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Critérios para legislação de condutas

Agenda 01/02/2003 às 00:00

Preâmbulo

O presente trabalho fora originalmente produzido como segunda parte de um artigo maior, que, por razões editoriais, foi dividido em dois textos parcialmente independentes, ambos publicados no Jus Navigandi.

Como consta no preâmbulo do primeiro volume (O Conceito de Crime), aquele trabalho trata de conceitos jurídico-doutrinários acerca do fenômeno "Crime", buscando a visão da comunidade jurídica sobre o assunto.

Já neste extrato, tentamos avaliar os principais critérios que orientam o legislador, propondo críticas, descrevendo anomalias, ao passo que desenhamos uma melhor ponderação destes mesmos critérios, pretendendo uma legislação socialmente mais eficaz.

Como já foi escrito no volume 1, embora este trabalho não seja diretamente direcionado para a construção de uma legislação civil, o conteúdo aqui proposto é bastante útil para um posterior trabalho sobre o assunto, que deverá levar em consideração uma melhor análise das relações econômicas e sociais.

Tão pouco aqui se realiza uma análise complexa das dinâmicas sociais, o que evidentemente poderá ser suprido em um trabalho posterior sobre o assunto.

Aconselhamos ao leitor que queira realizar uma leitura não extensa sobre assunto, que se direcione diretamente ao tópico "c" deste trabalho, no qual tratamos dos critérios materiais, que configuram o ponto central do presente.

a)Introdução

Parte da doutrina brasileira simplifica os critérios legislativos em apenas dois, a necessidade e o interesse. No entanto, não partilhamos desta metodologia.

Visando tornar a temática mais complexa e realista, abordaremos a legislação sobre duas perspectivas, primeiro descrevendo os critérios legislativos formais e, posteriormente, os critérios materiais. Nos formais, retrataremos a técnica legislativa, de um modo bastante incompleto, e nos materiais tratamos do objeto social da legislação e suas influências básicas, através da análise de quatro princípios básicos, a vontade, oportunidade, utilidade e instrumentalidade.

b)Critérios Formais

Os critérios formais não se relacionam ao objeto da conduta a ser incriminada, mas a forma técnica com que se legisla. Como a legislação se executa através da linguagem, é bastante útil incorporar alguns postulados da teoria moderna da linguagem, que foi bastante desenvolvida pelos neopositivistas (positivistas lógicos), principalmente pelo Circulo de Viena e filósofos neste grupo inspirados.

Algumas destas recomendações foram fixadas por Kelsen, ao tratar da interpretação no capitulo VIII da Teoria Pura do Direito. Asseverava que as no ordenamento jurídico se inserem em uma moldura as interpretações juridicamente possíveis, e afirma que, para um mesmo caso, é comum que existam várias interpretações, muitas vezes levando a resultados diversos.

Através desta teoria, o normativista explicou o porquê da existência dos impasses doutrinários no direito, superando doutrinadores que asseveravam que o direito possuía apenas uma resposta correta. Todavia, não mencionou a forma com que estes problemas deveriam ser resolvidos. Parece evidente que, se o magistrado (operador do direito) obrigatoriamente necessita tomar uma posição para decidir a lide, ou recorre a valores e conceitos externos ao Direito, ou pondera os valores e princípios existentes no direito para preencher as lacunas, principalmente através da Constituição, que é hierarquicamente superior. Utiliza-se o princípio da proporcionalidade e da ponderação, aliás, Canotilho e Vital Moreira [1] nos fornecem material bastante útil para a nossa pesquisa. Afirmam estes autores que existem diferenças entre os princípios e regras, pois, enquanto os últimos possuem ordens imperativas, os primeiros carregam valores. Por isto, no campo das regras, dois imperativos contrários se excluem, no campo dos princípios, e logicamente dos valores, dois princípios contrários devem ser ponderados, na medida do possível. Analisando os princípios aplicáveis a um determinado caso concreto, se estabelece preferência de um (ou alguns) em contraposição de outros, seja completamente excluindo determinados princípios ou estabelecendo uma importância recessiva para estes. Desta maneira, nenhum deles é absoluto, visto que toda e qualquer ponderação é feita para o caso concreto.

No entanto, utilizar a ponderação de valores através da legislação significa recorrer ao menos parcialmente a noções e valores externos ao direito, rompendo a neutralidade axiológica. Isto ocorre porque os valores são irracionais, e, por isso, apenas parcialmente ensinados pelo mundo exterior, sendo influenciados por condições particulares do indivíduo que as interpreta, e, por conseqüência, os valores adquirem dimensões diversas nas diferentes pessoas, visto que cada pessoa invoca diferentes estados psicológicos, descritivos dos sentimentos que embasam os valores.

Desta maneira, se em todo o trabalho desenvolvido pela Teoria Pura do Direito, Kelsen tenha se preocupado em retirar do direito qualquer valor externo a este, no último capítulo apresentou um novo panorama, que representa uma contradição em relação à pureza epistemológica [2]. Aliás, mesmo em termos de moldura, a questão se complica, visto que, ao invés de afirmar que as interpretações formam a moldura, assevera que as interpretações apenas se inserem nesta moldura formada pelo ordenamento jurídico. No entanto, o ser humano só pode compreender o sentido de uma frase interpretando-a, e ao compreender o que lemos é um ato de interpretação, constituindo na mente o significado, da qual a palavra é o instigador. Assim, a moldura não é preexistente a interpretação, mas formada por essa.

