1988 os crimes contra a segurança nacional não eram julgadas perante a Justiça Militar Estadual mas na Justiça Militar Federal, segundo o disposto na Lei de Segurança Nacional.  A nova Constituição Federal determinou de forma expressa que estes crimes atualmente sejam julgados perante a Justiça Federal.

Os acusados que responderam a processo-crime perante a Justiça Militar Federal por terem violado em tese as disposições da Lei de Segurança Nacional tiveram todas as prerrogativas asseguradas de forma efetiva como o direito à ampla defesa e o contraditório. Neste período, várias pessoas foram absolvidas perante a Justiça Castrense que foi instituída em nosso país por meio de Alvará Régio no ano de 1808.

O primeiro Tribunal que o Brasil conheceu foi o Conselho Militar e de Justiça que passou a promover a prestação jurisdicional no então Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves, permitindo que a antiga Terra de Vera Cruz tivesse um Tribunal próprio para julgar os seus nacionais.

A primeira liminar que foi concedida em sede de habeas foi deferida pelo Superior Tribunal Militar, S.T.M, que garantiu os direitos e garantias fundamentais de um cidadão de forma efetiva, apesar da ausência de previsão legal deste instituto, demonstrando a independência e autonomia da Justiça Especializada.

No Estado de Minas Gerais, a Justiça Militar Estadual no ano de 2014 completou 77 anos de existência. Com base neste fato, qual o fundamento para se afirmar que a Justiça Militar possui origem no regime que foi instalado no Brasil no ano de 1964? A Justiça Militar possui uma função essencial no Estado democrático de Direito uma vez que exerce de forma efetiva o controle das atividades desenvolvidas pelas forças policiais, que são as responsáveis pela preservação dos direitos e garantais fundamentais do cidadão

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O fato de a Justiça Castrense ser um órgão colegiado em 1 º grau não configura nenhuma violação a tradição constitucional e processual. Nos países europeus que seguem a tradição da família romano-germânica, a mesma observada pelo Brasil, como por exemplo Itália e França, o juízo de 1 ª instância é constituído por um órgão colegiado, como muito bem retratou Piero Calamandrei em sua obra “Eles os juízes vistos por um advogado”.

Na Justiça Militar não existe nenhum privilegio aos jurisdicionados, mas um efetivo controle dos atos ali praticados, condenando-se o acusado quando existem provas que demonstram de forma efetiva a sua culpabilidade e absolvendo o acusado quando não existem  elementos  que  possa levar a  certeza da violação dos atos descritos na denúncia. Afinal, este não é o fundamento da teoria geral do processo que se aplica no Estado democrático de Direito.

A participação dos militares na composição do colegiado é essencial uma vez que estes auxiliam o juiz auditor com os seus conhecimentos profissionais permitindo a realização de um julgamento justo e um controle efetivo das atividades desenvolvidas pelo militares estaduais.

A Justiça Militar é uma justiça especializada como a Justiça do Trabalho e Eleitoral, e na maioria dos Estados-membros da Federação cumpre com as suas funções previstas na Lei de Organização Judiciária e na Constituição Federal com um orçamento inferior a 1% do orçamento destinado ao Poder Judiciário Estadual

Os crimes militares se fossem remetidos a uma Vara Criminal Comum exigiriam muitas vezes conhecimentos que não são peculiares aos operadores do direito, como o significado de uma deserção, insubmissão, motim, abandono de posto, crimes contra a administração militar, desacato contra superior, crime contra o comandante do navio, oficial de quarto, dia, entre outros ilícitos próprios da vida comum e ainda o alcance dos princípios da hierarquia e da disciplina.

O Brasil não é o único país no Mundo Ocidental que possui uma Justiça Militar. Outras nações possuem uma a Justiça Militar organizada, como por exemplo, os Estados Unidos da América, Portugal, França, a Inglaterra entre outros. Além disso, as forças policiais uniformizadas e organizadas com base na hierarquia e na disciplina existem na maioria dos países civilizados.

O Estado democrático de Direito não impede a existência de uma Justiça Militar, ou mesmo a existência de forças policiais uniformizadas. O Estado de Direito pressupõe, conceito este que muitas vezes é relevado a um segundo plano, o respeito à lei, para que os diversos grupos sociais possam conviver em harmonia, o que permite inclusive a existência de uma lei de segurança nacional para julgar os crimes contra o Estado em decorrência do contrato social que foi assinado entre o Estado e a sociedade civil organizada.

   A Justiça Militar Estadual, devendo ser incluído nesta conceito a Justiça Militar do Distrito Federal, possui previsão constitucional e uma função essencial no Estado de Direito, a qual vem sendo cumprida no decorrer dos anos. A população busca uma ordem pública efetiva que é garantida pelas forças policiais, e a Justiça Militar assegura que a lei seja observada e respeitada pelos integrantes das Forças Auxiliares no exercício de suas funções constitucionais em respeito ao direito do cidadão, destinatário dos serviços de segurança pública.

Sobre o autor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa

PAULO TADEU RODRIGUES ROSA é Juiz de Direito. Mestre em Direito pela UNESP, Campus de Franca, e Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública Municipal pela UNIP. Autor do Livro Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo. 4ª ed. Editora Líder, Belo Horizonte, 2014.

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O artigo busca demonstrar com base na lei e nos antecedentes históricos que a Justiça Militar é bem anterior ao ano de 1964, e que na condição de órgão do Poder Judiciário busca cumprir com o seu papel institucional.

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