E o magistrado não pode se esquivar do julgamento destas questões problemáticas, o que seria agravar os efeitos nefastos que esta insegurança jurídica poderia causar, principalmente em termos de economia e mercado moderno. Também não se pode simplesmente ignorar esta realidade, como tentaram os exegéticos, que queriam concentrar "no legislativo, exclusivamente, a competência para legislar... impelidos a resumirem todo o direito na lei" [3], neste tipo de pensamento "a autoridade de interpretar leis penais não pode ser atribuída nem mesmo aos juízes criminais, pela simples razão de que eles não são legisladores" [4].

A realidade demonstra a impossibilidade de resumir todo o poder decisório na lei, quanto menos quando se reconhece o poder de instrução processual do juiz [5].

O movimento dos exegéticos foi resultado da crença geral no racionalismo epistemológico (ou gnosiológico), na qual "o método, que fora tão bem-sucedido no campo da matemática, poderia ser estendido a outros campos, possibilitando que o investigador alcançasse o mesmo tipo de certeza que obtinha na matemática" [6], pensamento que foi resgatado no positivismo vulgar de Comte e Durkheim.

É bastante comum que haja casos nos quais o ordenamento jurídico atribua várias interpretações, principalmente em virtude das lacunas da lei, que são em boa parte intencionais, possibilitando a adequação de conceitos e fórmulas abstratas a uma realidade, assim como permitindo que fórmulas antigas sejam adaptadas para necessidades atuais.

É igualmente importante refletir porque o significado atribuído às palavras gera dúvidas, já que a aparência indica que não haveria razão para tal, pois as suas acepções são públicas e notórias. No entanto, como o significado das palavras está no seu uso [7], e uma palavra pode ser utilizada de várias formas, diferentes frases utilizam variadas semânticas para uma mesma palavra, e, por outro lado, diferentes grupos de pessoas tendem a atribuir significados diferentes que outros grupos da mesma comunidade lingüística.

Assim, ao mesmo tempo em que, em um consenso dominante, uma palavra possui diferentes interpretações corretas quando analisada no conjunto "frase", certos grupos atribuem determinadas acepções que coabitam em paralelo, com acepções específicas que não coincidem com os conhecidos e usados pelo outro grupo. Na maioria dos casos, existem cisões entre grupos majoritários e minoritários, sendo que os últimos, apesar de não constituírem a maioria, formam um grupo bastante significativo que não podem ser simplesmente desprezados.

Na medida que uma pessoa conhece várias palavras, atribuindo para cada uma delas certos significados, seja em acordo ou desacordo com a opinião predominante, é importante ressaltar que uma mesma pessoa participa de vários consensos da linguagem (acepção considerada correta), ao mesmo tempo em que participa de vários dissensos sobre outras palavras (atribuindo significados não partilhados pela maioria).

Destarte, se um texto é formado por várias frases, e cada frase contém inúmeras palavras, então, um conjunto sistemático que pressupõe coesão lógica será abalado se uma das palavras que participe desta interação admita significados diferentes, ou quando, a pessoa que o produziu tenha utilizado uma palavra em uma acepção (incorreta) que não corresponde com os termos da conotação dominante. No entanto, o problema se intensifica nas palavras que contém múltiplas acepções consideradas comuns e corretas, gerando dúvidas semânticas que levam a interpretações e resultados diferentes.

Mas o maior problema é o gerado pelas lacunas de significado em um texto que se pretende completo. Como as frases em conjunto geralmente não afirmam o suficiente para se retirar um significado absolutamente exato, os leitores divergem sobre qual semântica o texto quer indicar. E, desta maneira, existem interpretações diferentes, o que torna o problema irremediável quando aquele extrato textual é o último veículo com o qual poderíamos recorrer para compreendê-lo. E, assim como no caso da interpretação das palavras, formam-se grupos opostos que defendem diferentes interpretações, por vezes constituindo um majoritário e outros grupos menores minoritários.

O problema da semântica textual figura no fato de que, para se extrair um significado de uma frase e/ou texto, é necessário interagir tanto as suas unidades (palavras), que possuem um significado próprio, como as lacunas deixadas pelo texto.

No entanto, as lacunas por vezes podem ser compreendidas conforme tipos de entendimento expressos no próprio texto, quer dizer, através da vontade principal expressa é possível expandir o significado, aplicando o mesmo raciocínio a casos análogos, ou, deduzindo silogismos, abarcar situações além do que fora afirmado expressamente, mas cujo significado permanecia implícito. Exemplo de silogismo é quando um determinado governo se posiciona contra a morte de inocentes, assim, necessariamente, este deve ser contra a prática de homicídios, subnutrição, doenças fatais, etc, desde que expressamente não formule uma afirmação especial, delimitando a premissa maior (premissa do "especial revoga o geral").

Parece exato afirmar que existem inúmeras formas com a qual extraímos coesão de um texto, muito além daquilo que o próprio texto aparenta afirmar. Entre as mais importantes, está a contextualização do texto sobre uma realidade tangível, quer dizer, para entendê-lo, é necessário situar a semântica daquele texto no tempo e no espaço, e, para interpretá-lo da melhor maneira, é necessário partilhar do mesmo paradigma com o qual o texto foi baseado, visto a existência da incomensurabilidade de uma perspectiva quando analisada por outra, justamente pelo fato do paradigma alterar a perspectiva histórica da comunidade que o experimenta, formando conjunturas que modificam drasticamente o sentido com o qual as sentenças antigamente se firmavam, fazendo com que as situações fáticas que serviam de pressupostos para as interpretações consensualmente dominantes em uma época se transmudem em outras [8].

Uma das conseqüências de recorrer a fatores externos ao texto é verificar que na realidade existem vínculos necessários (seja de causalidade, necessidade ou etc) entre diferentes fatos (que são representados por palavras), assim, quando se menciona uma destas palavras (que é representa abstratamente um destes fatos com vínculo necessário com outro), existe ao mesmo passo uma referência a outro fato (também representado por uma palavra) com a qual o primeiro fato se relaciona. Caso contrário, para manter a coesão do texto, cabe ao autor do texto afirmar as razões pelas quais não existe um vínculo de necessidade. Assim, se alguém afirma, como herdeiro de alguém, que deseja o quanto antes participar da partilha de bens daquele vivente, pode-se deduzir que também deseja que aquele ser humano morra o quanto antes (o que não significa dizer que ele irá matá-lo, já que não especificou a "causa mortis"), caso contrário, este terá que expressamente explicar a sua ambigüidade de sentimentos e porque não deseja a morte do outro.

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Aliás, a ambigüidade de sentimentos é bastante comum entre os seres humanos, cuja ação é baseada predominantemente em fins sentimentais, formando redes complexas entre as várias ações e os diferentes sentimentos. Neste conjunto, uma pessoa avalia as conseqüências sentimentais que emanam das ações que este pode praticar na situação concreta em que se encontra, e pondera quais valores são para ele mais importantes naquele estado, e, se uma das conseqüências de uma determinada ação não for querida por este, cabe a ele decidir se prefere que o(s) benefício(s) ocorra(m), apesar do(s) malefício(s), ou se o(s) malefício(s) conseqüente(s) daquela ação supera(m) o(s) eventual(is) benefício(s) concomitante(s). No entanto, como os valores são irracionais, não há uma escala de sentimentos e valores definidos, ao contrário, a superação de determinados sentimentos por outros se dá por análise que leva em conta o caso concreto em que se encontra o sujeito, desorganização esta que gera a ambigüidade mencionada no parágrafo anterior.

Muitas vezes, alguns tipos de sujeitos, cuja explicação acima a eles não se refere, imagina situações irreais, na qual desvincula a causa do efeito, podendo imaginar que participa de uma partilha de bens emanada de um testamento na presença do de "cujus", que inclusive pode aconselhá-lo sobre o uso dos bens.

Exceções a parte, o sistema descrito no penúltimo parágrafo é quase o mesmo utilizado na ponderação de valores (princípio da proporcionalidade), e serve para exemplificar porque uma legislação pode parecer incoerente, quando, na verdade, são os sentimentos que assim o são, por sua natureza. No entanto, estes valores não podem ser excluídos de uma legislação sem que esta mesma referência legislativa seja relativamente inaplicável a realidade social humana, que será, no mínimo, altamente lacunosa. Assim, certos problemas interpretativos provenientes dos valores não possuem solução coerente. Aliás, não se tratam especificamente de problemas, visto que o uso dos valores para suprir lacunas interpretativas é altamente aconselhado, desde que não entre em choque com outras regras e princípios, como o da tipicidade e o da não retroatividade da norma penal incriminadora.

Na interação dos diferentes significados de uma mesma palavra com outras frases, pode-se dizer que a lógica é um recurso para a delimitação do significado. Quer dizer, toda vez que um dos possíveis significados de uma palavra indique uma contradição lógica com o exposto em outra parte do texto, deve-se presumir que a interpretação correta é aquela em que não há contradição.

No que tange ao direito e ordenamento jurídico, para se evitar interpretações problemáticas, é possível realizar uma pequena terapia da linguagem, porém não nos mesmos termos que aqueles propostos por Wittgenstein:

1-Uma linguagem legislativa será mais eficiente quando ensejar o menor número de interpretações possíveis, ou que levem a interpretações que não produzam na realidade diferentes tipos de decisões judiciais. O legislador deve ao máximo evitar redações que possibilitem interpretações que se demonstram socialmente danosas. No entanto, as interpretações possíveis para um excerto legislativo devem se dar sistematicamente, na qual não se analisa apenas um artigo, mas o dispositivo em que este se insere, além de outros textos legais pertinentes, e, principalmente, o que disciplina as legislações hierarquicamente superiores. Isto significa dizer que, toda vez que uma das interpretações de uma determinada legislação é inconstitucional, aquela interpretação deve ser descartada em favor das constitucionais, e apenas se não houverem interpretações constitucionais é que aquela lei (ou artigo) deve ser considerado nulo de direito. Assim, é necessário ao legislador não considere apenas a interpretação que se coaduna com a sua vontade legislativa, visto que, uma vez lei, esta deverá ser analisada conforme a "mens legis", quer dizer, a vontade da lei. Destarte, deve levar em conta todas as interpretações possíveis, reduzindo-as para melhor se adequar a sua vontade original. E uma atenção privilegiada deve ser conferida para evitar que a interpretação querida seja inconstitucional, e que, por isso, a jurisprudência adote outra, dentre aquelas juridicamente possíveis. Destarte, para evitar qualquer problema maior, é necessário que legislador não dê ensejo a interpretações possíveis que possam gerar distúrbios sociais, quer dizer, conseqüências negativas que superam o benefício da norma, visto que a legislação fala por si, se desvinculando do impulso social que lhe deu origem.

2-Atuando para a sua maior eficiência, está a inteligibilidade do dispositivo, quer dizer, não basta que haja uma ou poucas interpretações, mas que estas sejam extraídas de forma fácil, o que invoca não só critérios gramaticais como de delimitação exata do objeto material que se está tratando, o que também serve para delimitar o número de interpretações.

3-E por último, e menos importante, é preferível que se utilize o menor número símbolos gráficos para designar uma mesma idéia, desde que a interpretação do dispositivo não seja por isso afetada.

Outro fato a ser evitado é que uma das interpretações possa acidentalmente revogar outro dispositivo legal. Desta maneira, se por qualquer razão, uma das interpretações perca a validade (ou seja simplesmente nulo), se evita a insegurança jurídica proveniente de uma legislação não cautelosa.

Como interpretações diferentes e danosas não são possíveis de serem excluídas nem pela melhor técnica jurídica, em alguns casos é melhor possibilitar ao magistrado condições para julgar a lide com certa liberdade, inserindo princípios e valores, o que reforça o poder decisório do juiz. E quanto melhor será um sistema quanto mais eficazes os instrumentos permitidos aos magistrados para solucionarem os problemas de interpretação, mesmo que para isso o legislador deva recorrer a valores, que em muitos casos são menos instáveis que textos legislativos aparentemente sólidos.

Como propomos, o aqui reproduzido é antes uma constatação de diretrizes para uma melhor produção legislativa do que um conjunto de normas particulares para determinados casos. Diga-se de passagem, existem hoje inúmeras regras para edição de leis, cuja citação não é relevante neste trabalho por se referirem a casos particulares.

c) Critérios Materiais

Ao contrário do que realizamos no estudo dos critérios formais, neste estabeleceremos diretrizes menos sólidas. Estes critérios são parecidos com os princípios legislativos, que necessitam de uma ponderação voltada para o caso concreto. Portanto, não existe uma hierarquia fixa, visto que as diferentes aplicabilidades dependem de circunstâncias especiais, sendo que, na maioria dos casos, há uma atuação constante, conjunta e coordenada destes critérios.

E, ao mesmo que se preocupa em descrever uma realidade, constituímos critérios para melhores legislações. Porém, analisando a realidade, não devemos expurgá-la de alguns conteúdos que são atualmente considerados importantes para a dinâmica democrática complexa, movida por um tipo de racionalidade comunicativa [9] em que se aplica as ponderações de Foucoult, na qual "o discurso não é algo externo ao desejo e ao poder, mas é simultaneamente objeto do desejo e do poder" [10].

Desta maneira, as considerações políticas agem tanto como conseqüência quanto efeito reflexo de discursos que personificam relações de poder. Da mesma maneira, estas relações são influenciadas por novos discursos, e, assim como é possível que novos discursos estabeleçam novas relação de poder, as novas relações sociais de poder estabelecem novos discursos legitimadores, cuja distinção das causas e efeitos é bastante difícil.

Não existe uma ordem cronológica para análise dos critérios (princípios), que devem ser cotejados ao mesmo tempo. No entanto, ao mencioná-los, por certo que se aplicam não apenas como diretrizes para a incriminação de condutas, mas também para a descriminalização, assim como para o aumento e diminuição de penas (no tipo abstrato), a criação ou abolição de agravantes e atenuantes e etc. Por outro lado, o aqui exposto pode igualmente se aplicar à legislação civil, no entanto, apenas um estudo mais específico e detalhado poderia apontar neste sentido.

Um dos princípios que guiam a atividade legislativa é a vontade subjetiva, ou seja, o desejo expresso da população que uma determinada medida legislativa seja tomada. Podemos dizer que a vontade subjetiva atua mais diretamente sobre os critérios de culpabilidade (reprovação social da conduta).

Essa vontade é constituída por subjetividades, grandemente influenciada pela moralidade e outras relações de fato existentes que originam sentimentos. Isso significa que este princípio não tem a sua constatação realizada de forma objetiva, como poderia transparecer se substituíssemos o termo vontade por "interesse", pois, neste caso, é a vontade subjetiva da sociedade que indica a desaprovação de tal conduta, que, neste momento, só se dá de forma subjetiva.

A diferenciação de interesse mais objetivo e mais subjetivo é importante porque a utilidade (interesse mais objetivo) nem sempre está presente, embora o interesse subjetivo (vontade) possa estar. Por outro lado, é possível que a vontade não seja decisiva para a formação de determinada legislação sobre uma determinada conduta, enquanto é predominantemente a utilidade que embasa tal medida. Afirmar que a vontade seja subjetivamente orientada é asseverar que inexiste a necessidade do crime constituir qualquer dano (concreto ou presumido) ou perigo para que uma conduta constitua crime, bastando o juízo de reprovação social.

Como já prenunciamos, a utilidade é outro dos princípios, e este se funda nas vantagens que resultam da promulgação da lei. Esta verificação de benefícios é obtida através de uma análise conjuntural, na qual uma medida só é relevante em termos de utilidade se obtém resultados que são considerados positivos. No entanto, a valoração do que podemos tratar como um resultado positivo depende de um juízo que envolve ao menos um mínimo de subjetividade, visto que muitos dos critérios que orientam a medição de bons resultados são valorativos (sentimentais). Todavia, o elenco do que seria útil pode se basear nas prioridades fixadas pela política do governo vigente, na Constituição Federal e/ou no consenso dos especialistas sobre o assunto. E, como será demonstrado posteriormente quando tratarmos do princípio da oportunidade, esta utilidade pode ser fragmentada pela dinâmica comunicativa.

Mesmo envolvendo certa subjetividade, esta não se confunde com a vontade subjetiva enunciada no parágrafo anterior, pois esta subjetividade se origina de uma constatação orientada a utilidade, enquanto a subjetividade da vontade é movida pela comoção popular e repúdio social, sendo certo que a utilidade não é aferida na vontade subjetiva.

Na incriminação de condutas, a utilidade pode se contrapor a vontade subjetiva, enquanto a vontade subjetiva pode atuar independente da vantagem potencial utilitária, promulgando-se uma lei que apenas satisfaça o desejo subjetivo das pessoas, sem gerar qualquer utilidade social.

A valoração da vontade como único critério legislativo configura uma anomalia, uma exceção a regra da legislação criteriosa e bem construída. Porém, a realidade nos obriga a tolerar certas manifestações legislativas impulsionadas unicamente por este tipo de subjetividade. Aliás, a orientação puramente subjetiva da legislação geralmente ocorre porque o senso comum pensa que há utilidade quando na verdade não há, visto que as relações de causas e efeitos por vezes envolvem sentimentos que deturpam a racionalidade instrumental, erroneamente vinculando falsos efeitos a certos tipos de causas, que, na verdade, adquirem outras repercussões que aquelas vinculadas.

Entretanto, como a segurança psicológica do homem médio, e conseqüentemente da maioria da população, depende do cumprimento de certos postulados que estes acreditam que estão certos, a utilidade de promulgação destas medidas reside justamente na supressão do medo e raiva no povo, visto que um estado que não responde aos anseios psicológicos da população poderá não ser capaz de suportar a crise de legitimidade resultante da impopularidade destas medidas unicamente racionais.

Uma dessas medidas baseadas quase unicamente na vontade subjetiva é a aplicação da pena apenas como uma retribuição do mal social, ao invés executá-la com uma certa dose sócio-educativa. No entanto, isto não significa que as penas devam ser puramente sócio-educativas, visto que, assim, certas pessoas poderiam cometer o crime para se beneficiar da medida, gerando também uma crise de legitimidade do estado frente a população, visto que a necessidade psicológica do povo clama por vingança social. Evidentemente, muitos criminosos não são susceptíveis de serem educados, e, por isso, o único efeito eficaz da pena é a retribuição da sanção, assim como, por outro lado, a coercitibilidade (coerção psicológica) sobre aqueles que pretendem realizar o crime é muito menor se não houver uma certa retribuição.

No entanto, cabe uma ponderação, se a medida em vários aspectos causa um desserviço social, quer dizer, uma utilidade predominantemente negativa, e, apesar desta utilidade psicológica derivada da popularidade, a desvantagem é superior, necessário se faz seguir a utilidade para legislar. O exercício proposto, na qual ponderamos a "utilidade psicológica" e a "desvantagem utilitária" não é simplesmente impossível porque são de qualidades diferentes, mas significa que a comparação será difícil, e que esta deverá avaliar fatores da situação concreta, como, por exemplo, se o estado beira uma crise de legitimidade, o que significaria favorecer a vontade subjetiva. Por certo que o impasse entre utilidade e vontade poderá ser na maioria das vezes solucionado pelo nosso próximo princípio, o da instrumentalidade das formas legais.

Os temores subjetivos na maioria das vezes podem ser evitados na sociedade através de outras medidas muito mais eficazes ou danosas que o direito, e em especial, o direito penal. A instrumentalidade significa uma avaliação coerente dos meios ao alcance do estado, e um cotejo do custo/benefício causado pela implementação da medida através do aparato legal (especialmente o criminal) e o que poderia ser garantido por outras formas não legislativas.

Neste mesmo sentido, a avaliação instrumental pode aconselhar uma utilização conjunta de dispositivos legais com outras medidas sociais, o que significaria imputar a lei papel totalmente diferente que nos casos que ela atua sozinha.

Por outro lado, ao invés de legislar sobre um assunto para satisfazer a vontade subjetiva da população, a instrumentalidade indica que existem outras medidas sociais menos negativas e mais eficazes que a legislativa para evitar esta crise de legitimidade, como, por exemplo, através de um "marketing" bem planejado.

Existem vários exemplos sobre o uso da instrumentalidade, que é capaz de descartar a tão preceituada diminuição da maioridade penal de 18 anos para 16 anos. A diminuição deste limite legal não satisfaz as exigências de forma tão eficaz como outras medidas, como as sociais preventivas, constituídas pela educação, políticas do primeiro emprego, uma diminuição do desnivelamento econômico-social; e as re-educativas, que deveriam ser aplicadas nas hoje famigeradas Fundações Estaduais para o Bem-Estar do Menor (FEBEM). Certo é que existe uma pressão social dos veteranos do crime para que os menores realizem condutas proibidas, visto que a punição contra estes é menos severa, o que faz com que a corrupção de menores atinja idades muito inferiores aos 16 anos, principalmente no que tange as regiões pobres dominadas pelo tráfico de drogas. No entanto, é preciso reeducá-los, visto que, nesta idade, são muito mais susceptíveis a este tipo de influência que quando maiores de 18 anos.

Uma possível prisão de jovens de 16 anos agrava a associação mental que estes fazem entre o Estado (e os seus instrumentos de repressão e suas classes dirigentes) com o mal-estar social da população humilde, como se o próprio estado fosse a causa da sua situação de miserabilidade. Esta associação mental é positivamente reforçada quando estes jovens angariam uma boa situação financeira quando executam condutas proibidas pelo Estado (como se este estivesse proibindo os humildes de conseguir uma boa situação), e negativamente reforçadas quando estes são confinados, na qual o Estado aplica a retribuição social, gerando uma revolta ainda maior nestes delinqüentes, quando, na verdade, seria o momento propício para realizar uma dissociação mental, reforçando a figura do Estado como um educador, fornecendo meios pelos estes pudessem adquirir sucesso profissional e etc.

Assim, sem uma análise da instrumentalidade e utilidade de uma medida, corre-se o risco de se cometer incoerências, como neste caso, visto que a minoração da maioridade dificilmente terá um efeito muito efetivo, mas, ao contrário, ensejará um meio de socialização entre delinqüentes mais jovens e criminosos com alta periculosidade.

Outro caso bastante polêmico é o da proibição de armas, Beccaria já afirmava: "Falsa idéia de utilidade é a que sacrifica mil vantagens reais a um inconveniente imaginário ou de poucas conseqüências. É a que tiraria o fogo dos homens, porque queima, a água, porque afoga, que só repara os males com a destruição. As leis que proíbem portar armas são leis dessa natureza. Tais leis só desarmam os que não tem vocação nem determinação para os crimes, enquanto aqueles que têm coragem de violar as leis mais sagradas da humanidade e os dispositivos mais importantes do Código, respeitarão leis menores e puramente arbitrárias, tão fácil e impunemente passíveis de transgressão e cuja exata execução suprime a liberdade pessoal, tão cara ao homem quanto ao legislador esclarecido e submete os inocentes a todos os vexames destinados aos réus. Tais vexames colocam os agredidos em posição de inferioridade, privilegiando os agressores; ao invés de diminuir o número de homicídios, aumentam-no por ser mais confiável assaltar os desarmados do que os armados" [11]. A melhor opção seria tornar obrigatório um treinamento rigoroso (principalmente psicológico e cultural preventivo) para aqueles que pretendem comprar uma arma, instruindo sobre os seus riscos, cuidados adicionais com crianças, leis pertinentes, etc.

Os exemplos citados demonstraram que a utilidade depende relativamente da instrumentalidade, visto que uma medida por via de regra será quanto mais útil quanto mais eficaz for o seu instrumento. Já a vontade subjetiva sem estes critérios pode atuar de forma catastrófica, cabendo a nós a evitá-la no máximo e a tolerá-la no mínimo.

Da mesma forma, é possível perceber que, ao contrário dos outros princípios, o princípio da instrumentalidade serve para desclassificar a legislação como um meio efetivo para um fim estabelecido politicamente, seja qual for. No entanto, quando serve para auxiliar na produção de uma legislação em específico, não é capaz de subsistir sozinho, visto que serve apenas para direcionar um impulso que surgiu pela vontade e/ou utilidade e/ou oportunidade (a ser analisada). Mas, como nos outros princípios, a presença da instrumentalidade não é um imperativo absoluto para que se possa legislar, embora se admita que a atividade legisferante será grandemente empobrecida sem a observação deste critério.

Dentre os efeitos da falta de direcionamento pela instrumentalidade, resultante da predominância quase exclusiva da vontade subjetiva, está a formação de antinomias impróprias de valoração, como no caso de imposição de penas superiores para determinadas ações/omissões, quando outras condutas cujo grau de periculosidade é maior possuem penas menores, ou sequer constituem crime. Outro efeito da falta de análise da instrumentalidade são as antinomias impróprias na forma teleológica, quer dizer, em casos em que o meio legal não satisfaz o fim (que também é estabelecido legalmente). Isto pode ser causado pela já mencionada influência dos sentimentos sobre a instrumentalidade das formas e efeitos, estabelecendo falsos vínculos de causalidade. Por outro lado, é igualmente possível que nenhum dos instrumentos a disposição do Estado seja capaz de atingir finalidade que é estabelecida legalmente, porque aquele fim incorpora um ideal impossível, o que faz que o problema teológico persista sempre.

É necessário denotar que a proporcionalidade das penas surge da conjunção da utilidade com a instrumentalidade, visto que quanto mais eficiente é um instrumento penal (e por isso útil) quanto mais proporcional for a pena aplicada a sua respectiva infração.

A clareza das leis e o princípio da tipicidade do crime também obedecem a estes dois princípios, visto que a incriminação deve primariamente estimular a prevenção e secundariamente a punição e/ou reeducação, caso contrário existiriam maiores contingentes populacionais dentro das cadeias do que fora delas. No entanto, uma lei não cumpre o primeiro objetivo (prevenção) se os seus dispositivos são obscuros. Por outro lado, punições de crimes atípicos representam não só insegurança jurídica, como uma total falta de direcionamento instrumental, visto que não serve para prevenir condutas, porque a população não conhece o que é proibido, tão pouco pune condutas são socialmente danosas, visto que uma base variável para punições implica em incriminar acidentalmente condutas que representam na verdade um bem social.

Como a pena é um instrumento direcionado apenas para a punição dos seus infratores, os processos penais não atingem a sua finalidade se não alcançarem este objetivo. As conseqüências disto são a insatisfação popular, a crise de legitimidade proveniente de um estado ineficiente, seja porque condena uma maior quantidade de pessoas do que deveria, ou menos do que poderia, ou mesmo porque concede uma quantidade de benefícios/ônus que não coincide com a vontade subjetiva da população.

A utilidade cuja conjuntura é de urgência pode ser chamada de "necessidade". No entanto, se avaliarmos a edição de leis apenas pelo vínculo da utilidade, podemos distorcer o sistema, principalmente quando a medida considerada útil não corresponda com a vontade da população. Nestes casos, principalmente em se tratando de legislação civil, é comum que o povo não satisfaça os seus objetivos porque se tenha escolhido uma determinada política econômica e/ou plano social, possivelmente levando em conta que a utilidade é formada apenas por critérios objetivos, como variações de câmbio, estabilidade da moeda e da economia, produto interno bruto, taxa de juros, quantidade de presos, penas aplicadas, etc. Este efeito é uma distorção da realidade, porque, até certo ponto, estes fatores considerados objetivos deveriam servir em longo prazo como planos que favoreçam vontades subjetivas de bem estar, como a estabilidade financeira do fator família da macro-economia, a baixa criminalidade. Todavia, quando a legislação se desvencilha totalmente da vontade subjetiva do seu povo, estas medidas são desvirtuadas, vistas como fins em si mesmas.

Desta maneira, o estado buscará apenas a satisfação de números, esquecendo que o bem estar não é simples estabilidade financeira, e que o caminho que o leva ao bem social não é conseqüência natural da uma economia em desenvolvimento, e que a vontade subjetiva não pode ser satisfeita com medidas cuja implementação é através de pacotes econômicos, mas políticas sociais sólidas, que complementam, direcionam e distribuem as vantagens obtidas em uma economia estável.

O último princípio aqui exposto é o da oportunidade, que não quer significar uma utilidade conjuntural, como poderíamos supor, mas sim a expressão de interesses políticos em contraposição, na articulação da racionalidade comunicativa.

Por óbvio que o sistema democrático trabalha com uma contraposição de mediações, arranjos e trocas entre os partidos no poder e entre os próprios poderes e seus integrantes (executivo, legislativo e judiciário), para que sejam satisfeitas certas necessidades sociais ao mesmo tempo em que se sacia a necessidade individual dos políticos. Aliás, o termo "oportunidade", no sentido mais egoísta, tem a sua semântica na ciência política, denotando uma deturpação da democracia através de anomalias no agir comunicativo que Habermas havia pensado.

No entanto, um certo egoísmo por parte dos políticos não pode ser chamado de problema propriamente dito, visto que a sua existência é indissociável e indispensável para a atividade democrática. Desta maneira, os partidos se organizam em grupos opositores e aliados, sendo inimaginável outra organização que possibilite uma democracia eficaz, visto a melhor fiscalização não pode prescindir da cisão do poder (pluralidade de partidos) e da contraposição de interesses e vontades.

Neste contexto, as medidas populares (eventualmente desnecessárias) servem de moeda de câmbio para outras que são necessárias e úteis para um determinado grupo social politicamente representado, o que impede a falta de popularidade de um partido, por não atender aos interesses da população.

O intercâmbio de favores serve tanto para atribuir a determinados representantes políticos crédito popular por apoiar medidas que são vangloriadas pela opinião pública, como para executar medidas impopulares, em contraposição, que, se não equilibradas, podem resultar na não reeleição do político. A medição de popularidade se dá através da análise da vontade subjetiva popular, enquanto a necessidade de uma medida se percebe a partir de uma urgência necessária (utilidade) em sua execução, cuja conjuntura revela indispensável.

Já a oportunidade, apesar de incorporar dados de ambos os campos (vontade e utilidade), realizando a interação política destes, independe dos mesmos, visto que enquanto a vontade subjetiva representa um juízo de aprovação social, a oportunidade se refere a um juízo de vontade subjetiva exclusiva do representante do povo, quer dizer, do político, que terá que avaliar se a negociação para a legislação de tal medida não irá desfavorecer outras mais objetivamente úteis e/ou consideradas mais importantes (assim avaliadas pelo político individual ou mesmo pelo partido e/ou bancada que participa, levando em conta a popularidade e/ou a utilidade).

A votação de uma legislação pode desfavorecer outras ao passo que, como os interesses tendem a se confrontar com outros (provenientes de outros grupos também representados no governo através de bancadas), grupos políticos de um lado se obrigam a formar grupos de aliados para superar quantitativamente os demais representantes de outros grupos opositores, e uma oposição a diferentes grupos em um espaço de tempo reduzido acaba por fazer fracassar um projeto legislativo, visto que os opositores se aglomeram em grupos maiores, realizando um intercâmbio de favores, na qual um concorda em se opor (ou concordar) com determinada votação se o outro se opor (ou concordar) com outra.

Não olvidamos que o político representa na verdade os interesses da nação, e apenas indiretamente os da população e dos partidos, mas a realidade demonstra que estes partidos são financiados por entidades ou grupos sociais, com as quais querem manter seus vínculos, visto que ou financiam suas campanhas e/ou lhes fornecem votos, necessários a perpetuação dos partidos.

Como se pode notar sobre a oportunidade, de um lado, as anomalias de excesso desta em desfavor dos outros princípios levam a vinculação da promulgação de leis ao egoísmo pleno dos políticos, e, do outro lado, a falta de negociação de medidas levam a destruição do partido e/ou a inexecução das medidas que pretendia realizar, seja por não avaliar o risco de privilegiar medidas úteis e altamente impopulares perante o público e os seus financiadores, seja por não permitir um mínimo de dialogo e negociação com os outros partidos, capaz de conseguir apoio político para aprovação de medidas consideradas úteis por este segmento partidário, que logicamente pode estar vinculado a uma parcela da população, grupo e/ou classe.

Desta maneira, através da oportunidade, partidos políticos que representam determinadas parcelas da população segmentam a vontade subjetiva geral avaliando apenas a vontade do grupo (econômico ou de cidadãos) que representam, visto que, ao invés de se preceituar o princípio da vontade subjetiva de toda a população, pesam apenas o que quer um determinado grupo social de quem extraem os seus votos e/ou fundos, se opondo aos integrantes de outros grupos (seja porque estes grupos representam interesses opostos ou porque viram na oportunidade uma boa forma de angariar público eleitor, contrapondo às medidas impopulares).

O mesmo ocorre no princípio da utilidade, que ao invés de avaliar a utilidade da possível lei através dos potenciais benefícios e malefícios que esta possa gerar para toda uma população, avalia apenas em função de uma classe e/ou grupo. Isso ocorre nos casos de penas de mortes, já que a vontade dos criminosos é menosprezada em favor de um bem (em termos de utilidade) para os cidadãos não criminosos, visto que elimina tanto os custos do estado, financiados pelos impostos para a manutenção das prisões, como igualmente aniquila danos sociais provenientes da reincidência (que ocorre com a fuga ou a libertação) destes criminosos de alta periculosidade.

Desta forma, tanto a vontade subjetiva como a utilidade é fracionada e correlacionada a oportunidade, o que não revela propriamente distorções, mas a dinâmica real da política, principalmente daqueles sistemas nas quais o financiamento das campanhas eleitorais se dá majoritariamente pelas doações de entidades de grupos privados.

Desta forma, preceituando uma melhor racionalidade comunicativa no sistema democrático, é importante que os segmentos consigam estabelecer relações de discurso, que, como demonstrado, são também permeadas por relações de poder. E é neste âmbito que a dinâmica de intercâmbio e composição entre os poderes políticos (partidos) se realiza, visto que a mudança de opinião através da convicção espontânea tem efeito secundário. Cabe afirmar que este estimulo voluntário da convicção se dá quando uma parte convence a outra, levando em conta argumentos que se restringem a uma demonstração que a aquela medida é útil e necessária (utilidade mais urgente) sem que haja um real intercâmbio de favores.

No entanto, a realidade demonstra que na maioria dos casos os partidos tentem convencer diretamente o público eleitor, e apenas indiretamente os outros partidos, que se vêm influenciados pela modificação da opinião pública.

É desta forma que eliminamos boa parte da ingenuidade de Habermas e de sua democracia radical, demonstrando que o sistema político possui certos vícios de impossível extinção, e que, por isso, devem ser reconhecidos, e baseados nesta conjuntura de problemas e benefícios, tentar relacionar os vícios de tal forma que deles se possa extrair algum benefício [12].

Não se sabe ao certo se a legalização dos princípios expostos seria benéfica. Aliás, os próprios princípios aqui expostos servem para avaliar colocá-los na legislação seria uma boa medida. E, concluindo o raciocínio, parece que é instrumentalmente mais eficiente a conscientização dos nossos políticos, seja diretamente, ou indiretamente, comovendo pela opinião pública. Aliás, legislar sobre o assunto poderia engessar as relações políticas, cuja liberdade é indispensável para a manutenção da democracia.


Nota

01. Canotilho, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991.

02. Nader, Paulo. Filosofia do Direito, 8ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000. Págs. 214 à 216.

03. Machado Neto, Antônio Luís. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 4 Ed. São Paulo, Saraiva, 1977. Pág. 24.

04. Beccaria, Cesare Bonanesana. Dos Delitos e Das Penas. 2ª Ed. rev., 2ª tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. Pág. 32

05. Sobre o assunto, Bedaque, José Roberto dos Santos. Poderes Instrutórios do Juiz. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

06. Pensamento defendido por Descartes. Russell, Bertrand. História do pensamento ocidental: a aventura dos pré-socráticos a Wittgenstein. Tradução: Laura Alves e Aurélio Rebello – Rio Janeiro: Ediouro, 2001. Pág. 278.

07. Idem. -------------------------. Pág. 448, quando trata do pensamento de Wittgenstein.

08. Foi Kuhn que inaugurou este pensamento. Sobre o assunto, ver: Kuhn, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas, 5ª Ed. São Paulo: Editora Perspectiva.

09. Sobre o assunto: HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 4. ed. Vol. 1. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1997. No entanto, este autor parcialmente ignora as relações de poder e autoridade que também se configuram na racionalidade comunicativa.

10. Alvarez, Marcos César. Michel Foucault e a Ordem do Discurso in Sete Ensaios sobre o Collège de France / Afrânio Mendes Catani, Paulo Henrique Martinez (orgs.) – São Paulo, Cortez, 1999. Pág. 75.

11. Becaria, Cesare Bonesana, Marchesi di; Dos Delitos e das Penas, tradução J. Cretella Jr. E Agnes Cretella, 2 ed. Rev., 2 tir., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. Pág. 126.

12. Esta referência pode ser exemplificada por uma analogia parcialmente inadequada, mas didaticamente útil, através de uma equação matemática = "-1 x -1 = + 1", quer dizer, os vícios relacionados com eles mesmos podem atingir resultados positivos, e algumas vezes tão positivos quanto se fossem feitos por meios considerados não deturpados como pela moral e ética (ex.: " +1 x +1 = +1, ou o mesmo resultado atingido pela multiplicação de valores negativos).

Sobre o autor
Alessandro Rafael Bertollo de Alexandre

acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALEXANDRE, Alessandro Rafael Bertollo. Critérios para legislação de condutas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3706. Acesso em: 23 dez. 2024.

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